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História da Igreja Cristã - W Walker

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IEJA I 
A pi~bi ica~áo deste livro foi possível graças as contribuiçóes da 
Evangelisches Missionswerk iii Deutschialid (Hamburgo, Alemanha) 
e das Igrejas Pro~estantes Unidas na Holanda - Ministérios Globais (Utrecht), 
às q~iais a hsociaçáo de Semi~iários 'kológicos Evangélicos agradece. 
Associaçáo de Seminários Teológicos Evangélicos 
I'resideni-e: Prof. Manoel Bernardino de Santana Filho (Rio de Janeiro) 
Vice-Preçide~ite: Prof. Dr. Gerson Luis Linden (São Leopoldo) 
Secretário: Prof. Dr. Nelson Krlpp (Sáo Leopoldo) 
Tesoureiro: Prof. Gerson Correia de tacerda (Sáo Paulo) 
Vogais: 
Profa. Maria Betânia Arliújo (Recife) 
Prof. Carlos Getúlio Halbero, (~orco ' hlçgre) 
l'rof. Dr. Paulo Roberto Garcia (Sáo Bernardo do Campo) 
Diretor Executivo 
Prof. Fernando Borrolleto Filho 
DA IGREJA CRISTÃ 
E RICHARD A. NORRIS 
DAUID W. LOTZ 
ROBERT T. HANDY 
3' edição 
tradução de Paulo Siepierski 
Título original: A Hiitory oj'tbe Christian Chuwh - Charles Scribner's Sons, New York 1959 O. 
Primeira ediçiío em iírigua portuguesa: ASTE O 1967. Segunda edicáo em língua portuguesa: 
ASTEIjUERP 1980. Tesccira edi5áo cm Krig~ia portuglicba; AS'l'E (baseada na 4n edicáo em 
inglês) O 2006. Todos os direitos reservados. 
1 Direçáo Editora1 
1 Fçrliaildo Boitollçt<i Filho 
I 
e! Preparação do Índice 
1 Gerson Coirçia de Lacçrdd 
i 
Revisáo 
! hlatioel Zilves Barbosa 
Capa e Projeto GráF~co 
bfarcos Gianelli 
niarcos.giancl1iGgmail.m 
Seminário Concbrdia 
Biblioteca 
Sist. -2 ., 
Reg. 1 - - I 
Data prQc * li 
Editoraçáo Eletrônica 
emblerna idtias visuais 
iellfas [ I I ] 3023 4187 
Dados Inrcrnacionais de CaraIoga~Zo na Publicacão ICIPI 
IClmdra Brasileira do Livro, Sl', Brasil) 
1-irulo iir;girial. .i Iiisrorr o f r l ie chriiri.ili (:hurik 
I S R S Sí -8 - j h í -12 -5 
05-b0-8 CD13 2-0 
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i 1 g ~ j ~ çrisci.: l i isruriz 2-0 
ASTF. - r l r s o ç i a ) á o dc Srmiriários Teológicris EsançClicos 
K~ ia Rego Freitas, 530 E 13 
01210-010 Sáo I'aulo, SP Brasil 
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Sumário 
Período I 
Do inicio h crise gnóstica ................................... .... ............................ 11 
....................................................................................... Capítulo 1 . A Situaiáo Geral 11 
.................................................................................. CapítuIo 2 - AnteccJerites Judaicos 21 
..................................................................................... Capírulo 3 - Jesus e os Discípulos 29 
........................................................................ Capítulo 4 - A Comunidade Crisrá Inicial 32 
CapítuIo 5 - Paulo c o Cristianismo Gentílico ............................. .. ........................... 35 
.................................................................... Capitulo 6 - O Fim do Período Aposr61ico 44 
............................................................................ Capítulo 7 - A Interpretaqáo de Jesus 48 
............................................... Capítulo 8 - O Crisriailisrno Geniílico do Seguiido Século 56 . . ...................................................... ..................... Capírulo 9 - Organizay2u Crisrá ...... 61 
............ .......................................... Capítulo 10 - O Cristianismo c o Governo Rorna110 .. 67 
Capítulo 1.1 - Os Apologistas .......................................................................................... 71 
Período I1 
.............................................................. D a crise gnósticd a Constmz tin o 75 
. . 
Capítulo I . Gnost~cisrna .............................. .. ............................................................... 7.5 
CapítuIo 2 . Marcião ....................................................................................................... 83 
Capítulo 3 . 12/Iontanis~no .............................................................................................. 85 
Capitulo 4 - A Igreja Cacólica ........................................................................................ 87 
Capítulo j - h Imporrânçia Crescente da Igreja Romana ................................................ 32 
Capírulo 6 - Iriiieu de Liáo ............................................................................................... 95 
................................................................................... I:apítulo 7 - Tertuliano e Cipriano 97 
. . 
......................... Capítulo 8 - A Teologia do Logos e o Monarqii~ai~isrno .................... .. 102 
Capírulo 9 - A Escola AIexandrina ............................................................................... 106 
Capitulo 10 - A Igreja e a Sociedade Romana de 180 a 260 ....................... .. .............. 114 
Capítrdo 11 - O ~csenvolvimentn ConstirucionaI da Igreja ........................................... 119 
Capírulo 12 - O Culto Público s o Tempo Sagrado .................................................. 123 
Capítulo 13 - Batismo .................................................................................................... 126 
. . 
Capítulo 14 - A Eucai-~sria .............................................................................................. 132 
Capítulo 15 - C) Perdão dos Pecados ..................................... ... ....................................... 135 
Capítulo 16 - Padróes da Vida Crisrã ........................................................................... 138 
Capírulo 17 - Kepo~iso e Crescimi-nto ........................................................................... 142 
C:apítulo 18 - Forcas Religiosas Rivais .......................................................................... 145 
C;apítulo 19 - A Luta Final .............................................. ..... ............................................ 147 
6 HISTORIA !A IGREJA C R I S T ~ 
%I Período III 
................................................................. 1 O Estado Imperiul dd Igreja 1 53 
......................................................................................... Capítulo 1 . A Nova Sirua~áo 153 
Capítillo 2 . Da Controvtrsia Ariana aré a Morte de Constailtino ................................ 156 
.......................... . j Capítulo 3 A Controvérsia sob o Reinado dos Filhos de Constantino 163 .................................................................. . Capírulo 4 A Conrinuaçáo da Luta Nicena 167 
Capítulo j . As Invasões Germânicas ............................................................................. 173 
I Capírulo 6 . O Crescimerito do Papado ....................................................................... 178 
............................................................................................. . I Capítulo 7 ~Clonasticisnio 181 
:.I 
. .............................................................................. Capítulo 8 hmbrósio e Crisósrorno 188 
.................................................................... . Capítulo 9 As C:ontxovérsias Cri~toló~icas 191 
1 ............................................................................... . Capíruio 10 O Orieiite Dividido 205 
4 Capít-ulo 11 . ControvCrsia e Caristrofe no Oriente ....................................................... 214 
. . ........................................... . 
i . 1 Capítulo 12 O Desen\~oivimento Lonsritucior-ial da Igreja 217 
...................................................................................... . 1 Capítulo 13 Culto e Piedade 221 
.......................................................................... . j Capítulo 14 A TradiSáo Cristã Latina 229 
.................................................................................................. . Capitulo I j Jer61iimo 231 
Capírulo 16 . Agostinho dc
Hipona ............................................................................... 233 
.......................................................................... . : ! Capituio 17 A Contro\4rsia . . Pelagizna 244 
.................................................................................. . I .1 Capírulo 18 Sernipelagianismo 248 g; ..................................................................................... . Capítulo 19 GregOrio Magno 250 
Periodo IV 
A I'dade Média e o Encerramento dd Conaovkrsiln da Investidurd ......... 258 
. . 
Capítrilo 1 . Missóes nas Ilhas Brirânicas ...................................................................... 258 
............................................................... Capítulo 2 . 0 Cristianismo c o Reino Franco 264 
Capitulo 3 . Orier-irc e Ocidente na Conrrovérsia Iconociasta ......................................... 270 
Capítulo 4 - Os Frailcos e o Papado ............................................................................. 274 
........................................................................................... Capítulo 5 . Carlos Magno 277 
Capitulo 6 - O Cristianismo Europeu no Noim Século .............................................. 283 
Capirulo 7 - O Papado e o Impirio Otônida ................................................................. 293 
........................................... Capítulo 8 - A Igreja Grega após a Conrroversa lconoclasra 301 
Capítulo 9 - A Expansáo Cristá na f l t a Idade Média .............................................. 305 
Capírulo 10 - O Papado Rcformador ........................................................................... 310 
.......................................................................... Capítulo 11 - Ua Reforma Revolução 316 
..................................................................... Capítulo 12 - Hildelirando e Henrique TV 321 
Capíriilo 13 - O Fim da Controvérsia sobre as In\restiduras ............................................ 324 
. . 
