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Pelotas 2019 MÁRCIO ROBERTO FELICE A RELEVÂNCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS PROCESSOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE A LEI MARIA DA PENHA Pelotas 2019 A RELEVÂNCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS PROCESSOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE A LEI MARIA DA PENHA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdades Anhanguera, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. Orientadora: Regiane Cremasco Molina. MÁRCIO ROBERTO FELICE MÁRCIO ROBERTO FELICE A RELEVÂNCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS PROCESSOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE A LEI MARIA DA PENHA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdades Anhanguera, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. BANCA EXAMINADORA Pelotas, ____de _______________ de 2019 Dedico esta, bem como todas as minhas conquistas, à minha família. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família que com todo o apoio e incentivo proporcionaram que eu chegasse até essa tão importante etapa da minha vida. A todos os professores do meu curso que foram imprescindíveis na minha trajetória acadêmica. FELICE, Márcio Roberto. A relevância probatória da palavra da vítima nos processos de violência doméstica e familiar contra a mulher perante a Lei Maria da Penha. 2019. 45 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Anhanguera, Pelotas, 2019. RESUMO O propósito do presente trabalho tem como tema “a relevância probatória da palavra da vítima nos processos de violência doméstica e familiar contra a mulher perante a Lei Maria da Penha”, cujo objetivo é abordar a relevância do depoimento da mulher ofendida como fator probatório na busca da real verdade no processo penal brasileiro. Desta forma, propõe-se com embasamento em artigos, jurisprudências e doutrinas, elaborar uma análise, discussão e demonstrar uma problemática dessa forma de violência que, comumente, é exercida na inexistência de testemunhas ou outra forma de prova qualquer que venha a ser condescendente com a palavra da vítima, enfocando a valoração que é destinada a sua palavra, esta de maneira isolada ou frente ao conjunto probatório. Emprega-se o uso da pesquisa bibliográfica e a escolha do tema surgiu da conjectura de que a violência doméstica e familiar aferida à mulher tornou-se uma problemática social e de saúde pública, que engloba um grande número de mulheres, violentadas com base em qualquer relação íntima de afeto, onde o agressor convive ou conviveu com a vítima, imparcialmente de coabitação. Desta forma, também se analisa a conceituação de violência doméstica e familiar cometida contra a mulher, sua luta pela extinção desse tipo de violência, elegendo os principais aspectos inerentes e aprovados pela Lei Maria da Penha. Da mesma maneira, discorre-se acerca das provas no processo penal, enfatizando-se o valor que deve ser concedido às declarações relatadas pelas vítimas na busca de um processo sem qualquer forma discriminativa às mulheres buscando uma isonomia entre mulheres e homens no que se refere à violência. Palavras-chave: Violência doméstica e familiar. Lei Maria da Penha (11.340/06). Processos. Da palavra da vítima. FELICE, Márcio Roberto. A relevância probatória da palavra da vítima nos processos de violência doméstica e familiar contra a mulher perante a Lei Maria da Penha. 2019. 45 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Anhanguera, Pelotas, 2019. ABSTRACT The purpose of the present study is "the evidential relevance of the word of the victim in domestic and family violence against women before the Maria da Penha Law", whose objective is to address the relevance of the testimony of the offended woman as a probative factor in the search for real truth in Brazilian criminal proceedings. In this way, it is proposed based on articles, jurisprudence and doctrines, to elaborate an analysis, discussion and to demonstrate a problematic of this form of violence that is usually exercised in the absence of witnesses or other form of evidence that will be condescending with the word of the victim, focusing on the valuation that is destined for his word, is in an isolated way or in front of the probative set. The use of bibliographic research is used and the choice of topic arose from the conjecture that domestic and family violence against women has become a social and public health problem, which includes a large number of women, who are raped on the basis of any intimate relationship of affection, where the aggressor lives or lived with the victim, impartially of cohabitation. In this way, we also analyze the conceptualization of domestic and family violence committed against women, their struggle to extinguish this type of violence, choosing the main aspects inherent and approved by the Maria da Penha Law. In the same way, there is a discussion about the evidence in the criminal process, emphasizing the value that must be given to the statements reported by the victims in the search for a process without any discriminatory way to women seeking an equality between women and men, to violence. Keywords: Domestic and family violence. Maria da Penha Law (11.340 / 06). Proceedings. Of the victim's Word. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E A CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA....................................................................................................................... 15 2.1 A Lei Maria da Penha......................................................................................... 17 2.2 A vitima conforme o Direito Penal Brasileiro...................................................... 21 2.3 O agressor e seu perfil....................................................................................... 22 2.4 A vítima e seu perfil............................................................................................ 23 3 O PROCESSO PENAL BRASILEIRO E A TEORIA DA PROVA.......................... 25 3.1 A valoração das provas.................................................................................... 26 3.2 A prova documental.......................................................................................... 28 3.3 A prova testemunhal......................................................................................... 29 3.3 A prova da perícia.............................................................................................. 31 4 A PALAVRA DA VÍTIMA E SUA RELEVÂNCIA NOS PROCESSOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.................................................................... 35 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................43 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 46 13 1. INTRODUÇÃO A violência, esta doméstica e/ou familiar cometida contra a mulher já é registrada há décadas, não sendo um fator atual, sendo que se mantém presente por todas as épocas da história da humanidade, atrelada às questões que enfatizam o poder da desigualdade entre as mulheres e os homens. É praxe no Brasil dizer-se que é notória uma cultura de discriminação quando envolve o gênero feminino, discriminação essa pertinentee percebida na sociedade e também na própria família, ditando uma regra de superioridade do homem perante a mulher, desencadeando assim um papel submisso desta, o que, acarreta sua afirmação como pessoa impedindo seu avanço em alguns sentidos. Assim, são recorrentes circunstâncias e notícias envolvendo abuso sexual e demais violências no Brasil envolvendo mulheres, estas na grande maioria dos casos, ocorrendo no espaço familiar, isto é, seus agressores fazem parte de seu circulo de convivência, e neste âmbito, a princípio com os homens dominando, usam a violência, mais especificamente a física, percebendo-se a partir disso um processo de manifestação de mulheres para que estas contradições historicistas sejam corrigidas. Em 1993, na Conferência das Nações Unidas que tratavam sobre Direitos Humanos, foi reconhecida formalmente a violência contra as mulheres, vista como uma maneira de violação dos direitos humanos. No decorrer, consagraram-se diversas Convenções/Tratados inseridos no Sistema Jurídico Brasileiro intencionando eliminar toda as maneiras de discriminação à mulher, baseando-se sobremaneira na Constituição da República, peculiarmente em seu Art. 1, inc. III, onde dispõe a fundamentação do amor próprio da pessoa humana. Com isso, se percebe que o Brasil envolveu-se num patamar civilizado de reconhecer a mulher como parte pertinente de direitos humanos, posicionando-se no mesmo patamar em relação aos homens, e assim, adotar métodos para prevenir, punir e desarraigar o abuso sexual bem como a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Dessa maneira, neste trabalho de monografia, através de uma pesquisa bibliográfica, artigos, jurisprudências e doutrinas, realizado