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VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA OS EFEITOS SOCIAIS E JURÍDICOS DA REVITIMIZAÇÃO.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FANOR WYDEN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JAMILLE COSTA BENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA: OS 
EFEITOS SOCIAIS E JURÍDICOS DA REVITIMIZAÇÃO. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2021 
 
 
JAMILLE COSTA BENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA: OS 
EFEITOS SOCIAIS E JURÍDICOS DA REVITIMIZAÇÃO. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia ao curso de Direito do Centro 
Universitário Fanor Wyden, como requisito 
parcial para a obtenção do grau de 
Bacharel em Direito, sob a orientação de 
conteúdo do Professor Ms. Alex Feitosa de 
Oliveira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2021
 
 
JAMILLE COSTA BENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA: OS 
EFEITOS SOCIAIS E JURÍDICOS DA REVITIMIZAÇÃO. 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada à banca 
examinadora e à Coordenação do Curso 
de Direito do Centro Universitário Fanor 
Wyden, adequada e aprovada para suprir 
exigência parcial inerente à obtenção do 
grau de bacharel em Direito. 
 
Fortaleza (CE), 07 de dezembro de 2021. 
 
Orientador, Ms. Alex Feitosa de Oliveira 
Prof. Orientador do Centro Universitário Fanor Wyden 
 
Ms. Bruna Lustosa Pellegrini 
Profª. Examinadora do Centro Universitário Fanor Wyden 
 
Ms. Roberto Ney Fonseca de Almeida 
Profº. Examinador do Centro Universitário Fanor Wyden 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao meu pai, José (in memorian), que 
sempre me acalentou e fortaleceu nos 
momentos mais difíceis! 
 
 
AGRADECIMENTOS 
À Deus, pela minha vida e saúde, e por me permitir ultrapassar todos os obstáculos 
encontrados ao longo da realização deste trabalho. 
Agradeço, também, ao meu orientador, que desde o início da graduação acreditou e 
incentivou toda a minha caminhada acadêmica, além de toda a dedicação do seu 
escasso tempo ao meu projeto de pesquisa. 
Aos meus amigos, que são poucos, mas foram essenciais para que eu me mantivesse 
forte e determinada a realizar este trabalho. 
À minha família, em especial ao meu irmão, que contribuiu diretamente para minha 
formação profissional. 
Aos demais professores, por todos os conselhos, ajuda e paciência com as quais 
guiaram o meu aprendizado. 
E a todos aqueles que contribuíram, de alguma forma, para a realização deste 
trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Toda vez que uma mulher se defende, 
sem nem perceber que isso é possível, 
sem qualquer pretensão, ela defende 
todas as mulheres.” 
 Maya Angelou 
 
 
RESUMO 
A violência contra a mulher é uma realidade no Brasil, sobretudo, a de cunho sexual, 
que possui inúmeras especificidades que a torna mais delicada, demandando 
medidas especiais antes, durante e depois do procedimento investigatório, visando o 
melhor tratamento para com a vítima, sobretudo no que diz respeito à saúde mental, 
pois ela necessita de atenção e cuidado para que forneça a melhor contribuição no 
processo judicial, No entanto, é nessa espécie criminosa que a mulher é submetida a 
maior sofrimento, visto que a revitimização é tida, desde o atendimento inicial, em que 
sua palavra é constantemente descredibilizada, o que acarreta no afastamento dessas 
mulheres da polícia e do judiciário, por temer que a violência sofrida seja intensificada, 
pois o sistema punitivo brasileiro não consegue dar o acolhimento e proteção 
necessários a mulher vítima de crime sexual. Nesse sentido, atentando para a 
problemática enfrentada pelas mulheres vitimadas, a pesquisa foi desenvolvida com 
base nos seguintes objetivos, geral: Analisar criticamente a condução legal na 
apuração de crimes que envolvam a violência sexual contra a mulher, bem como os 
aspectos jurídicos das formas e efeitos da vitimização provocada não somente no 
curso, mas também com o findo de processos criminais que envolvam a violência 
supracitada. Específicos: examinar a atuação estatal nos procedimentos 
investigatórios dos crimes em que envolvem violência sexual contra a mulher; apontar 
os fatores de vulnerabilidade da vítima e os riscos de vitimização; verificar a 
responsabilidade estatal na formação da revitimização tida em processos criminais de 
cunho sexual; e demonstrar as consequências que o desenvolvimento da 
revitimização produzem na vítima e na sociedade. Com relação a metodologia, a 
pesquisa é classificada como qualitativa, exploratória e explicativa. Por fim, em 
relação a estrutura do trabalho, há três capítulos, distribuídos de modo a analisar 
primeiramente aspectos introdutórios e conceituais, em segundo momento, expõe 
quais são os tipos e meios que a revitimização ocorre, e finalmente, o último capítulo 
ressalta as consequências que a prática da revitimização traz, não somente à vítima, 
mas para a sociedade como um todo. A respeito das considerações finais, haverá a 
exposição crítica dos elementos coletados ao longo do presente estudo. 
Palavras-chave: Revitimização. Violência sexual. Violência contra a mulher. 
Culpabilização. 
 
 
ABSTRACT 
Violence against women is a reality in Brazil, especially of a sexual nature, which has 
numerous specificities that make it more delicate, requiring special measures before, 
during and after the investigative procedure, aiming at the best treatment for the victim, 
especially with regard to mental health, as it needs attention and care to provide the 
best contribution to the legal process. However, it is in this criminal species that women 
are subjected to greater suffering, since revictimization is had, since the initial care, in 
which their word is constantly discredited, which leads to the removal of these women 
from the police and the judiciary, for fear that the violence suffered will be intensified, 
as the Brazilian punitive system is unable to provide the necessary reception and 
protection to women victims of sex crime. In this sense, paying attention to the problem 
faced by the victimized women, the research was developed based on the following 
general objectives: Critically analyze the legal conduct in the investigation of crimes 
involving sexual violence against women, as well as the legal aspects of the forms and 
effects of victimization caused not only in the course, but also with the end of criminal 
proceedings involving the aforementioned violence. Specific: to examine the role of the 
state in investigative procedures for crimes involving sexual violence against women; 
point out the victim's vulnerability factors and the risks of victimization; verifying the 
state's responsibility in the formation of revictimization taken in criminal cases of a 
sexual nature; and demonstrate the consequences that the development of 
revictimization has on the victim and on society. Regarding methodology, the research 
is classified as qualitative, exploratory and explanatory. Finally, regarding the structure 
of the work, there are three chapters, distributed in order to analyze firstly introductory 
and conceptual aspects, secondly, it exposes the types and means that revictimization 
occurs, and finally, the last chapter highlights the consequences that the practice of 
revictimization brings, not only to the victim, but to society as a whole. Regarding the 
final considerations, there will be a critical exposition of the elements collected 
throughout this study. 
Keywords: Revictimization. Sexual violence. Violence against women. Blaming. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO …...……………………………………………………………….……....9 
2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO.............................................................................................................13 
2.1 GÊNERO E VIOLÊNCIA.......................................................................................142.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E PANDEMIA DE COVID-19.......................................15 
2.3 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER.........................................................18 
2.4 TUTELA CONSTITUCIONAL À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.............….....20 
2.5 LEGISLAÇÕES ESPECÍFICAS ………………...………….....…….....………….....21 
3 O PROCESSO DE APURAÇÃO DE CRIMES SEXUAIS E A CULPABILIZAÇÃO 
DA VÍTIMA ………………………………..…………………………………………..…....26 
3.1 FASE PRÉ-PROCESSUAL E O ATENDIMENTO PRIMÁRIO À MULHER VÍTIMA 
DE VIOLÊNCIA...................................................................................................……26 
3.2 A VITIMOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA NOS CRIMES SEXUAIS………………27 
3.3 OS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO 
PENAL................................................................………………….......……….….……29 
3.4 A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA...................................................................…..….30 
3.5 O COMPORTAMENTO DA VÍTIMA COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL.....…..32 
3.6 O PROCESSO DE VITIMIZAÇÃO........................................................................33 
4 ITER (RE)VICTIMAE E SEUS IMPACTOS.....………………......…..…......…….….36 
4.1 O ESTADO COMO AGENTE REVITIMIZADOR.……………………………………38 
4.2 AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS IMPOSTAS AO 
VITIMIZADOR............................................................................................................40 
4.3 AS CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA REVITIMIZAÇÃO..........................42 
4.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE CASOS COM VIOLÊNCIA SEXUAL.............44 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......……………………………………………………..…48 
REFERÊNCIAS..........................................................................................................51
9 
 
