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E-book Filosofia e Antropologia

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FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
ODAIR CAMATI
SUMÁRIO
Esta é uma obra coletiva organizada por iniciativa e direção do CENTRO SU-
PERIOR DE TECNOLOGIA TECBRASIL LTDA – Faculdades Ftec que, na for-
ma do art. 5º, VIII, h, da Lei nº 9.610/98, a publica sob sua marca e detém os 
direitos de exploração comercial e todos os demais previstos em contrato. É 
proibida a reprodução parcial ou integral sem autorização expressa e escrita.
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFTEC
Rua Gustavo Ramos Sehbe n.º 107. Caxias do Sul/ RS 
REITOR
Claudino José Meneguzzi Júnior
PRÓ-REITORA ACADÊMICA
Débora Frizzo
PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO
Altair Ruzzarin
DIRETORA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD)
Rafael Giovanella
Desenvolvido pela equipe de Criações para o ensino a distância (CREAD)
Coordenadora e Designer Instrucional 
Sabrina Maciel
Diagramação, Ilustração e Alteração de Imagem
Igor Zattera, Júlia Oliveira, Thais Munhoz
Revisora
Luana dos Reis
O SER HUMANO E SUAS RELAÇÕES 4
O SER HUMANO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS 5
A FORMAÇÃO DIALÓGICA DA IDENTIDADE 7
RELAÇÕES ENTRE CULTURA E NATUREZA NAS DIFERENTES ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS 15
FUNCIONALISMO 18
OUTRAS CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS E SUA RELAÇÃO COM O CONCEITO DE CULTURA 19
MULTICULTURALISMO – IDENTIDADE E DIFERENÇA 25
MULTICULTURALISMO: UM DEBATE NECESSÁRIO 26
O MULTICULTURALISMO EM QUESTÃO 27
RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL 37
A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE 38
ÉTICA E NEGÓCIOS 41
3EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA INCLUSIVA
APRESENTAÇÃO
3ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA II
APRESENTAÇÃO
Caro, estudante! Seja bem-vindo às discussões em torno da filosofia e da antropologia. A pergunta acerca de quem é o ser huma-
no foi feita por todas as civilizações humanas e tem um grau de variação enorme. Fazemo-nos essa pergunta porque temos o desejo de 
conhecermos a nós mesmos e sabermos por que fazemos o que fazemos e da forma como fazemos. Parece inútil fazer essa pergunta 
se não conseguimos alcançar uma resposta objetiva assim como a Matemática nos diz 2 mais 2 sempre será quatro. Mas, será que vale 
a pena colocar o questionamento sobre quem somos e sobre a forma como nos organizamos?
Se entendermos que a vida é simplesmente a resolução de problemas objetivos, parece que a filosofia e a antropologia poderiam 
ser descartadas, mas todos nós sabemos que não é dessa forma que nos comportamos. Não precisa ser nenhum filósofo ou antropólo-
go para saber que questões, das mais diversas, surgem ao nosso pensamento e nem sempre temos respostas objetivas para satisfazê-
-las. A possibilidade de pensarmos sobre nós mesmos e sobre os nossos comportamentos nos oferece uma vantagem adaptativa, que 
nenhuma outra espécie possui, ao menos até onde sabemos.
Para que seja possível compreender o comportamento humano no presente, é necessário voltar um pouco ao passado e perceber 
com a forma como nos organizamos e compreendemos a nós mesmos tem mudado, aqui não cabe um julgamento valorativo, cabe di-
zer que modificamos nossas estruturas sociais e nossa forma de lidar com a vida. Essas mudanças estão ligadas diretamente à cultura 
e suas infinitas variações.
4EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA INCLUSIVA
APRESENTAÇÃO
4ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA II
APRESENTAÇÃO
Nesse sentido, para compreender a nós mesmos, temos que entender as culturas que nos cercam. Em muitos momentos, o ser 
humano estabeleceu gradações para avaliar o desenvolvimento da cultura, na sequência, percebeu sua complexidade e a afirmou 
como multifacetada e possível de se apresentar de diversas formas, o que não implica que existam formas superiores e formas infe-
riores. Existem formas de vida, ou culturas, que respondem melhor aos problemas que constantemente nos colocamos e, além disso, 
o encontro entre essas culturas leva a mudança contínua. 
Pensando sobre o nosso comportamento, sobre nossa organização cultural, podemos refletir acerca das organizações menores 
que compõem nossa vida cotidiana, como o mundo corporativo. Todos desenvolvemos, em algum momento da nossa vida, relações de 
trabalho, e sabemos o quanto entender o comportamento humano é decisivo para lidar com os desafios que surgem em tal ambiente.
É por isso que apresentamos esse estudo em torno da filosofia e da antropologia, com o intuito de recolar velhos e discutir novos 
problemas que estão envoltos nas relações humanas. O objetivo não é apresentar uma receita, até porque ela não existe, mas propor 
caminhos de reflexão e critérios de avaliação que nos permitam tomar decisões e avaliar o nosso próprio comportamento.
5
O SER HUMANO E 
SUAS RELAÇÕES
“Não é o mundo por si junto a mim e eu por meu lado aqui, junto a ele – 
senão que o mundo é o que está sendo para mim, no dinâmico ser frente e 
contra mim, e eu sou o que atua sobre ele, o que o olha e o sonha e o sofre e 
o ama ou o detesta. [...] ‘minha vida’ não sou eu sozinho, eu sujeito, senão 
que viver é também mundo.” Ortega y Gasset
A forma pode mudar, 
mas a existência de 
relações parece ser 
imprescindível para a 
forma como vivemos.
6FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
É possível afirmar uma essência huma-
na? Ou em outras palavras, podemos definir, 
essencialmente, o que é viver como um ser 
humano? Se a resposta é positiva, podemos 
perguntar, por que durante a história huma-
na os diferentes grupos se organizaram de 
formas tão díspares? Se a reposta é simples-
mente negativa, podemos perguntar o que 
nos identifica enquanto espécie. Alguns ele-
mentos são comuns, mas se apresentam de 
formas distintas. Nesse capítulo, vamos nos 
aproximar do filósofo espanhol Ortega y Gas-
set para entender melhor a complexidade de 
formas de vida que existem, além de entender 
um pouco mais da nossa própria condição, 
enquanto seres humanos. Segundo o filósofo 
que nos servirá de base nesse momento, não é 
possível afirmar uma essência humana, pois 
o ser humano carrega em si a indeterminação 
do ser e possibilidade de poder-ser no mun-
do. Veremos como as circunstâncias em que 
estamos inseridos são fundamentais para que 
possamos nos compreender enquanto uma 
espécie, pois, ao mesmo tempo em que po-
dem limitar, elas nos abrem possibilidades.
O SER HUMANO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
“Eu sou eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset, 1967, 
p. 52), essa é a mais famosa frase do filósofo espanhol que todos 
já devemos ter tido contato em algum momento de nossas vi-
das. O seu significado, simples e original, adverte para o fato de 
que não existe uma precedência de uma realidade interna sobre 
aquilo que nos circunda, mas uma interligação entre aquilo que 
somos pessoalmente e as circunstâncias que nos rodeiam. O que 
não significa também que exista uma determinação externa so-
bre a forma como nos compreendemos, vamos analisar isso no 
decorrer do capítulo.
A vida humana é, nesse sentido, coexistência entre eu e o 
mundo. Para se ocupar do mundo, o eu precisa pensar, imaginar, 
criar, afetar e ser afetado, o que obviamente não é possível isola-
damente. É por isso que a vida humana é um projeto, do qual cada 
um deve ser o roteirista, podendo criar ou simplesmente copiar. 
Temos, aqui, o fundamento da liberdade humana, o fato de ser-
mos inconclusos e incompletos e de termos que fazer-nos e refa-
zer-nos o tempo todo.
A liberdade não é uma atividade que exercite um ente, 
o qual, por si e antes de exercitá-la, já tivesse um ser 
fixo. Ser livre quer dizer carecer de identidade consti-
tutiva, não estar adscrito a um ser determinado, poder 
ser outro diferente do que se é e não poder instalar-se 
de uma vez para sempre um nenhum ser determina-
do. O único que há de ser fixo e instável no ser livre é 
sua constitutiva instabilidade (Ortega y Gasset, 1982, 
p. 43).
A liberdade reside exatamente no fato de que a vida precisa 
ser construída e cada qual o fará da sua maneira. O estranho do 
viver, para o filósofo espanhol, está no fato de que estamos dian-
te de uma variedade de possibilidades e temos que decidir, ou em 
suas palavras, exercitara liberdade. Nessa linha, para compreen-
der as ações humanas, é importante colocá-las dentro das suas 
circunstâncias e do seu contexto, verificando na concretude da 
vida o que aconteceu. 
Ortega y Gasset nasceu em Madrid em 1883, em uma família 
que pertencia à burguesia liberal ao final do século XIX. Faleceu 
em 1955. Foi filósofo, ensaísta, jornalista e ativista político. É 
considerado o maior filósofo espanhol do século XX.
7FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Como não podia deixar de ser, é o ser humano o ator principal dessa narrativa, é ele 
quem investiga o passado e se pergunta pelo futuro, sendo também encarregado de escrever 
a própria biografia. Tendo em vista que a biografia é um projeto inconcluso, é contínuo o 
processo de reinvenção, de mudança e de nova construção. Isso nos leva ao cerne da noção 
de liberdade presente na obra do filósofo.
Liberdade implica três momentos: invenção, decisão e responsabilidade. O primeiro 
momento, o da invenção, está vinculado ao que viemos afirmando nesse capítulo, para recor-
dar, se a vida humana não vem pronta, é preciso traçar um caminho e cada qual o fará dentro 
das suas possibilidades. Não existe uma concepção fixa de ser humano ou que esteja dada an-
tecipadamente, deve-se construi-la no exercício da vida.