através de um método dedutivo e de procedimento técnico e documental, busca-se abordar uma análise 14 dos casos de violência doméstica e familiar que atormentava Maria da Penha Maia Fernandes juntamente com sua trajetória de lutas buscando eliminar esse tipo de violência ate a aprovação da Lei 11.340/2006, comumente conhecida como Lei Maria da Penha, que se tornou um instrumento de cunho legal coibindo e punindo a violência doméstica e familiar registradas contra as mulheres no Brasil, e a priori serão abordados alguns pontos significativos advindos da Lei, destacando-se que este estudo não pretende ser um fim em si mesmo, mas apresentar o intuito de fomentar a abordagem intencionando que a Lei possa cumprir com seu papel, assegurando às mulheres meios necessários para proteger e erradicar toda forma de violência, objetivando-se assim analisar alguns meios de provas pertinentes ao ordenamento penal brasileiro, abordando qual o valoração da palavra da vítima como a principal prova de crime afim de alcançar uma sentença condenatória. No primeiro capítulo aborda-se o surgimento da Lei Maria da Penha como resposta as diversas pressões sofridas pelas mulheres, logrando sucesso em diversos pontos, salientando que ainda que alguns pontos ainda sejam objetos de discussões no que refere-se a jurisprudência e a doutrina. No segundo capítulo discorre-se sobre a teoria da prova no processo penal brasileiro, juntamente com seu ônus probatório e sua valoração frente ao juiz, identificando os principais meios de provas empregados. Por último, disserta-se como a violência doméstica e familiar contra as mulheres, comumente cometidos sem testemunhas oculares, tirando partido da relação intima do âmbito familiar bem como da vulnerabilidade da vitima, abordando- se sobre a relevância que possui a palavra da vitima como ferramenta probatória nos processos outorgados pela violência domestica e familiar contra as mulheres e sua posição jurisprudencial. 15 2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FAMILIAR E A CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA O simples fato de ser mulher desencadeia uma série de preconceitos e procedimentos ao longo da historia da humanidade, por isso, o direito concede o papel de permitir e assegurar a vida humana dentro de uma sociedade, e é através desse direito que se encontra a chance de reconhecer a igualdade da figura feminina frente à masculina, isto que as inúmeras formas de violência provêm das desigualdades vistas entre homens e mulheres. É perceptível que a violência contra as mulheres é vista como um fenômeno social preocupante e grave, sendo um problema de saúde pública que não só atinge as vítimas como também pessoas que com ela convivem, tais como pais, filhos, irmãos, etc. (LANGARO, et al., 2009) e, comumente esse tipo de violência é registrado em ambientes públicos ou privados, onde neste último na maioria dos casos, não há registro de testemunhas. Conforme aborda Cavalcanti (2007, p. 36), é constituído o ato de violência contra a mulher, [...] é qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher, e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Salienta-se que a violência contra a mulher aborda as relações de poder, historicamente, frente a desigualdade entre homens e mulheres, uma ofensa perante a dignidade humana que transpõe a sociedade, desconsiderando-se classe sociais, entre outros, desta maneira então, acabar com a violência contra a mulher é fator crucial para o seu desenvolvimento pessoal e social bem como sua plena participação em todas os âmbitos da vida (CAVALCANTI, 2007). Percebe-se nos tempos atuais que a cada dia as mulheres vêm demonstrando uma capacidade igual, mesmo até, superior à dos homens, mas mesmo assim ainda sofrem constantes agressões oriundas dos homens, e baseado nesse pressuposto cita-se Silva (2011, p. 31-32) onde descreve: [...] um crime bárbaro assolou a vida de uma mulher. Por duas vezes vítima de tentativa de homicídio por parte do marido, essa mulher reiteradamente denunciou as agressões que sofreu. Como nada acontecia ao agressor, quase concluiu que ele tinha razão de ter feito o que fez. A morosidade da 16 justiça somente aumentava sua indignação com os fatos, e quase vinte anos se passaram até a condenação final do agressor. A história toda foi tão absurda que instituições denunciaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que impôs multa a ser paga pelo Estado brasileiro à vítima. Além disso, pressionou o Brasil a cumprir as convenções e tratados internacionais que é signatário, desembocando na sanção da lei que trata sobre violência doméstica em 7 de agosto de 2006. Essa mulher é Maria da Penha Maia Fernandes, e em sua homenagem a Lei 11.340/2006 leva seu nome. É notória que a Lei Maria da Penha é uma proeza dos movimentos feministas que lutam pela eliminação, a prevenção e a punição da violência registrada contra a mulher, onde se verifica alto grau de impunidade face os fatos acontecerem em ambiente privado e íntimo, o que não permitia mensurar o tamanho do problema e, com isso percebia-se a banalização das circunstâncias e ocorrência de violência contra as mulheres, e, no decorrer dos tempos o estado brasileiro além de julgar os agressores deveria elaborar uma lei específica para proteger as mulheres que fossem vítimas de violência, coincidentemente pode-se citar que o agressor de Maria da Penha tentou matar-lhe inúmeras vezes e tais crimes estavam em vias de prescrever frente a perceptível morosidade da justiça brasileira. Um marco para a legislação na mudança das normas jurídicas de proteção ás mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha veio para efetivar o §8º do Art. 226 da Constituição Federal, impondo ao estado a obrigação de “assegurar à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no campo de suas relações” e, através da Lei11.340/2006 criou-se o juizado de Violência Doméstica e Familiar, consagrando-se como um mecanismo mais favorável às mulheres vítimas de violência, através de uma série de medidas protetivas, primando pelas vítimas através de sua integridade física e psicológica, e sob este aspecto a referida Lei em seu Art. 22, disserta que: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº. 10.826 de 22/12/2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; 17 b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. A Lei em questão promulgou uma punição mais severa aos infratores, visto que em seu Art. 17, proíbe a substituição isolada da pena pelo pagamento de multa bem como a aplicabilidade de penas com pagamento de cestas básicas ou de indenização pecuniária, registrando ainda outro ponto que refere-se a assistência às mulheres vitimas dessa condição de violência, pois, conforme o Art. 9º. Da lei, as vitimas deverão ser inclusas em programas de apoio e assistência disponibilizados pelos governos Federal, Estadual e até mesmo o Municipal. Analisando-se de uma forma geral, a Lei veio inovar os meios de proteção à mulher perante a violência sofrida, criando instrumentos na busca da redução das desigualdades historicistas, dispondo ás mulheres um aparato na busca de sua defesa. Salienta-se ainda que, a violência doméstica e familiar é muito complexa ainda, perante até uma legislação mais especifica, gerando conseqüentemente, certas discussões justificadas por existirem muitas formas de agressão, pois a agressão física, por exemplo, deixa marcas visíveis, mas a psicológica não, e, na maioria das vezes essa ultima é muito mais danosa e difícil de comprovação e neste caso, a palavra da vitima é a maneira mais probatória e contundente. A palavra da vítima não tem sido, na maioria dos casos, por si só suficiente para punir os infratores, sendo assim uma questão a ser abordada e tratada por todos os envolvidos nesse processo, para apurar-se o tipo de infração, correndo-se o risco de a lei tornar-se ineficaz em sua aplicabilidade perante casos específicos e reais. 