: 1 Periodo V 
....................................................................... A Iddde Média Posterior 327 
............................................................................................... . Capítulo 1 iis Cruzadas 327 
.................................................................... . Capítulo 2 Novos X4ovjmentos Religiosos 337 
. ........................... Capítulo 3 Heresia Medieval - Os Cáraros e Vaidenses; a Incluisição 348 
................ Capírulo 4 - 0 s Tlorniriicanos. os Franciscanos e outras Ordens Mendicantes 360 
Capítulo 5 . Escolascticisrno inicial; h s e l n i o de Cantuária e l'edro Abeiardo ................ 375 
CapítuIo 6 . A Redescoberra de Aristóteies; o Surgimenro das Universidades .................. 387 
............................. Capitulo 7 . O Alro Escolascicismo e sua Teologia; "romás de Aquino 394 
Capítulo 8 . Escolasticismo Posterior; Duns Scotus e Guilherme de Ockharn ................. 408 
Capítulo 9 . O Misticismo, a Devocáo ,h4 oderna e a Heresia .......................................... 421 
................................................................................... Capítulo 10 . Missóes e Derrotas 428 
Capítula J 1 . O Papado em seu Apogeu e Declínio ....................................................... 430 
Capitulo 12 - O Pspado em Avinháo; Defeiisnres e Críticos do Papado; 
o Grande Cisma ............................................................................................................. 437 
Capítulo 13 - Wyclit'e Hus .......................................................................................... 442 
Capítulo 14 - Os Concilias Reformadores ............................................................... 453 
Capítulo 1 5 - O Renascimerito Iraliano e seus Papas; 
.......................................................................................... Líderes Religiosos PopuIares 460 
.................................................................... Capítulo 16 - 0 s Novos Poderes Nacionais 469 
Capítulo 17 - Humanismo ao Norte dos Alpes; 
..................................................................................... Piedade às Vésperas da Reforma 476 
Período VT 
............................................................................................ A Refirma 483 
Capitulo 1 . O Desenvolvime~ito de Lutero e os Prirnórdios da Reforma ....................... 489 
................................................................................. Capítulo 2 . Separações e Diiisóes 506 
............................................................ Capítulo 3 - Úirico &íngho e a Reforma Suíqa 517 
........................................................................................... Capítulo 4 . Os Anabaristas 524 
........................................... Capítulo j - O Esrabelecirnentn do Protesta~itisnio Alemão 533 
Capítulo 6 - Os Países Escar@navos ..................................... .......................... . . . . . . . 545 
Capítulo 7 - A Reforma na Suíqa Fracófona e em Genebra antes de Calvino .................. 549 
.............................................................................................. Capitulo 8 - Joáo Calvino 553 
...................................................................................... Capírulo 9 - A Reforma Inglesa 564 
Capítulo I 0 - A Reforma Escocesa ................................................................................ 583 
.................................................. Capítulo 11 - A Reforma Católica e a Contra-Reforma i 89 
Capítulo 12 - Disputas Confessionais na Franca, nos I'aaíses Baixos 
e na Inglaterra ............................................................................................................... 605 
Capítnlo 13 - As Controvérsias Religiosas Alemãs e a Guerra dos 
............................................................................................................. Trinta Anos ...... : 619 
CiFítulo 14 - Socinianismo ............................................................................................ 630 
.......................................................................................... Capítulo l i - Arminianismo 633 
Capítulo 1'6 - Anglicanisrno, Puritanismo e as Igrejas Livres na Inglaterra, 
Episcopalismo e Presbiterianismo na Escdcia ............................................................... 638 
Capítulo 17 - Os Quacres .............................................................................................. 660 
Período V71 
O Cristiaurismo Moderno ...................................................................... 663 
Capítulo 1 . Os Primórdios da Ciência e da Filosofia Modernas ..................................... 663 
Capítulo 2 . A Transpiantaçáo do Criscianisrno para as Américas ................................... 669 
Capítulo 3 . O Deísrnn c seus Oponentes; o Ceticismo ........................................... 678 
Capítulo 4 . Unitarisino na Inglaterra e na América ....................................................... 686 
Capítulo 5 . O Pierismo na Alemanha ....................................................................... 688 
Capítulo 6 . Zinzendorf e o Moravianismo .................................................................... 694 
Capí~uIo 7 . O Rcavivamenco Evangélico na Grá-Dreranha; 
Wesley c o Mctodismo ................................................................................................... 699 
Capítulo 8 - O Grande Desperramento .................................................................... 712 
CapítuIo 9 - O Impacto do Reavivamenco Evaiigilico; 
o Surçinicnro das Missões Modernas .............................................................................. 718 
............................................. Capítulo 10 - h Época da Revolu@o nos Estados Urlidos 722 
................................. ............... Capirulo 11 - O l~uminiçmo (Auf ld~run~)
Alcrnáo .. 729 
Capítulo 12 - Tendências no Peiisamerito Prorestante Alemáo 
no Século Dezeilove ..................................................................................................... 734 
Capítulo 13 - O Protesrantisrno Ingles no S&ciilo Dczenove ........................................... 749 
................................. Capítulo 14 - C) Protestanrismo Coritiriental no Século Dezenove 759 
................................... CapíruIo 15 - O Prorestantismo Americano no Siculo Dezenovc 764 
.......................................... Capírulo 16 - O Carolicisino Romano no Murido Moderno 781 
........................................... Capículo 17 -As igrejas Orientais nos Teinpos Modernos 792 
Capítulo 18 - O ?r?ovimento Eçumênico ....................................................................... 802 
Capítulo 19 - A Igreja no hlundo .................................................................................. 813 
Prefacio à Terceira Ediqão em Português 
Diante da decisáo da ASTE de lançar mais uina edicáo desta obra de VI! WaIker, 
surge imediaramente a questão: será que o texto náo está ultrapassado? 
A pergunta merece ser analisada. final de contas, a primeira ediqáo do texto de 
Walker ocorreu no ano de 191 8, ou seja, há quase um século. Duranrc esse período, 
a pesquisa hisciirica avançou rnuito. De Gato, ocorreram importantes descobervas que 
náo foram do conhecimento de Walkcr no início do século Além disso, 
temos de levar cm conta as quesróes metodnlógicas. Também nesse campo houve 
mudanças significativas. Já náo se analisa a história como se fazia há cem anos. 
A partir daí, poderia se concluir que um esforc;~ deveria ser feito rio sentido de se 
publicar algum outro texto a respeito da história da igrcja que fosse mais atual e que 
levasse em conta as mais recentes descobertas da pesquisa histórica. 
No entanro, há outros fatores a serem considerados. Em primeiro lugar, a obra de 
Walker tornou-se um texto clássico, o que a torna indispensável. Em segundo lugar, 
o texto editado pela ASSE não é, rigorosamente, o mesmo publicado em 191 8. Na 
verdade, C um texto que já passou por três importantes rex~isóes e atua1izac;óes. Ein 
1959, a segunda ediçáo do texco de Walker foi revista e atualizada pelos Profs. Cyril 
C. Richardson, Wilhelm Pauck c Robert T. Handy, do Union Theological Semii~ary 
da cidade de Nova Iorque. Seus responsáveis informaram no prefdcio daquela edicáo 
que "era inevitável que alguns trechos necessitassem de alguma rnodernizacãa. Por- 
tanro, os Últimos capirulos foram quase rotalme~lrc reescritos (...) A segáo que [rara 
do período moderno sofreu uin trabalho mais radical de revisão. com vistas a rorná- 
Ia mais atualizada". Dez anos mais tarde, Robert T H a n d ~ no prefácio da terceira 
edicán, acrescentou: "Muitos eventos importantes na história da igreja ocorreram 
nos anos 60 (...) (Por isso) foi decidido introduzir algumas mudanças na úlcirna 
parte da obra, acrescentar mais um capitulo e atualizar as sugescóes bibliográficas". 
Finalmente, em 1984, a quarta edicáo, elaborada por fichard A. Norris, David W. 
Lotz e Robert T. Handy, informa, em seu prefácio, que foi feito um amplo traballio, 
com novas concepcóes, remodelacóes e redação, "incorporando os resultados dos 
mais recentes trabalhos de pesquisa" no campo dos escudos histcíricos. 
Todo esse trabalho constante de revisáo e de atualizacão faz com que o texto de 
Walker conrinue a rer um valor inestimável. Com a sua baseada na quar- 
ta ediqáo em inglês, com nova tradução, a ASTE, sem dúvida, oferece uma contri- 
buição imporrai~te a todas as pessoas que se dedicam ao ensino e ao estudo da histó- 
ria da igreja nas mais diversas instituiçóes de ensino teológico de nosso país, bcm 
como às que desejam crescer no conhecimento do passado do povo de Deus para 
uma atuncáo mais relevante no presente. 
Gerson Correia de Lacerda 
Seminário Teológico de São Paulo da 'lPI do Brasil 
Período I 
D o inicio à crise póstica 
Capitulo 1 
A Situaçáo Geral 
Na época do nascimento de Cristo, as terras circunvizinhas ao mar Mediterrâneo 
estavam sob o controle de Roma, cujo impirio abrangia náo somente os 
territórios costeiros mas também as terras interiores. Limitado pelo oceano e pelos 
rios Reno e Danúbio ao norte do Mediterrâneo, esse império abarcava o norte da 
África e o Egito e se estendia para o Orienre até as fronteiras com a k m ê n i a e o 
império persa. 
No século e meio antes do surgimento do cristianismo, a influência do senado e 
do povo romano foi estendida desde a Itália, de forma a incluir não apenas a Gália, 
a Espanha e o norte da África no Ocidente, mas também no Oriente, as monarquias 
helenísticas que haviam sucçdido ao império de Alexandre Magno. Esse período de 
expatlsáo coincidiu com uma era de crescente conff ito e insrabilidade na vida social 
e política da república romana. O assassinato (44 a.C.) de Júlio César, efetuado por 
um partido que temia a subversáo das instituicóes repiiblicanas tradicionais, foi se- 
guido por guerras civis que afetaram codas as partes dos territórios governados por 
Roma. De modo geral, foi com alívio e esperanqa, portanto, que o povo saudou o 
triunfo final de Otávio, sobrinho e filho adotivo de Cisal; cuja tarefa se [ornou 
reconstituir o estado romano e reformar a administraçáo de suas províncias. Pi-eser- 
vando a forma das instiriii~óes republicanas, Augusro (como Otávio foi oficial e 
reverentemente nomeado em 27 a.C. pelo senado) eventualmente concentrou todo 
o poder efetivo (impeáztm) em suas próprias rnáos, recebendo o status vitalício de 
tribuno do povo e depois cônsul, com o título "cidadáo líder" (princqs). Agindo 
com essa autoridade, ele colocou em ordem o governo das províncias e trouxe relati- 
va paz ao conjunto do inundo mediterrâneo. 
12 HISTÓRIA Dh IGREJA C R I S T i 
O sistema imperial que Augusco entáo estabeleceu abarcou povos de muitas lín- 
guas e culturas. Em muitas regióes do império, a unidade social e política básica era 
- ou tornou-se - a polis, um termo comumente mas inadequadamente craduzido 
como "cidade." Isso era uma corporaçáo de cidadáos zelando pelos negócios de um 
territbrio modesto cujo coração era um centro urbano de maior ou menor tamanho. 
Sob a égide romana, tais corporaqóes cívicas - que em sua maior parte eram governa- 
das ~ligar~uicarnente - ficaram responsáveis por seus próprios negócios locais c tam- 
bém pelos impostos que sustentavam o estado imperial e seus ex6rcitos. Cada cidade 
portanto supria o necessário para o culto à divindade ou divindades, que eram seus 
patronos, para a administração da justiça e para o bem-estar de seus cidadáos e ou- 
tros residentes. Cada cidade era um foco de orgulho local, com suas raízes econômi- 
cas na área rural circunvizinha. 