O segundo momento implica à necessidade da escolha entre os possíveis. Tal escolha 
pode ser mais ou menos reflexiva, mas não deixa de, obrigatoriamente, nos levar a uma elei-
ção. A construção da vida humana está diretamente vinculada às decisões tomadas no trans-
curso, sempre lembrando que não se ignora o fato de que muitas decisões são limitadas por 
inúmeros fatores, o que, segundo Ortega y Gasset, não nos desobriga da necessidade de esco-
lher.
Por fim, vem o momento da responsabilização. Chegamos à dimensão ética, pois aquele 
que decide, deve assumir a autoria da decisão. Não vamos discutir todas as implicações éti-
cas que derivam dessa posição, porque faremos isso nos próximos capítulos. Contudo, para 
entender a teoria aqui analisada, é preciso ter em mente que assumir responsabilidade diz 
respeito a assumir qual é o projeto em curso que estamos desenvolvendo na nossa vida, assu-
mindo os resultados das nossas escolhas.
Para entender melhor essa posição, é preciso distingui-la do determinismo. A posição 
determinista assume que existem elementos a priori, que são constitutivos da existência hu-
mana e, que, portanto, não é possível escolher na contramão de tais pressupostos. Para Or-
tega y Gasset, nada existe de constitutivo na vida humana, sendo possível construir a iden-
tidade sem pressupostos intransponíveis. Dentro das diversas situações, é que a liberdade se 
constituirá. É por isso que podemos chamar essa teoria de perspectivismo, pois tudo deve 
ser avaliado a partir das circunstâncias e contextos determinados.
Segundo o perspectivismo, temos que analisar as circunstâncias 
particulares para entender o objeto analisado. Existem diversas 
perspectivas, mas elas devem ser justificadas. 
8FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Circunstância dentro dessa linha de pensamento quer dizer a vida na totalidade, ou 
seja, tudo aquilo que circunda a existência humana, aquilo desperta a ação e onde as ações nos 
levam. Assim, a vida consiste naquilo que o ser humano faz com as facilidades e dificuldades 
que estão a sua volta. A circunstância afeta o ser humano na medida em que esse pode ser afe-
tado por ela. Sendo que estamos vivendo, inevitavelmente, em uma sociedade com interpre-
tações, crenças, ideias vigentes, delas recebemos muitos elementos que nos afetam, que nos 
limitam e que nos oferecem opções.
A circunstância – repito -, o aqui e agora dentro dos quais estamos inexoravelmente 
inscritos e prisioneiros não nos impõe em cada instante uma única ação a fazer, mas 
várias possíveis e nos deixa cruelmente entregues a nossa iniciativa e inspiração; por-
tanto, a nossa responsabilidade (ORTEGA Y GASSET, 1969, p. 103).
O desenvolvimento do ser humano está atrelado as circunstâncias, mas essas não de-
terminam porque o Homem tem a possibilidade de inventar, decidir e responsabilizar-se a 
partir das circunstâncias que lhe estão disponíveis. Nos deparamos com uma primeira forma 
de compreender a constituição do ser humano, que podemos chamar de perspectivismo, na 
sequência, veremos outras formas e como elas podem responder às dúvidas que temos sobre 
a condição humana. Nos capítulos seguintes, nos perguntaremos se essas teorias podem res-
ponder adequadamente ao desafio da diversidade, que está cada vez mais latente nas comu-
nidades humanas.
Podemos resumir a teoria de Ortega y Gasset da seguinte forma: 
(i) somos livres dentro das nossas circunstâncias; 
(ii) existem três momentos decisivos no transcurso da vida 
humana: invenção, decisão e responsabilização; 
(iii) as circunstâncias nos oferecem facilidades e dificuldades e 
dentro delas é que temos que decidir.
A FORMAÇÃO DIALÓGICA DA IDENTIDADE
Nesse segundo momento do primeiro capítulo, analisaremos a teoria de Charles Taylor , 
com o intuito de complementar a teoria de Ortega y Gasset, pois a constituição da vida huma-
na depende das relações que vão sendo estabelecidas. Dessa forma, cada qual deve tomar suas 
decisões e assumir suas responsabilidades, mas esse é um processo que não ocorre descolado 
de um ordenamento social, por menor que ele seja.
O reconhecimento é uma exigência devido à relação existente entre reconhecimento e 
identidade. A identidade pode ser entendida como “uma compreensão de quem somos, de nos-
9FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
sas características definitórias fundamentais como seres humanos.” (Taylor, 2000, p. 241). A 
tese é de que nossa identidade é formada a partir do reconhecimento ou do não-reconheci-
mento, ou, ainda, pelo reconhecimento errôneo por parte dos outros. Com isso, uma pessoa 
ou um grupo de pessoas pode sofrer reais danos caso as pessoas ao seu redor lhe devolvam 
um quadro de si mesmas redutor ou desprezível. O não-reconhecimento ou o reconhecimento 
errôneo podem causar danos reais à identidade de alguém, podem oprimir e escravizar uma 
pessoa ou um grupo de pessoas ou até mesmo um povo. Dentro dessa linha que não se pode 
desconsiderar a questão identitária das circunstâncias referidas por Ortega y Gasset.
Taylor cita dois grandes exemplos do que o não-reconhecimento ou reconhecimento 
errôneo podem causar na vida de grupos sociais. O primeiro caso é o das mulheres. As socie-
dades patriarcais criaram uma imagem depreciativa e diminutiva das mulheres e as induzi-
ram a adotar essa imagem de si mesmas. As mulheres acabaram por internalizar uma imagem 
depreciativa de si mesmas e isso explicaria por que, ainda hoje, muitas delas não conseguem 
aproveitar as oportunidades que lhes aparecem. Uma imagem depreciativa gera, obviamente, 
uma baixa autoestima e obscurece o potencial que as mulheres possuem. 
Charles Taylor é um filósofo contemporâneo, nascido em 5 de novembro de 1931 na cidade de 
Montreal, no Canadá. É professor Emérito de Filosofia e Ciência Política na Universidade de Mcgill. 
De 1976 a 1981 Taylor dirigiu a cadeira de Pensamento Político e Social na Universidade de 
Oxford. Suas principais contribuições são na área da filosofia política, filosofia social e história da 
filosofia. Ele defende uma participação ativa na vida política, tendo concorrido, sem sucesso, ao 
Senado Canadense. 
O segundo caso é o dos negros. A sociedade “branca” projetou sobre os negros, durante 
séculos, uma imagem redutora e depreciativa de si mesmos, o que também os enfraqueceu na 
luta pelo reconhecimento. Ao analisarmos de perto a situação dos negros e das mulheres, ve-
mos claramente que os dois grupos sofreram muita opressão devido ao não-reconhecimento, 
o que pesou por muito tempo sobre seus ombros. Além da violência psicológica houve tam-
bém muita violência física, impedindo que tanto os negros quanto as mulheresocupassem 
seus espaços.
Diante disso, nos parece necessário explicitarmos o que propriamente Taylor compre-
ende por identidade. A pergunta fundamental é quem eu sou? E, para tal questão, não bastam 
respostas superficiais como nome e genealogia. A identidade está relacionada ao que nos é 
importante, ou seja, àquilo que realmente nos importa. Além disso, para saber quem eu sou 
preciso saber em que lugar eu me coloco.
A constituição identitária 
está vinculada a uma busca 
pessoal e social, ao mesmo 
tempo.
10FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Nesse sentido, a identidade pode ser definida, em parte, pelos compromissos que as-
sumimos no decorrer da nossa vida. Por exemplo, quando alguém se diz católico ou protes-
tante está se definindo como alguém que se localiza no interior de um horizonte de significa-
do fornecido pela sua opção religiosa. Dizer que alguém é católico ou protestante não significa 
apenas dizer que segue determinados princípios dessas Igrejas cristãs, mas que o fato de fazer 
parte de uma religião fornece elementos que orientam suas decisões sobre o que é bom e o que 
é valioso ou importante a partir da estrutura a que pertencem, nesse caso, uma religião. 
A pergunta acerca de quem sou só é feita a alguém que pode responder por si mesmo. 
Para responder por si mesmo, é necessário que o questionado saiba em que lugar se encon-
tra, ou quais configurações morais dão significado às suas ações. A pergunta “quem?” pode, 
nesse aspecto, despertar uma crise de identidade se o questionado não conseguir se localizar 
e perceber em quais horizontes ele está inserido.
O indivíduo que souber se localizar e, além disso, compreender em que horizontes de 
significado está inserido, pode-se chamar self. É somente nesse sentido que, para Taylor, 
alguém pode se afirmar como um self. Fundamental, nesse ponto, é distinguir o sentido de 
self para Taylor do sentido que apresentam a psicologia e a sociologia. Taylor cita o exemplo 
de uma experiência que visava demonstrar que os chimpanzés também possuíam um “sen-
tido de self”. O experimento consistia em pintar o rosto do chimpanzé e apresentar-lhe um 
espelho. Ao ver as marcas de tinta, o animal levou as patas ao rosto para limpá-lo. Isso apenas 
mostra que o animal percebeu que era seu corpo no espelho, não que ele se identificasse como 
um self. (TAYLOR, 2011, p. 50). Nesse sentido, ser um self é mais do que possuir um corpo. 