2.1 A Lei Maria da Penha Com o princípio da Lei 11.340/2006, intitulada Lei Maria da Penha, criou-se mecanismos mais eficazes na busca de cercear a violência contra a mulher em seu ambiente doméstico e familiar, através de procedimentos criminais que alteram as 18 relações entre mulheres que são vitimas desse modo de violência e seus agressores (SILVA, 2011). Conforme disserta Pasinato (2008), no decorrer dos tempos, a mulher tem enfrentado uma luta por seu espaço na sociedade livre dessas ocorrências, e nesse contexto vem objetivando-se reconhecer a violência doméstica cometida às mulheres como uma problemática social, e Cavalcanti (2007, p. 175) descreve que: [...] satisfazendo as expectativas das entidades de defesa dos direitos das mulheres e em cumprimento ao preceito do parágrafo 8 do art. 226 da CF, da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, 11.340-06, foi finalmente sancionada. A lei vem atender ao clamor contra a sensação de impunidade aos casos de violência doméstica e familiar praticada, contra a mulher. Atualmente, a violência doméstica e familiar contra a mulher juntamente com a discriminação sofrida por essas vítimas tem alcançado índices relevantes se comparados ao sexo oposto levando-se em conta as distinções físicas e até mesmo por fatores culturais. Frente a isso, a Lei Maria da Penha visa atingir o fim dessa violência e discriminação, onde em seu teor busca uma especial proteção ao gênero feminino, permitindo a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres intencionando buscar a real igualdade de gênero no que se refere ao propósito de acabar com essa violência. Atingida a igualdade entre mulheres e homens no que se refere à violência doméstica e familiar, esse comportamento não será eternizado, considerando-se a probabilidade igualitária entre os sexos, e sobre esse questionamento, Souza (2007, p. 38), ressalta que: [...] as medidas preconizadas na Lei Maria da Penha constituem políticas e ações afirmativas no sentido de possibilitar que em relação à questão da violência, as mulheres alcancem o respeito a sua dignidade enquanto seres humanos, bem como a almejada igualdade de condições em relação aos homens, estando, portanto, em plena consonância com os ideais insertos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (art.1º, inc. III; art 5º, incs. I e III e art. 226, § 8º). 19 Conforme aborda Dias (2007, p. 103), a Lei Maria da Penha “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, visando assegurar a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial da mulher”. Ainda, conforme o que descreve Souza (2007, p. 38), registrou-se apreensão proveniente dos legisladores “[...] em estabelecer uma lista de condutas que considera como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a qual, embora extensa, não é exaustiva, de forma que outras condutas também podem se enquadrar nesse contexto”, e conforme o que estabelece o Art. 7º, da Lei Maria da Penha, definem-se as formas de violência doméstica ou familiar contra a mulher: (I) A violência física, (II) A violência psicológica, (III) A violência sexual, (IV) A violência patrimonial e (V) A violência moral (BRASIL, 2006). Referente a primeira forma, percebe-se que “[...] a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal” (BRASIL, 2006). Abordando ainda tal tipo de violência, Dias (2007) descreve que mesmo que registrada a agressão e que não resulte em marcas aparentes no corpo da mulher, o uso de força física para atingir o corpo ou a saúde da mulher determina vis corporalis, um termo utilizado para definir e demonstrar a violência física e, salienta- se que: “Não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor” (DIAS, 2007, p. 46). Quanto à violência psicológica: II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. (BRASIL, 2006). Ainda, abordando acerca da violência psicológica cometida contra a mulher, vale registrar a colocação de DIAS (2007, p. 48): 20 A doutrina critica a expressão violência psicológica, que poderia ser aplicada a qualquer crime contra a mulher,pois todo crime gera dano emocional à vítima, e aplicar um tratamento diferenciado apenas pelo fato de a vítima ser mulher seria discriminação injustificada de gêneros. Ora, quem assim pensa olvida-se que a violência contra a mulher tem raízes culturais e históricas, merecendo ser tratada de forma diferenciada, até por que não ver esta realidade é que infringe o princípio da igualdade. Cabe ressaltar ainda (DIAS, 2007) que disserta que a violência psicológica está embasada nas relações desiguais de poder entre os sexos, considerando-se que, apesar de ser o indicativo de violência contra a mulher mais comum e com maior freqüência, é a menos denunciada, pois a mulher, na maioria das vezes, não se dá conta das agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, etc..., que sofre e que também são violências que devem sim serem denunciadas e, é necessário observar que para configurar o dano psicológico não se faz necessária a realização de perícia e/ou a elaboração de laudo técnico, pois conforme Dias (2007), ao ser reconhecida pelo juiz a ocorrência da violência psicológica, cabendo conceder medida protetiva de urgência, a majoração da pena se impõe, podendo ser agravada. E, sobre a colocação III – Violência Sexual: III a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2006). Sobre todo esse contexto de abordagem a respeito, Dias (2007, p. 49) esclarece alguns aspectos que envolvem a violência sexual contra a mulher, expondo que: Os delitos equivocadamente chamados de contra os costumes constituem, às claras, violência sexual. Quem obriga uma mulher a manter relação sexual não desejada pratica o crime sexual de estupro. Também os outros crimes contra a liberdade sexual configuram violência sexual quando destinados a mulher: atentado violento ao pudor; posse sexual mediante fraude; atentado ao pudor mediante fraude; assédio sexual e corrupção de menores. Todos esses delitos, se cometidos no âmbito das relações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica, e o agente submete-se à Lei Maria da Penha. Mesmo o delito de assédio sexual, que está ligado às relações de trabalho, pode constituir violência doméstica quando, além do vínculo afetivo familiar, a vítima trabalha para o agressor. 21 Com relação à forma IV, a denominada violência patrimonial, a qual é registrada através de qualquer ato “[...] que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” (BRASIL, 2006), pois conforme DIAS (2007), além de essas condutas constituírem crimes, faz-se necessário argumentar que, se tais crimes forem efetuados à mulher com quem o agente mantém vínculo familiar ou afetivo, ocorre o agravamento da pena (DIAS, 2007). Por último, encontra-se a violência moral, ou seja: “entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria” (BRASIL, 2006). Sobre esse prisma, é praxe observar que esse tipo de violência ocorra indiscriminadamente, mas, em virtude de, na maioria das vezes, a vítima não tomar conhecimento, não se dá seguimento a denúncia, tampouco a punições. (DIAS, 2007). 2.2 A vítima conforme o Direito Penal Brasileiro Ao conceituar-se “vítima”, na maioria dos casos percebe-se que é o de uma pessoa apta a sofrer qualquer tipo de conseqüência, e hoje são consideradas vítimas toda aquela pessoa física, prejudicada por ação ou omissão humana que constitua infração penal, entendendo-se assim, que vítimas são as pessoas que coletivamente ou individualmente, tenham sofrido danos, tais como lesões físicas, mentais, emocionais, etc. (SOUZA, 2014). Conforme Oliveira (1999) considera-se vítima de crime “toda pessoa física ou jurídica e ente coletivo prejudicado por um ato ou omissão que constitua infração penal, levando-se em conta as referências feitas no conceito de crime pela criminologia”. Ainda, Souza (2014) descreve que “o Sistema Penal Brasileiro adota o discurso da ressocialização do criminoso, sem ter maiores preocupações com a vítima, abandonada a sua própria sorte e essa postura discordava das diretrizes recomendadas pelo direito internacional, a partir da Declaração de 1948 e de vários tratados que lhe sucederam, mas apesar de alguns avanços percebidos nesta área, 22 a vítima ainda ocupa posição de desvantagem, onde seus interesses são relegados a um plano absolutamente secundário e sob á ótica do processo penal sua participação é restringida a prestações de declarações em juízo”. Ainda, Souza (2014) aborda que se encontram no Código de Processo Penal brasileiro as expressões: vítima, ofendido, pessoa ofendida e lesado, utilizando vítima para caracterizar a vítima penal, ou seja, o sujeito passivo do delito. No Art. 188, III, do Código de Processo Penal pergunta-se ao réu se conhece a vítima; o Art. 240, ss. determina que seja feita uma busca domiciliar no intuito de proceder a apreensão de vítimas de crimes; o Art. 458 do Código de Processo Penal trata da suspeição do jurado em função de seu parentesco com a vítima. Analisando Carvalho (2016), há o propósito de se devolver à vítima o seu direito retirado pelo Estado (quando tomou para si o direito desta), dentro dos moldes da justiça penal consensual, observando-se, portanto, a tendência de tornar a vítima sujeito do processo e privatização do processo penal. Sob esta ótica, é praxe considerar-se que o correto seria criar políticas públicas que buscassem o bem estar social não só dos infratores, bem como das vítimas que, por vezes, não encontram nenhum apoio do Estado. 