Conjuntamente, o império era uina muitidáo de agrupamentos étnicos, culturais 
e religiosos mant idos juntos por u m a submissão política comum, pela 
interdependência econômica e comercial e pelo compartilhar de uma cultura superi- 
or. Politicamente, tudo dependia de Roma, seu imperador e seus exércitos, tanto 
para a rnanutenqáo da ordem interna como para a prote~áo das fronteiras exteriores 
da civiiizaçáo mediterrânea, onde a maioria das legióes estavam estacionadas. Den- 
tro do impkrio, a principal fonte de riqueza era a rerra e seus produtos, e a agricultu- 
ra era a atividade principal. As comunidades distantes do Mediterrâneo e seus rios 
tributários viviam em sua maior parte da prod~qáo local, mas as cidades do litoral - 
especialmente os grandes centros cosmopolitas corno Roma - eram dependentes de 
um vigoroso comércio de gêneros alimentícios da vida cotidiana: cereal, vinho e 
olivas. O cereal do norre da África alimentava a população de Roma e, mais tarde, <i 
cereal egípcio transportado do porto de Alexandria sustentou os habitantes de 
C:onstantinopla. A própria Itália era uin centro de vinicultura,
e seus vinhos eram 
exportados extensivamente. As cidades mediterrâneas, portanro, que formavam o 
cerne do império, estavam cada vez mais vinculadas por uma rede de relaqões conier- 
ciais. 
A unidade e coesáo do império, entretanto, dependia também da existencia de 
uma cultura comum superior - a cultura "helenística" que se desenvolveu no encaiqo 
das conquistas de Alexandre Magno (356-323 a.C.), quando a língua, educaqáo e 
iiistituiqóes cfvicas gregas foram difundidas pelo mundo mediterraneo oriental. 
Mesmo Roma, no século e meio anterior ao nascimento de Cristo, tornou-se tribu- 
PERIUDU I DO iiicio A CRISE EFIOSTICA 13 
tária intelectual e cultural da tradiçáo grega. Ao passo que a língua grega se tornava o 
idioma cotidiario do moradores urbanos no Oriente, ela rambtrn se rornava a segun- 
da língua normal para as pessoas instruídas no Ocidente, onde o latim era o idioma 
comum. Outras línguas (aramaico, copta, púnico) de maneira alguma desaparece- 
ram, mas eras tenderam cada vez mais a se tornar línguas das pessoas sem instruçáo e 
da populaçáo rural. Dessa maneira, a ciência grega, a filosofia religiosa grega e a arte 
e literatura grega enriqueceram e foram enriquecidas por ourras tradiqóes e criaram a 
possibilidade de um mundo compartilhado de valores religiosos e culturais para a 
civiiizaçáo urbana da área mediterrânea. 
Nesse mundo complexo, diverso e notavelmente sofisticado, práticas, crenças e 
preocupaçóes religiosas eram centrais nas vidas, tanto de indivíduos como de comu- 
nidades. Simultaneamente, entretanto, as correntes religiosas da época eram diver- 
sas. Falando em termos gerais, podemos distinguir três amplas categorias de observa- 
ção e crença religiosa. Primeiro, havia a religiáo tradicional dos deuses da fiamilia c da 
comunidade - o que poderia ser chamado de "religiáo cívica" do mundo helenístico- 
romano. Segundo, havia os assirn chamados "cultos de mistério." Estes eram em sua 
maior parte cultos orientais que tinham suas raízes iníticas 110s ritos de fertilidade 
locais, mas que, no mundo cosmopolita do império de fala grega, passaram por uma 
transformaqao e se tornaram fraternidades voluntárias que ofereciam a seus iniciados 
a salvação dos embaraços do Destino e da Fortuna. Finalmente, havia a maneira de 
vida que buscava a bem-aventurança e realização humana atravis da busca e prática 
da sabedoria filosófica: uma sabedoria baseada na crítica aos deuses tradicionais do 
panceáo grego, mas capaz, conforme o tempo passava, dc ofcrecer uma versáo 
"dernitol~~izada" da religiáo tradicional. Na prática, estes diferentes estilos de reli- 
giáo coexistiam pacificamente, e alguns indivíduos estavam, em um grau maior ou 
menor, envolvidos em todos os três. Eles respondiam, encreranto, a iiecessidades 
diferentes, e em cerra medida pressupunham diferentes percepqóes da condição hu- 
mana. 
Em um ponto, porém, os vários tipos de religiáo concordavam. As pessoas no 
mundo romano estavam adquirindo - na maior parte, de fato, já haviam adquirido - 
um novo retrato do cosmos. A terra chata c o céu conio arco superior do niiro antigo 
já era passado. Pessoas instruídas e meio-instruídas igualmenre agora percebiam a 
Terra como uma esfera sem movimento estabclccida no centro das coisas. Ao redor 
dela se moviam em suas órbitas as sete esferas planecárias, e ao redor desse sistema se 
14 HISTURIA DA IGREJA CRISIA 
movia "o céu", o domínio das estrelas fixas. Para os antigos, entretanto, esse universo 
náo era uma simpies máquina. Em vez disso, eles o como uma coisa com 
alma (ou seja, viva) na qual movimento e mudanca metúdicos eram mantidos pela 
Mente divina. O mundo estava impregnado de vida, e os deuses que habiravam o céu 
e as esferas planetárias eram as manifestações ou representantes do Poder divino 
último, que se estendia a todas as coisas, até mesmo aos negócios naqueie setor do 
cosmo (Terra) que era o mais distante domínio divino. 
A religião tradicionaf no mundo helenístico-romano era um negócio ~ ú b l i c o e 
social, um negócio da Gamília c da comunidade. Uma vez que o bem-estar das pesso- 
as dependia em todo instante da boa vontade dos deuses, os poderes cósmicos, a 
religiáo procurava a ajuda deles para vencer as preocupaçóes comuns da vida: o cres- 
cimento das plantações, a conduta dos negócios, os difíceis empreendimentos da 
guerra e da diplomacia. Seus rituais eram muito antigos e tradicionais, quase nunca 
racionalizados, e conduzidos pelos líderes normais da comunidade: o cabeça da fa- 
mília ou os magistrados elcitos da cidade. Essa religiáo utilizava adivinhacóes, so- 
nhos e oráculos para buscar a vonrade dos poderes; ela utilizava a oragáo e o sacrifício 
para fazer aliança com eles. 
É neste ambiente de tal religih tradicionai que devemos compreender o fenôme- 
no do culto ao imperador ou culto do estado, que se desenvolveu no império roma- 
no. Os triunfos das tropas romanas e os benefícios que a ordem imperial concedeu 
ao mundo mediterrâneo convenceram os próprios romanos, como também a maio- 
ria dos povos a eles sujeitos, que o poder romano era uma manifesraçáo do poder dos 
deuses - que Roma tinha uma missáo divina. O próprio Augusto, consciente de que 
o destino da cidade imperial somente poderia ser cumprido se ela mantivesse seu 
pacto com os deuses, empreendeu um reavivamento da religiáo tradicional. Ade- 
mais, no momento em que ele erigia um altar para a deusa Paz na casa do senado, em 
Roma, ele seguia precedentes orientais anteriores encorajando um culto à deusa Roma 
- o poder divino manifesto na obra conquistadora e ordenadora do estado romano. 
Uma perspectiva semelhante jaz por trás do estabelecimento e crescimento do culto 
ao imperador divino, cujas origens verdadeiras estão no Oriente e não em Roma, 
propriamente. Quando permitido pela primeira vez na Itália, esse culto assumiu a 
forma relativamente modesta de veneracáo ao "gênio" do imperador (ou seja, ao d te r 
e80 divino do govemanre humailo), ou entáo da "deificaçáo" de um imperador após 
sua morre. As sensibilidades romanas originalmente náo permitiram a declaração de 
pnioeo I 00 INíEIO i CRISE GNÓSTICA 15 
que um ser humano comum fosse eIe mesmo um deus; somente um doido reconhe- 
cido como Calígula (37-41 d.C.) ter dado tal passo. Nas províncias, entre- 
tanto, e especial~nente no Oriente, tal restrição era menos comum. Li, seguindo uin 
coscume muito antigo, era oferecido culto ao imperador em sua própria pessoa como 
uma manifestação viva do divino. Esse culto náo suscitava nenhuma piedade pessoal 
profunda, disseminado e cuidadosamente organizado como eirentualmenre fosse; ele 
pertencia ao domínio da religiáo cívica formal, e seu papel, como as pessoas de modo 
geral reconheciam, era político. Ele representava, contudo, uma convicção verdadei- 
ra: que a base da ordem política jazia no domínio divino. 
Essa religião tradicional, porém, era em muitos senão na maioria dos casos 
irrelevante para as aspiraçóes e necessidades pessoais. Seus rituais, cuidadosamente 
mantidos como foram, eram impessoais e sua preocupação era com a ordem pública 
e o bem-estar público. Conseqüentemente as pessoas simples das cidades se voltaram 
para outros cultos religiosos para obter seguranqa pessoal, prosperidade e o senti- 
mento de ocupar lugar e destino positivos em um mundo confuso e impessoal. 
O cosmo, conforme estas pessoas o experimentavam, nao era um conjunto per- 
feitamente ordenado e harmonioso. A Terra da experiência deles estava bem distante 
do domínio abençoado dos deuses. Era o dominio da chance e da necessidade, na 
qual os poderes demoníacos, cujo território era a região inferior entre aTerra e a Lua, 
exercitavam sua vontade imprevisí~rei. Muito da religiáo popular, portanto, estava 
preocupado em compreender e controlar os poderes não humanos que, 
frequentemente, capricIiosainent-e, assim parecia, governavam a vida humana. A prá- 
tica da magia
- a iitiiiza~áo de encantos, feiticos e amuletos - era reinante. Havia 
também um grande modismo de astrologia, importada no período helenístico da 
Rabilônia e difundida por todo o nlundo mediterrâneo. Consultar as estrelas era 
obter algum discernimento sobre o destino de alguém. Era também confessar que o 
destino das pessoas estava nas máos de forcas externas. 
É essa situacáo que torna compreensível a popularidade dos cultos de mistério. 