Também não basta ser um self no sentido de comandar as próprias ações a partir de 
determinados fatores, sejam eles externos, sejam eles do próprio indivíduo, como suas ca-
pacidades ou desejos. Essa capacidade para Taylor é característica do ego freudiano, o que, 
contudo, não caracteriza um self, pois o ego não necessita agir no interior de um espaço de 
indagações acerca do bem. Ao contrário, está em busca de liberdade, que não dependa nem 
mesmo dessas indagações sobre o bem em um espaço moral. Outra forma de ver o self, que 
não atinge o que Taylor está propondo, é o que se chama de autoimagem positiva, é a tentativa 
de aparecer de forma positiva para si mesmo e para os outros. Nada mais é do que a tentativa 
de responder aos padrões socialmente aceitáveis, o que, na verdade, não corresponde à iden-
tidade de alguém.
O self tayloriano, enquanto identidade, inclui uma dimensão essencial do ser humano, 
a saber, uma orientação para o bem. Somos, portanto, a posição que assumimos diante dessa 
dimensão.
Só somos um self na medida em que certas questões nos importam. O que sou en-
quanto self, minha identidade, define-se essencialmente pela maneira como as coisas 
têm significação para mim. [...] Assim, um fato crucial sobre um self ou uma pessoa que 
sobressai de tudo isso é que ele não é um objeto no sentido comumente entendido. 
[...] Mas só somos um self na medida em que nos movemos num certo espaço de inda-
gações, em que buscamos e encontramos uma orientação para o bem (TAYLOR, 2011, 
p. 52).
11FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Ser um self é mais do que se reconhecer enquanto corpo, é mais do que ser capaz de dirigir 
as próprias ações, mais do que ter uma imagem para si e para os outros. É estar inserido em um 
espaço de indagações morais e saber em que posição está. Em outras palavras, é estar orientado 
para o bem. Além disso, o self não é um objeto de estudo como comumente entendemos um obje-
to, não poderá ser totalmente explicitado, pois inclui necessariamente autointerpretação. É o ser 
humano buscando compreender a si próprio.
Ser um self é, portanto, existir em um espaço de indagações com “preocupações consti-
tutivas”. Tais indagações dizem respeito ao bem, ao qual o self se orienta e onde ele se localiza 
diante desse bem. Para isso, é necessário saber onde estou e como me tornei quem sou, porém, 
não há objetividade, no sentido científico, nessa busca, como fica claro na afirmação de Taylor: 
“meu sentido de mim mesmo é de um ser que está evoluindo e se tornando.” (Taylor, 2011, p. 74). 
Como estamos em constante evolução, a narrativa se torna essencial para nos compreendermos 
“enquanto ser que evolui e se torna, só posso conhecer a mim mesmo por meio da história de 
minhas maturações e regressões, triunfos e fracassos. Minha autocompreensão tem necessaria-
mente profundidade temporal e incorpora a narrativa.” (TAYLOR, 2011, p. 74). 
Taylor acredita que, como seres humanos, nós estamos em busca de plenitude, ou, dito de 
outra maneira, queremos que nossa vida tenha sentido. E não apenas uma parte de nossa vida, 
mas o nosso existir enquanto um todo. Dessa forma, não há como ignorar nenhuma etapa da nos-
sa existência, mesmo que nosso passado não seja bom, buscaremos redimi-lo com nosso futu-
ro. Somos uma e mesma pessoa em todo o decorrer de nossa vida. Essa afirmação fica mais clara 
quando planejamos nosso futuro. Não é possível planejar os próximos dez anos como nossos e o 
restante como de outra pessoa entendendo que, na velhice, seremos outra pessoa. Ao contrário, 
planejamos nossa vida até para além da morte, pois pensamos no futuro da nossa família, dos 
nossos amigos e da nossa nação. Por isso, pergunta Taylor, “como posso justificar que eu consi-
dere a mim mesmo aos, digamos, sessenta anos, como outra pessoa para esse propósito (planejar 
o futuro de minha família e da minha nação)? E de que maneira sua vida poderia adquirir senti-
do?” (TAYLOR, 2011, p. 75). 
A partir desses elementos, fica claro, para Taylor, que “existe uma espécie de unidade aprio-
rística de uma vida humana ao longo de toda a sua duração.” (Taylor, 2011, p. 76). Isso significa 
que somos uma unidade em todo decorrer da vida. Somos o mesmo self apenas em diferentes es-
tágios de um processo formativo. Assim, o elemento que permite falar em unidade é a narrativa 
que possuímos de nossa história. Nossa vida é como uma narrativa, ou uma busca na qual nós 
precisamos nos situar diante do bem, ou seja, temos de ler a nossa existência na história. 
Outro fator, nesse processo, é que somos seres de linguagem.
A linguagem é 
elemento decisivo 
na formação 
identitária.
12FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
A linguagem não é totalmente explícita, pois tenta articular nossas autointerpretações, 
da mesma forma que há um esforço contínuo em esclarecer a linguagem com a própria lin-
guagem. A linguagem nos remonta a outra característica do self ou, como dissemos no título 
desse item, da formação da identidade, a saber, a dimensão relacional ou dialógica do self, 
só somos um self no meio de outros. Para Taylor, só nos tornamos agentes humanos ple-
nos quando “capazes de nos compreender a nós mesmos e, por conseguinte, de definir nossa 
identidade, mediante a aquisição de ricas linguagens humanas de expressão.” (Taylor, 2000, 
p. 246). Taylor esclarece que aborda a linguagem de maneira mais ampla, ou seja, inclui a arte, 
o gesto e outras formas de linguagem. Não há outro modo de adquirir essas linguagens ricas 
a não serno intercâmbio com os outros, desde os mais próximos até com o todo da sociedade. 
Defino quem eu sou ao definir a posição a partir da qual falo na árvore genealógica, no 
espaço social, na geografia das posições e funções sociais, em minhas relações íntimas 
com aqueles que amo e, de modo crucial, no espaço de orientação moral e espiritu-
al dentro do qual são vividas minhas relações definitórias mais importantes (TAYLOR, 
2011, p. 54).
Só é possível ser um self, ou formar uma identidade, na troca e no diálogo com os outros.
Assim, estabelece Taylor: “a gênese do espírito humano é, nesse 
sentido, não monológica, não algo que cada pessoa realiza por si 
mesma, mas dialógica.” (TAYLOR, 2000, p. 246).
Esse aspecto não é contingente porque não existe outra forma de sermos pessoas a não 
ser na iniciação, numa linguagem entendida de novo, em sentido amplo, para além da lin-
guagem falada ou escrita. Após receber a base comum da linguagem, o indivíduo pode ino-
var. Abre-se, com isso, espaço para a expressão particular de cada sujeito. Entretanto, essa 
expressão particular só se torna possível devido ao que recebeu de comum no interior de 
uma comunidade de significado. O sujeito singular pode superar a base que o constituiu, por 
exemplo, seus pais, mas o diálogo e a troca em seu interior com seus pais o acompanharão por 
toda a sua vida.
A troca com os outros continua no decorrer da nossa vida, não está confinada apenas à 
gênese, pois existem outros importantes presentes em todos os momentos de nossa existên-
cia. Na gênese, normalmente, é a família, mas, em seguida, vamos construindo novas redes 
de interlocução, encontrando novas pessoas, construindo novas amizades e relacionamentos 
que exercerão a função de outro, ou seja, nos ajudam a construir a nossa identidade. Não esta-
mos afirmando que os outros determinam quem somos, mas é a nossa interlocução com eles 
que permite que expressemos nossa maneira particular de ser, a partir da compreensão, mais 
clara que pudermos, da influência que exercem sobre nós.
 Aqueles que enxergam nossa relação necessária com o outro, um obstáculo, podem 
usar exemplos como do eremita ou do artista solitário para falar de uma possível libertação do 
outro. Porém, para Taylor, o eremita e o artista solitário necessitam de interlocutores em suas 
atividades: o eremita tem em Deus seu grande interlocutor e o artista tem seu interlocutor no 
aspecto constitutivo de sua obra que é sempre dirigida a, “está para além do seu criador”.
13FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
 Por conseguinte, não é possível construir e expressar uma identidade no isolamento.
Assim sendo, minha descoberta de minha identidade não implica uma produção mi-
nha de minha própria identidade no isolamento; significa que eu a negocio por meio 
do diálogo, parte aberto, parte interno, com o outro. Eis por que o desenvolvimento de 
um ideal de identidade gerada interiormente dá uma nova importância ao reconheci-
mento. Minha própria identidade depende crucialmente de minhas relações dialógi-
cas com os outros (TAYLOR, 2000, p. 248).
Nesse ponto, está clara a relação existente entre identidade e reconhecimento. A identi-
dade é formada, se assim podemos chamar, em um processo. Por primeiro, através do diálogo 
com os outros. Em seguida, há a tentativa interna de superarmos o que recebemos, ou seja, 
encontrarmos dentro de uma comunidade de significado uma maneira original de ser. Mas 
isso ainda não é tudo. Essa identidade original precisa ser reconhecida pelo outro, ela volta 
para a comunidade e espera dela receber o reconhecimento.
A discussão em torno do reconhecimento ganhou enorme relevância, devido, especial-
mente, aos danos causados pelo não-reconhecimento ou pelo reconhecimento errôneo. Isso 
se deve à relação estreita que existe entre identidade e reconhecimento, tema que buscamos 
apresentar acima. 
14GESTÃO DE PROCESSOS
SÍNTESE SUMÁRIO
Tratamos de duas teorias filosóficas com fortes cargas antropológicas, com o intuito de pensarmos um pouco melhor a nossa condição hu-
mana. São duas perspectivas distintas, mas complementares. Ortega y Gasset desenvolve sua teoria tendo como pressuposto nossa liberdade de 
construirmos nossa existência diante das circunstâncias que nos são apresentadas. Temos que decidir, não é possível fugir da liberdade. O que 
não implica numa liberdade absoluta, pois como dissemos, as circunstâncias nos oferecem facilidades e dificuldades que precisamos lidar. Nessa 
esteira, como complemento, é que apresentamos a teoria de Charles Taylor. Para o filósofo canadense, concordando com Ortega y Gasset, a res-
ponsabilidade pela construção identitária é nossa, mas não é possível desenvolvê-la no isolamento. Basicamente, são duas as razões para isso: (i) 
nos constituímos enquanto seres humanos no intercâmbio com os demais e (ii) só adquirimos a linguagem, elemento fundamental para a iden-
tidade, nas relações que estabelecemos.