2.3 O agressor e seu perfil Em grande parte dos casos registrados o homem é o agressor, mesmo existindo mulheres agressoras quando se trata da violência doméstica e familiar e mesmo existindo poucos casos em que as mulheres são protagonistas ativamente do crime, na maioria das vezes aparecem como vítimas da violência doméstica, configurando com isso uma predominante característica no agressor, o fato de ter ou manter algum relacionamento afetivo íntimo com a vítima, e a respeito Souza (2014, p. 19-20), disserta que: O agressor pode ser qualquer tipo de homem, desde o mais sério e culto ao menos favorecido. Porém, em maioria absoluta, os que mais violentam as mulheres são os mais cultos em que, aparentemente, é um homem acima de qualquer suspeita. Aparenta ser um cavalheiro, de reputação ilibada e idônea, tanto no seu ambiente social e de trabalho, não demonstrando nenhuma atitude violenta, esta que, só aparece dentro de casa. Geralmente quando a mulher que foi vítima da violência pede algum tipo de ajuda, alguns vizinhos não acreditam que este “homem cavalheiro”, tenha sido capaz de tal atitude, pois é difícil associar a imagem pública do homem 23 respeitável à do espancador. Do ponto de vista psicológico, esses homens têm uma insegurança muito grande em relação à própria virilidade, ao papel masculino. São muito possessivos e ciumentos, vendo então as mulheres como sua propriedade e não agüentam perder o controle sobre elas, descreve a psicóloga Ruth Gheler. Em geral, conforme o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a questão da violência contra a mulher no país, os agressores são filhos de pais excessivamenteautoritários e eles próprios foram vítimas de violência física na infância. Observa-se que não existe um perfil característico de um homem agressor, desta forma não tem como a sociedade, de um modo geral, perceber ou registrar quem é um sujeito agressor ou não, e, apesar de ser difícil determinar razões e motivações que desencadeiam este tipo de violência, destaca-se que a maioria dos agressores sente uma necessidade de controle e dominação sobre sua vítima. E ao analisar-se esse perfil de agressor comumente percebe-se um sentimento de poder frente à sua companheira e receio e medo de uma provável independência da mesma, e assim, os agressores liberam sua raiva em resposta ao fato de perceber que estariam perdendo a posição maioral de chefe da família (SOUZA, 2014). Souza (2014), descreve que pesquisas demonstram que inexiste uma coincidência significativa quando relaciona-se idade, o nível social, a educação, tratando-se apenas de um grupo heterogêneo, e quando é configurada a violência doméstica praticada pela mulher, essa é estatisticamente sem expressão, visto segundo dados, ser inferior a 1% dos casos registrados. Segundo pesquisas científicas, não há publicações retratando as patologias psiquiátricas dos agressores, mas é fato que os mesmos se dividem entre portadores de diversos tipos de transtornos como, transtorno explosivo de sua personalidade, de dependentes químicos e alcoólatras e, mesmo sendo uma característica marcante desses agressores, uma tendência à minimização de sua agressão e negação de um comportamento agressivo, muitos homens que batem em suas mulheres, afirmam na maioria das vezes que não praticam tais atos. 2.4 A vítima e seu perfil Estudos demonstram algumas padronizações de comportamento que sobressaem nos casos registrados de violência domestica e familiar, frisando-se que não á um padrão de vítima, pois comumente a violência se manifesta de maneira 24 reiterada, configurando um padrão de conduta continuado, onde tais agressores são normalmente homens, maridos, ex-maridos, companheiros ou ex - companheiros das vítimas. Percebe-se que cidadãos que foram vítimas de maus tratos durante sua infância e adolescência, tendem a repassar esse comportamento desenvolvendo uma maior possibilidade de tornarem-se agressores e as agressões sofridas não são percebidas até um determinado período, salientando-se que a violência doméstica configura-se como uma violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou até mesmo moral, onde as vítimas, na maioria das vezes, demonstram uma baixa auto estima, bem como vários problemas relacionados à saúde. Conforme aborda Souza (2014), em grande parte das ocorrências as mulheres sofrem chantagem por parte de seus maridos ou companheiros e normalmente sedem às suas pressões, onde resulta na sua condição de sentirem-se incapazes de agir e por esse motivo estas vivem em pânico, necessitando de ajuda para perceber seu problema e buscar uma alternativa de resolução de tal condição, pois essa violência sofrida tem muitas conseqüências além de traumas e lesões corporais, pois se percebe que a violência doméstica esta sendo associada ao aumento de inúmeros problemas relacionados à saúde que gradativamente remete ao suicídio. As situações que geram inúmeros traumas não estão muito explícitas na legislação, visto tratar-se de algo recente no País e o dano psicológico é oriundo através da ameaça à própria vida ou mesmo a integridade, a uma grave lesão física, a perda de alguém próximo e também o fato de expor-se ao sofrimento dos outros, ainda que não sejam próximos afetivamente (SOUZA, 2014). Em estudos realizados envolvendo as vitimas de violência domestica e familiar, em grande parte, conforme Souza (2014) é vista uma união consensual, ou seja, o fato de possuir filhos com seus parceiros e o interessante é que na maioria das vitimas são constituídas por mulheres brancas, desbancando assim, a formação racial da sociedade brasileira e outro dado interessante é que em grande número das ocorrências de agressões são presenciados pelos filhos, bem como indicando a baixa renda das mulheres que são vitimas da violência doméstica e familiar. Assim, em grandes centros, as estatísticas da violência doméstica e familiar são paralelas com as do interior do País, demonstrando que a violência é um 25 fenômeno social global que está presente em todos os países, independentes de desenvolvidos ou subdesenvolvidos e aqui no Brasil, essa violência está ligada à pobreza, ao baixo nível social e a condição de dependência das mulheres economicamente falando e o mais contundente é que o preconceito bem como a discriminação está na origem dessa violência contra as mulheres, e por esse fato, muitas delas sentem vergonha de admitir que um membro de sua família pratique violência, desencadeando com isso, o fato de não efetuar uma denúncia. 26 3. O PROCESSO PENAL BRASILEIRO E A TEORIA DA PROVA A princípio deve-se relevar o papel do Direito Penal Brasileiro ao reconstruir- se fatos alegados em uma inicial acusatória, cabendo analisar qual forma a produção das provas abrangem o item mais relevante dessa reconstrução, e desta maneira, Sousa e Silva (2008, p. 285) abordam que: Enquanto o processo penal pode ser entendido de forma simplificada sendo o meio pelo qual o Estado, através de uma série ordenada de atos, procede à reconstrução dialética dos fatos propostos na inicial acusatória, com vistas a determinar a viabilidade, ou não, de aplicação do jus puniendi, pode-se dizer que a prova se constitui no elemento mais importante dessa almejada reconstrução e da própria atividade processual, pois é através dela que se recria na mente do julgador como tais fatos ocorreram, dando-lhes indispensáveis subsídios a serem julgados, funcionando como a verdadeira alma do processo [...]. Desta maneira, ao ocorrer uma infração penal, manifesta-se para o Estado o direito de punir, isto é, o intitulado jus puniendi e essa obrigação do Estado consiste na aplicação de uma pena contra quem praticou uma ação ou omissão causando um dano ou uma lesão jurídica a outrem, mas, para que este julgador venha a exercer seu papel formando seu conhecimento, é necessário elucidar e reconstruir os fatos através da colaboração das partes pertinentes. Na conjuntura processual, na verdade, essa construção, conforme Nicolitt (2013) está plenamente atrelada à produção e efetivação de provas e certificando essa colocação Capez (2013) disserta que as provas são os olhos do processo, visto que são atos praticados pelas partes envolvidas, pelo juiz e ainda por terceiros, buscando convencer o magistrado a respeito da veracidade ou falsidade de uma afirmação, da existência ou não de um determinado fato e, além disso, são capazes de influir no poder decisório do processo, na responsabilidade penal bem como na fixação da pena ou medida de segurança, ocasionando assim uma adequada comprovação em juízo. Já conforme aborda Greco Filho (2010), de nada resolve o fato de haver suspeita de que alguém violou a lei criminal, se o fato dessa suspeita não passar de uma opinião interior e torna-se necessário encaminhar até aos autos a prova substancial dos elementos necessários à condenação. Desta maneira é mais crucial para a atividade das partes envolvidas a demonstração dos fatos do que a 27 interpretação do direito por si só, porque esta compete ao juiz, ao passo que os fatos a ele devem ser trazidos e em se tratando de um Estado de Direito Democrático e Social é de se aguardar que a justiça seja cumprida por meios processualmente válidos e verdadeiramente controláveis que vá garantir ao julgador a certeza de sua decisão, principalmente, quando motiva processo condenatório. Desta forma, o direito penal regulamenta os meios de prova, que são as ferramentas que fornecemos elementos de prova aos autos, isto é, o magistrado não forma a sua opinião através da prova pericial, prova testemunhal, dos questionamentos ao ofendido, da prova documental ou outro meio de prova aceito, mas de fato, pelo conteúdo retirado desses meios de prova como, por exemplo, laudo ou depoimento. Conforme disserta Sousa e Silva (2008), a prova constitui o resultado da pesquisa a respeito dos fatos com relevância processual, atrelada à observância do devido processo legal, de posse de um conteúdo que seja útil na constituição da livre convicção do órgão julgador, isto é, a conceituação de prova ligada ao resultado e não a atuação ou meio que se permite o processo na investida de buscar o conteúdo probatório. 