Estes, como já vimos, eram "religióes naturais" orientais que, no período helenístico, 
foram disseminadas no mundo mediterrâneo como religióes de salva$io. Os mais 
populares deles eram os cultos da Grande Mãe, originário da Ásia Menor; de Ísis c 
Será~is, oriundos do Egito; e de Mitras, que se disseminou mais tardiamente a partir 
da Pérsia. Originalmente Roma viu essas religióes com suspeita. Elas envolviam ritu- 
ais entusiásticos, até mesmo orgiás~icos, que pareciam incompatíveis com a mordidade 
e o decoro público. Não obstante, foram as próprias autoridades romanas que, em 
um período de crise nas guerras concra Cartago, introduziram o culto da Grande 
Máe (adequadamente purificado de seus excessos) no recinto sagrado dos de~lses 
romanos (204 a.C.); e por volta de 80 a.C., o culto de ísis estava estabelecido nas 
vizinhanças de Roma, embora tenha sofrido longa oposição governamental. Com o 
tempo, estes cultos foram aceitos até mesmo no Ocidence como um elemento nor- 
mal na vida religiosa, tanto da populacáo como dos governanres. 
O que eles oferecianil Por um lado ofereciam, em seus rituais de iniciacão e no 
çulro, uma cxperiência do Divino que tocava e despertava profundas emoções de 
reverfncia, adrniracáo c gratidão. Os iniciados desses mistkrios secretos "viam" o 
deus e entravam em comunháo com um ser divino que se havia manifesto para 
cuidar deles. Ao mesmo rempo, esses cultos ofereciam a dádiva de uma imortalidade 
abençoada em comunhão com os deuses. Enraizados como geralmerite estavam no 
mito de um deus que morria e ressuscitava, eles forneciam uma experiência de 
reilascimento para uma nova quaíidade de vida. O iniciado, feito uin participante na 
vida do deus, era elevado acima do domínio terresrre controlado destino e pelo 
acaso e portanto era liberto para a imortalidade própria daqucles que desfrutam 
comunháo com o Divino. Os cultos de mistério, portanto, eram reiigióes de salvaçáo 
que tanto se valiam como nutriam uin sentimento de transcendência. 
Um terceiro caminho pelo qual as pessoas poderiam seguir eni sua busca por uiria 
vida feliz e realizada era o da sabedoria filosófica. Na periodo helenístico-rornano, 
"filosofia" nao era o nome de uma disciplina acadêmica preocupada com uma strie 
particular de questóes abstratas. Ao invés, ela denotava a busca por uma compreen- 
sáo do cosmo e do Iugar da humanidade dentro dele - uma comprceiisáo que era 
alcanpda somenre pela participacZo em um certo modo dc vida e que se tnanifesram 
em felicidade ou beaticude. A vocação de filósofo, portanto, niio era para qualquer 
um. Ela requeria urna vida de disciplina moral e intelectual que apenas poucos pode- 
riam seguir. Por outro lado, as descriç6es do mundo e da coiidiçáo humana que a 
filosofia desenvolvia rinlian-i urn nieio de se rorriarem triviais na moralidade e na 
religiáo popular. No fi nai. a filosofia fornecia a moldura de compreensão que dava 
sencido aos mi~os e rituais da religião. 
A origem das escolas filosóficas heleníscico-romanas é encontrada no quarto sé- 
culo antes de Crisro, no movimento de inquiriçáo e e s p e c ~ l a ~ á o estimulado pelo 
ensino de Sócrates em Atenas. Esse niovimenro teve seu primeiro grande líder em 
P E R ~ O U U I DO IFllCIO h CRISE 6NbSTICL ií 
Platão (m. 347 a.C.), cujas idéias foram comunicadas em forma popular em sua série 
de diálogos. A Academia que ele fundou - e que foi finaIrnente fechada somente em 
529 pelo imperador cristão Justiniano - foi a primeira das grandes "escolas" de filo- 
sofia helenística. Aristóteles (384-322 a.C.), pupilo de Platáo, rompeu com a Acade- 
mia depois da morte de Platáo e tornou-se o f~tndador da escola peripatética, mas a 
influência do ensino de Aristóteles foi sentida mais fortemenrc na era cristá, depois 
da republicaçáo de suas obras fiIosdficas e científicas no primeiro século a.C. Subse- 
qüentemente, surgiram as escolas de Epicuro (342-270 a.C.) e aquela dos estóicos, 
assim chamados por causa do Pórtico ( d a ) , uma saIa pública em Atenas onde seu 
fundador, Zenáo (ni. ca. 264 a.C.), originalmente ensinara. Cada uma dessas escolas 
se tornou, efetivamente, uma fraternidade continuadora que expôs e desenvolveu os 
ensinos de seus fundadores. As diferenqas entre elas envolviam uma ampla ordem de 
questóes: epistemologia, cosmologia e teologia, como também ética. O problema 
central que foi debatido no período helenístico, enrretanto, foi o da natureza da vida 
humana "feliz" ou realizada. 
A escola de Epicuro ensinava que o prazer - no seilcido r-iegativo de ausência de 
perturbaçáo mental ( a t u ~ x i n ) - era o bem humano mais elevado. A boa vida é a vida 
que maximiza o prazer minimizando a dor concornitante ao desejo e ansiedade des- 
necessários. I'ortanto, paradoxalmente, o maior prazer é alcanqado por uma vida de 
quietude, afastamento e reclusão: uma vida caracterizada essenciain~ente pelo auto- 
coi-itrole. Epicuro e seus seguidores consideravam a religião - temor dos deuses e 
ansiedade sobre a vida futura - como uma das principais fontes de perturbaçáo e dor. 
Eles acreditavani, entretanto, que todos esses temores religiosos náo tinham qual- 
quer fundamento. Os deuses existem, eles ensinavam, em um mundo empireo prb- 
prio c não têm nenhuma responsabilidade pelos negócios dos seres humanos ou 
interesse neles. A morte, ademais, assinala um mero fim à existsncia humana e por- 
tanto náo é um mal, uma vez que com a morte desaparece a consciência do prazer e 
da dor. Essa doutrina se encaixava admiravelmente na convicção epicurista de que o 
cosmo é formado, corno Demócrito (m. ca. 380 a.C.) havia ensinado anteriormente, 
pela combinacáo ao acaso e sempre em mudanca de átomos, existindo eternamente 
dentro do Vazio. Essa filosofia desfrurou de um breve modismo no primeiro século 
a.C. em círculos aristocráticos em Roma e seu maior produto literário é o brilhante 
poema De rerum naturil do romano Lucrécio (m. 55 a.C.). No período cristão, as 
doutrinas de Epicuro náo foram nem influentes nem disseminadas, mas foram com 
18 HIST~RIA DA IGREJA GRISTÁ 
freqüência injustamente ridicularizadas, por cristãos e outros, para propósitos 
polemisticos. 
Muiro mais influente, especialmente no Ocidente latino, era a filosofia dos estói- 
cos com seu ensino de que o único bem humano é a virtude ou "a vida de acordo 
com a natureza." As doutrinas de Zenáo, expandidas e desenvolvidas por seus suces- 
sores Cleantes (m. ca. 232 a.C.) e Crisipo (m. ca. 207 a.C.), encontraram notáveis 
expoentes ocidentais em Sêneca (m. 65 d.C.), o ex-escravo Epicteto (m. ca. 135 
d.C.), e o iinperador Marco Aurélio (121-180 d.C.). Como os epicuristas, os estói- 
cos eram materialistas. Toscamente falando, eles concebiam o cosmo sendo compos- 
to de dois tipos de "coisas" ou "substâncias": uma mattria passiva, e o ativo, ardente, 
"espírito" ou "sopro" (pizeuma) que rransfunde a matéria, forma-a, e a faz coerir. Tal 
pnezlma funciona no corpo cósniico semelhantemente à alma no corpo humano; ou 
seja, é a fonte da vida e da harmonia. Denominado "Deus" ou "Destino" ou "Razão" 
(logos), esse "espírito" é a divindade residente, cujos poderes fluindo sáo os deuses da 
religiáo popular. A alma humana, ela mesma racional, é uma faísca ou porcão da 
Razáo divina. 
O bem para as pessoas, entáo, consiste em elas serem plcnamenre aquilo que são 
- isto é, em viver e agir de acordo com sua identidade e natureza interior, que é o 
logus. Apenas tal vida é a existência humana
exceler-ite (ou, em ourras palavras, virtu- 
osa). Ademais, apenas a vida virtuosa t' livre, pois somente ela está na capacidade de 
as pessoas a alcanprern, e sornenre ela permite que as pessoas sejam verdadeiramente 
elas próprias. Qualquer que seja o que dependa, pois, de circunsrância externa - 
saúde, por exemplo, ou sucesso terreno, ou prazer sensual - náo é parte essencial do 
bem humano. Na realidade, a dependência de circunstância externa aliena a pessoa 
de si mesma. Isso é uma doença da alma que os estóicos chamaram 'paixáo" kathoj), 
por que a pessoa que está sujeita a isso é passiva em rcla~áo às influências originárias 
do exterior e nesse caso irrçalizadas e não livres. Essa perspectiva levou os estóicos i 
percepcão de que as diferenps de posicáo e status sáo secundárias. Todas as pessoas 
sáo em última instância iguais, cidadãos companheiros uns dos outros e dos deuses 
em uma cidade cósmica. 
No período helenístico, os ensinos mais disseminados foram os epicuristas e os 
estóicos. O futuro, entretanto, pertenceria ao platonismo, que passou por um 
reavivamento no primeiro século antes de Cristo, embora em uma forma significati- 
vamente alterada. O ensino de Platáo estava fundamentado em úlrima análise, em 
~nioeo I 00 INICIO À CRISE GNOSTICII 14 
sua distin~áo entre o que-é (Ser) e o vir-a-ser (Devir). Platáo, buscando o verdadeiro 
fundamento da ordem nos domínios moral, político e natural, discerniu-o no siste- 
ma de Formas ou Idéias - os modelos ou originais da realidade empirica. Estas For- 
mas eram caracterizadas por duas qualidades essenciais. Primeiro, elas eram percebi- 
das simplesmente como um ger, imutáveis, auto-identicamenre, e por conseqüência 
eternas. Segundo, elas eram percebidas como inteligíveis, capazes de serem alcançadas 
pela mente. Em contraste com esse domínio do Ser e da Int~li~ibilidade, Platáo via o 
mundo visível da experiência imediata como um domínio de contínuo De\ rir ' - um 
mundo sobre o qual era impossível ter conhecimento estável, pois estava sempre 
escorregando entre nossos dedos mentais. 