15GESTÃO DE PROCESSOS
EXERCÍCIOS SUMÁRIO
1. Apresente e discuta a compreensão de liberdade de Ortega y Gasset.
2. Qual o entendimento de Ortega y Gasset da noção de circunstância? Explique:
3. Por que a teoria de Ortega y Gasset pode ser classificada como perspectivista?
4. Por que é possível afirmar que não existe identidade sem diálogo, em Charles Taylor?
5. Discorra sobre o conceito de identidade:
Pesquisar acerca de um teórico da administração que 
tenha trabalhado com o conceito de identidade e fazer 
uma relação com os autores aqui estudados.
16
RELAÇÕES ENTRE 
CULTURA E 
NATUREZA NAS 
DIFERENTES ESCOLAS 
ANTROPOLÓGICAS
 O que é cultura?
“Tomando em seu amplo sentido etnográfico [cultura] é este todo 
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes 
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como 
membro de uma sociedade.” Edward Tylor 
17FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Existe uma separação rígida entre cultu-
ra e natureza? Como estabelecer essa divisão? 
Onde inicia a cultura e onde termina a nature-
za? Essas questões têm guiado os estudos de 
antropologia e filosofia nos últimos séculos. 
Várias respostas já foram apresentadas e es-
tudaremos algumas delas para perceber como 
as respostas foram mudando no sentido de 
atender a grande diversidade de manifesta-
ções culturais existentes. Os primeiros estudos 
culturais afirmavam a existência de uma evo-
lução linear entre as culturas, portanto, algu-
mas eram consideradas evoluídas e outras pri-
mitivas ou até mesmo nem eram consideradas 
culturas. Qual era o padrão de análise? A cul-
tura do próprio pesquisador, logo, tal pesquisa 
estava sempre pré-determinada pelo olhar de 
quem a desenvolvia. Para dar conta dessa di-
ficuldade, os estudos antropológicos foram se 
modificando e criando estratégias para com-
preender as culturas a partir de si mesmas. 
Isso inclui o entendimento de que não há uma 
separação rígida entre cultura e natureza e de 
que as comunidades humanas se organizam 
de formas profundamente variadas. 
Com os estudos de Darwin sobre a evolução das espécies, 
nasce também o evolucionismo cultural. Tomando em conside-
ração, principalmente, o aspecto biológico se estabeleceu uma 
divisão entre culturas primitivas e civilizadas. O postulado básico 
dessa teoria era o de que em todas as partes do mundo a sociedade 
teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, em 
uma trajetória unilinear e ascendente, partindo sempre do mais 
simples ao mais complexo, do mais indiferenciado ao mais dife-
renciado.
Outro pressuposto básico dessa concepção antropológica é 
a ideia de que existe uma unidade psíquica na humanidade, em 
outras palavras, os seres humanos, em todos os lugares, nascem 
com os mesmos potenciais e as diferenças herdadas eram ape-
nas periféricas. Isso significa afirmar que, independentemente 
das características herdadas ou dos desenvolvimentos históricos 
e culturais variados,seria possível chegar ao mesmo grau de de-
senvolvimento.
O método para alcançar esses resultados é o comparativo, 
pois permite dissecar, classificar e comparar as diferentes cul-
turas, assim como os naturalistas procediam na análise das dife-
rentes espécies. O material utilizado para tais comparações eram 
os relatos de viajantes e missionários que tinham contato com ou-
tras culturas. Assim, no trabalho de reconstrução do processo de 
desenvolvimento humano, a antropologia evolucionista não esta-
va profundamente preocupada com os aspectos mais específicos 
de cada povo e não desenvolvia uma análise detalhada dos relatos 
etnográficos. 
Os contatos, normalmente, não eram prolongados e basea-
dos em observações unilaterais, tendo a própria cultura como pa-
drão de referência. A imagem do antropólogo sentado em seu ga-
binete era plenamente normal e condizia com o trabalho que devia 
ser desenvolvido naquela época. Na citação de Frazer, fica claro o 
desenvolvimento do método comparativo. 
Através de uma aplicação do método comparativo, 
creio poder demonstrar ser provável que o sacerdote 
representou em sua pessoa o deus do bosque — Virbius 
— e que seu sacrifício foi visto como a morte do deus. 
Isso levanta a questão sobre o significado do difundido 
costume de se matar homens e animais vistos como di-
vinos... O Ramo de Ouro, creio poder demonstrar, era o 
visco, e toda a lenda pode, creio, ser posta em conexão, 
por um lado, com a reverência druídica pelo visco e os 
18FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
sacrifícios humanos que acompanhavam seu culto; e, por outro lado, com a lenda nórdi-
ca da morte de Balder. O que quer que se pense das teorias [do livro], descobrirão que 
ele contém um grande estoque de costumes muito curiosos, muitos dos quais podem 
ser novidade mesmo para antropólogos reconhecidos. A semelhança de muitos desses 
costumes e ideias selvagens com as doutrinas fundamentais da Cristandade é admirável. 
Mas não faço referência a esse paralelismo, deixando que meus leitores tirem suas pró-
prias conclusões, de uma maneira ou de outra (FRAZER, apud ACKERMAN, 1987, p. 95).
O desenvolvimento da antropologia se dava nesse período a partir do que se chamou, na 
sequência, de antropologia de gabinete. Os antropólogos, em sua maioria, não tinham conta-
to direto com os povos analisados, mas desenvolviam os seus estudos a partir de relatos, como 
mencionamos. A grande dificuldade desse método é a ausência de um estudo mais prolongado 
que tentasse entender a cultura a partir de si mesma, o que poderia levar a uma visão não dis-
torcida da cultura em questão.
Como explicar a diversidade cultural, se existe uma unidade psíquica comum a todos os 
seres humanos? As culturas não deveriam se desenvolver, todas, em uma única direção? Para 
explicar a existência da diversidade, foi criada uma tabela com diferentes estágios evolutivos, 
onde algumas sociedades já haviam alcançado o ápice da civilização e algumas se encontravam 
ainda em estágio de barbárie. Dessa forma, as sociedades civilizadas serviam como modelo e 
parâmetro para as sociedades que ainda não haviam alcançado um estado “desejável” de civi-
lização. Claramente, fica delineada a possibilidade que algumas nações possam “ensinar” as 
outras como alcançar o desenvolvimento. 
A decorrência de enxergar um único caminho evolutivo na espécie humana levou a usar 
os povos “não-ocidentais”, “selvagens” ou “tradicionais” como uma espécie de “museu” ou 
“laboratório” da história humana. Esses povos são como representantes das etapas anteriores 
da trajetória do humano e estariam rumo ao progresso. Para Frazer, o selvagem seria um do-
cumento do humano, até mesmo um registro dos esforços humanos para elevar-se do nível de 
besta. 
Podemos citar alguns autores que desenvolveram essa escola de pensamento: 
• Lewis Henry Morgan (1818 – 1881), em Nova York; 
• Edward Tylor (1831-1917), na Inglaterra; e 
• James George Frazer (1854 – 1941), também na Inglaterra.
A grande dificuldade do 
evolucionismo cultural 
consiste em explicar a 
diversidade.
19FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
FUNCIONALISMO 
Bronislaw Malinowski (1884-1942) é o principal antropólogo representante do funcio-
nalismo, tendo como objetivo avançar nas dificuldades apresentadas pelo evolucionismo cul-
tural. Para ele, a sociedade devia ser entendida holisticamente, como uma unidade constitu-
ída de partes entrelaçadas. Portanto, para compreender uma comunidade humana, o aspecto 
central seria compreendê-la integralmente, sem separar as diferentes partes que a compõe. 
Considerado o fundador do funcionalismo na antropologia, dedicou-se ao estudo das 
sociedades "primitivas", interessado em apreender o ponto de vista do nativo, sua rela-
ção com a vida, bem como compreender a sua visão de mundo. Nesse ponto, percebemos um 
avanço com relação ao evolucionismo, pois, agora, o ponto de vista dos membros de cada so-
ciedade é decisivo para a sua própria compreensão. A antropologia de gabinete já não é mais 
suficiente e adequada para essa nova forma de desenvolvimento dos estudos antropológicos. 
O princípio central do funcionalismo pode ser resumido da seguinte forma: tudo o que 
ocorre num sistema social contribui necessariamente para o seu equilíbrio (partes e o todo). 
A citação apresenta os principais pontos que caracterizam uma concepção funcionalista.
O organismo complexo é um conjunto de células vivas e fluídas intersticiais dispostas 
em certa estrutura: e a célula viva é analogamente uma disposição estrutural de molé-
culas complexas. Os fenômenos fisiológicos e psicológicos que observamos nas vidas 
dos organismos não são apenas resultado da natureza das moléculas constituintes ou 
átomos de que o organismo é feito, mas resultado da estrutura na qual estão unidos. 
Também, os fenômenos sociais, em qualquer sociedade humana, não são resultado 
imediato da natureza dos seres humanos tomados individualmente, mas consequên-
cia da estrutura social pela qual estão unidos (RADCLIFFE-BROWN, 1973).
Dentro dessa linha de raciocínio, não é possível pensar um indivíduo ou um aconteci-
mento sem relacioná-lo diretamente com a estrutura social circundante. Esse ponto enfra-
quece ainda mais a antropologia de gabinete, pois, como seria possível compreender uma 
comunidade humana em toda a sua estruturação sem ter contato direto com ela?