3.1 A valoração das provas O sistema adotado pelo Brasil para valorar as provas é o livre convencimento motivado ou a persuasão racional, e através disso é fornecido ao julgador uma grande margem de arbítrio, oportunizando a esse valorar livremente as provas conforme sua pessoal convicção, e esse sistema está afamado no Artigo 155 da Constituição Federal: Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetitíveis e antecipadas. A interpretação desse artigo remete a um suposto raciocínio desacertado: se constitui a impossibilidade de uma condenação baseada rigorosamente nos elementos de convicção do inquérito policial, há a possibilidade de utilizar-se outros elementos concomitante com as provas processuais 28 Deve ser combatida tal explanação, conforme Dezen (2017) visto que a prova não deve ser embaralhada com os elementos de convicção, estes nunca utilizados, mesmo que a interpretação o permita, concomitantemente com as provas para buscar a condenação e se utilizados demonstra que a prova não teve teor suficiente visando a condenação e nesse caso o acusado tem direito à absolvição. Por outro lado, não reflete somente a opinião do juiz em uma decisão judicial e a respeito, Lopes Jr. (2009) disserta que todas as provas são relativas e nenhuma delas oferece maior credibilidade do que a outra, e cabe ao juiz promulgar a valoração correta, não devendo submeter-se a interesses econômicos, políticos e até diante da vontade da maioria, mas deve ater-se ao aspecto democrático, que o legitima, enquanto depositário da eficácia do sistema garantido pela Constituição. Desta maneira, ao abordar-se o Estado Democrático de Direito, pode-se também citar que ao juiz não cabe realizar juízos de valor ou desvalor, ao considerar-se sua preferência sexual, religiosa, estado civil, profissão etc., isto é, a prova não deve ser substituída em sentido jurídico pela prova em sentido moral e complementando conforme Lopes Jr. (2009) o mesmo cita que a determinação do juiz somente é legitima quando alicerçada na prova produzida no processo, o que significa uma limitação ao que está nos autos e que lá tenha regularmente ingressado, mas não bastando somente estar no processo, é preciso que se resguarde da qualidade de “ato de prova”, isto é, aquela adquirida na fase processual, com total observância do princípio da jurisdicionalidade. Ainda, não poderá o juiz compor sua decisão baseado no silêncio do acusado, ou seja, não deverá presumir culpado o réu ou aplicar-lhe qualquer juízo de desvalor por estar exercendo um direito de não produzir a prova contra si mesmo, onde o princípio ao nemo tenetur se detegere acaba por ser um significante limite ao ato decisório e para tal, Lopes Jr. (2009) comenta que é essencial para a natureza do processo de acusação que o convencimento do juiz deva se formar a partir do que lhe é trazido, isto é, é cabível às partes trazer-lhe as informações e os elementos de concepção e não a ele buscá-los, e, um juiz consciente não pode transgredir a dinâmica do processo, devendo ele respeitar o tempo da acusação, da defesa, da prova e da própria maturação do ato decisório, ele deve experimentar as teses acusatórias e defensivas sob os teores da prova trazida, desviando de pré- 29 julgamentos, guardando o ato decisório, de eleição das teses apresentadas, para o correto momento. Endossando, deve haver sempre uma dúvida oriunda do juiz e este nunca deixar-se seduzir pela “sua” experiência de vida, visto que, como discorre Lopes Jr. (2009), o livre convencimento é, na verdade, muito mais limitado do que livre, e desta forma deve sê-lo, pois se está tratando de poder e, na ciranda democrática do processo, todo poder tende a ser abusivo, devendo por isso haver controle. 3.2 A prova documental A prova documental no CPC atual vem especificada em seus Artigos 405 a 441, e a princípio a doutrina conceitua documento como qualquer coisa que possa expor a configuração de um fato, destinado a estabilizá-lo permanentemente e de forma idônea perante o juízo. Conforme Nicollit (2013) considera-se prova documental qualquer substancial que possa demonstrar/representar um fato, isso relacionado a papeis escritos públicos ou particulares, mas num âmbito maior são considerados também objetos como revolveres, facas e/ou outros que demonstrem ou representem a ocorrência de um fato. Conforme comenta Greco Filho (2010) para um documento ser considerado valor de prova o mesmo deve ser autentico, isto é, deve estar integro materialmente e ser veraz, pois além de ser integro quanto sua materialidade, o mesmo vem a retratar a verdade. Em síntese, para Nicollit (2013) a prova em forma de documento pode ser anexada em um processo em qualquer de suas fases, obrigatoriamente dando ciência à parte contraria visando garantir o contraditório, mas existem algumas exceções como no caso do plenário do júri, onde a divulgação ou leitura de documento somente serão admitidas se estas tenham sido juntadas ao auto com no mínimo três dias de antecedência. Por outra ótica Greco Filho (2010) coloca que em casos de documento redigido em língua estrangeira, caso necessário, o mesmo deverá ser traduzido por um tradutor público ou alguma pessoa indicado pelo juiz, não ocorrendo assim nenhum contratempo na sua juntada aos autos. 30 Conforme o artigo 5º da Constituição Federal que presume a inviolabilidade das correspondências interceptadas ou advindas através de meios ilícitos, estas no caso, não serão aceitas em juízo. Para tal, Nicolitt, (2013, p. 405) disserta que: “O sigilo é referente à correspondência, que só existe enquanto sai da esfera do remetente e ingressa na esfera do destinatário, ou seja, a proteção se refere ao processo comunicativo. Após a entrega da respectiva carta, esta se consolida a natureza jurídica de documento”. Reforçando esse contexto, Tourinho Filho (2010) enfatiza que se tratando da defesa do direito do destinatário, poderão ser exibidas em juízos as cartas mesmo que sem a devida autorização do signatário; É fato também que se registram ocorrências de documentos passarem despercebidos pelas partes, nesse caso, cabe ao juiz tomar ciência destes e providenciar a juntada dos mesmos aos autos. Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. (BRASIL, 1941). Da mesma forma, ainda escreve Tourinho Filho (2010), pode o juiz ordenar a busca e apreensão de documentos e, no caso de documentos de posse do defensor do acusado, o juiz somente poderá determinar o processo de busca e apreensão se formular elemento do corpo e delito e, no caso de documentos que revelam segredo profissional, as autoridades devem compreender que a negação é irrelevante para determinar a apreensão e, não havendo motivorelevante para a estadia dos documentos no processo, os mesmos poderão ser entregues à parte que os gerou, mediante requerimento desta e ouvindo-se o Ministério Público. 3.3 A prova testemunhal A prova testemunhal dentro do processo penal tem significativo valor baseando-se na palavra da testemunha e conforme Tourinho Filho (2010) o mesmo elucida que a palavra testemunha é derivada de testibus, o que significa dar fé da veracidade de certo fato, bem como que testemunho vem a ser uma declaração positiva ou mesmo negativa, da verdade promulgada perante o magistrado penal por 31 determinada pessoa (no caso a testemunha) diferenciada dos demais principais sujeitos do processo. De acordo com Menna (2007) o conceito de testemunha vem a ser: É a pessoa física capaz, independente de condição econômica, raça, religião ou sexo, que pode depor, desde que não esteja no rol das pessoas suspeitas ou impedidas. Não se confunde com uma das partes do processo, pois não pode ter qualquer interesse na demanda. Sendo devidamente intimada, não prestar seu depoimento, poderá, dependendo do caso, ser coercitivamente conduzida a juízo para as declarações necessárias, para a comprovação da verdade dos fatos alegados. Ao conceituar-se a prova testemunhal, conforme Souza (1998), ela é elaborada por oralidade e pessoalidade, e é somente considerada verdadeira sua prova testemunhal se a mesma for realizada em juízo. Na ausência de um juiz presenciando esse ato de oralidade, inexiste do que se falar em prova testemunhal. Ainda, Gonçalves (2013) descreve que: A testemunha tem valor considerável no processo brasileiro. Seu valor é definido de acordo com a relevância de sua participação ou conhecimento dos fatos. Mas há restrições e todo o procedimento para obter tal prova. Em outras palavras, a