Esses dois domínios do Ser e do Devir, contudo, náo estavam divorciados na 
percepção de Platáo. O mundo empírico reflete e participa do mundo ecerno do Ser. 
Ele faz isto, ademais, devido à atividade da alma viva c automotriz, que habita ambas 
as esferas. Quando a alma contempla e internaliza o Ser inteligível, conformando sua 
própria vida àquela verdade, ela ordena e harmoniza o mundo do Devir, de forma 
que a ordem temporal se torna "uma imagem móvel da eternidade." A ordem cdsmi- 
ca é portanto o produto da contemplasáo e agáo da A m a do Mundo; a vocaçáo dos 
seres humanos, eles próprios almas racionais, é imitar aquela contemplaçáo e acáo: 
elevar-se ao conhecimento das Formas, daquilo que-é, e nesse conhecimenro confe- 
rir ordcm moral e política aos negócios humanos. 
Os sucessores imediatos de Platáo na Academia continuaram sua tradicáo de pen- 
samento e as inquirições matemáticas que surgiram de sua teoria de que as Idéias e 
Formas eram "números" arquetípicos. Com Arcesilau (315-241 a.C.) e Carnéades 
(213-128 a.C.), a Academia tomou nova dirc~áo. Convencidos de que Sócrates e 
Platáo nunca haviam proposto um sistema positivo, "dogmático", mas sempre havi- 
am examinado as questóes de todos os lados sem alcancar conclusóes firmes ou 6- 
nais, esses pensadores ensinaram a doutrina da "suspensáo de juízo" (eporhê). Com 
esse espírito, eles montaram ataques críticos sobre a crença nos deuses e sobre OS 
dogmas das outras escolas filosóficas (especialmente aqueles dos estóicos), ensinan- 
do que o homem sábio encontra na probabilidade, não na certeza, o único "guia 
para a vida." Esse espírito de "dúvida acadêmica" impressionou em muiro o filósofo 
roinano Cícero (106-43 a.C.) e através dele o jovem Agostinho de Hipona. 
No fina!, entretanto, o ceticismo não reinou na Academia de Platáo. No primeiro 
século antes de Cristo - e aproximadamente ao mesmo cempo quando as obras cien- 
20 HISTÓRIA DA IGREJA CRlSTh 
tíficas e filosóficas de Aristóteles foram redescobertas e começaram a circular - apare- 
ceu um movimento, geralmente conhecido como "Platonismo Médio", que procu- 
rava retornar aos ensinos positivos de Piaráo, especialmente àqueles conforme enun- 
ciados no diálogo Timeti. Foi típico desse movimento, porém (o qual no decurso do 
primeiro e do segundo séculos cristãos elevou-se para virtual predominância), que 
sua compreensáo de Platáo fundiu suas idéias com temas extraídos do estoicismo e, 
posteriormente, de Aristótelcs. 
Desse modo o "Platonismo Médio" assimilou de Aristóteles a idiia da matéria 
sem forma como o substraro último de todas as coisas visíveis, como também o 
conceito dc um Deus transcendente, entendido como Mente (nous). Esse Deus tinha 
as Formas de Platáo como o conceúdo de seu pensamento, e assim foi identificado 
com o domínio do Ser de PIatáo. O cosmo visível é modelado como a Alma-Mundo 
eterna, formado e animado por sua contemplaçáo de Deus, que por sua vez confere 
forma e harmonia à maréria sem forma. Segue-se desse relato de coisas, que o filósofo 
que busca a auto-realização ao conformar sua maneira de ser à realidade última, tem 
que tomar o cosmo e sua ordem como o ponto inicial de sua busca, pois o cosmo G 
a imagem e reflexo da verdade eterna. ,4o final, entrecanto, ele deve transcender o 
mundo visível. Ele tem de elevar-se em seu pensamento ao Bem original, eterno. Lá 
a muitiplicidade do mundo espásio-temporal é harmonizada em uma unidade últi- 
ma, e lá a alma racional enconrra sua companhia adequada e o objeto plenamente 
digno de seu amor. Pois a alma, também, é eterna e imortal, e sua afinidade natural 
náo é com o mundo espásio-temporal passageiro, mas com o Ser. Portanto o fim da 
busca filosófica é "semelhança com Deus": um conhecimento de Deus que iniplica 
um compartilhar na maneira divina de ser. 
Como já foi dito, essa busca filosófica náo era para qualquer um. O caminho do 
filósofo para a auto-realização envolvia não apenas estudo e instrução demorada, 
mas rambéni uma ascese (askêsis) designada para purificar a aima das paixões que a 
impediam de ser seu verdadeiro eu. Contudo a busca filosófica como era compreen- 
dida no período do alto império, tinha mais do que um pouco em comum com o 
ânimo da religiáo popular, especialmente como esta era expressa no modismo dos 
cultos de mistério. h b a s buscavam um tipo de salvacáo das mudanças e acasos da 
\,ida no mundo. Ambas consideravam essa salvaçáo como uma libertaçáo - seja das 
paixóes que amarravam as pessoas ao mundo espásio-temporal ou dos poderes cós- 
niicos hostis ou indiferentes. h b a s , finalmente, percebiam o ser humano como 
PIRIOBO I 00 IlliC10 A CRISE GN~STICA 2 1 
capaz de um destino transcendente em comunháo com o Divino. Não é surpresa, 
portanto, que um filósofo platônico como Plutarco de Queronéia (m. ca. 120 d.C.) 
seja capaz e dcseje obter sentido filosófico do mito de Ísis e Osíris - para perceber isso 
como uma alegoria da condição e destino da humanidade. Nem é mais surpreenden- 
te que quando outra religião oriental de salvacão - o crisrianismo - começou sua 
caminhada no ambiente social e cultural das cidades hrlenizadas do impCrio roma- 
no, ela enconrrasse ressonâncias sirnpácicas na filosofia e na religião daquela época. 
Capitulo 2 
Antecedentes Judaicos 
Nos seis séculos anteriores ao nascimento de Cristo, o povo jude~i esreve sujeiro 
ao governo de uma série de impérios que controlaram a Siria e a Palestina. Depois da 
deportaçáo de Israel para a Babilônia por Nabucodonosor (586 a.C.), uma parte do 
povo retornou para a Judéia sob a direcáo de Esdras, com a bêncáo da nova monar- 
quia aquemênida (persa), e iá, sob a autoridade de um sátrapa local, foi deixada sem 
perturbacáo tia prática de seus próprios costumes religiosos e sob o governo de sua 
própria lei. Essa toleranre dos persas foi continuada
pelos governanres 
helenísticos daludéia, os Ptolomeus do Egito, e entáo, depois dc 200 a.C., os selêucidas 
com suas bases de poder na Síria e na Mesopotâmia. Porcanto a Judkia no período 
helenísrico tinha com efeito o status polírico de uma "ernarquia", governada nos 
negócios domésticos por um sumo sacerdote hereditário e seus conselheiros. Era um 
esrado pequeno, isolado canto pela geografia como pela cultura das áreas 
crescentemente helenizadas do liroral e do norte, e no início tinlia pouca parricipa- 
çáo na prosperidade de seus vizinhos. 
Esse mesmo período - particularmente os séculos de governo prolomaico e seleucida 
- assistiu a uma notável expansáo no número de judeus que viviam fora da Judéia, na 
assim chamada Diáspora. Desde a conquista de Jerusalém por Nabucodonosor, ha- 
via uma comunidade substancial de judeus na Rabilonia, e mesmo antes daquele 
período havia pequenos estabelecimentos no Egito. Durante o período helenísrico, 
22 H I ~ T O R I A DA IGREJA CRISTA 
enrretanro, tanto os ptolomaicos como os selêucidas descobriram que os judeus eram 
súditos úteis e soldados capazes e alegremente os estabeleceram, ou permitiram que 
eles se estabelecessem fora de sua terra natal já com populaçáo em excesso. Portanto 
o Egito, a Ásia Menor e a Síria passaram a ter grandes populaqóes judias. Por volta do 
primeiro século cristáo, talvez tanto quanto um terço da populacáo de Alexandria 
era judia, e havia estabelecimentos náo apenas no Orienre mas também em Roma e 
em outras cidades ocidentais. Os judeus da Diáspora ordinariamente náo se torna- 
vam cidadáos das cidades onde se estabeleciam, pois para isso normalinente eles 
miam que participar no culto dos deuses civis. Eles mantinham sua identidade reli- 
giosa e nacional e formavam comunidades especialmente privilegiadas de "residentes 
esrrangeiros" (metoikoi), ou então, como em Alexandria, uma politeuma - ou seja, 
uma corporaçáo civica denrro de uma comunidade maior. Seu relativo isolamento 
fez com que se tornassem objeto de interesse e por vezes de inveja e desconfianca por 
parte dos outros habitantes das cidades onde se est-abeleceram. 
Os focos da identidade judaica estavam no templo em Jerusalém e na lei de Moisés, 
que hncionava não apenas como código religioso mas também como código civil. 
Os judeus da Diáspora pagavam um imposto anual ao templo até sua des~ruicáo (70 
d.C.), e o culto no ~emplo era o centro formal da vida nacional. Na Judéia como 
tambbm na Diáspora, no entanto, o baluarte operanrc da identidade de Israel, seu 
senso de ser um povo separado dedicado ao Seril-ior em santidade, era n Lei. Estudnr, 
entender e manter a Lei era a chamada e o deleite do judeu sério. 
Essa pseocupaqáo dominante em enrender e manter a sabedoria prática da Lei 
encontrou expressão visível em duas institui~óes. A sinagoga, cujas origens pro~ravel- 
mente retrocedem ao exílio, era tipicamente uma assembléia de todos os judeus em 
um dado disrrito, presidido por um grupo de "anciãos" que f'sequencemente tinhain 
um "príncipe" (archon) sobre eles. Esta assembléia se reunia para orar e santificar o 
nome de Deus, mas também para ler e inrerpretar a Lei e os Profetas. Os oficiais da 
sinagoga eram responsáveis pela administração da Lei e portanto pela puniqáo ou 
excomunháo dos contraventores. Ademais, todavia, a necessidade de interpretar a 
Lei e santificar a vida da comunidade submetendo todos seus aspectos ao governo da 
Lei produziu uma classe de funcionários religiosos chamados "cscribas", dos quais o 
próprio Esdras era contado o primeiro. Esses homens, que na Judéia e em outros 
lugares se rornaram os verdadeiros líderes religiosos do povo, buscaram tanto expan- 
dir o alcance da aplicação da Lei como também vigiar conrra sua violaçáo, interpre- 
QERL000 I 00 iNfEI0 h CRISE GNOSTICR 23 
tarido-a da maneira mais cautelosa e escrita possível ("coriscruir um muro ao redor da 
Lei"). Conseqüentemente, eles gradualmente desenvolveram uma tradi~áo oral de 
interpretaçáo (a ser incorporada bem mais rarde no Talmude), cujo conreúdo foi por 
propbsitos práticos cratado como parte da própria lei. Foi a partir destes círculos de 
escribas que subseqüentemente surgiram os movimentos hasidico e farisaico. 