1 INTRODUÇÃO 
A violência contra a mulher é uma realidade no Brasil, fato esse tido 
historicamente por uma sociedade carregada de conceitos machistas e que denotam 
a superioridade de gênero sobre as mulheres, de modo que estas características 
foram notadas desde o convívio social, até a própria legislação, que em razão da 
cultura, reproduzia na lei, conceitos como a atribuição de honestidade ou a ausência 
dela em um capítulo intitulado por “crimes contra os costumes”. 
Nessa toada, não é hodierno que a mulher é colocada em um papel de 
submissão e julgamento, visto que os moldes sociais e, consequentemente, estatais, 
condicionam e chegam a instigar tal comportamento. Considerando isso, ao se tratar 
de violência sexual contra a mulher, se tem a acentuação prática desses conceitos, 
visto que o número de mulheres vitimadas é extremamente superior ao coeficiente de 
registros dessas ocorrências, fato esse ocorrido em razão do afastamento das 
mulheres vitimadas em âmbito sexual ante o temor em ser descredibilizada ao se 
submeter a um processo judicial, ou até mesmo antes dele, no procedimento 
.investigatório, visto que a incidência de culpabilização da vítima nessa espécie 
criminosa é alta. 
Nesse sentido, nos crimes em que ocorrem violência sexual, em regra, deveria 
haver um processo investigatório conduzido de forma mais específica, com medidas 
especiais que visem o melhor tratamento para com a vítima, sobretudo no que diz 
respeito à saúde mental, pois ela necessita de atenção e cuidado para que forneça a 
melhor contribuição no processo judicial, de modo que a condução investigativa não 
intensifique ou exalte a violência sofrida, e tampouco a torne tão dolorosa quanto o 
fato e o resultado da conduta criminosa em si. 
Contudo, não é este o panorama atual que vem sendo encontrado no Brasil, 
pois o Estado, ao invés de seguir e instigar esta tratativa, acaba, por vezes, a ser 
agente ativo na vitimização secundária e terciária que a vítima vem a sofrer. Por isso, 
se faz importante salientar não só a discussão acerca da vitimização, mas também 
quais seriam os agentes ativos destas etapas, sendo, na vitimização secundária o 
Estado, no âmbito processual e, na terciária, tem-se a sociedade como causadora 
dessa etapa vitimizadora. 
10 
 
Diante disso, este trabalho justifica-se pela necessária análise das etapas de 
vitimização que a pessoa ferida percorre em um processo criminal no Brasil, bem 
como a atuação do Estado na prática de tais violências, além da ausência de 
tratamento legal tida no ordenamento jurídico brasileiro, para que o papel estatal seja 
no sentido de evitar que tais etapas ocorram, tendo em vista que lei deve proteger 
aquele que foi lesado ou ferido, ao invés de ser agente ativo das supracitadas formas 
de revitimização. 
Ademais, de forma crítica, tem-se o não seguimento e tampouco a 
padronização de tratamento a essas vítimas, sendo essa a problemática em si, pois a 
ausência de padronização procedimental, desde o acolhimento na delegacia, assim 
como a condução do trâmite processual, contribui e principia as etapas vitimizadoras, 
salientando-se que em nenhuma hipótese, devem o inquérito policial e o processo 
criminal trazer mais dor e sofrimento às vítimas de uma vertente criminosa que já 
causa tanto trauma. 
Nesse sentido, busca-se, através desta pesquisa, uma análise crítica quanto 
aos procedimentos de apuração dos crimes que envolvem violência sexual e que por 
vezes, o processo investigatório, coadunado a sociedade, produz as etapas à 
vitimização, trazendo à vítima uma intensificação do que deveria ser repreendido. 
A questão suscita, portanto, a problemática central da pesquisa que é voltada 
à análise dos impactos extraprocessuais que a vitimização produz, como o sofrimento 
da vítima ao reviver a violência sofrida, pois as formas de vitimização afetam desde a 
violência em si, pois a mera possibilidade da sofrer as vitimizações secundárias e 
terciárias afastam mulheres vítimas de violência sexual da denúncia e, por 
conseguinte, da apuração da espécie de determinado crime. Destarte, observa-se que 
a possibilidade em ser alvo do processo de vitimização influi diretamente na equação 
desproporcional entre ocorrências e denúncias dos crimes que envolvem violência 
sexual. 
Além destes pontos, outra hipótese inicial é de que no procedimento de 
investigação dos crimes, recai sob a vítima primária o ônus que decorre da operação 
estatal para apuração e punição do crime, ocorrendo não somente a descredibilização 
da palavra da vítima, mas também a incidência de crimes contra a honra, sendo mais 
ordinária a prática de injúria ou difamação. Além disso, na vitimização terciária, que é 
11 
 
tida pela sociedade ao julgar e não promover o acolhimento da vítima de crimes 
sexuais, por vezes, atribui culpa maior à vítima do que ao delinquente. Logo, fica 
caracterizada a incidência de uma inversão de valores, que, por si só, não implica em 
uma conduta ilícita, no entanto, estas são independentes, devendo ser a conduta ser 
analisada de forma específica. 
Portanto, visando uma exposição crítica a cerca da condução e atendimento 
dado à mulher vítima de violência sexual no Brasil, bem como a revitimização como 
uma prática característica do sistema e da sociedade brasileira, a pesquisa consolidou 
o seguinte objetivo geral: analisar criticamente a condução legal na apuração de 
crimes que envolvam a violência sexual contra a mulher, bem como os aspectos 
jurídicos das formas e efeitos da vitimização provocada não somente no curso, mas 
também com o findo de processos criminais que envolvam a violência supracitada. 
Em relação aos objetivos específicos, a pesquisa pretende: examinar a 
adequação jurídica dos procedimentos investigatórios nos crimes em que envolvem 
violência sexual contra a mulher; demonstrar os fatores de vulnerabilidade da vítima 
e os riscos de vitimização; verificar a responsabilidade estatal na formação da 
revitimização tida em processos criminais de cunho sexual. 
Em termos metodológicos, o trabalho foi realizado através de um estudo 
descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisadocumental, com ampla análise 
bibliográfica, doutrinária, jurisprudencial, e utilizando ainda artigos científicos, 
periódicos e produções cientificas de modo geral relacionadas ao tema. Quanto aos 
objetivos, a pesquisa é descritiva e exploratória. 
 Finalmente, no que se refere a divisão dos capítulos, em primeiro momento, a 
pesquisa demonstrará aspectos introdutórios e conceituais, tratando da violência 
contra a mulher como um todo, salientando seus aspectos jurídicos e sociais. 
 Em passo seguinte, a pesquisa busca uma explanação a cerca dos 
procedimentos e aspectos processuais em que a revitimização da mulher vítima de 
violência sexual ocorre, bem como analisa as variáveis que contribuem para a 
incidência desta. 
 Por fim, o último capítulo é voltado para as consequências que esta prática 
produz na sociedade brasileira com um todo, bem como, de forma específica, quais 
12 
 
são os traumas e malefícios que as vítimas enfrentam em razão deste processo, além 
da análise de como o judiciário se posiciona a respeito desta. 
 Com relação as considerações finais, haverá a exposição crítica dos elementos 
coletados ao longo do presente estudo com ênfase no processo evolutivo observado 
e quais perspectivas foram reveladas no âmbito do desenvolvimento da pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO 
 A violência, em um panorama geral, é tida como um problema social de larga 
escala, de modo que a Organização Mundial de Saúde (OMS), através do Relatório 
Mundial sobre a Violência e Saúde, conceituou-a como: 
“[...] uso da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si 
próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, 
que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, 
morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.” 
(OMS, 2002, texto digital). 
Nesse sentido, há algum tempo busca-se o enfrentamento para a prevenção 
de tal prática, principalmente contra as mulheres, pois essas carregam resquícios de 
uma sociedade carregada de patriarcado e machismo. 
Contudo, com a evolução social, as legislações buscaram e ainda buscam, de 
forma muito lenta, corrigir algumas condutas que, à época, eram tidas como aceitáveis 
e até costumeiras pela legislação, o que se exemplifica claramente no Código Penal 
de 1940, em seu título IV, que o trazia com a titulação “dos crimes contra os 
costumes”, em que atribuía às mulheres a classificação de “honesta” ou “desonestas” 
e, a depender da rotulação recebida, a mulher seria passível ou não de amparo 
jurisdicional, pois a desonesta, inclusive, seria merecedora do crime em que figurou 
como vítima (NUCCI, 2002). 
Com isso, convém salutar que a incorrência da violência extrapola os limites da 
segurança, pois esta afeta diversos ramos sociais, uma vez que traz impactos à vida, 
saúde - seja ela física ou mental e ao convívio em sociedade, considerando que uma 
vez ocorrida a violência, os traumas decorrentes dela circundam a vítima ad aeternum. 
Desse modo, a violência contra a mulher é vista como um sério problema de 
saúde pública, pois as consequências negativas associadas à sua ocorrência 
impedem e prejudicam o desenvolvimento de uma vida saudável, além do alto custo 
social, que acarreta perdas humanas e também em gastos com atendimentos no setor 
da saúde e no âmbito jurídico (Organização Mundial de Saúde, OMS, 2002). 
Ademais, a cada dia, vê-se uma crescente nos números que relatam a 
ocorrência de tais casos, conforme o Instituto Datafolha constata em pesquisa 
14 
 
encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que, no Brasil, 
uma a cada quatro mulheres afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano.1 
2.1 GÊNERO E VIOLÊNCIA 
A violência de gênero incorre pela prática de atos violentos, que se motivam 
em função da classificação genética ao qual pertencem as pessoas envolvidas, ou 
seja, o agressor age contra a vítima pelo simples fato da mesma ser homem ou 
mulher. Contudo, apesar de ser abrangente, a grande maioria dos casos em que 
ocorrem esta, envolvem mulheres no polo passivo, fato que leva a violência de gênero 
a ser facilmente tida como sinônimo de violência contra a mulher (KHOURI, 2012). 
Ante o exposto, vê-se que, historicamente, o contexto da sociedade brasileira 
é de dominação e garantias somente para o sexo masculino. Contudo, com a evolução 
social, tem-se destacado a diversidade de gênero, buscando inibir as desigualdades 
entre os sexos e, por isso, cresce a necessidade de o Estado agir como instituinte e 
garantidor de direitos, ensejando, assim, as inovações legislativas, a fim de proteger 
essa parte da população vítima da violência de gênero (OLIVEIRA, 2010). 
Nessa toada, observa-se que a demonstração máxima da violência machista é 
tida pela ocorrência de feminicídio, além das inúmeras formas que essa agressividade 
pode ser expressada, bem como iniciada, como em estupros, torturas, mutilações 
genitais, infanticídios, violência sexual nos conflitos armados, exploração e escravidão 
sexual, incesto e abuso sexual, que podem ser praticados antes da consumação de 
um feminicídio, com abusos diários dentro e fora da família. 
Ainda nesse sentido, de acordo com o relatório da pesquisa “Visível e 
Invisível”2, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Instituto Datafolha, 1 a 
cada 4 mulheres brasileiras foi vítima de algum tipo de violência nos últimos 12 meses, 
totalizando 17 milhões de mulheres sendo vitimadas com agressões físicas, 
psicológicas, sexuais, dentre outras. 
Dessa forma, independente do contexto social da época, ou do ambiente que 
faz parte, mulheres foram mortas pelo simples fato de pertencerem ao gênero 
 