 Outro ponto importante do funcionalismo é o estudo dos fatos culturais de cada grupo 
tendo, como ponto de referência as próprias instituições de tal grupo. Isso se deve à impor-
tância que as instituições ocupam no processo de socialização humana, funcionando como 
pré-condição para o próprio desenvolvimento social, político e econômico. Entender o fun-
cionamento das instituições significa entender o funcionamento da própria sociedade. 
Todas as práticas e instituições sociais são funcionais no sentido de que se ajustam ao 
todo operante, ajudando a mantê-lo. Pois, a sociedade e a cultura são sistemas constituídos 
de múltiplas relações e elos entre instituições, e somente com a compreensão desses elos é 
que se pode compreender um costume ou uma crença de qualquer grupo humano. Novamen-
te, a ideia de fundo é: não é possível estudar uma sociedade ou comunidade humana fazendo 
uma separação dos elementos que dela fazem parte. 
20FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
 A partir dessa concepção muda também o método de análise das culturas, passa da 
antropologia de gabinete para a antropologia participante:
O etnógrafo de campo deve analisar com seriedade e moderação 
todos os fenômenos que caracterizam cada aspecto da cultura 
tribal sem privilegiar aqueles que lhe causam admiração ou 
estranheza em detrimento dos fatos comuns e rotineiros. Deve, ao 
mesmo tempo, perscrutar a cultura nativa na totalidade de seus 
aspectos. A lei, a ordem e a coerência que prevalecem em cada 
um desses aspectos são as mesmas que os unem e fazem delesum todo coerente (MALINOVSKI, 1984, p. 24).
Para a abordagem funcionalista, a maneira de ser de cada cultura é algo peculiar e que, 
por isso mesmo, deve ser considerada. Por causa disso, a comparação entre culturas é impro-
dutiva em termos teóricos, o que importa é entender o desenvolvimento particular de cada 
cultura ou grupo humano. O princípio de base pode ser resumido da seguinte forma: cada so-
ciedade constitui uma totalidade integrada e composta por parte interdependentes e com-
plementares.
A partir dessa nova compreensão, surge também uma compreensão distinta do que seja 
a cultura. As convenções sociais existentes em cada grupo, tendo em vista a funcionalidade e 
a satisfação de necessidades, são as que compõem o conceito de cultura. Nessa linha, é que a 
observação participante se torna decisiva, pois o pesquisador deve estar inserido na comuni-
dade de estudos, respeitando o tempo necessário para a compreensão dos mecanismos espe-
cíficos de cada grupo. 
 Algumas críticas podem ser levantadas contra a concepção funcionalista. O entendi-
mento da sociedade como um organismo representou um avanço com relação ao evolucionis-
mo, mas pode levar a dificuldades de compreensão de problemas particulares e individualiza-
dos. O problema nem sempre diz respeito ao mau ordenamento do sistema. Outra dificuldade 
consiste em explicar quais as razões que explicam o porquê as mesmas necessidades não le-
vam a soluções semelhantes nas diversas culturas. Em outros termos, situações idênticas po-
dem levar a soluções bem diversas. Por fim, a ênfase dada ao equilíbrio e a estabilidade do todo 
impede um olhar mais atento aos movimentos de mudança que poderiam levar a desenvolvi-
mentos no interior da sociedade. Há uma espécie de restrição a movimentos revolucionários. 
 Para finalizar, podemos destacar as principais contribuições do funcionalismo: 
análise contextual e particularizada; entender a lógica de funcionamento de um grupo des-
de o seu interior; formalização de um novo método etnográfico, a observação participante.
OUTRAS CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS E SUA RELAÇÃO COM O CONCEITO DE 
CULTURA 
Outro autor importante dos estudos de antropologia cultural é Franz Boas (1858-1942), 
sem dúvida um dos autores que mais influenciou na compreensão contemporânea de cultu-
ra. Contrário à concepção evolucionista, Boas concluiu que a diferença fundamental entre os 
21FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
diversos grupos humanos é de ordem cultural e não racial, ou determinada puramente pelo 
ambiente físico. 
Dentro dessa linha de raciocínio, defendia que, ao estudar os costumes particulares de 
uma determinada comunidade, o pesquisador deveria buscar explicações no contexto cul-
tural e na reconstrução da origem e da história daquela comunidade. O ponto de partida são 
as vivências particulares de um determinado grupo, além de perceber como eles olham para o 
mundo e para si mesmos. É nisso que reside a cultura, segundo o entendimento antropológico 
de Boas.
A decorrência natural dessa perspectiva é a conclusão de que existem culturas no plural 
e não apenas uma única forma de conceitualizar a cultura. Isso contrapõe o argumento evolu-
cionista de que a cultura é única, apenas se apresenta em estágios variados. As formas de or-
ganização cultural diferem de tal forma entre si que a busca de uma comparação, tendo em 
vista um ideal de desenvolvimento da cultura, não é possível. O que não significa afirmar a 
impossibilidade de estudos culturais, o que está sendo negada é a possibilidade de estabelecer 
uma tabela fixa para avaliar o desenvolvimento dos diferentes grupos humanos. 
A concepção boasiana apresenta um relativismo como pano de fundo metodológico, pois 
cada ser humano vê o mundo a parir da perspectiva da sua própria cultura, até mesmo, chega 
a afirmar que estamos presos aos “grilhões da tradição”. Poderíamos derivar questões morais 
de tal relativismo metodológico, perguntando que critérios poderiam ser usados para avaliar 
as diferentes práticas nos diferentes grupos. 
Com relação ao método etnográfico, uma derivação é fundamental, o antropólogo, quan-
do na sua análise, deve, na medida do possível, relativizar as suas concepções, pois elas são 
fruto da sua cultura e da forma como ele interpreta o mundo. Desenvolvendo esse distancia-
mento, será possível desenvolver uma análise mais precisa da cultura em questão. 
Uma pergunta sempre constante, em antropologia, diz respeito às diferenças observá-
veis entre as diferentes culturas. Para Boas, algumas variáveis eram importantes, dentre elas, 
podemos destacar: o meio ambiente e as condições sociais em que viviam as populações em 
observação. Nessa mesma linha, Boas recusava os testes de inteligência, até então utilizados 
para provar a superioridade de pessoas ou grupos sob as demais. Esses testes desconsidera-
vam as variáveis culturais, determinantes para a variedade de formas de vida existentes.
É preciso compreender com clareza, portanto, que, quando compara fenômenos cul-
turais similares de várias partes do mundo, a fim de descobrir a história uniforme de 
seu desenvolvimento, a pesquisa antropológica supõe que o mesmo fenômeno etnoló-
gico se tenha desenvolvido em todos os lugares da mesma maneira. Aqui reside a falha 
no argumento do novo método, pois essa prova não pode ser dada. Até o exame mais 
superficial mostra que os mesmos fenômenos podem se desenvolver por uma multi-
plicidade de caminhos (BOAS, 1896, p. 30).
Nessa citação, vemos reafirmada a posição de Boas sobre a grande possibilidade de de-
senvolvimento distinto que existe entre os diferentes grupos humanos. O erro da antropolo-
gia, segundo essa concepção, é buscar um desenvolvimento linear onde ele não existe. A tare-
22FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
fa do antropólogo é entender o desenvolvimento cultural por ele mesmo, ou seja, percebê-lo 
no interior da organização cultural que está sendo observada.
Para Boas, as diferenças culturais estão atreladas às condições sociais e ambientais.
Outra escola de pensamento antropológico, de grande relevância, é a chamada Antro-
pologia Cultural Norte Americana. As principais representantes dessa escola são Ruth Be-
nedict (1887-1948) e Margaret Mead (1901-1978). Seus estudos desenvolveram profundas 
conexões entre a antropologia, a história e a psicologia social, tentando responder às dificul-
dades levantadas pelas escolas antropológicas anteriores, que acima apresentamos.
É clara a influência de Boas nessa nova corrente antropológica, pois a cultura não é inata, 
é adquirida e desenvolvida de acordo com as diversas condições circundantes. Para dar conta 
dos desafios colocados a ênfase passa para a interdisciplinaridade, pois as relações culturais 
são de tal forma complexas, onde uma área de conhecimento isolada não é capaz de compre-
endê-las. 
Outro ponto decisivo na compreensão dessas autoras é o direcionamento para a aná-
lise do processo de socialização de crianças e adolescentes. Pois, é nesse momento que se 
revelam aqueles que são os principais “valores” de uma determinada cultura. Logo, ao com-
preender o processo de socialização, a possibilidade de compreender a própria cultura se in-
tensifica. A psicologia social ganhou importância decisiva, pois ela possui ferramentas para a 
análise de tal processo.
23FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Suponhamos que existam diferenças temperamentais definidas 
entre seres humanos que, se não são inteiramente hereditárias, 
pelo menos são estabelecidas numa base hereditária logo após 
o nascimento. (...) Estas diferenças, finalmente incorporadas à 
estrutura de caráter dos adultos, constituem, então, as chaves a 
partir das quais cada cultura atua, selecionando como desejável 
um temperamento (...). (MEAD, 2000, p.271).
O foco, agora, não está no funcionamento da sociedade como um todo, mas na relação 
entre indivíduo e sociedade. O entendimento dessa relação pode responder àsdificuldades 
apresentadas pelo funcionalismo em verificar que mudanças podem ocorrer sem que o todo 
da sociedade seja modificado. Pensando as relações dos indivíduos entre si e com a sociedade, 
é possível verificar um intercâmbio constate gerador de pequenas mudanças e transforma-
ções. 