A grande crise da vida judaica no período helenístico surgiu em meados do se- 
gundo século antes de Cristo, a partir de um conflito dentro da própria comunidade 
na Judéia, um conflito que possuía tanto fontes religiosas como econômicas. Um 
partido na comiinidade, extraído da aristocracia de proprietários de terra em Jerusa- 
lkm, buscou e obteve com o monarca selêucida Antíoco Epifânio IV permissáo para 
alterar a base constitucional da vida judaica, rornando Jerusalém uma cidade no 
estilo grego, com o nome de 'Xntioquia." Consonanre com essa política, i~istiruicóes 
educacionais gregas - gymnxsion e ephebeion - foram estabelecidas para treinar novos 
cidadãos; mas acima de tudo, a Lei Mosaica, sob esre acordo, perdeu sua condição de 
coilstitui~áo da comunidade, uma vez que o poder legislativo estaia agora alocado 
no recenremente criado (e sem dúvida cuidadosamcnec limitado) corpo dc cidadáos. 
Essa tentativa por parte das classes endinheiradas de conformar Israel aos novos tem- 
pos não encontrou apoio nas pessoas comuns de Jerusalém ou da zona rural, e ccrta- 
mente também não nos escribas e devotos da lei. Ela estaTra destinada a fracassar, com 
trágicas conseqüências. Quando o reformador cometeu o erro de substituir o 
sumo sacerdote, o povo sublevou-se. Sua rebelião bem sucedida, entretanto, suscitou 
a intervençáo de Antíoco IV, que para assegurar a segurança de seu reino tomou a 
linha mais dura possível pelo caminho da puniçáo. Ele aboliu a prática do judaísmo 
e instalou o culto a Zeus Olímpico no templo de Jerusalém. 
Dessa maneira, um conflito religioso sobre a he len i~a~áo entre judeus na Judiia 
vinculou-se aos problemas políticos mais amplos do decadente império selêucida. A 
aboliçáo do culto judaico promovida por Antioco provocou a revolta dos macabeus 
(167 a.C.), cujas táticas de guerrilha por fim compeliram Ancíoco e seus sucessores, 
perturbados como estavam pela guerra e pelas luras dinásticas, a entrarem em acordo 
com os líderes judaicos. O resultado final disso teve três implicacóes básicas. O culto 
ao Senhor foi restaurado em um templo purificado e rededicado, e com ele a consti- 
tuição tradicional da erinarquia judaica. Os hasmoneus - ou seja, a familia de Judas 
Macabeu - que na pessoa de Jônaras, irináo de Judas, assumiu o sumo sacerdócio 
com apoio selêucida (152 a.C.) - passaram a ser, depois de 140 a.C., os governanres 
hereditários da Judéia. Ao mesmo tempo, o estado judaico, o qual em 142 a.C. havia 
se tornado efetivamente independente, cresceu em poderio militar até, sob João 
Hircano (1 35-1 05 a.C.), vir a controlar roda a Palestina. Nesse processo, entretanto, 
os objetivos da rebeliáo original foram frustrados. O próprio sumo sacerdócio se 
desenvolveu cm uma monarquia helenística, e as forcas religiosas que haviam impe- 
lido e apoiado a reiroita contra Antíoco encontraram-se em crescente oposiqáo à 
dinastia dos hasmoneus. 
Esse período da revolta dos macabeus e do governo hasmoneu foi a matriz dos 
partidos religiosos e idéias religiosas que dominaram o judaísmo palestino na época 
de Jesus. O advento dos romanos em 63 a.C. sob Pompeu, o Grande, modificou a 
situaqáo apenas tornando os conflitos internos mais agudos. Roma começou por 
intervir para resolver uma disputa sobre a sucessão na casa dos hasrnoneus. Ela solu- 
cionou o problema submetendo p n d e parte do reino judaico ao governo de seu 
propretor na Síria, mas Jerusalém em si foi constituída em um estado-templo, com 
seus negócios domésticos governados pelo sumo sacerdote hasmoneu. Esse sistema 
poderia rer funcionado, 1120 fosse por Roma ter mudado sua mente e violentado as 
sensibilidades judaicas insralando Herodes,
chamado "o Grande", como uin rei vassalo 
(37-4 a.C.) sobre os antigos rerritórios dos hasmoneus. Um idumeu cujo povo havia 
sido convertido pela forç.a ao judaísmo nos dias do poderio hasmoneu, Herodes era 
quase universalmcnre odiado, apesar de sua magnífica reconstrução do templo de 
Jerusalém, suas contribuicóes para a prosperidade maceriai da terra e suas interven- 
çóes ocasionais em Koma para proteger os interesses judaicos. Sua própria presença 
como rei 1-iolenrava a tradicional constituição tcocrática do povo judeu. Ele era, 
ademais, náo apenas um estrangeiro mas também um helenizador manifesto, embo- 
ra algumas vezes cauteloso. Acima de tudo, todavia, sua elevação de impostos empo- 
breceu o campesinato, entregou mais cerras à posse dos latifundiários e transformou 
muitas pessoas comuns em pcdintes ou bandidos. Roma rentou corrigir seu erro 
tornando a Judéia uma província sob um procurador romano (6 d.C.), mas o estrago 
já estara feito. A disputa religiosa, política e econômica que havia sido acionada por 
h t í o c o IV e continuada sob os Iiasmoneus foi apenas exacerbada pela política rn- 
mana. Não constitui surpresa que a primeira resposra ao censo romano de 6 d.C. 
cenha sido uma rebeIiáo local liderada pelo fundador do partido zeiote, Judas o galileu. 1 
E contra esse pano de fundo geral que devemos entender a divisáo que surgiu no 
tempo dos hasmoneus entre um partido sacerdotal, aristocrático, e um par t~do mais 
religiosamente exclusivo, devoto, popular: os saduceus e os fariseus. Os primeiros 
eram o grupo com o qual os hasmoneus gradualmente se associaram. Esse era um 
partido essencialmente secular, cujas atitudes eram determinadas mais por um inte- 
rcsse na expa~isáo política e comercial do que por forte çonvicçáo religiosa. Muitos 
dos princípios religiosos que ele defendia eram simplesmente conservadores. Os 
saduceus eram leais i Lei, por exemplo, mas náo aceitavam a tradic;áo oral dos escribas. 
Eles negavam as doutrinas recentemente popularizadas da ressurreigáo ou imorraii- 
dade, e rejeitavam a noçáo de bons e maus espíritos. Embora bastante influentes 
politicamente, eles náo eram populares junto às massas, que os viam como represen- 
tantes da opressáo econômica, abertos para as influências estrangeiras e negligentes 
em sua atitude para com a Lei. 
Em oposiçáo a esse grupo encontramos os fariseus - "os separados." Esse partido 
permaneceu na tradição dos antigos escribas e dos hasidim, que se haviam reunido, 
originalmente para apoiar a revolta dos macabeus. Sua preocupação primeira era 
com a santificacão da vida por meio de uma observação precisa e alegre da Lei. Ele 
não revelava !grande interesse na ação política (embora o partido dos zelotcs, que 
defendia uma rebeliáo contra o poderio romano, parece ter-se originado no movi- 
mento dos Eariseus), contudo se posicionou de fato diante das questões que afetavam 
a vida política. O partido dos fariseus náo apenas rompeu com os hasmoneus em 
reiagáo à política de expansáo nacional destes, mas também questionou o direito 
deles ao sumo sacerdócio, a verdadeira base do poder real. Os fariseus eram influen- 
tes e amplamente admirados, tanto que os hasmoneus foram eventualmente força- 
dos a dar-lhes representacáo no sinédrio, a assembléia de conselheiros do sumo sacer- 
dote. Contudo, eles não eram numerosos, uma vez que muitas pessoas náo tinham 
nem instruçáo nem tempo para se dedicarem completamente b Lei. Eles defenderam 
ccrtas crenças populares que se haviam desenvolvido naturalinente a partir da expe- 
riência religiosa judaica desde a época do exílio. Eles se apegaram fortemente à exis- 
tencia dc bons e maus espíriros e à doutrina sobre os anjos e Satanás , a qual era 
parcialmente o produco da influência persa. Da mesma forma, eles ensinavani a 
crença na rcssurreiçáo do corpo e em puniçóes e recompensas futuras: crenças 
escatológicas que, juntamente com esperangas rnessiânicas, floresceram no período 
intcnso e problemárico dos dois séculos antes do iiascimento de Cristo. 
Em conexão com o partido Earisaico em sua oposição às dccisóes dos negócios 
religiosos (e portanto políticos) dos hasmoncus estavam os cssênios. Os ensinos des- 
ta seita sáo coiihecidos por nós principalmente por meio de uma coleSáo de roios 
descobertos em Qumrá, na margem noroeste do mar Morto. Lá uma comunidade da 
seita vivia uma vida sernimnnásrica em isolamento do restante de Israel. As origens 
do movimento sáo obscuras. A princípio ela era conhecida somente por meio dos 
relatos de Fílon, Josefo e Plíriio, o Velho, escrevendo no primciro século da era cristá. 
A comunidade de Qumrá, entretanto, cujas construçóes possivelmente podem ser 
datadas por vo.olrn de 135 a.C., parece ter-se reunido como o resulrado de um conflito 
sobre o sumo sacerdócio. Seus membros recordavam um "Mesrre da justiga" como 
seu fundador e o situavam em oposicáo a um "Sacerdote impion - talvez um sumo 
sacerdote ilegítimo, cuja ascensáo ao ofício represenrou, pelo menos para um peque- 
no grupo de piedosos, um repúdio ao fundamento religioso da existência de Israel. 