1 Disponível em: <\ https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/06/07/1-em-cada-4-mulheres-foi-
vitima-de-algum-tipo-de-violencia-na-pandemia-no-brasil-diz-datafolha.ghtml \> 
2 Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil - 3ª edição – 2021. Disponível em: <\ 
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/infografico-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3-
3.pdf\> 
15 
 
feminino. Com isso, o legislador não poderia deixar de observar e conter o avanço de 
tal prática, por isso, a legislação brasileira evoluiu e incluiu o Feminicídio (assassinato 
motivado por razões de gênero, menosprezo ou discriminação contra mulheres) no rol 
dos crimes hediondos, através da Lei do Feminicídio nº 8.305/2014. 
É válido salientar, ainda, que a violência cometida contra a mulher possui 
extrema relevância e conexão com a revitimização, sendo tida nessa espécie 
criminosa, a maior incidência deste tipo de culpabilização da vítima. Pois, tem-se essa 
violência como uma construção marcada historicamente, que advém das relações e 
fenômenos culturais em que se destacavam o gênero, a classe e/ou a raça. Dessa 
forma, diante do patriarcado culturalmente cultivado, fez-se mister a ação estatal para 
a diminuição deste tipo de agressão. 
2.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E PANDEMIA DE COVID-19 
Em um panorama geral, muitos são os motivos que ensejam a ocorrência de 
violência contra a mulher, contudo, alguns fatos hodiernos possuem maior grau de 
correlação para a incorrência desta. 
Sob essa perspectiva, é indubitável que a Pandemia do novo Coronavírus 
mudou a sociedade como um todo, provocando diversas crises além da sanitária, o 
que, dentre elas, demonstrou um crescimento de violência contra a mulher, 
principalmente em âmbito doméstico. 
Ainda considerando os números acima relatados, cabe salientar que o aumento 
no último ano, é tido em caráter geral, contudo, um dado torna-se relevante observar, 
que é a diminuição da violência contra a mulher na rua, sendo a grande maioria tida 
dentro de casa. 
Nesse sentido, observa-se que estes dados possuem relação ao cenário 
pandêmico de Covid-19, pois as pessoas tiveram que ficarem suas casas para conter 
a pandemia do coronavírus, obedecendo ao isolamento social. 
No entanto, essa seguridade passa a ser questionada quando observada sob 
a perspectiva da violência, pois, segundo a supramencionada pesquisa, 73,5% da 
16 
 
população brasileira acredita que a violência contra as mulheres cresceu durante a 
pandemia de Covid-193. 
 
De forma mais específica, o aumento de agressões ao gênero feminino no seio 
de seu lar, tido em razão do maior convívio, provoca a elevação do número de 
subnotificações, tendo em vista que a proximidade com o agressor intimida a vítima, 
de modo que os números de casos são desproporcionais ao de registros oficiais. 
Além do já exposto, o relatório Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no 
Brasil (p.7, 2021) aduz que: 
(...) a queda dos registros girou em torno das medidas de isolamento social 
impostas pela quarentena, que exigia da vítima uma permanência maior 
dentro de casa junto a seu agressor, em geral seu companheiro, o que a 
impedia de dirigir-se às autoridades competentes para denunciar o ocorrido. 
Ademais, para alguns indivíduos, o seu lar não é um ambiente seguro, de 
acordo com o relatório Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões 
de gênero na resposta (2020, p.2) da Organização da Nações Unidas (ONU) 
Mulheres, como se vê: 
Os riscos de violência contra mulheres e meninas, especialmente violência 
doméstica, aumentam devido ao aumento das tensões em casa e também 
podem aumentar o isolamento das mulheres. As sobreviventes da violência 
podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou 
acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais 
devido a fatores como restrições ao movimento de quarentena. (ONU 
MULHERES, 2020) 
Além do supracitado, tem-se, também, a demonstração de que o perfil do 
agressor contumaz se tornou mais uma consequência do momento atual, pois além 
de enfrentar todas as dificuldades que a pandemia trouxe consigo, a mulher passa a 
temer por sua vida no seio de seu lar, se tornando mais vulnerável, uma vez que, em 
razão das circunstâncias do isolamento, as pessoas passaram mais tempo em suas 
casas e, consequentemente, houve um crescente número em tais ocorrências, 
especialmente no ambiente doméstico. 
Outrossim, além da maior exposição pela convivência, tem-se como causas 
para a exacerbação das agressões: as limitações para com o atendimento das 
vítimas; a diminuição e até mesmo a inexistência de apoio familiar; a redução de 
 
3 Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil - 3ª edição – 2021. Disponível em: <\ 
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-
v3.pdf\> 
17 
 
renda, e o aumento nos níveis de estresse, bom como o maior consumo de álcool 
como consequências e fatos ocasionados pela pandemia, que podem ser tidos como 
fatores de exposição e/ou possibilidade para a ocorrência da manipulação de violência 
do agressor para com a mulher vítima. (Vieira et al, 2020; Marques et al, 2020, Fiocruz, 
2020) 
No entanto, tais fatores são tidos como potencializadores de um risco já 
existente à mulher, uma vez que tais situações ensejam um comportamento 
construído, que não deve ser normalizado e, tampouco tido como natural. Além disso, 
ao analisar a construção das masculinidades, tem-se que qualquer tipo de violência 
cometida contra a mulher não deve ser vista em decorrência de um descontrole ou de 
uma explosão emocional, mas sim como um dispositivo que fortalece a ideia de um 
gênero dominante (CONNELL, 1995). 
Ademais, o convívio do agressor com a vítima, sendo este conhecido e/ou 
integrante do ambiente doméstico, possibilita a ele mais oportunidades de praticar tais 
condutas por estar em ambiente doméstico e/ou familiar e, também, de silenciar a 
vítima, impedindo a mesma de buscar ajuda ou de denunciá-lo. 
Nessa toada, Hassemer e Muñoz Conde (2012, p. 190) esclarecem: 
Entre os grupos de vítimas que mais estão representadas nas atuais 
pesquisas de vitimização e que são objeto de estudos especiais e 
investigações, se encontram as mulheres maltratadas no âmbito familiar por 
seu companheiro ou cônjuge. Provavelmente nenhuma relação de 
convivência humana é tão conflitiva e produtora de violência como a família, 
e dentro dela a conjugal ou de companheirismo. (HASSEMER, W; CONDE, 
M. 2012) 
Com isso, é notável que a mulher que reside no Brasil teria que optar por qual 
risco correr, pois no ambiente que deveria ser propício ao seu descanso e sossego, 
se tornou tóxico e perigoso, tendo impacto, inclusive, no número de denúncias, visto 
que o isolamento proveniente da pandemia impediu a convivência com amigos e 
colegas que, porventura pudesse prestar assistência e servir como rede de apoio em 
caso de violência, limitando e/ou dificultando à vítima a busca por ajuda, até mesmo 
médica, pois os esforços concentravam-se no combate ao vírus da Covid-19. 
Além disso, a violência sexual está contida em tal pesquisa, sendo responsável 
por boa parte do percentual de ocorrências, pois apesar das mudanças que o 
isolamento decorrente da pandemia do Coronavírus causou, alguns crimes como o 
18 
 