Assim como Boas, Benedict e Mead eram adeptas do relativismo cultural, ao afirma-
rem que cada cultura tem seus próprios imperativos morais que só podem ser completamente 
identificados quando do estudo da cultura por ela mesma. Além disso, estavam preocupadas 
em compreender o que chamavam de “personalidade” de cada cultura, identificando aqueles 
elementos que eram difundidos entre as crianças e adolescentes. Esses são os valores mais 
importantes para cada cultura, pois devem ser ensinados para as gerações futuras.
Para finalizar esse olhar para as diversas correntes antropológicas, é importante lem-
brar da corrente crítica, onde podemos destacar James Clifford. O objetivo dessa teoria é re-
pensar a relação do observador com o observado. Em outras palavras, relativizar o papel de 
autoridade do antropólogo e do seu discurso. Isso se deve ao fato de que a cultura é um pro-
cesso polissêmico (múltiplo) onde cabem diversas interpretações. Dessa forma, a etnografia 
também é polissêmica, pois capta compreensões parciais da cultura, nunca a sua totalidade, 
pois não é possível apresentar uma compreensão fixa e linear de uma determinada cultura. 
24GESTÃO DE PROCESSOS
SÍNTESE SUMÁRIO
Observamos, nesse capítulo, como houve uma mudança substancial no entendimento de cultura e do papel do antropólogo nos estudos cul-
turais. Com o evolucionismo, atrelado aos estudos de Darwin, verificamos que o pressuposto era a existência de uma única cultura que se apre-
sentava em diferentes estágios, possibilitando uma divisão entre culturas civilizadas e aquelas que ainda estavam vivendo na barbárie. Com o 
funcionalismo, percebemos um avanço nessa compreensão e o desenvolvimento da antropologia participante, pois cada cultura é uma totalidade 
que deve ser compreendida integralmente. Um dos problemas de tal teoria era a dificuldade de entender pequenas mudanças e alterações que não 
modificavam, necessariamente, a estrutura da cultura. Dessa forma, a antropologia norte americana surge com o intuito de compreender não 
somente a cultura enquanto totalidade, mas os elementos particulares presentes em seu interior, por isso da análise das relações entre o indiví-
duo e a sociedade. Por fim, a antropologia crítica visa relativizar o papel do antropólogo e atentar para o fato de que não é possível compreender 
as diferentes culturas como entidades fixas e lineares. Com isso, não se reduz a importância da antropologia e dos relatos etnográficos, apenas 
lembra que as culturas são complexas e multifacetadas e que o seu estudo exige interdisciplinaridade.
25GESTÃO DE PROCESSOS
EXERCÍCIOS SUMÁRIO
1. Apresente as principais características do evolucionismo cultural.
2. Faça uma análise crítica do evolucionismo cultural.
3. Quais os pontos centrais do funcionalismo?
4. Desenvolva um quadro comparativo do evolucionismo e do funcionalismo.
5. Quais as contribuições de Franz Boas para os estudos antropológicos?
6. Desenvolva uma pesquisa (para além do material aqui apresentado) e faça uma avaliação da antropologia crítica.
Faça uma pesquisa e escolha um relato etnográfico de uma cultura que lhe 
é estranha ou que você possui pouco conhecimento. Se possível, encontre 
algum estudo antropológico que esteja, também, registrado em vídeo. A 
partir desse estudo, tente entender a cultura em questão por ela mesma, 
colocando em suspenso os juízos anteriores ao estudo. Ao final da atividade, 
compare o resultado do seu estudo com os preconceitos que você possui ou 
possuía sobre a cultura analisada.
26
MULTICULTURALISMO 
– IDENTIDADE E 
DIFERENÇA
Nosso mundo contém, em realidade, vários mundos. Quem poderá ignorar 
que o mundo é um grande mestiço, a não ser aquele que nunca saiu de seu 
lugar, ainda que tenha viajado e visitado outras regiões? (ZAOUAL, 2003).
27FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
É fato que a diversidade cultural 
está presente em todas comunidades 
humanas. Para fazer essa constata-
ção não se faz necessário nenhum 
estudo aprofundado. Por que discu-
tir o multiculturalismo? Por que se 
faz necessário desenvolver um pro-
jeto multicultural que responda a al-
guns desafios, tais como: o que deve 
ser feito com aqueles grupos que não 
respeitam direitos humanos? Como 
lidar com pessoas que simplesmente 
rejeitam qualquer contato com o di-
ferente? Como equilibrar reconheci-
mento cultural com direitos humanos 
universais? Obviamente que não res-
ponderemos a todos esses questio-
namentos no presente capítulo, mas 
nos propomos a analisar algumas 
reflexões que apontam para cami-
nhos possíveis, tanto em nível teóri-
co quanto em nível político. Com esse 
objetivo em mente, apresentaremos 
um apanhado geral do que gira em 
torno da problemática multicultural. 
MULTICULTURALISMO: UM DEBATE NECESSÁRIO
O objetivo é apresentar uma discussão em torno do multicul-
turalismo, sua conceituação, os atores envolvidos nesse processo e a 
importância de discutir o tema na sociedade contemporânea. Quando 
se fala sociedade contemporânea, não se está afirmando que o multi-
culturalismo seja um fenômeno peculiar da contemporaneidade, pelo 
contrário, sempre esteve presente nas sociedades humanas, contudo, 
em menor proporção e intensidade . O intento, nesse momento, é en-
tender por que não é possível ignorar teoricamente o multiculturalis-
mo, ao mesmo tempo em que, enquanto sociedade, é necessário de-
senvolver políticas que favoreçam a convivência entre povos distintos.
O termo multiculturalismo designa a 
coexistência de grupos culturais que possam se 
manifestar de diferentes formas.
Nesse sentido, pode-se falar de pequenos espaços multicul-
turais, pequenas sociedades multiculturais, mas, ao mesmo tempo, 
discutir o multiculturalismo em termos globais, especialmente após 
o fenômeno da globalização, que de forma positiva ou negativa, tem 
aproximado as culturas. Não serão realizados juízos de valor acerca da 
globalização, entretanto, não há dúvidas de que é importante discutir 
acerca das suas consequências sobre o debate multicultural.
Para que seja possível compreender o multiculturalismo, é ne-
cessário que se compreenda o que significa pertencer a uma cultura. 
Nesse sentido, a proposta consiste em discutir a importância da pre-
servação da cultura para os indivíduos que dela comungam. O pressu-
posto subjacente a essa discussão é: a cultura é indispensável para a 
formação da identidade de um indivíduo, consequentemente, preser-
vando a cultura se preserva também a identidade dos seus membros. 
Essa não é uma afirmação unânime quando tratamos do multicultura-
lismo, dessa forma, é mister discuti-la, direta ou indiretamente, nes-
se texto. 
Questões multiculturais perpassam a história da humanidade, 
entretanto, o conceito multiculturalismo é relativamente recente. Com 
isso, estamos afirmando que uma das peculiaridades contemporâneas 
dessa temática é justamente o uso de um conceito específico. 
28FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Não é possível passar despercebido pela discussão clássica entre igualdade e diferen-
ça, que subjaz a todo debate multicultural. A pergunta que se coloca nesse contexto é: como 
conciliar igualdade e diferença? Como compatibilizar a exigência por reconhecimento da di-
ferença com a exigência de tratar a todos com igualdade? Especificamente, quando tratamos 
do multiculturalismo, devemos perguntar: como conciliar possíveis direitos coletivos com 
direitos e liberdades individuais? 
 Em alguma medida, nesse momento, estamos em busca de uma compreensão mais 
clara do que seja o multiculturalismo e os desafios que cercam essa discussão. Diante da plu-
ralidade de possibilidadesde abordagem dessa temática, se pretende localizar os pontos que 
são caros para o desenvolvimento posterior do trabalho. Essa não é uma tarefa simples, mas 
de extrema importância para as discussões filosóficas em torno do multiculturalismo.
O MULTICULTURALISMO EM QUESTÃO
O objetivo desse ponto é compreender o fenômeno multicultural e suas diversas possi-
bilidades de análise. O debate multicultural contemporâneo, utilizando-se do conceito mul-
ticulturalismo, nasce, especialmente, nos EUA, com arranjos particulares, mas se estende à 
Europa e aos demais continentes. Isso significa que os termos do debate cunhados nos EUA 
precisam, em alguma medida, de adaptações às especificidades locais a fim de que possam 
responder às diferentes realidades.
Na tabela abaixo, apresentamos as diversas formas de se compreender o debate multi-
cultural, mas, mais do que isso, os possíveis encaminhamentos que surgem da própria diver-
sidade cultural.
Modelos sociopolíticos diante da diversidade cultural.
Exclusão 
Racismo, xenofobia, 
antissemitismo, apartheid, 
holocausto, etc.
Discriminação do 
outro
Legal Leis discriminatórias
Social
Práticas 
discriminatórias
Segregação do 
outro
Espacial
Guetos residenciais.
Delimitação de espaços 
públicos.
Institucional
“Guetização” escolar.
“Guetização” sanitária.
Eliminação do 
outro
Cultural
Etnocídio.
Fundamentalismo 
cultural.
Física
Genocídio.
Limpeza étnica.
Inclusão
Aparente Homogeneização
Assimilação
“Anglicização”
“Arabização”
“Ladinização”
Fusão cultural Melting pot
Real
Aceitação da 
diversidade cultural 
como positiva.
Pluralismo cultural
Multiculturalismo
Interculturalismo
Fonte: adaptado de ROMERO, 2003, p. 9
29FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Não parece necessário que se discuta o multiculturalismo como um fato que se apresen-
ta em nossas sociedades, desse modo, nos propomos a discuti-lo como uma teoria. Seguimos 
o caminho de Câmara:
“(...) o multiculturalismo seria uma das soluções possíveis aos problemas suscitados 
pela convivência entre pessoas e grupos de diferentes culturas, concretamente, a que 
propõe a coexistência entre eles, mantendo cada uma das suas próprias pautas cultu-
rais e sociais.” (CÂMARA, 2003, p. 163).