prova testemunhal continua sendo fundamental, o juiz dará o valor que merecer, em comparação com os demais elementos de afirmação, observando o livre convencimento motivado. É dever da testemunha dizer a verdade, pois seu depoimento não apresentar como escopo um favorecimento para a parte por ela arrolada, e é seu dever vir a juízo somente para a narrativa da verdade a respeito daquilo que tem conhecimento, devendo ser imparcial, visto correr o risco de responder pelo crime de falso testemunho conforme o Art. 342 do Código Penal. Quanto ao requerimento da prova testemunhal, deve o autor requerer esta na inicial, bem como o réu, na contestação, mas uma eventual omissão não desencadeia o fato da perda de ser requerida oportunamente, visto que o autor é conhecedor dos fatos controversos após a resposta do réu, bem como se será necessária a prova testemunhal. De acordo com Tourinho Filho (2010), a testemunha não deve fazer conjunturas pessoais em seu depoimento, e cabe à autoridade indeferir a formulação das perguntas pelo que se refere a apreciações pessoais e, quanto a sua objetividade Nicolitt (2013, p. 400) complementa que “[...] a testemunha deve 32 pautar-se por objetividade, devendo falar sobre o que viu, ouviu ou de qualquer forma percebeu pelos sentidos, não lhe sendo permitido emitir opiniões ou juízo de valor”. Quanto às restrições para ouvir um testemunho, qualquer pessoa pode ser ouvida como testemunha, mas existem três fatores que podem impedir esta de ser ouvida, dispostos no Art. 405 e parágrafos do Direito Processual Civil, a Incapacidade no Parágrafo 1º, o Impedimento no Parágrafo 2º e a Suspeição no Parágrafo 3º. Consideram-se suspeitos, de acordo com Direito Processual Civil a pessoa que já tenha sido condenada frente ao crime de falso testemunho; quem não for digno de boa fé; quem for amigo íntimo ou mesmo inimigo; e quem tiver algum interesse no litígio e no caso de testemunhas impedidas encontram-se o cônjuge e os parentes, a serem considerados até terceiro grau; quem for parte, no caso de litisconsórcio (fenômeno processual que consiste na pluralidade de partes em uma lide) uma parte testemunhar para comprovar fatos alegados; e também aquela pessoa que pode intervir em nome da parte (curador, tutor e/ou mandatário). Em outros tempos, um único depoimento não desencadearia a condenação do réu, mas atualmente, vigorando o livre convencimento motivado, é provável e possível que um único depoimento, frente a sua firmeza, a sua coerência e sua precisão, venham a possibilitar uma credibilidade para argumentar a decisão do juiz e o valor do depoimento deve ser considerado por seu conteúdo, não rotulando a qualidade que por ventura venha a lhe ser auferido. Assim, de acordo com Moreira (2015), o juiz, perante o sistema do livre convencimento, poderá vir a valorar a prova da testemunha à luz das demais provas elaboradas, importando realmente não o numero de testemunhas, mas sim a credibilidade de quem depõe juntamente ao critério a ser logrado pelo julgador. 3.3 A prova da perícia Denomina-se pericia o exame sobre a prova, seja este em forma de documento escrito, uma arma ou até mesmo um cadáver e de acordo com Nicolitt (2013) esse levantamento é efetuado por pessoas que tenham conhecimentos científicos, artísticos, técnicos ou mesmo prática a respeito de objetos, fatos, 33 condições pessoais ou circunstancias objetivas que se tornem importantes para do crime juntamente com sua autoria. Conforme Tourinho Filho (2009) considera-se o perito um auxiliar da justiça, e perante a análise do exame que é produzido pelo mesmo, obtêm-se declarações que podem ser prestadas em juízo, mas suas narrativas serão consideradas componentes subsidiários ao valorar a prova perante o juiz, desta maneira, a perícia não consiste um meio de prova, mas sim um estudo aprimorado acerca de uma prova. No que se refere ao exame de corpo de delito, este vem a ser o estudo que é feito sobre o “corpo de delito”, sendo este último relevante como um meio de prova, por constituir o conjunto de vestígios materiais ou algum elemento oriundo do fato criminoso. (NICOLITT, 2013) Ainda, Nicolitt (2013) descreve que o cadáver vem a ser o corpo de delito, bem como que o exame cadavérico vem a ser o exame de corpo de delito, deste modo, o exame de corpo de delito tem o objetivo de encontrar subsídios para vir a valorar o meio de prova alcançado que é o corpo de delito, e este exame de corpo de delito vem a ser indispensável em crimes que configuram vestígios, sendo este direto ou indireto. A realização do exame de corpo de delito é feita quando o crime por si só deixa rastros ou algum vestígio material, desta forma sendo realizado diretamente sobre o corpo de delito, e o exame indireto de corpo de delito é feito quando se apresentam outros meios de provas para realizar-se tal exame, tais como fotografias, relatos ou até mesmo documentos médicos. (NICOLITT, 2013) A respeito dessas circunstâncias, o Código de Processo Penal, prevê: Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. [...] Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. (BRASIL, 1941) Desta maneira, toda vez que são encontrados vestígios deixados por um crime, será efetuado o exame de corpo de delito direto, e não sendo possível tal procedimento, será feito de forma indireta, e, caso houver alguma inviabilidade do 34 exame indireto, a prova testemunhal poderá guarnecer o exame de corpo de delito, mas o juiz não poderá dar sua conclusão por materialidade do delito fundamentando-se somente na confissão, o que vem a ser exigido nesse caso, um reforço através do exame de corpo de delito indireto. Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1ºNa falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. § 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. § 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. § 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I - requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II - indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. § 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. § 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. [...] Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência. (BRASIL, 1941). De acordo com Nicolitt (2013), é cabível aos peritos responder os questionamentos formulados pelo juiz bem como pelas partes acerca do objeto do exame, mas caso a perícia vir a ser determinada na fase do inquérito os quesitos serão formulados pela autoridade policial e grande números desses exames não são repetíveis, necessitando encaminhamento ao contraditório durante o processo, e, essa formulação de quesitos relacionada a estas provas será pertinente, por parte da defesa, mesmo durante a fase do inquérito. A consolidação da prova pericial de forma escrita é feita em um laudo pericial que descreverá a conclusão do exame bem como das respostas aos quesitos: “Art. 35 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.” (BRASIL, 1941). E, frente o princípio do livre convencimento do juiz, ao mesmo é concedido o direito de liberdade para a analise do conjunto probatório, cabendo-lhe aceitar ou não, em parte ou no todo o resultado da perícia, e desta forma, não oferece um vinculo o valor probatório da pericia, mas, não pode o juiz exercer a função de perito, ocorrendo com isso a determinação de novo exame e não ocorrendo um julgamento diante da rejeição do laudo. 4. A PALAVRA DA VÍTIMA E SUA RELEVÂNCIA NOS PROCESSOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Com a criação da Lei Maria da Penha foi inserida no universo fático, uma metodologia que busca a igualdade na relação homem e mulher, através de uma luta consideravelmente marcada por inúmeras injustiças e, ao colocar a mulher como uma figura que merece proteção, foi desencadeado um cenário onde as vitimas tivessem a opção de defender-se, através dos meios jurídicos necessários e disponíveis para garantir sua integridade e dignidade. Medidas protetivas foram criadas, bem como delegacias da mulher, entre outras opções, oferecidas para àquelas mulheres que são vitimas da violência domestica, bem como veio a ser disponibilizado a impossibilidade de suspensão condicional do processo, do termo circunstanciado, da transação penal e da reparação civil de danos, todavia, bastante conveniente é o debate a respeito da possibilidade de ser considerada somente a palavra da vitima ao buscar-se a condenação do réu, pois a Lei Maria da Penha resulta de uma batalha histórica em função da decorrência da violência sofrida pela mulher e por vezes tal violência não deixa marcas físicas, sendo a palavra da vítima a única prova contundente de toda uma historia de violência sofrida. Atualmente, grande parte da doutrina e jurisprudência considera a contingência de uma condenação envolvendo a palavra da vítima, e certos autores afirmam que, em alguns casos criminais, a palavra da vitima oferece um valor de fundamental importância para esclarecer fatos e efetivar a condenação do agressor, 36 considerando-se