assédio sexual não deixaram de ocorrer, mesmo com a mulher circulando menos em 
todo o cenário pandêmico. 
2.3 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER 
Restando demonstrada a magnitude da violência contra a mulher no Brasil 
como um todo, vale destacar, de forma mais específica, a violência sexual contra a 
mulher, sendo importante a análise de como o legislador brasileiro deve não somente 
prevê, mas também punir aqueles quem venham a cometer tais condutas e, ainda, 
que haja a garantia de direitos e proteção às vítimas, para que elas não tenham lesão 
maior que a dor já sofrida com a ocorrência do ato criminoso que lhe vitimou. 
A Organização Mundial da Saúde, no relatório já mencionado acima, definiu a 
violência sexual como: 
Qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato sexual, comentários ou 
investidas sexuais indesejadas, ou atos direcionados ao tráfico sexual 
ou, de alguma forma, voltados contra a sexualidade de uma pessoa 
usando a coação, praticados por qualquer pessoa independentemente 
de sua relação com a vítima, em qualquer cenário, inclusive em casa e 
no trabalho, mas não limitado a eles. (OMS, 2002). 
Assim como o legislador brasileiro, no art. 7º, inciso III, da Lei nº 11.340/06 (Lei 
Maria da Penha), trouxe a definição legal, in verbis: 
Art. 7. °, III: – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que 
a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual 
não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; 
que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua 
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou 
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, 
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite 
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; [...] 
(BRASIL, 2006) 
Há de se considerar que muitas são as definições para a violência sexual, até 
pela universalidade do problema, mas, apesar disso, a transgressão de direitos é 
evidenciada por todos, principalmente no que diz respeito a capacidade sexual e 
reprodutiva da mulher, que ultrapassa não somente os limites físicos do corpo, mas a 
vida da pessoa vitimada como um todo. Nessa perspectiva, FACURI et al. aduz: 
A violência sexual é um fenômeno universal, em que não existem 
restrições de sexo, idade, etnia ou classe social. Embora atinja homens 
e mulheres, as mulheres são as principais vítimas, em qualquer 
período de suas vidas. E as mulheres jovens e adolescentes 
apresentam risco mais elevado de sofrer esse tipo de agressão. 
(FACURI et al., 2013) 
A visão já mencionada corrobora para o argumento de que a violência de 
gênero é facilmente atrelada às violações contra as mulheres, pelosimples fato de 
19 
 
que em todas as espécies de violências, o polo passivo é, em grande maioria, ocupado 
por uma pessoa do sexo feminino. 
Outrossim, se faz necessária a distinção, de que por muito tempo se teve a 
sexualidade como dever da mulher para com o casamento, de suportar e ser 
submetida aos desejos do esposo, independentemente de sua vontade. Ocorre que 
esse tipo de ação não pode ser confundida e tampouco legitimada como mera 
insistência do marido, de modo que este venha a exigir uma conduta que a mulher 
não deseja realizar. 
Nessas situações, têm-se uma violência, muito comum, infelizmente, podendo 
ser exemplificada no impedimento que o marido/parceiro faça à mulher de tomar 
contraceptivos, o que se tem no denominado estupro marital, que Viana (2017, p. 1) 
define: 
[...] consiste na conjunção carnal forçada dentro da relação 
conjugal, ou seja, do marido e sua mulher, tratada ao longo dos 
tempos como uma das obrigações do casamento, embora não 
existisse nada expresso”. Já o estupro marital é aquele pelo 
qual um dos cônjuges comete o crime contra o seu parceiro, 
forçando-o a ter prática do ato sexual, pelo fato de estarem 
casados (VIANA, 2017, p. 1). 
Historicamente, a mulher é colocada no lugar de submissão, obediência e de 
exclusão de direitos, no entanto, com o advento dos movimentos feministas, a 
sociedade adequa-se à necessidade de isonomia entre as pessoas e a legislação 
tende e deve acompanhar, para que menos direitos sejam lesados, pois houve uma 
resistência doutrinária e jurisprudencial quanto o reconhecimento da possibilidade de 
violência sexual intrafamiliar, principalmente entre cônjuges. (DIAS, 2007) 
 É sabido que as consequências e traumas resultados da violência contra a 
mulher podem ser gravíssimos, principalmente por ser algo tratável, mas não curável, 
na maioria das vezes, tendo em vista que, havendo uma violação de direitos, 
dificilmente a vítima “supera” a agressão sofrida. 
Nesse sentido, nota-se que, nos casos em que envolvem a violência sexual, o 
impacto psicológico chega a ser, por vezes, mais forte que o físico, pois, por mais 
brutal que seja, as marcas físicas amenizam com tratamentos médico-hospitalares, 
mas a vitimização sofrida no âmbito psíquico, é perpétua, sendo carregada pela vítima 
em sua rotina. 
20 
 
Tal impacto sentido pela vítima, é tido como uma consequência em si do ato 
sofrido, denominando-se de vitimização primária, sendo esta praticada pelo agressor, 
que, ao executar o iter criminis, assume e deseja tais resultados. 
Além do já mencionado, é fator determinante, nos crimes sexuais, o 
acolhimento e atendimento para com a vítima, tendo em vista que, no Brasil, ainda há 
a ocorrência da descredibilização da palavra da mesma, de modo que, ao notificar ou 
tornar público o crime que lhe vitimou, para muitos, o primeiro passo é questionar o 
que a vítima fez para “merecer” a vitimização, fato esse que afasta o interesse da 
mulher em buscar justiça, pois a inversão de valores a que se submeteria, além de 
reviver os traumas já instaurados, a leva ao afastamento de um Estado que não 
protege e nem garante direitos, pois mesmo já estabelecidos, não são respeitados na 
prática, conforme se vê: 
No caso de registros policiais de violência não fatal e de ferimentos 
tratados em serviços de emergência hospitalar, fatores como gravidade 
da violência, idade da vítima, se o perpetrador era conhecido da vítima, 
e falta de acesso ou desconfiança em relação às autoridades policiais 
ou da área da saúde têm impacto sobre a probabilidade de que a vítima 
venha relatar a agressão sofrida. (OMS, 2014) 
 Nesse diapasão, é importante salientar o papel das legislações processuais, 
para que estas tratem das causas que envolvam a violência sexual de acordo com a 
necessidade de que esta demanda, pois na maioria dos casos, os agentes estatais 
não possuem o preparo necessário, visto que ao tratar com crimes sexuais, há não 
somente a incidência e invasão do corpo da vítima, mas também violência com 
resquícios e traumas de cunho psicológico. 
2.4 TUTELA CONSTITUCIONAL À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
Considerando o amplo impacto da violência nas mais diversas searas sociais, 
houve movimentos que ensejavam a redemocratização e, também, por uma nova 
Assembleia Constituinte, que resultou na Constituição Federal de 1988. Nos 
movimentos da época, havia diversas lutas por instituição de direitos e, dentre eles, a 
necessidade de normas que inerentes a igualdade entre homens e mulheres, a fim de 
mudar o estigma social feminino. 
Nesse sentido, tem-se como importante a análise de Silvia Pimentel: 
É insuficiente o artigo 153 da Constituição atual. ‘Todos são iguais 
perante a lei sem distinção de sexo [...]’. Importa que a nova 
Constituição expresse que a mulher e o homem têm os mesmos 
21 
 
direitos no que diz respeito à sua vida familiar, social, econômica, 
política e cultural (PIMENTEL, 1985). 
Desse modo, a Constituição Federal de 1988, assim como os tratados 
internacionais os quais o Brasil é signatário, definem e garantem direitos que 
propiciem a igualdade entre os gêneros, através da redação dada ao art. 5º, I, CF/88, 
visto que a mulher, desde os prelúdios, é estigmatizada como inferior e vulnerável. 
Ademais, um grande avanço é tido, principalmente, pelo texto trazido no art. 
226, §5º c/c §8º, in verbis: 
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do 
Estado. 
(...) 
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são 
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada 
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no 
âmbito de suas relações. 
 Desse modo, tem-se a clara preocupação do constituinte em propiciar a 
igualdade, para que assim a violência seja evitada e coibida, especificamente no 
âmbito familiar. 
2.5 LEGISLAÇÕES ESPECÍFICAS 
Considerando a demanda social e a carência de proteção legislativa referente 
à violência contra a mulher, o Estado buscou instituir, bem como garantir esses direitos 
tutelados não somente pela constituição, mas também no âmbito infraconstitucional, 
que se vê desde a criação de secretarias específicas para as mulheres, quanto a 
formação de ministérios políticos e organizacionais. 
Nesse sentido, convém ressaltar a importância da Lei nº 12.845, de 1º de 
agosto de 2013, denominada de Lei do Minuto Seguinte, em que há o fornecimento 
de garantias às vítimas de violência sexual, o que se exemplifica no atendimento 
imediato pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como assistência médica, 
psicológica e social, com a realização de exames preventivos, que se fazem 
imprescindíveis, dada a violência sofrida e pelo risco de transmissão de doenças ante 
o fato, além de informações sobre seus direitos e procedimentos jurídicos imediatos a 
serem adotados. 
Ademais, com o advento da legislação supracitada, vê-se um claro avanço no 
sentido de não somente proteger a vítima, pois inúmeras são as consequências que 
22 
 