Enquanto fato, o multiculturalismo não suscita uma grande discussão, pois basta que se 
façam levantamentos sociológicos e sem dificuldades, se observará uma grande diversidade 
de culturas que se entrecruzam . O desafio está na discussão de um projeto multicultural que 
realmente seja a solução para os problemas que surgem a partir da convivência entre mani-
festações culturais distintas.
O objetivo é encontrar os elementos necessários que tornem possível o reconhecimento 
real das diversidades culturais, seja no interior de um Estado, seja na relação entre os dife-
rentes estados. Como podemos observar, na tabela mencionada, são dois os conceitos utiliza-
dos para tratar da inclusão real, multiculturalismo e interculturalismo. Apesar das possíveis 
diferenciações entre os conceitos de inter e multiculturalismo, optamos por tratá-los como 
equivalentes no presente texto. 
Para fins de organização, utilizaremos, preferencialmente, o termo multiculturalismo. 
Uma primeira distinção a ser feita quando tratamos do multiculturalismo é entre teoria e fato 
multicultural. Afirma Kymlicka:
“Segundo estimativas recentes, os 184 Estados independentes 
do mundo contêm mais de 600 grupos de línguas vivas e 5000 
grupos étnicos.” (KYMLICKA, 1996a, p. 13).
Tradução livre. De agora em diante, sempre que nos referirmos a essa obra, o faremos a partir de traduções livres. KYMLICKA, 
Will. Ciudadanía multicultural. Una teoría liberal de los derechos de las minorias. Trad. Carme Castells Auleda. Barcelona: 
Ediciones Paidós Ibérica, 1996.
Fazemos essa opção porque entendemos que ao final, o objetivo é o mesmo, a saber, garantir 
que cada cultura tenha seu próprio espaço de desenvolvimento e que também possa dialogar e 
compreender as demais manifestações culturais. Tradução livre. De agora em diante, sempre que nos referirmos a essa obra, o faremos a partir de 
traduções livres. CÂMARA, Ignacio Sánchez. Integración o multiculturalimo. Persona Y Derecho, 
Navarra, n. 49, p. 163-184, 2003.
Três elementos corroboram à tese de que não há necessidade de problematizar o 
multiculturalismo como um fato: a) a multiplicidade de culturas existentes no mundo 
contemporâneo; b) a existência de diversas culturas no interior de um Estado-nação; c) a 
influência entre culturas dentro de um Estado-nação, bem como para além dos Estados. 
30FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Com relação a isso, podemos perceber as grandes dificuldades enfrentadas pelo governo 
brasileiro e por outros tantos governos, no atendimento aos migrantes que buscam melhores 
condições de vida em novos países. Especialmente aqui, nos referimos aos haitianos e senegaleses 
que, nos últimos anos, têm procurado muito o Brasil em busca de melhores condições de vida. 
Esse não é o único desafio do multiculturalismo, como ficará mais claro nos próximos capítulos, 
mas se coloca como uma boa ilustração ao problema.
São diversas as formas de se apresentar essa discussão, mas que se complementam na 
afirmação de que necessitamos discutir o multiculturalismo como uma teoria, ou em outro 
termo, como um projeto. Entretanto, quando tratamos do multiculturalismo como um proje-
to, não podemos perder de vista a falta de unanimidade em sua construção. Ao menos, pode-
mos apresentar quatro diferentes possibilidades de discussão em torno do multiculturalismo.
 A primeira, que chamamos de monoculturalismo, tem por objetivo estabelecer uma 
única cultura hegemônica e unificadora, capaz de subjugar todas as demais possibilidades 
de manifestação cultural. Essa primeira abordagem considera extremamente negativo o en-
contro entre diferentes culturas. Se, porventura, tal encontro acontecer, é necessário que se 
elimine qualquer possibilidade de diálogo, devendo-se manter os valores integrais da cultura 
hegemônica. Nesse sentido, todas as manifestações culturais minoritárias deveriam se incor-
porar plenamente à cultura majoritária, abandonando completamente suas próprias tradi-
ções e vivências culturais.
Isso foi, em grande medida, o que ocorreu com a maioria dos indígenas que viviam na América 
Latina quando da chegada dos colonizadores europeus. 
Uma segunda possibilidade é o que podemos chamar de multicomunitarismo. Essa abor-
dagem não se posiciona contra a multiplicidade de culturas, contudo, não constrói espaços de 
diálogo e troca, o que acaba por tornar as culturas incomunicáveis entre si. Nessa perspectiva, 
as culturas são entendidas como manifestações incompatíveis e que, portanto, não podem 
estabelecer um diálogo universal. A diversidade está reconhecida na medida em que cada cul-
tura vive exclusivamente de acordo com os seus próprios valores, sem qualquer possibilidade 
de construção dialógica. Esse é o processo que podemos chamar de relativismo cultural, onde 
cada cultura vive de acordo com os seus próprios valores, sem nenhum diálogo crítico. 
 O relativismo cultural defende a ideia de que não há possibilidade de um diálogo ver-
dadeiro entre culturas que apresentem valores antagônicos. Por causa disso, defende a vi-
vência autônoma das culturas. Entretanto, a sustentação para tal autonomia advém de um 
relativo isolamento ou, ao menos, da não possibilidade de questionamento entre culturas. 
Respeitar a autonomia das culturas não significa aceitar o isolamento ou a impossibilidade de 
questionamento entre culturas, pelo contrário, o respeito à autonomia cultural passa neces-
sariamente pelo diálogo e, mais ainda, pelo reconhecimento do outro enquanto uma cultura 
legítima. Isso significa que o simples relativismo cultural não nos apresenta soluções ade-
quadas para uma verdadeira convivência cultural. 
31FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
 Uma terceira abordagempossível é o pluralismo cultural, típico das sociedades li-
berais contemporâneas. Tal forma de se pensar a relação entre as culturas tem se tornado 
hegemônica nos locais onde se verifica um predomínio da cultura liberal. Quando se trata de 
pensar de forma universal, se tomam como pressupostos os valores liberais, especialmen-
te a liberdade, a igualdade e a propriedade privada. Dentro dessa perspectiva, o pluralismo é 
aceito na esfera privada, ou seja, as diversas manifestações culturais podem ser mantidas no 
âmbito privado, mas no âmbito público devem ser respeitados os valores liberais. O pressu-
posto aqui colocado é o de que o liberalismo seria um terreno neutro no qual podem florescer 
as mais diversas manifestações culturais sem prejuízos identitários. 
 Por fim, há uma quarta vertente que podemos chamar somente de multiculturalismo. 
A proposta é que haja um reconhecimento público das diferentes expressões culturais. Reco-
nhecimento que não se restringe ao âmbito privado ou que se contraponha ao diálogo inter-
cultural, mas que, pelo contrário, reconheça o valor público das culturas. 
A abordagem multiculturalista permite que se renuncie ao 
monoculturalismo e ao relativismo do multicomunitarismo, na 
medida em que abre a possibilidade da construção de um diálogo 
universal que possa conciliar direitos humanos universais com 
reivindicações étnicas.
Toda essa discussão faz sentido no interior das sociedades contemporâneas, marcadas 
fortemente por uma grande diversidade cultural. Hall apresenta três fatores que são decisivos 
para o fenômeno multicultural, primeiro o pós-colonialismo; segundo, o fim da Guerra Fria 
e, por fim, a globalização (HALL, 2013, p. 61). Entender a relação desses fatores com o desen-
volvimento das discussões multiculturais é fundamental para entender as sociedades multi-
culturais contemporâneas. 
Pós-colonial significa a independência das colônias e a consequente possibilidade de 
que povos, antes colonizados, possam ressignificar suas características culturais originais. 
É óbvio que as ex-colônias não dispuseram de plenas condições para tal processo de refun-
dação, especialmente, no que se refere ao aspecto econômico, obrigando-as a passar por um 
longo processo de recuperação econômica, social e cultural. Antes de qualquer coisa, é preciso 
superar a imagem depreciativa que lhes foi imposta pelas colônias.
 Primeiro, é preciso reconstruir a autoimagem, por anos imposta de forma deprecia-
tiva pelos colonizadores. Somente após esse processo, torna-se possível uma reconstrução 
cultural, retomando os valores culturais mais elementares. Contudo, não se recuperam ori-
ginalmente todos os elementos culturais, pois as influências são inevitáveis, já que nenhuma 
cultura pode manter-se intacta. Portanto, as influências da colonização não são totalmente 
eliminadas, pois o encontro entre diferentes povos transforma consideravelmente as relações 
internas a uma cultura, bem como as relações externas com as “outras” culturas. O elemento 
que deve ser eliminado desse encontro é a imagem depreciativa que o colonizador impõe ao 
colonizado, impedindo que esse se reconheça como portador de valores culturais importantes 
para a sua construção identitária. 
32FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
O colonialismo e o pós-colonialismo são especialmente importantes para as discussões 
multiculturais ou interculturais na América Latina. Os efeitos do colonialismo ainda são sen-
tidos em nosso continente, o que acarreta problemas de ordem identitária, social, política e 
econômica. Prova disso é a tentativa da criação de uma linguagem própria para tratar dessa 
temática, com o objetivo de mostrar que é possível reinterpretar determinados acontecimen-
tos a partir de uma linguagem mais próxima da realidade. A América Latina ainda está ex-
purgando todos os elementos negativos deixados pela colonização, abrindo espaço para os 
elementos importantes da sua identidade, que foram oprimidos durante a colonização. 