Alguils historiadores têm procurado identificar o reconhecimento de Simão Macabeu 
como sumo sacerdote hereditário (740 a.C.) como a ofensa que gerou a seita. De 
qualquer modo, esse movimento, diferentemente daquele dos fariseus, retirou-se do 
cenrro dominante da vida judaica, recusando-se a Ter qualquer coisa a ver com o 
culto do templo e acreditando que somente ele era a verdadeira congregacão de Isra- 
el, o remanescente fiel. Seus membros apreciavam a Lei e reivindicavam para si, pela 
obediência ao Mestre da Justiqa, a preservaçáo do significado correto da Lei contra as 
perversões correntes. Eles observavam purjficaçóes peribdicas, um rito anual de en- 
trada e renovaçáo do Pacto, e uma ceia sagrada de pão e vinho. Eles viviam sob unia 
djsciplina esrrita, que está preservada para n6s no Mm11.d de 'ejsripljnd - uma obra 
que também reflete a organizacáo cuidadosa da comunidade, com seus supervisares, 
sacerdotes de Sadoc, anciáos e outros. Acima de xudo, entretanto, eles aguardavam 
fervorosamente a redenqáo futura de Israel. Eles esperavam v aparecimento de uma 
figura ou figuras rnessianicas que se lc-vmrariam para reunir juntas as hostes espalha- 
das de Israel, para derrolar seus inimigos e para inaugurar a era do governo de Deus. . 
Tais esperancas náo estavam limitadas à seita do mar Morto. As frustraçóes religi- 
osas, políticas e econômicas do judaismo popular na Palestina produziram um senti- 
mento conjugado de desânimo e esperanca - desânimo do presente e esperança em 
uma intervençáo fiitura, decisiva, de Deiu para corrigir as coisas. Esse sentimento se 
refletiu acima de tudo na rica literatura de "revelaçáo" ou "apocalíptica' do primeiro 
e segundo séculos a.C. (e mais tarde). Tais escritos registravam visóes nas quais os 
mistérios do mundo ceiestid, do curso da história humana, e do pIano de Deus para 
derrotar a impiedade eram revelados - quase invariavelmente a um sábio anciáo. A 
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mais conhecida destas visóes é o livro canônico de Daniel, composto no cenário da 
disputa contra Antíoco Epifânio IV. Ao lado dele podemos citar outros exemplos do 
gênero como O Livro de Enoque, A Assztn~úo de Moisés e a posterior revelação cristã de 
Joáo. O tema principal dessa literatura apocalíptica é a afirmaçáo de que o próprio 
Deus irá "visicar e redimir seu povo"' para frustrar os poderes do mal terrestres e 
cósmicos e para afirmar seu próprio reino de justica. Havia obviamenre relatos vari- 
ados de como isto poderia acontecer. Em algumas fontes, esperava-se que o próprio 
Deus entrasse em cena; em outras, ele iria agir por intermédio de um ser angilico ou 
sobrenatural. Em alguns lugares, como j i vin-ios, há mencão ao "Messias" do Senhor, 
um rei humano
na linha davídica, do qual esperava-se a restauraçáo do reino de seu 
pai. Qualquer que fosse porém a forma de expectativa, ela refletia uma crença náo 
apenas em que Deus agiria, mas também que a agáo de Deus apenas era suficiente 
para derrotar o mal. 
Igualmente irriporrante na vida judaica pós-exilica era o gênero de pensamento e 
literatura preocupado com o tema da sabedoria. Tradicionalmcnce, sabedoria signifi- 
cava o discernimento prático necessário à conduta bem sucedida dos negócios da 
vida, e os sábios eram pessoas que enxergavam dentro das estruturas e significados 
das coisas.' No judaísmo posterior, isso significava uma compreensáo particular da 
lei de Deus, que era equiparada à sabedoria e portanto tornada a base para inquiri- 
ções tanto em questóes cosmológicas e antropológicas como também legais e morais. 
Tal sabedoria humana, entretanto, era tida como o resultado da aherrura para a ins- 
piraqáo da Sabedoria divina, que era tanto plano de Deus como agente de Deus para 
a criação e que é descrita en-i A Sabedoria de Salomáo como "uma emanação da @ria 
do Todo-Poderoso . . . o espelho perfeito do poder ativo de Deus e a imagem de sua 
divindade."" Sabedoria (não diferentemente do logos estóico ou d a Alma-Mundo 
platônica) ordena a criajáo, mas ela também busca e reúne as pessoas para a compre- 
ensáo e torna-as amigas de Deus. Ela, portanto, também é uma agente de salvaçáo, 
embora uma agente concebida em uma moldura de pensamento diferente das figu- 
ras de salvaçáo da expectativa apocalíptica. 
Essas literaturas eram conhecidas e ponderadas não apenas na Judéia e na Palesti- 
na mas também na Diáspora, onde se encontrava a grande maioria dos judeus. Sob 
' Lucasl:68. 
Sabcduria de Saloináo 7: 17-21 
Sabedoria de Saloinão 7:25. 
os romanos, o judaísmo era uma "rcligiáo autorizada' (~eli~io licita), mão apenas na 
Palestina mas também nas cidades gregas e romanas, e a lei romana protegia as co- 
munidades de fazendeiros, artesáos e comerciantes judeus por todo o império. Essa 
proteçáo era necessária, uma vez que a exclusividade religiosa dos judeus, seus privi- 
légios legais e sua indisposiçáo em participar na vida cívica algumas vezes os torna- 
ram impopulares. Na realidade, os judeus da Diáspora fizeram muitos ajustes ao 
mundo helenísrico, mais notadamente na questáo da linguagem. Eles falavam grego 
quase universdmente, até mesmo em suas sinagogas; e por volta da época de Augusto, 
a versáo grega das Escrituras conhecida como a Septuaginta (L=] foi completada e 
passou a ser empregada em todo canto. Ademais, as comunidades judaicas da Diáspora 
entraram em diálogo com a religião pagã. Como resultado, elas náo apenas fizeram 
conversos (prosélitos) mas reunirarn ao redor de si uma grande nuvem de inquiridores 
parcialmente judaizados ("tementes a Deus"), que serviram como uma área de recru- 
tamento para grande parre da propaganda ~nissionária criscá inicial. 
Esse diálogo produziu seu mais notável fruto na comunidade judaica de Alexaridria, 
no Egito, onde, na obra de Fílon (m. ca. 42 d.C.), temas das Escrituras judaicas 
foram combinados em um notável sincre~ismo com idéias filosóficas estóicas c pla- 
tônicas. Fílon, um judeu fiel, procurou demonstrar que a Lei - isto é, o Pencaceuco - 
internalizava uma sabedoria que concordava com o que havia de melhor 110 ensino 
da tradiqáo filosófica. Para fazer isto, ele utilizou o mécodo de interpreragáo alegóri- 
co bem conhecido dos cxegetas helenísticos de Homero, e por esse meio desvelou nas 
páginas de Moisés náo apenas uma dtica mas cambérn filosófica doutrina de Deus e 
da cria~áo. De acordo com Fílon, o cosmo é produto da boiidade que emana de 
Deus. Incompreensível em sua rranscendência, Deus está vinculado ao mundo pelos 
poderes divinos. Destes, o mais alto é o Logos, que flui do prbprio ser de Deus e é 
náo apenas o agente pelo qual Deus criou o mundo mas também a fonte de todos os 
outros poderes e o modelo último das criaçócs espirituais e visíveis. A descriçáo do 
Logos por Fílon, port:into, conjuga elementos de muitas fontes: da especulacáo de 
Sabedoria judaica, das idéias platônicas sobre um domínio inteligível de Formas e da 
nocão escriturística de que Deus cria arra\r&s de sua Palavra (Logo$). Esse tipo de 
pensamento, que tem paralelos menos sofisticados nas idéias do Novo Testamento 
de Palavra de Deus e Sabedoria, provaria ser um modelo eficaz no desenvolvimento 
da teologia cristá posterior. 
PERi000 I O0 INICIO À CRISE 6NDSTlCll 
Capítulo 3 
Jesus e os Discípulos 
C3 caminho foi preparado para Jesus por um movimento apocalíptico-messiânico 
liderado por João Batista, que no pensamento dos primeiros cristãos era o precursor 
do Messias. De vida ascética, Joáo, na regiáo do Jordáo, pregava que o dia do juízo 
sobre Israel estava próximo e que o Messias estava prestes a vir. No espírito dos 
profetas de antigamente, elc proclamava a mensagem: "Arrependam-se, pratiquem a 
justiça." Ele batizava os discípulos no símbolo da lavagem de seus pecados, e ensi- 
nou-lhes uma oração especial. Jesus, é nos ensinado, classificou Joáo como o último, 
e entre os maiores dos profetas. Alguns dos discípulos de JoSo mais tarde se tornaram 
seguidores de Jesus, mas seu movimento continuou a ter uma vida indspendente.' 
Está faltando material para uma adequada biografia de Jesus. Os registros dos 
evangelhos sáo primordialmente testen~unhos do evento divino de Jesus o Cristo, e 
seus detalhes rêm sido sem dúvida coloridos pelas diferentes experiências, situaçóes e 
memórias das primeiras comunidades cristás. Os eruditos estáo assim divididos quanto 
a exatidão de muitos incidentes registrados nos wangclhos. Náo obstante, a vida t: os 
ensinos de Jesus salientam-se nas páginas dos evangellios em seus contornos essei-ici- 
315. 
Jesus cresceu em Nazaré da Galiléia. Essa terra, embora desprezada pelos habitan- 
tes mais puramente judeus da Judéia porque scu povo era de constituiqão racial 
misturada, era fiel às rradi~óes e religião judaicas, ci lar de uma ousada, 
orgulhosa, e particularmerite impregnada pela esperança messi~niça. Ali Jesiis cres- 
ceu e aniadureceu atravis de anos de experiências r-iáo registradas. Ele aparencen-iente 
foi tirado dcssa vida pela pregaçáo de Joáo Batista. Ele foi a Joáo, sendo batizado pelo 
profeta no rio Jordáo. Com seu batismo veio a coi~viccáo de que ele i i a ~ ~ i a sido esco- 
lhido pcir Dcus para cumprir um papel especial na proclamação do reino a ser crn 
breve inaugurado pelo Filho do Homeni ceiestiai. Se Jesus reaimenre se viu como 
Messias tl. unia questão muito disputada. De quaIquer modo, ele parece ter rejeitado 
as concepçóes populares do ofício messiánico e ter anrccipado não o triunfo polirico 
' Ck: Aros I C ) : 1-4 
mas o sofrimento como seu próprio destino, mesmo enquanto acreditalido que em 
seu ministério o poder do reino vindouro já escava em açáo. 