um abuso sexual pode trazer, mas também de evitar que ela seja revitimizada, uma 
vez que, nessa situação, predomina a falta de apoio, o temor em sua palavra ser 
descredibilizada (fato corriqueiro no Brasil), além do medo de represálias do agressor, 
sendo tomada pelos sentimentos de culpa, vergonha e de segregação social. 
Nesse sentido, expôs-se em norma técnica do Ministério da Saúde: 
A violência sexual, em razão da própria situação e das chantagens e 
ameaças, que humilham e intimidam quem a sofreu, pode comumente 
vir acompanhada de sentimentos de culpa, vergonha e medo, sendo 
necessário tempo, cuidado e respeito no atendimento e na escuta 
ofertada nos serviços de saúde e em toda a rede. (BRASIL, 2015) 
 Além do já exposto, faz-se necessário destacar que um dos principais fatores 
que levam as mulheres vitimadas ao afastamento da busca por justiça é adescredibilização do depoimento da vítima, pois, nos casos em que há violência 
sexual, a palavra dela tem (ou deveria ter) um alto valor, tendo em vista que constitui 
um dos meios de prova, em que os indícios criminosos são detectados, na maioria 
das vezes. Nessa toada, a fim de evitar que, em razão do sistema brasileiro, a pessoa 
vitimada tenha esse sentimento despertado, dispôs o Ministério da Saúde: 
A capacidade de escuta, sem pré-julgamentos e imposição de valores, 
a aptidão para lidar com conflitos, a valorização das queixas e a 
identificação das necessidades são pontos básicos do acolhimento que 
poderão incentivar as vítimas a falarem de seus sentimentos e 
necessidades. 
Com isso, resta demonstrada a clara necessidade de que as searas da justiça 
e da saúde trabalhem interligadas, pois o não acolhimento correto em uma delas, 
acarreta no afastamento e a consequente impunidade em uma espécie criminosa que 
provoca tantas vítimas e sequelas, devendo a legislação brasileira buscar impedir a 
supracitada inversão de valores, em que se passa a questionar o que a vítima teria 
feito para que o crime ocorresse, ao invés de utilizar-se dos recursos a punição do 
agressor. 
Em um panorama geral, tem-se, também, com o advento da Lei nº 13.104/2015 
(Lei do Feminicídio), a inclusão da qualificadora no crime de homicídio, que deve 
incidir quando o crime for executado contra mulheres em detrimento de gênero, ou 
seja, quando uma mulher for vítima de homicídio, seja ele tentado ou consumado, 
simplesmente por incluir-se no grupo feminino de pessoas. 
Nessa toada, é imprescindível salientar o grande marco, quando se fala em 
legislação referente às mulheres no Brasil, pois, apesar de haverem mudanças no 
aspecto constitucional, desde 1988, somente com a criação de leis que pudesse 
23 
 
possibilitar e facilitar a implementação desses direitos, é que se teria a real efetivação 
deles, uma vez que a mera instituição dos mesmos, por meio da CRFB/1988, 
trouxeram garantias gerais, mas que não tinham eficácia de fato, pois a ausência de 
norma específica era uma carência concreta frente a uma sociedade que tinha a 
subordinação da mulher como costume. 
Por isso, com o reconhecimento do tema como urgência social, foram criadas 
algumas leis, em que se pode destacar a Lei n.º 11.340/2006, que ficou conhecida 
como Lei Maria da Penha, em razão da repercussão pelo descaso e demora da justiça 
brasileira, além do não amparo para com a vítima, que por diversas vezes buscou a 
penalização do seu agressor, mas foi descredibilizada, somente sendo ouvida em 
âmbito internacional. 
Quando se fala em violência contra a mulher no Brasil, é instintivo dizer que 
logo se é remetido a Lei Maria da Penha, pois esta constitui grande marco na luta 
contra a violência de gênero, dando ao tema, a atenção necessária, inclusive em 
caráter internacional. 
Nessa toada, é cabível dizer que a Lei º 11.340/2006, evidencia o dever do 
Estado em garantir direitos humanos das mulheres, que são previstos em tratados 
internacionais de direitos humanos, os quais o Brasil é signatário, além de tratar do 
assunto de forma mais específica, trazendo não somente definições legais, ao que, 
até então, era tratado somente de forma subjetiva, mas também instituindo medidas 
protetivas de urgência a fim de cessar a violência, bem como medidas integradas que 
visam a repressão e prevenção às agressões como um todo. 
No que diz respeito a definição das formas de violência, se tem: 
Art. 7 º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, 
entre outras: 
I- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua 
integridade ou saúde corporal; 
II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe 
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe 
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar 
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, 
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, 
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, 
chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir 
ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à 
autodeterminação; 
III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a 
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não 
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que 
a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua 
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou 
24 
 
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, 
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite 
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que 
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus 
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores 
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer 
suas necessidades; 
V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure 
calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006) 
Conforme se vê, o legislador preocupou-se em trazer, expressamente, ações 
as quais alcançariam esta lei, contudo, trouxe em rol meramente exemplificativo, ou 
seja, há a possibilidade de outras condutas, que não estejam elencadas, incidirem sob 
a referida legislação, que tem a incumbência de proibir, punir, prevenir e erradicar a 
violência contra a mulher. 
Nesse sentido, é inegável a representatividade que a edição da supracitada lei 
trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro, pois materializou ideais e lutas sociais que 
perduraram por muito tempo, de modo que esta tutela não somente a integridade física 
da mulher, mas também a sexual, a liberdade e dignidade. 
De forma mais específica, se faz mister a análise de como a Lei Maria da Penha 
impacta na legislação brasileira, principalmente no que tange a violência sexual. 
Diante disso, é importante salientar que a ocorrência desse tipo de agressão é tida 
não somente quando há a prática da conjunção carnal ou do ato libidinoso e, uma vez 
ocorrida, esta prática é considerada problema de saúde pública, pois as 
consequências para a vítima são imensuráveis. 
Além do exposto, o impacto maior é tido quanto a proteção e acolhimento para 
com as vítimas, pois ao ocorrer a violência, duas ações são necessárias: a denúncia 
e o acolhimento à vítima, contudo, a segunda deve ser tida com imediata, tendo em 
vista que a saúde da vítima é primordial, pois os primeiros tratamentos terão impacto 
sob toda a apuração do fato criminoso. 
Diante do mencionado, tem-se como principal implementação visando evitar o 
processo revitimizador, a inclusão do art. 10-A na referida Lei, com o intuito de 
oferecer um atendimento policial mais específico, sendo ressaltado que o acolhimento 
à vítima deve ser priorizado, além de realizado por profissionais próprios para tais 
situações envolvendo mulheres vitimadas. 
Com isso, a implementação de um procedimento especial para a oitiva da 
mulher vitimada ou testemunha em violência doméstica foi idealizada pelo legislador, 
ensejando a não incidência de revitimização, conforme se vê, in verbis: 
25 
 
Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o 
atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por 
servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados. 
§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou 
de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a 
mulher, obedecerá às seguintes diretrizes: 
I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, 
considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência 
doméstica e familiar; 
II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulherem situação de violência 
doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com 
investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas; 
III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o 
mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como 
questionamentos sobre a vida privada. 
Nesse sentido, a referida lei trouxe mecanismos de proteção, além de 
estabelecer procedimentos específicos para atender mulheres vítimas de violência 
doméstica, o que se vê com a implementação das medidas protetivas e integradas, 
de modo em que há a criação de políticas públicas, envolvendo não somente o âmbito 
jurídico, mas a sociedade como um todo, em diferentes frentes. 
No entanto, observa-se que o maior amparo relaciona-se às vítimas de 
violência no âmbito doméstico, de modo que, uma mulher vitimada fora desse 
contexto, estaria à margem da legislação, no que concerne às práticas 
revitimizadoras. 
Ademais, tais garantias são tidas em caráter formal, considerando que, apesar 
das disposições legais, não é esta a realidade das mulheres vitimadas no Brasil, tendo 
em vista que raramente tais providências são praticadas, seja pela falta de preparo 
dos agentes, seja pela pouca infraestrutura dos órgãos policiais, que não se 
assemelham ao que legislativamente fora garantido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
26 
 
3 O PROCESSO DE APURAÇÃO DE CRIMES SEXUAIS E A CULPABILIZAÇÃO 
DA VÍTIMA 
 Considerando o que fora exposto anteriormente, é de extrema relevância a 
análise das formas de violência, bem como o tratamento de tais por parte não somente 
do Estado, como agente julgador, mas também da sociedade como um todo e, para 
que essa avaliação seja realizada, mister se fez entender e diferenciar como o 
legislador criou tratativas ao longo do tempo, assim como a sociedade evoluiu os 
conceitos acerca da violência de gênero, sobretudo a de cunho sexual. 
 Diante disso, também se fez imprescindível a explanação das atividades que 
antecedem o processo judicial, quais sejam, os procedimentos realizados antes da 
denúncia ser levada ao Ministério Público, pois o atendimento às vítimas, assim como 
a falta dele, influenciam diretamente no encorajamento das mesmas para a 
denunciação de uma violência sofrida, uma vez que é nesse momento que a maioria 
das mulheres desistem ou mentem sobre ter sido vitimada, pois além inversão de 
valores, ocorre a culpabilização da vítima, em que se busca “motivos” que tivessem 
ensejado o agressor para a prática de tais atos. 
Contudo, há de se observar que mesmo com as mudanças tidas na legislação 
brasileira, o número de crimes sexuais cometidos contra mulheres permanece alto e, 
considerando os reflexos históricos, tem-se hodiernamente a uma constante 
culpabilização atrelada a elas. 
3.1 A FASE PRÉ-PROCESSUAL E O ATENDIMENTO PRIMÁRIO À MULHER 
VÍTIMA DE VIOLÊNCIA 
No que concerne ao aspecto jurídico da violência contra a mulher, é mister 
analisar os procedimentos iniciais que visam a apuração desses fatos criminosos e, 
no ordenamento jurídico brasileiro, isso se dá através do inquérito policial. Contudo, 
muito se tratou acerca das peculiaridades do assunto, uma vez que esta demanda 
maior atenção, por ser, também, um problema de saúde pública. 
Com isso, cabe esclarecer que, apesar de existirem as delegacias 
especializadas para a defesa da mulher, os crimes não precisam ser denunciados 
exclusivamente nelas, pois a notificação em qualquer delegacia, seja ela 
especializada ou não, levará o caso para o tratamento por uma unidade específica, 
por meio de transferência interna. Com isso, após o devido registro, a autoridade 
27 
 