principalmente quando não existe prova alguma no processo que venha a corroborar as versões apresentadas. Conforme Lopes Jr. (2009, p. 637) definir o papel da vítima no processo penal na maioria das vezes representa um papel muito complexo e difícil, desta forma o autor explica que: “Se de um lado pode ela ser portadora de diferentes tipos de intenções negativas (vingança, interesses escusos, etc.), que podem contaminar o processo, de outro não se pode deixá-la ao desabrigo e tampouco negar valor ao que sabe”. Desta forma, a valoração probatória da palavra da vítima representa um fato problemático, onde a princípio a mesma participando do ato criminoso está contagiada pelo caso penal e isso tende a desencadear interesses múltiplos por parte desta, sejam estes em beneficio do réu, pode-se citar, por medo, por exemplo, ou até mesmo a prejudicá-lo, como por exemplo, através da vingança, e a respeito Lopes Jr. (2009) atenta para o fato de a vítima não prestar sua responsabilidade em falar a verdade estará abrindo precedente para mentiras que podem prejudicar um provável inocente (réu). O autor Nucci (2011, p. 457) demonstra sua defesa nesse tipo de condenação ressaltando que “a palavra isolada da vítima, sem testemunha a confirmá-la, pode dar margem à condenação do réu, desde que resistente e firme, harmônica com as demais circunstâncias colhidas ao longo da instrução” e sob a mesma ótica Martins (1996, p. 117), no mesmo sentido afiança que: A vítima, por ter sido atingida pelo fato, portanto dele participado de alguma forma, pode esclarecer pontos relevantes, advindo do seus informes, mormente nos crimes sexuais – praticados, via de regra, a descoberto de testemunhas -, os dados que permitem o julgamento. Conforme cita Oliveira (2012, p. 425), “Semelhante conclusão assume relevância ainda maior no que se refere aos chamados crimes contra a dignidade sexual, quando a palavra da vítima é sempre de capital importância, para fins de condenação.” Nesses casos as declarações do ofendido, baseado em alguns conceitos mais modernos, tendem sim efetivar uma condenação, observando-se necessariamente que, a proteção oferecida à vítima não condiz com sua realidade e a possibilidade de condenação com a falta de produção de qualquer prova para ratificar essa versão demonstraria um fato de injustiça frente ao réu. 37 Percebe-se em uma analise mais criteriosa que tais atos geram uma marginalização acentuada do provável ofensor, com isso, não configurando uma defesa efetiva dos réus, ao aceitar-se que tal palavra tem fator relevante, estar-se-ia desencadeando a inversão do ônus para que o réu produzisse provas em sua defesa, desobrigando a vítima e desta forma, é inevitável mencionar que, da mesma maneira que existe certa dificuldade para a vítima para a elaboração da prova, já que tais fatores ocorrem em ambientes fechados, se esses fatos forem imputados baseados em inverdades ao réu, também será difícil adquirir provas defensivas, indo contrário assim ao princípio da isonomia e da proporcionalidade, tão benquisto pelo ordenamento jurídico. Ao analisar-se a Jurisprudência, percebe-se que a mesma vislumbra majoritariamente visando a possibilidade de condenaçãoconsiderando somente a palavra da vítima: PALAVRA DA VÍTIMA DE ESPECIAL RELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. SENTENÇA HÍGIDA. PRELIMINARES: Correta a decretação de revelia do réu, pois em consonância absoluta com o art. 367 do Código de processo penal, considerando que o acusado modificou de endereço sem comunicar o juízo. Outrossim, considerando que cumprido o disposto no art. 254 do CPC/2015, não há como acolher o pedido de nulidade da citação por hora certa, mormente porque inexiste exigência legal de comprovação do recebimento da carta AR pelo destinatário. Preliminares rejeitadas. MÉRITO: Não há que se falar em insuficiência probatória, porquanto devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito por meio de boletim de ocorrência e da prova oral coligida, de onde se pode inferir que o denunciado praticou vias de fato e ameaças a sua companheira. Ressalte-se que, em delitos relativos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação. APENAMENTO: O art. 147, do Código Penal, e o art. 21, do Decreto Lei nº. 3.688/41, não prevêem o cometimento dos crimes no âmbito doméstico, razão pela qual a incidência da...agravante do art. 61, II, f, do CP, nestes casos não implica bis in idem. Agravante mantida. À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO. (Apelação Crime Nº. 70078866035, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justica do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, julgado em 18/12/2018). Encontrado em: Segunda Câmara Criminal Diário da Justiça do dia 25/01/2019 – 25/1/2019 Apelação Crime ACR 70078866035.(Grifo do autor) Conforme verificado no acórdão da jurisprudência acima, houve sentença de julgamento procedente a reivindicação punitiva visando a condenação do réu, conforme os artigos abaixo, pertinentes ao Código de Processo Penal: 38 Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. [...] Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. (BRASIL, 1940). Percebe-se que prevaleceu o fato da relação doméstica, de coabitação e assim houve a ocorrência da Lei Maria da Penha. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI Nº. 11.340/06. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA AGRAVANTE. APENAMENTO RATIFICADO. 1. Comprovada a existência do fato e recaindo a autoria sobre a pessoa do acusado, descabe aventar fragilidade probatória para fins condenatórios. Nos crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima assume especial relevância. Na espécie, o relato da ofendida veio corroborado pelos demais depoimentos colhidos em juízo. Precedentes desta Corte. 2. Pena-base mantida em 20 dias de prisão simples, diante da valoração negativa da vetorial motivos. Na segunda fase, confirmada a agravante prevista no art. 61, inc. II, f, do Código penal, bem como o aumento da pena em 10 dias. Pena definitiva ratificada em 30 dias de prisão simples. Regime aberto mantido. Inviável a s substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal e da Súmula 588 do STJ. Mantida a suspensão condicional da pena, nos termos do art. 77 do Código penal. Mantida as demais disposições sentenciais. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº. 70079282851, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,... Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em 30/01/2019). A materialidade e a autoria delitiva são comprovadas através do relato e prova oral da vítima havendo substrato suficiente para a condenação do réu. APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A PESSOA. LESÃO CORPORAL. VIOLENCIA DOMÉSTICA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SUFICIENCIA PROBATÓRIA. PALAVRA DA VÍTIMA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. NÃO ACOLHIMENTO. REFORMA DO SURSIS. Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima configura meio de prova extremamente relevante para formar a convicção do julgador, pois esses delitos geralmente são praticados sem a presença de testemunhas, ou seja, na clandestinidade, prevalecendo-se o agressor da condição de vulnerabilidade da ofendida. A magistrada a quo valorou negativamente a circunstancia judicial referente às circunstancias do crime, fundamentado que a vitima fora agredida com o filho no colo, tendo esta urinado nas calças em decorrência da agressão. O meu entendimento vai ao encontro da compreensão da magistrada, pois o acusado, visto que a ofendida estava com o filho do casal em seus braços, deveria ter agido de maneira diversa, já que poderia, também, ter lesionado o bebê. A fim de evitar a cumulação, o acusado deverá: no primeiro ano do prazo, prestar 39 120 horas de serviço à comunidade, a serem cumpridas na forma do art. 46 do Código Penal; no segundo ano do prazo, comparecer pessoalmente, de dois em dois meses, em juízo, para informar e justificar suas atividades,...participar de uma reunião/palestra do juizado da Violência Doméstica da Comarca de São Leopoldo, durante o período de prova, pelo mínimo uma vez. Apelo parcialmente provido. (Apelação Crime Nº 70078293024, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 05/09/2018). As decisões desencadeadas pelas Cortes Superiores demonstram claramente que a condenação baseada pura e simplesmente considerando a palavra da vitima é uma realidade nos casos que envolvem a violência doméstica e familiar contra as mulheres na realidade atual do Brasil. PALAVRA DA VÍTIMA DE ESPECIAL RELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. SENTENÇA HÍGIDA. MÉRITO: Não há que se falar em insuficiência probatória a ensejar a condenação, pois a materialidade e a autoria do delito de lesão corporal restaram comprovadas pelos incoerentes relatos da vítima, corroborados pela ocorrência policial e laudo pericial. Em se tratando de fatos relativos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida assume especial relevância probatória, principalmente quando confortada pelo auto exame de corpo de delito, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos do art. 44, do CP. Vencido o Des. Victor Luiz Barcellos Lima que o provia no ponto. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE: Não cabe ao réu escolher as condições do sursis que mais lhe convém, não se verificando no caso inadequação das determinações impostas, razão pela qual entendo pela manutenção da prestação de serviços à comunidade como condição de suspensão condicional da pena, pois adequada ao caso em tela... POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO. (Apelação Crime Nº. 70078825395, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 11/10/2018). Encontrado em> Segunda Câmara Criminal Diário da Justiça do dia 09/11/2018 – 9/11/2018 Apelação Crime ACR 70078825395. A suficiência probatória encontra-se baseada no Boletim de Ocorrências e Laudo Pericial juntamente com a palavra da vítima em juízo condiz para o ensejo da condenação do acusado. PALAVRA DAS VÍTIMAS. PROVA SUFICIENTE. A palavra das vítimas “possui especial relevância”, como admite a defesa (fl. 169), especialmente em se tratando de crimes cometidos no âmbito doméstico, contra duas mulheres (companheira e sogra), ambas descrevendo com minúcias e sem contradições o ocorrido, sob pena de inviabilizar a punição do agressor. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.1) Básica mantida nos patamares estabelecidos na sentença, ante as particularidades do caso. 2) Tendo em 40 vista que o réu é reincidente específico nos dois crimes praticados, adequado o aumento da multa não tem amparo legal. Porem, é reduzida ao patamar mínimo previsto em lei. Apelação parcialmente provida. (Apelação Crime Nº. 70076411370, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em 28/03/2018). As decisões acarretadas pelas Cortes Superiores evidenciam que a condenação baseada unicamente na palavra da vítima é fato real nos episódios de violência doméstica e familiar contra as mulheres na atualidade brasileira. E essa abordagem já foi mais assídua a respeito da valoração dessa palavra, mas com o passar dos tempos, a jurisprudência se impôs acerca da hipótese de acolher a palavra da vítima como prova substancial para a condenação do acusado, por outro lado, em posição contrária, ainda se encontra parte minoritária da doutrina, mas considerada menos significativa, e autores dessa doutrina alegam que o posicionamento ideal a respeito do tema é aquele que incide num maior questionamento à palavra da vítima, propondo com isso, o mínimo de provas passíveis de sustentá-la, conforme discorre Aranha (2012, p. 141): A situação psicológica da vítima no processo é bem paradoxal: de um lado, está capacitada mais do que qualquer outra de reproduzir a verdade, e, do outro, a sua vontade não pode ser considerada como isenta de fatores emocionais. Em primeiro lugar, por ter suportado a ação [...] estaria a tal ponto desperta que possibilitaria uma reprodução fiel do ocorrido, inclusive minúcias e detalhes. Contudo, sua vontade fatalmente estaria atingida, possuída de indignação ou dor, a ponto de ser impossível uma total isenção. Não se pode encontrar uma vítima despida totalmente de sentimentos, com tal frieza emocional que seja possível falar-se em imparcialidade. Além do mais, não podemos esquecer que não são raros os casos de pseudo vítimas, criadas por uma imaginação traumatizada [...] Conforme as colocações do doutrinador Aranha (2012) é praxe afirmar que a palavra da vítima, por mais insignificante, conterá sempre uma forte argumentação emocional em si, porém, questiona-se se a possibilidade de uma condenação baseada meramente na palavra da vitima pode ser absoluta e, ao analisar tal proposição é incontestável a estabilidade de casos de pseudo vítimas ou vitimas provocadoras no universo da Lei Maria da Penha, demonstrando dessa maneira para os autores participantes dessa corrente minoritária a inviabilidade de condenação baseada e sustentada somente na palavra da vítima, e, conforme 41 aborda Greco (2010, p. 473) são comuns os casos de réus sendo acusado de forma injusta, bem como vítimas que deveriam estar no banco dos réus: Quem tem alguma experiência na área penal percebe que, em muitas situações, a suposta vítima é quem deveria estar ocupando o banco dos réus, e não o agente acusado de estupro. Mediante a chamada síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. A falta de credibilidade da vítima poderá, portanto, conduzir absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório. É cabível comentar a importante postura dos julgadores sensíveis perante a realidade dos casos, sabendo-se que a permissividade junto às Cortes acarreta o fato de julgadores recepcionarem a palavra da vitima como a única prova para condenações sem esta ao menos interagir com as versões colhidas das partes envolvidas e muitas vezes percebe-se a discriminação perante o réu frente simplesmente a sua posição processual, descartando a versão apresentada pelo mesmo. Conforme Nucci (2011) mesmo que isolada e sem a presença de testemunhas afins de conformações, a palavra da vítima, desde que harmoniosa com as demais circunstâncias obtidas durante a instrução, pode sim dar suporte á condenação do réu. Para o autor Pedroso (1994) as declarações da vítima oferecerão credibilidade na convicção da verdade quando tais declarações forem racionais e lógicas ao ser ponderado o recato e a honestidade da referida vitima. No âmbito de violência doméstica e familiar, a palavra da vitima deve ser levada em consideração, permitindo até ser prova fundamental no intuito do encaminhamento do processo ao rumo desejado, mas, no instante em que as Cortes Superiores perceberam que somente a palavra da vítima, mesmo que, possibilite efetivar decretos condenatórios, obtiveram valor demasiado a essa palavra, abrindo um precedente para maiores desvios dos propósitos da Lei 11.340/06, e o correto é que a Lei teve o intuito de proporcionar benefícios a um designado gênero da sociedade, propondo igualar uma desigualdade e, como tais benefícios muitas vezes são exarcebados, isso possibilita um mau uso da Lei, o que comumente é repudiado pelo Direito Penal. 42 É fato que a jurisprudência e grande parte da doutrina são a favor de uma maior valoração da palavra da vítima em crimes que envolvem violência doméstica e familiar, por serem crimes peculiares e normalmente anônimos, mas mesmo que minoritários, alguns posicionamentos não devem ser ignorados, visto que, acreditam que a palavra do ofendido carece de uma carga valorativa maior relacionando-se com as demais provas, e isto acarreta o questionamento de que os casos devem sim serem analisados com um maior critério para que não se cometam injustiças perante uma verdade real. 43 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho monográfico abordou um problema atual, social e de saúde pública, que é a violência doméstica e familiar exercida contra a mulher, percebendo-se que essa forma de violência é desencadeada por uma ação ou omissão do sujeito ativo, este sujeito tanto pertinente ao sexo masculino como do feminino, contra o sujeito passivo, que comumente trata-se do sexo feminino. Percebeu-se que para a forma desses delitos, que independem de local, podem configurar tanto nos espaços públicos como também nos espaços privativos, é a de que mais comumente ocorram nos ambientes domésticos e familiares ou até mesmo em função de alguma relação afetiva entre os envolvidos, onde o agressor tenha laços de convivência ou não mais com a vítima, percebendo-se assim que a discriminação enfrentadas pelas mulheres, normalmente, provém de um cunho cultural, pois estas sempre foram tratadas com desigualdade em relação aos homens, consideradas e vistas como um sexo frágil. No decorrer dos tempos, muitas foram as lutas pelos direitos das mulheres na busca de uma vida carente de violência, isso, com o intuito de transformar e mudar essa triste realidade, e esses fatos desencadearam o incentivo por discussões acerca do tema no Brasil, e, frente a tamanha pressão e indignação, veio a resultar no advento da Lei Maria da Penha, atendendo a indignação contra a impunidade nos casos de violência doméstica e familiar exercida contra a mulher, compreendendo-se que essa prática necessita da adoção de procedimentos legais por parte das autoridades. Na elaboração da Lei Maria da Penha, houve a contingente preocupação e principalmente, punir àqueles homens que aplicavam a violência doméstica acreditando ainda viverem numa sociedade patriarcal, machista e discriminador, onde não existiam os direitos concedidos às mulheres, daí percebe-se que esta lei veio a lograr êxito, pois veio oferecer varias formas preventivas de ocorrência de violência doméstica, ressaltando-se que a lei trouxe uma visibilidade no intuído de erradicar a violência domestica e familiar praticada contra a mulher.
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