Após seu batismo - ou, como Maceus precisaria isso,' após a prisáo do Batista - 
Jesus começou um ministirio itineranre de pregação e cura, cuja mensagem era a 
proximidade do reino de Deus e a conseqüente necessidade de arrependimento e fk. 
Ele reuniu um grupo de associados (os Doze, simbolizando a totalidade das tribos de 
Israel) e atraiu um grupo maior de discípulos menos intimamente apegados. Seu 
ministério foi breve: durou quando muito três anos, e talvez não mais do que um. 
Ele despertou a oposição das autoridades religiosas, e sem dúvida de ou~ros também, 
porque suas acóes e ensinos fizeram com que ele parecesse um blasfemo crítico da 
Lei e sua intcrpretaçáo tradicional. Ele viajou para o norte, para Tiro e Sidom, e 
depois para a região da Cesaréia de Filipe, onde os evangelhos registram que seus 
discípulos reconheceram sua niissáo messiânica. Ele julgava, entreranto, que não 
importava o perigo e ele deveria testemunhar em Jerusalém. Para lá ele foi, diante de 
crescente hostilidade; e 12 foi preso
e crucificado, certamente na administracáo do 
procurador Pôncio Piia~os (26-36 d.C.) e provavelmente no ano 29. Seus discipulos 
se espalharam para suas casas, mas rapidamenre se reuniram novamente em Jerusa- 
Iém, na feliz convicçáo de que Deus o havia levantado dentre os mortos. 
O reino de Deus, no ensino de Jesus, significava a afirmaçáo manifesta do amor 
e governo justo de Deus. Consequentemenrc, naqueles que discernein sua proximi- 
dade ele demanda reconhecimento prácico da soberania e paternidade de Deus. Isso 
acontece apenas através de uma reorientaçáo completa de valores e atitudes (arrepen- 
dimento e fé), que se revela no amor a Deus e ao próximo e é coroada e fortalecida 
pelo perdáo divino. Viver tia perspectiva do reino vindouro é, como Jesus descreve 
isso, um negócio custoso e exigente. Ele requer uma vontade de abandonar todos os 
bens menores, transcender as exigências morais normais da Lei e praticar o perdão 
ilimitado para com os outros. O cumprimento de tal vida é utna comunháo intermi- 
nável com Deus e seus santos. Para aqueies, por outro lado, que fracassam em discernir 
e compreender o reino que está alvorecendo no ministério de Jesus, há apenas des- 
truiçáo. 
Muito dos ensinos de Jesus encontram paralelo no pensamento religioso de sua 
I dessa manifestaçáo penrecostal é talvez impossível de recuperar. Certamente a noçáo 
I de uma proclamação do evangelho em muitas língiias esrrangeiras é incompatível com aquilo que conhecemos como "filar em línguasw de outras partes do Nova Xes- 
! ramento,%omo iambém o C com a impressão dada aos espectadores de que os que 
falavam escavam "cheios de virlho novo."- O ponto de maior significaçáo, entretan- 
ro, é que esses fenômenos surgiram como mnnifesta evidência do dom e poder de 
Cristo. Eles demonsrraram a irlauguraçáo de urna nova era, que o ministério de Jesus 
havia prometido. Se o discípulo visivelmente reconhecesse sua submissáo pela fé, 
arrependimento c batismo, o Cristo exaltado, acreditava-se, por sua vez reconheceria 
1 o discípulo concedendo-lhe o Espírito; e seu dom atestava a participaqão do discípu- 
lo na era vindoura da "restauracão de todas as coisas", promerida lios oráculos de 
Daiis através dos profetas." 
Capitulo 4 
A Comunidade Cristá Inicial 
Na sua fase mais inicial, o movimen~o cristáo tinha seu centro em Jerusalém, 
onde ele recebeu a forma náo de uma nova retigiáo mas de uma seita ou agrupamen- 
to dentro do corpo progeliiror do judaísmo. Presumivelmei~te havia, desde o inicio, 
seguidores de Jesus nas cidades e vilas da Judéia e da Galiiéia, mas sobre estes pouco 
é conhecido. De fato, nosso conhecimento da própria cornui-iidade de Jerusalém C 
limitado e obscuro, uma vez que os Atos das Apóstolos, nossa única fonte de infor- 
ritagáo, deve ser lido com caucela pelo historiador. Ele incorpora tradiçóes antigas e 
autênticas; mas ao mesmo tempo esri escriro no estilo "criativo" normal das histúrias 
helenísticas e manipula seu macerial da perspectiva da segunda geraçáo cristã, a qual 
já tendia a ver os evenros de quatro ou c~nco décadas anres de sua época conio sendo 
um tipo de idade dourada da igreja. 
'' I Corintius 14:2-19. 
Aios 2:I 3, 
i Atos 3 2 1 . 
'L- 
i, , - / / '11, 1.1 
-2L4,&q~##~.i~!, . .. 
PER1000 I 00 INlElO A CRISE GNISTICA 33 
IOT- 
:25 e 
: rias 
: ual 
O que está claro é que as comunidades originais eram composras de judeus pales- 
tinos que, fundamentados na ressurreiçáo de Jesus, proclamavam seu retorno imi- 
nente como o realizador do reino de Deus, e que vivinm na antecipaçáo daquele 
evento. Eles chamavam a si mesmos, aparentemenre, "os pobres"' ou "os santos",' e 
também, desde bem cedo, "a ekklesia" - i.e., "assembléia" ou "igreja." O que todos 
esses estilos ou nomes signifkavam era bastante semelhante. A comunidade inicial 
percebeu-se, cm virtude de sua submissão a Jesus, como a verdadeira "assembléia" de 
Israel, a comunidade do fim dos tempos que o Senhor reconhecerá quando vier em 
glória. Que eles se viam simplesmente como judeus, como um Israel renovado, fica 
evidence pelo fato de que eles eram fiéis tanro no comparecimento ao templo cotrio 
na obediência a Lei; e sendo assim, eles viviam em paz com as autoridades religiosas 
em JcrusaIén-i. E desnecessário dizer, essa comunidade possuia suas próprias institui- 
ções especiais, que expressavam sua identidade particular. Ela praticava o hatismo, 
com o qual o dom escatológico do Espíriro Santo estala associado. Ela se remia 
regularmente para oraçáo, exortaçáo mútua c o "partir do p50"," no qual os hisrori- 
adores têm visto, sem dúvida corretamente, as origens da eucaristia como também 
uma refeição comuniriíria da comunidade. Ela expressava a f6 que definia sua identi- 
dade com expressões do tipo "Jesus é o Messias"' ou "Deus ressuscitou Jesus dentre 
os r n o r t o ~ . " ~ 
OS membros fundadores dessa comunidade foram com certeza os Onze (eleva- 
dos, segundo o livro de Acos, para doze pela eleição de hlatias). Na época em que 
Atos foi escrito, estes homens estavam sendo chamados "apóscolos", um título que 
originalr-ilente era aplicado aos missionários itineranres como Paulo. Com exccgáo 
do caso de Pcdro, enrretarito, e talvez de Joáo, ria verdade nada é conhecido acerca 
das profissóes ou atividades dos Doze, que desaparecem quase imediacamenre da 
história em Atos e assim se rornam temas adequados para lendas poscerioreb. Q ~ i a n - 
do I'aulo visitou JerusalCm, a liderança parece que estaTra nas máos de dois ou três 
"pilares": Tiago o irmáo do Senhor, Pedro e Joáo." 
I Gálaras 2.10. 
' Itomarios 15:25. 
' Aros 2:46. 
' C:f. Marcos 8:29. 
' Kornaiios 10:9. 
"Cglatah 23, e cf. 1:18-19. 
Os problemas para a comunidade de fiéis em Jerusalém começaram como resul- 
tado da incorporaçáo, em sua vida, de judeus da Diáspora de fala grega residentes em 
Jerusalkm. Houve, sabemos, uma reclamagáo t rz~ida pelos fiéis judeus de fala grega 
conrsa os cristãos locais de fala aramaica. De acordo com Atos 6, a única razão para 
isso era que os "helenistas" estavam magoados porque "suas viúvas eram negligenci- 
adas na distribuicão diária."' Essa breve disputa foi resolvida através da indica~áo de 
sete helenis~as para adniinistrarem os recursos comuns da comunidade" um fato 
que sem díivida é responsável peia tradiçáo de que estes sete foram os primeiros 
laconos. d' ' 
Havia contudo nessa situaçáo, aigo mais do que um mero problema administra- 
tivo. Isso fica evidente na continuaqáo da narrativa de Atos. Ali Esteváo, o aparente 
líder dos helenistas, é achado em deba~c pungente com membros de outras sinagogas 
de faia grega, que o acusavam de falar "palavras blasfemas contra Moisés e Deus."' 
Como consequêiicia dissa, Estevão é arrastado para diance do sinédrio e eventual- 
mente condenado à morte por apedrejamento. Presumivelmente, então, faltava a 
Esteváo e seus companheiros de fala grega o respeito pelo templo e pela Lei que os 
cristãos palestinos habitualmente revelavam, e foram perseguidos não por causa de 
sua crença em Jesus como o Messias, mas porque fararam como se estivessem prepa- 
rados, segundo os judeus pensavam, para lanqar fora certas exigências da Lci à luz de 
sua nova f6. 
Essa percepcáo da questáo é confirmada por dois outros relatos regiscrados em 
Atos. Primeiro, C relatado que a morte de Esteváo foi a cena de abertura de "uma 
grande perseguiçáo . . . contra a igreja em Jerusaiem",'" contudo ao mesmo tempo 6 
deixado evidente que "os apóstoios" não foram afetados por essa perseguição." Em 
outras palavras, a persegui550 foi seletiva e alcanqou apenas aqueles cristãos - os 
heleiiistas - que falavam "palavras contra este santo lugar e a Iei."12A comunidade de 
fala aramaica foi deixada relativamenre em paz, como a continuaqáo da narrativa em 
Atos claramente pressupõe. Mas, em segundo lugar, com a dispersáo dos líderes 
- Aros 6:l. 
"tos 6 3 . 
.Atos 6: J 2. 
Atos 8: 1. 
"

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