policial irá remeter o expediente a um juiz, que decidirá, em até 48 horas, sobre a 
concessão de medidas protetivas, assim como encaminhará a vítima para o exame 
de corpo de delito. 
Dessa forma, é notório o avanço tido, se comparado aos padrões e costumes 
acima relatados, contudo, quando se trata de violência sexual contra a mulher, mais 
aspectos devem ser considerados, pois a urgência primária trata-se da preservação 
da saúde da mulher, especialmente no que tange ao aspecto psicológico, pois uma 
vítima traumatizada, com medos e inseguranças, em regra, não se sente à vontade 
de levar o fatídico ao judiciário, pelo temor que a revitimização pode causar, tendo em 
vista que como se não bastasse detalhar e reviver uma situação que lhe vitimou, há 
sempre o receio de sua culpabilização, bem como da dúvida posta naquilo que vier a 
narrar. 
Nota-se, porém, que o procedimento de apuração criminal em casos sexuais, 
não possui diferenciação específica de tratamento, apesar de, em termos de 
consequências cotidianas, trazerem consequências que assombram a vida da vítima 
ad aeternum. 
Nesse sentido, tem-se que a legislação brasileira possui alguns mecanismos 
que ensejam a proteção da mulher, mas, sobretudo nos casos de violência sexual, 
não prevê hipóteses que de fato sejam combatam ou evitem a revitimização, de modo 
que, por vezes, no processo inquisitório, há o afastamento da vítima na busca pela 
“justiça”, pois o sofrimento que essa busca causa, muitas vezes pelo próprio Estado, 
em razão da falta de preparo, traz danos irreparáveis, que afetam, inclusive a 
reinserção ao convívio em sociedade. 
3.2 A VITIMOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA NOS CRIMES SEXUAIS 
 Nessa toada, inicialmente, cabe aduzir quanto ao conceito de culpabilização, 
que pode ser tido, também como culpabilidade no âmbito do Direito Penal, em que 
representa uma reprovação e censura ao indivíduo que pratica uma ou mais 
elementares de um tipo penal. De forma mais clara, aquele que pratica um crime fará 
jus ao juízo de culpabilidade, não sendo, contudo, um crime em si, mas um requisito 
28 
 
a ser observado na aplicação da pena, conforme trazido pelo artigo 59, caput, do 
Código Penal Brasileiro.4 
Contudo, a culpabilização ora trabalhada destina-se a outro sentido da palavra, 
que se baseia não somente no crime em sentido estrito, mas também compreende a 
esfera social como um todo, vez que traz o sentido literal de inculpar, ou seja, atribuir 
culpa a alguém e, no contexto inserido, esta é realizada, principalmente, perante a 
mulher vítima em crimes que envolvem violência sexual. 
Ainda no que concerne a culpabilização, é importante salutar a classificação 
vitimológica idealizada precipuamente por Benjamín Mendelsohn, de forma a analisar 
a vítima em perspectivas diferentes e assim estabelecer uma classificação 
interdisciplinar, sendo inicialmente dividida em dois lados: a vítima culpável e a vítima 
inocente, sendo a essas adotados os extremos, de forma a serrem inteiramente de 
um lado, ou de outro. 
De forma mais específica, tem-se para a inocente, a figura da vítima ideal, que 
não colaborou para o evento criminoso. Em contrapartida, para a culpável, tem-se a 
infratora que comete a infração e termina como vítima, a simuladora que imputa 
falsamente a prática de um delito a outrem, e a imaginária que imagina ter sido vítima 
por psicopatia (GONZÁLES, 1983, p. 18). 
Considerando isso, é importante salutar que tal classificação é notada de 
extremo patriarcado e moralismo, pois a vítima ocupa o polo passivo da relação 
criminosa, devendo a esta ser fornecido amparo legal necessário por ter o seu bem 
tutelado ferido, de forma que a culpa do autor, em hipótese alguma deve ser 
transferida ou amenizada para que se culpabilize a vítima. 
Com isso, observa-se que há o intento da atribuição de culpa tanto sob o 
criminoso, esta sendo dada, pelo próprio Código Penal, mas também há a vertente 
que buscar atrelar culpa à vítima e, à última, dedica-se maior atenção neste estudo, 
vez que, mesmo que de maneira não intencional, há a provocação de uma 
culpabilização em vítimas de crimes sexuais, pois a normalização do questionamento 
 
4 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à condutasocial, à personalidade do 
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da 
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [...] 
(BRASIL, 1940) 
29 
 
não somente do comportamento, mas também de aspectos como a vestimenta da 
mulher à época do crime, endossam a inversão de valores, bem como a inculpação 
da vítima para a prática, ao invés de atentar-se ao criminoso, que de fato seria o 
agente que detém culpa. 
Nesse sentido, o Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA) realizou a 
pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres” e trouxe dados relevantes 
acerca da concordância da população com frases de cunho machista e sexista, com 
destaque para o número de 65% (inicialmente divulgado) de concordância com a 
frase: “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.”, 
contudo, após grande repercussão, o mesmo instituto emitiu uma errata, informando 
que o percentual estava equivocado, sendo, na verdade, de 26%.5 
No entanto, apesar do equívoco supracitado, os demais dados vinculados à 
pesquisa permanecem de forma válida, conforme explica: 
“Os demais resultados se mantêm, como a concordância de 58,5% dos 
entrevistados com a ideia de que se as mulheres soubessem como se 
comportar, haveria menos estupros. As conclusões gerais da pesquisa 
continuam válidas, ensejando o aprofundamento das reflexões e 
debates da sociedade sobre seus preconceitos” (2014, online). 
Com isso, se vê, de forma prática, que a sociedade possui esses valores 
enraizados, de modo a influenciar diretamente no juízo de valor, sem nem mesmo 
atentar-se aos detalhes e/ou particularidades das condutas criminosas em si, 
debruçando os mecanismos sociais e jurídicos com enfoque somente na busca da 
atribuição de culpa, sem proteger o bem jurídico tutelado, qual seja, a dignidade da 
pessoa humana. 
3.3 OS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO 
PENAL 
Antes de iniciar o processo em si, é importante salientar que o sistema criminal 
brasileiro é composto por diversos órgãos, sendo a delegacia de polícia o ente 
primário de contato com o sistema, pois é através dela que se inicia o procedimento 
para apuração e a consequente persecução penal. 
 
5 Dados obtidos no site oficial do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada-IPEA 
(2014, online). 
30 
 
Por isso, a análise de informações que venham a incidir em uma conduta 
criminosa, bem como o colhimento de dados e fatos que comprovem não somente a 
existência material do delito, mas também o agente responsável pela promoção da 
ocorrência da mesma se faz primordial, pois é nesta fase que os elementos de 
convencimento são apurados, para que o próprio Ministério Público analise-os e 
decida quanto ao oferecimento da denúncia e, a partir disso, iniciar o processo judicial 
criminal. 
Em regra, os crimes trazidos no código penal brasileiro possuem sua ação 
penal pública incondicionada, o que implica que a ciência da ocorrência de um fato 
criminoso, por si só, já faz jus ao procedimento de investigação pelos agentes policiais, 
sem a necessidade de uma formalização ou de queixa. 
Dessa forma, há de se salientar que a notitia criminis possui algumas formas, 
podendo ser tida de modo espontâneo, em que os agentes tomam conhecimento 
através do exercício de suas atividades rotineiras, há, também a de cognição mediata, 
em que há a comunicação da ocorrência do delito por escrito, como o boletim de 
ocorrência e, ainda, há o tipo coercitivo, com a apresentação do suspeito, bem como 
a forma anônima (LIMA, 2016). 
No que concerne aos crimes que envolvem violência sexual, cabe salientar a 
importância da denúncia por parte da vítima, pois segundo os dados fornecidos pelo 
IPEA, através do “Atlas da Violência 2018”, no Brasil, 90% dos casos de estupro não 
são notificados, o que se depreende um número de aproximadamente 500 mil 
estupros no Brasil a cada ano. 
Diante desses dados, tem-se que a subnotificação dos casos que ocorrem 
violência sexual é uma realidade, sendo diversos os fatores que influenciam para a 
crescente de tal número, além de que, a maioria dos casos são tidos em condições 
que não deixam outras formas de produção de provas, por não ser praticado ante 
testemunhas, sendo o depoimento da vítima de grande valia para a comprovação do 
delito, bem como o exame pericial. 
3.4 A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA 
Conforme já mencionado, a produção de provas é primordial para que se 
chegue ao objetivo da persecução penal, que é a punição do infrator, contudo, esta 
depende outros fatores que antecedem o processo judicial, de modo que a falha e/ou 
31 
 
erro no momento de apuração incorre em fatos sem valor probatório, prejudicando o 
processo com um todo, pois o convencimento do julgador deve basear-se em provas. 
Nesse sentido, tem-se a fase de instrução criminal como o momento processual 
adequado para a produção das provas necessárias para o convencimento do julgador, 
de modo que as evidências tidas na fase de investigação policial devem ser 
novamente apresentadas em âmbito judicial. 
Nessa toada, leciona Nestor Távora: 
A prova é tudo aquilo que será utilizado na formação do convencimento 
do órgão julgador. A prova pode ser entendida como o ato de provar 
(instrução probatória); o meio para provar: são os instrumentos para a 
demonstração da verdade; e o resultado obtido com a análise do 
material probatório, isto é, o efeito ou o resultado da demonstração 
daquilo que se alega (TÁVORA, 2016). 
 
Ademais, ressalta-se que a legislação brasileira, através do Código de 
Processo Penal, traz diversos meios de prova, no entanto, no sistema judiciário 
evidencia-se a verbalização como principal recurso para a produção de evidências, 
em que se tem a oitiva das partes envolvidas, bem como de possíveis testemunhas 
dos fatos. 
Por isso, a instrução probatória em processos que envolvam crimes sexuais 
deve ser tida com mais zelo e preparo, pois, em regra, nos crimes sexuais poucos são 
os indícios colhidos, uma vez que esta espécie criminosa normalmente comprova-se 
somente por meio pericial e pela palavra da vítima, pois os criminosos sexuais tendem 
a praticar os crimes em locais escuros e que não seja passível de prova testemunhal. 
Dessa maneira, fica clara a importância da oitiva da vítima, principalmente 
quando esta é tida em crimes sexuais, pois, na maioria dos casos, poucos são os 
meios de provas possíveis, pelo modus operandi em que essas condutas são 
realizadas, em regra, além do comum retardo na denúncia, por medo, na maioria das 
vezes, o que impossibilita ou dificulta o exame pericial, restando, somente, a palavra 
da vítima como instrumento de prova. 
Assim, há de se ressaltar que os crimes que contém violência sexual contra a 
mulher tendem a ter a fase probatória permeada de dor para a vítima, uma vez que, 
do modo que a persecução penal é desenvolvida no Brasil, há uma tendência para a 
prática da revitimização, vez que a dúvida e distorção para com a palavra da mesma, 
bem como o julgamento da características de gênero, classe social, vestimenta, 
32 
 
dentre outros, fazem com que a mulher vitimada afaste-se, cada vez mais da busca 
pela justiça, pois o sofrimento, assim como as consequências e traumas psicológicos 
que são tidos pela repetição e detalhamento da conduta que lhe causou o mal 
primário, combinado com a realidade machista que permeia o ambiente policial e 
judicial, são causas desse afastamento. 
3.5 O COMPORTAMENTO DA VÍTIMA COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL 
Ao tratar de violência sexual contra a mulher, mister se faz destacar que, 
nesses casos, há uma necessidade de tratamento e análise específicos, uma vez que 
é clara a limitação quanto a instrução e produção probatória, em razão das condições 
em que geralmente tais espécies criminosas ocorrem, tendo, portanto, uma valoração 
maior aos fatoscolhidos por meio da oralidade. 
Superada a fase probatória, se tem a prolação de sentença pelo juiz, que 
contempla a análise das prozas produzidas, a fim de estabelecer seu convencimento 
e, a partir disso, com a condenação, fazer a aplicação de uma referida pena ao 
acusado. 
Nesse sentido, atentando-se à individualização da pena, o juiz deve ater-se aos 
critérios estabelecidos no código penal, precisamente em seu artigo 59, para a 
aplicação da pena-base e, nessa etapa, há a análise das circunstâncias judiciais, em 
que comtempla o comportamento da vítima, a fim de estabelecer algum nível de 
culpabilidade e/ou participação para o resultado na conduta criminosa, sendo esta 
analisada na fase de dosimetria da pena, podendo diminuir a pena-base imposta ao 
agressor. 
Ademais, é notório ressaltar que, em regra, todas as circunstâncias judiciais 
podem ter caráter favorável, neutro ou desfavorável ao réu, contudo, o comportamento 
da vítima tem caráter excepcional, não podendo ser usado para fundamentar uma 
elevação da pena, ou seja, esta não pode ser utilizada como justificativa para 
endurecê-la. 
Sob esse aspecto, se tem: 
“Comportamento da vítima: É a atitude da vítima, que tem o condão de provocar 
ou facilitar a prática do crime. Cuida-se de circunstância judicial ligada à 
vitimologia, isto é, ao estudo da participação da vítima e dos males a ela 
produzidos por uma infração penal. [...] o comportamento da vítima apenas 
33 
 
deve ser utilizado em benefício do réu, devendo tal circunstância ser 
neutralizada no caso de não interferência do ofendido na prática do crime” 
(Masson, Cleber. Código penal comentado. 3. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de 
Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2015, p. 337). 
“A circunstância judicial do comportamento da vítima apresenta relevância nos 
casos de incitar, facilitar ou induzir o réu a cometer o crime” (Lima, Rogério 
Montai de. Guia prático da sentença penal condenatória e roteiro para o 
procedimento no tribunal do júri. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 
2012. p. 33). 
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre 
o assunto, conforme se vê: 
“O comportamento da vítima apenas deve ser considerado em benefício do 
agente, quando a vítima contribui decisivamente para a prática do delito, 
devendo tal circunstância ser neutralizada na hipótese contrária, de não 
interferência do ofendido no cometimento do crime, não sendo possível, 
portanto, considerá-la negativamente na dosimetria da pena” (STJ. HC n. 
255231, julgado em 26/2/2013. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze). 
Dessa maneira, vê-se que, no sistema de justiça brasileiro, há uma utilização 
do comportamento da vítima somente em benefício do acusado, sendo que, 
especificamente em crimes que envolvem violência sexual, este comportamento é 
carregado de uma sociedade e de um sistema predominantemente sexista, em que a 
mulher é analisada pelo seu comportamento antes, durante e após ser vitimada, uma 
vez que a revitimização é uma realidade nos processos criminais que possuem 
mulheres como vítimas. 
Por isso, a vitimologia se faz importante, uma vez que esta demonstra, sob o 
viés criminológico, que a tratativa meramente processual penal, por vezes, é 
insuficiente ou pouco eficaz, atendo-se à individualização da pena do acusado, mas 
esquecendo da importância da vítima como principal ente processual. 
3.6 O PROCESSO DE VITIMIZAÇÃO 
 Inicialmente, cabe conceituar a vitimização e analisar a extrema relevância e 
conexão que a violência sexual cometida contra a mulher possui com a 
(re)vitimização, ressaltando-se que nessa espécie criminosa, há uma maior incidência 
deste tipo de culpabilização da vítima. 
Considerando o exposto, Mendelsohn (1963) a define como um fenômeno 
específico que ocorria com as categorias de vítima qualquer que fosse sua situação. 
De forma mais específica, se tem a vitimização primária aquela causada pelo agente 
criminoso, sendo o resultado da violência causada pelo crime em si. 
34 
 
 Por conseguinte, cabe aduzir quanto o processo vitimizador de modo 
secundário, que é provocado pelo Estado perante a apuração dos crimes em que 
envolvem violência sexual contra a mulher, em que há o descrédito à palavra da 
vítima, bem como a agressão psicológica institucionalizada pela falta de preparo do 
Estado, sendo potencializados os efeitos do crime primário por quem deveria proteger 
o bem jurídico tutelado. 
 Nessa perspectiva, Andreucci aduz: 
Como exemplos de vitimização secundária pode-se citar o mau atendimento 
que eventualmente receba a vítima em delegacias de polícia, institutos 
médico-legais, fóruns e varas criminais. Também o preconceito da 
sociedade, amigos e pessoas da família em relação à vitimização primária. 
Na maioria dos casos, a vítima comparece sozinha e às suas expensas às 
repartições policiais e fóruns, enfrentando toda a sorte de dificuldades, não 
tendo geralmente um advogado a acompanhá-la, aconselhá-la ou instruí-la 
(ANDREUCCI, 2016, s.p). 
 Em análise, resta evidenciado que o Estado tem relação direta com a 
vitimização secundária, sendo este o cerne desta pesquisa, uma vez que o controle 
estatal nesses casos específicos, devem atender não somente ao procedimento 
penal, mas sobretudo ao acompanhamento da vítima, de forma a não maximizar os 
efeitos já provocados pelo agente infrator. 
 Em caráter prático, a sobrevitimização tem influência direta no número de 
denúncias e, consequentemente, de processos que tratem de violência de cunho 
sexual, pois com a alteração quanto ao tipo de ação penal, que tornou a mesma 
pública incondicionada, retirou das vítimas, desde que seja de conhecimento das 
autoridades, a possibilidade de deixar optar ou não em expor o fato criminoso. 
Contudo, o Estado, na busca pela verdade real, acaba por trazer à tona não somente 
o crime, mas também os traumas e vivências negativas sofridas pelo indivíduo que 
ocupa o polo passivo. Dessa forma, o Estado deve garantir às vítimas não somente a 
expectativa de punibilidade, mas também deve assegurar os direitos e garantias 
fundamentais no curso do processo penal. 
 A cerca disso, elucida Andreucci: 
As vítimas passam por diversos constrangimentos físicos, morais, 
patrimoniais devido à ocorrência do delito, ao passo que são poucos 
35 
 
os mecanismos que buscam, efetivamente, minorar as 
consequências por ela experimentadas, e, por conseguinte, o 
abandono da vítima colabora para que esta permaneça no anonimato, 
por ter receio de ser revitimizada (ANDREUCCI, 2016, s.p). 
 Ademais, há também a vitimização terciária, que não fica à cargo do Estado, 
uma vez que esta é desenvolvida pela sociedade, ao promoverem o afastamento e 
segregação pelo fato do estigma que recai sobre a pessoa vítima de crimes sexuais. 
Nesse sentido, especificamente a família, trazida pela Constituição Federal de 1988, 
em seu art. 226, como base social mais íntima, pode vir a praticar esse afastamento. 
Destarte, este trabalho busca relacionar os efeitos que a vitimização provocada 
pelo Estado, qual seja, a secundária, traz às vítimas de crimes que envolvam violência 
sexual, portanto, dessa análise se tem que o papel estatal não deve ser unicamente 
desenvolvido na busca da verdade real, uma vez que para que esta seja alcançada, 
a pessoa que primariamente foi alvo de outro tipo de violência, tenha que a reviver e 
maximizá-la em detrimento do não atendimento do Estado, enquanto agente 
garantidor, do procedimento em que não seja necessário gerar uma violência para 
combater outra, tendo em vista que o direito penal visto como última ratio deve ser 
considerado também. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
36 
 
4. O ITER (RE)VICTIMAE E SEUS IMPACTOS 
Considerando que as lições mencionadas nos capítulos anteriores trouxeram 
definições e teorias acerca da violência contra a mulher em si, bem como sua dinâmica 
de desenvolvimento na sociedade atual,este dedica-se a explanar sobre a relação 
que revitimização de mulheres vítimas de crimes sexuais possuem com os problemas 
sociais, bem como estes desenvolvem consequências não somente para a vítima, 
mas para os que a rodeiam e, em decorrência disso, há uma série de efeitos que 
fazem com que a coletividade adote e chancele condutas que devem ser reprovadas 
em todos os âmbitos. 
Nesse sentido, é importante aludir que, do mesmo modo que o agente causador 
promove o iter criminis, ou seja, determina e executa as etapas para a consumação 
do crime, quais sejam, os atos preparatórios e afins, a vitimologia ocupa-se na análise 
do iter victimae, que em tradução literal do latim significa “o caminho para a vítima”, 
referindo-se às etapas percorridas pela pessoa até que ela se torne vítima do crime 
primário. 
Segundo o autor Cleber Masson (2015, p.355), o iter criminis ou caminho do 
crime, corresponde às etapas percorridas pelo agente para a prática de um fato 
previsto em lei como infração penal. 
Nesta toada, declara o autor Cezar Roberto Bitencourt (2012, p.522), há um 
caminho que o crime percorre, desde o momento que germina, como ideia, no espírito 
do agente, até aquele em que se consuma no ato final. 
Nesse mesmo diapasão, expõe Edmundo Oliveira: “Iter Victimae é o caminho, 
interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de 
etapas que se operam cronologicamente no desenvolvimento de vitimização”. 
(OLIVEIRA, 2001). 
Ademais, a doutrina majoritária aduz que o iter victimae possui as mesmas 
etapas que o iter criminis, sendo elas a intuição - também denominada de fase interna, 
que abrange a cogitação, deliberação e resolução, a preparação, o início da execução, 
a execução em si e a consumação do delito. 
37 
 
Em breve resumo, estas definem-se nas palavras de Nucci: 
“O iter criminis é um conjunto de fases que se sucedem para a 
realização de um crime, que vai desde à cogitação à consumação. 
Divide-se em duas fases – interna e externa –, que se subdividem: 
A) fase interna, que ocorre na mente do agente, percorrendo, como 
regra, as seguintes etapas: a.1) cogitação: é o momento de ideação 
do delito, ou seja, quando o agente tem a ideia de praticar o crime ; 
a.2) deliberação: trata-se do momento em que o agente pondera os 
prós e os contras da atividade criminosa 
idealizada; a.3) resolução: cuida do instante em que o agente decide, 
efetivamente, praticar o delito. Tendo em vista que a fase interna não 
é exteriorizada, logicamente não é punida. 
B) fase externa, que ocorre no momento em que o agente exterioriza, 
através de atos, seu objetivo criminoso, subdividindo-se em: 
b.1) manifestação: é o momento em que o agente proclama a quem 
queira e possa ouvir a sua resolução. Embora não possa ser punida 
esta fase como tentativa do crime almejado, é possível tornar -se figura 
típica autônoma, como acontece com a concretização do delito de 
ameaça; b.2) preparação: é a fase de exteriorização da ideia do crime, 
através de atos que começam a materializar a perseguição ao alvo 
idealizado, configurando uma verdadeira ponte entre a fase interna e a 
execução. O agente ainda não ingressou nos atos executórios, daí por 
que não é punida a preparação no direito brasileiro. 
Excepcionalmente, diante da relevância da conduta, o legislador pode 
criar um tipo especial, prevendo punição para a preparação de certos 
delitos, embora, nesses casos, exista autonomia do crime consumado. 
Exemplo: possuir substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou 
asfixiante ou material destinado à sua fabricação (art. 253, CP) não 
deixa de ser a preparação para os crimes de explosão (art. 251, CP) 
ou de uso de gás tóxico (art. 252, CP), razão pela qual somente torna-
se conduta punível pela existência de tipic idade incriminadora 
autônoma; 
b.3) execução: é a fase de realização da conduta designada pelo 
núcleo da figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos e 
unívocos para chegar ao resultado, mas também daqueles que 
representarem atos imediatamente anteriores a estes, desde que se 
tenha certeza do plano concreto do autor. 
Exemplo: comprar um revólver para matar a vítima é apenas a 
preparação do crime de homicídio, embora dar tiros na direção do 
ofendido signifique atos idôneos para chegar ao núcleo da figura típica 
“matar”. 
b.4) consumação: é o momento de conclusão do delito, reunindo 
todos os elementos do tipo penal. (NUCCI, 2020, grifo nosso)” 
38 
 
Com a compreensão da lição trazida por Nucci, observa-se que o direito penal, 
enquanto seara de estudo do crime em si, traz, primeiramente, as referidas etapas 
para que o delito se desenvolva e, nessa toada, este estudo busca realizar a análise 
comparativa das etapas supracitadas, considerando o ramo da vitimologia, 
especificamente, nos caminhos que levam a mulher que já fora vítima de um crime, 
ser novamente exposta a outros tipos de violências, que teriam como agentes ativos 
o Estado e a sociedade. 
Com todo o exposto, cabe a análise deste conceito ora supracitado no contexto 
da vitimologia, em que pese considerar o já mencionado iter victimae, uma vez que se 
faz essencial para a compreensão de como a mulher, especificamente, em crimes que 
envolvem violência sexual, defronta-se com isso não somente quando sofre a 
violência, mas ao procurar os entes responsáveis pela punição de seus agressores, 
considerando todo o julgamento e culpabilização da mulher vítima de violência sexual 
no Brasil, conforme se expôs em linhas anteriores, o que propicia um processo de 
revitimização, sendo o Estado nesses casos, agente ativo no iter victimae? 
0.1. O ESTADO COMO AGENTE REVITIMIZADOR 
Ante o exposto, cabe aludir não somente sobre a revitimização em si, mas, 
sobretudo, quanto aos meios que possibilitam e fazem com que esta seja uma 
realidade nos crimes sexuais contra a mulher em geral, pois o Estado, enquanto 
agente garantidor de direitos, possui participação em diversas etapas, uma vez que 
este participa desde a instituição de direitos, até a aplicação e execução das 
atividades que visam garantir tais prerrogativas, que, em suma, buscam assegurar a 
dignidade da pessoa humana. 
De maneira mais específica, destaca-se, para este estudo, a vitimização 
secundária, vez que esta é tida quando há uma nova reprodução de violência por 
parte do Estado para com a vítima de crimes, especialmente os de cunho sexual 
contra as mulheres, pois são nestes que ocorrem com maior incidência. 
Sobre o aludido, aduz Calhau: 
“(...) a sobrevitimização do processo penal ou vitimização secundária é o 
sofrimento adicional que a dinâmica da Justiça Criminal (Poder Judiciário, 
Ministério Público, Polícias e sistema penitenciário), com suas mazelas, 
provoca normalmente nas vítimas. No processo penal ordinário e na fase de 
39 
 
investigação policial, a vítima é tratada com descaso, e muitas vezes com 
desconfiança pelas agências de controle estatal da criminalidade.” (CALHAU, 
L, B. 2009) 
Nessa perspectiva, o Estado é tido como agente revitimizador nos casos de 
violência sexual contra a mulher quando promove, ao invés de proteção, descrédito e 
culpabilização à vítima, além disso, o atendimento primário à mulher em tais 
condições faz toda a diferença não somente à vítima, mas também a todo o trâmite 
processual que deveria advir de uma violência. 
Ademais, conforme já mencionado, o Atlas da Violência trouxe os números de 
casos de estupro no Brasil, comprovando que a subnotificação deles é absurdamente 
alta, chegando a 90%. Diante disso, é cabível dizer que as mulheres, ao serem vítimas 
de crimes sexuais, tendem a se afastar da busca pela justiça, fato este ocorrido pela 
alta incidência da revitimização pelo ente estatal. 
Desse modo, o Estado falha na incumbência de garantidor de direitos, uma vez 
que a violência trazida pelo criminoso, por si só, já produz dores e traumas que não 
podem ser apagados pela vítima e,

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