O colonialismo é 
um dos principais 
aspectos da história 
da América Latina
“Superado” o colonialismo externo, pode nascer o que Casanova denomina de colonia-
lismo interno. Com a independência, teoricamente, os países colonizados estão libertos da 
colonização, contudo, esse é um processo lento e muito trabalhoso, pois a colonização precisa 
ser superada também do ponto de vista psicológico. Surge a colonização interna, onde os po-
vos mais fortes subjugam os mais fracos, reproduzindo novamente as relações de dominação 
do colonialismo. 
Esse processo claramente aconteceu com relação aos indígenas, em quase todos os pa-
íses latino americanos. Os indígenas sofreram as consequências nefastas do período colonial 
e quando esse foi superado continuaram a sofrer com a colonização, mas, dessa vez, os colo-
nizadores foram os povos que se estabeleceram nas terras latino-americanas. O colonialismo 
interno é, nesse sentido, a continuação da subjugação de um povo sobre outro. Com isso, as 
relações de dominação continuaram a se perpetuar na América Latina, impedindo o devido 
reconhecimento das manifestações culturais de inúmeros povos. 
 O exemplo latino-americano é um clássico quando buscamos compreender os pro-
fundos efeitos causados pela colonização. Esse elemento não aparece claramente nos textos 
de Taylor e Kymlicka, autores de referência nas discussões multiculturais. Nesse sentido, po-
demos verificar que os efeitos da colonização não são fortemente sentidos no Canadá, lugar 
de onde os referidos filósofos estão escrevendo. Contudo, é elemento essencial quando o pro-
pósito é analisar o fenômeno multicultural a partir da América do Sul. 
33FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Para além do colonialismo, outro elemento importante nessa discussão é o término da 
Guerra-Fria, dando fim a uma disputa binária de hegemonia sobre o mundo entre americanos 
e soviéticos, abrindo caminho para a universalização de uma única maneira de compreender 
o mundo, tendo como ponto de partida a ideia de “mercado”. O mercado não toma em consi-
deração contextos culturais e formas de vida, é como que um princípio universal abstrato, que 
deve ser aplicado independentemente de quaisquer condições históricas. O mercado seria um 
ente neutro apto para garantir universalidade a um novo modelo econômico, social e cultural. 
 Tal entendimento de mercado tem duas grandes consequências: grandes desigualdades 
sociais e um novo realinhamento de culturas até então dispersas. Esse realinhamento nada 
mais é do que a tentativa de se contrapor a esse modelo hegemônico de mercado que igno-
ra possíveis diferenças. As culturas minoritárias, ao compreenderem o crescimento de uma 
cultura hegemônica, percebem a necessidade de uma contraposição solidificada, por isso, a 
necessidade de se restabelecerem enquanto culturas, reafirmando seus elementos caracte-
rísticos. Com isso, reascende-se o debate em torno do devido reconhecimento às diferentes 
formas de se compreender o mundo. 
Se as culturas minoritárias não se organizam no intuito de frear uma hegemonização 
de um modelo cultural, acabam sendo “engolidas” e submetidas ao modelo hegemônico. Isso 
permite às culturas uma redescoberta e reafirmação de suas identidades. Além disso, fica 
claro, nesses movimentos, o caráter dinâmico das culturas através das diversas relações es-
tabelecidas e da constante necessidade de readequação. É óbvio que alguns elementos são 
mantidos, mas outros são transformados pelo diálogo com outras culturas. 
Por fim, um terceiro elemento, para que se possa entender o debate multicultural con-
temporâneo, é o fenômeno da globalização. Segundo Hall, a globalização não é um fenômeno 
apenas contemporâneo, pois, por exemplo, as grandes navegações europeias já se configu-
ram como um processo de mercantilização mundial. Nova é a forma como a globalização se 
manifesta, tornando as relações mundiais cada vez mais próximas, permitindouma crescen-
te mobilidade humana. 
Tendo analisado os acontecimentos históricos que intensificaram o debate multicultu-
ral, é possível pensar cronologicamente no momento em que tal desencadeamento se desen-
volveu.
Dessa forma, enquanto fenômeno contemporâneo, o 
multiculturalismo tem suas origens nas democracias ocidentais do 
final da década de 1960.
O que significa que, antes mesmo do fim da Guerra Fria, já se manifestavam discussões 
multiculturais. O que afirmamos é que, o fim da disputa entre capitalistas e socialistas reabriu 
com força um espaço para o entendimento e a luta por reconhecimento das diferenças mais 
específicas entre os diferentes povos e culturas. 
Para além de Hall, podemos colocar nessa discussão outro acontecimento histórico, que 
marca as discussões multiculturais, a II Guerra Mundial. O mundo ficou estarrecido com a 
tentativa de Hitler em colocar a cultura alemã como superior e capaz de governar as demais. 
34FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
Além disso, no período da Guerra e, antes da própria guerra, havia certa aceitação mundial 
da ideia de superioridade de algumas culturas sobre outras, o que determinava as políticas de 
imigração, especialmente quando da tentativa de imigração de povos das ex-colônias em di-
reção aos ex-colonizadores.
Imagem de um campo de concentração do nazismo. A partir disso é que 
se intensificaram as discussões em torno da necessidade de estabelecer 
direitos humanos universais.
Com a II Guerra Mundial e, com o uso desmedido por parte de 
Hitler da ideia de uma hierarquização cultural, o mundo percebeu 
que necessitava de princípios que garantissem a igualdade entre 
culturas.
 Muitos foram os movimentos para atingir esse objetivo, mas sempre tendo como ho-
rizonte a construção de direitos humanos que pudessem servir de escudo contra qualquer 
possibilidade de subjugação de povos sobre outros. Dessa forma, em 1948, a Organização das 
Nações Unidas (ONU) apresenta a Declaração Universal dos Direitos Humanos como ponto de 
referência na questão dos direitos humanos, impactando, consequentemente, nas discussões 
multiculturais.
No entanto, a declaração teve e tem duplo efeito sobre o debate multicultural. Ao mesmo 
tempo em que estabelece a igualdade entre as culturas, limita as possibilidades de floresci-
mento das especificidades das culturas. O temor é que a possibilidade da vivência singular de 
uma determinada cultura a torne insensível com demandas universais e permita novas possi-
bilidades de segregação, mesmo que internamente às culturas. Portanto, os movimentos em 
defesa, das minorias culturais, deveriam adequar suas linguagens a linguagem “universal” 
dos direitos humanos, o que, em alguma medida, pode limitar suas reivindicações. 
Com o fim da Guerra Fria, o temor de um novo nazismo parece ter diminuído, possibi-
litando um retorno às reivindicações mais específicas de determinadas culturas. Quando dis-
cutimos o multiculturalismo pós-Guerra Fria, tendo obviamente os direitos humanos como 
35FILOSOFIA E ANTROPOLOGIA
 SUMÁRIO
ponto de partida, não podemos desconsiderar as grandes e rápidas transformações que ocor-
rem no mundo contemporâneo. Referimo-nos especialmente às mudanças econômicas que, 
grosso modo, intensificam as desigualdades sociais. Não se pode separar as discussões mul-
ticulturais do debate em torno da superação da desigualdade social, ou seja, não faz sentido 
reivindicar reconhecimento cultural onde não existem condições econômicas mínimas de so-
brevivência. A reivindicação cultural, nesse caso, só faz sentido se colocada lado a lado com 
reivindicações por igualdade econômica. As reivindicações por igualdade econômica marcam, 
especialmente, aquelas localidades onde as desigualdades são mais proeminentes, como é o 
caso da América Latina. Em nosso continente, com especial força, as reivindicações culturais 
estão atreladas às reinvindicações por igualdade econômica. 
 Essa relação estreita derruba a ideia de que reivindicações multiculturais ignoram 
os problemas econômicos, preocupando-se exclusivamente com questões de ordem cultural. 
São incompletas aquelas teorias multiculturais que não se preocupam com as relações econô-
micas subjacentes. Não há a mínima possibilidade de reconhecimento cultural onde persisti-
rem fortes desigualdades econômicas. Quando se discute o reconhecimento cultural, deve-se, 
antes de qualquer coisa, garantir condições mínimas de sobrevivência econômica àqueles po-
vos que sofrem com fortes injustiças. 
 Outro ponto de confusão com relação às políticas multiculturalistas se refere ao deba-
te sobre o fechamento das culturas minoritárias a qualquer possibilidade de troca com cultu-
ras tidas como hegemônicas. O multiculturalismo não visa o enclausuramento cultural, pelo 
contrário, visa a convivência respeitosa e mais do que isso, estimula trocas culturais, no sen-
tido de contribuir para o enriquecimento cultural. Condenável é a tentativa de imposição de 
valores estranhos e até mesmo de assimilações forçadas. 
Nesse sentido, o multiculturalismo não tem por objetivo a criação 
de guetos culturais intransponíveis, mas o reconhecimento público 
das diversas manifestações culturais.
 O reconhecimento das diferentes culturas acontece de diversas formas. Mas há um 
ponto em comum quando analisadas as mais diversas reivindicações culturais: qual o papel 
desempenhado pelos direitos humanos. Como afirmamos, a Declaração dos Direitos Huma-
nos tem dois efeitos; possibilita a igualdade, ao mesmo tempo em que limita a linguagem de 
reivindicações culturais. Existem muitos questionamentos sobre até que ponto os direitos 
humanos são realmente capazes de garantir a igualdade entre as culturas e, principalmente, a 
possibilidade de exigências singulares. O argumento apresentado é de que os direitos huma-
nos são frutos de uma linguagem específica e, consequentemente, de uma cultura específica, 
o que inviabiliza uma leitura igualitarista e universalista. 
Os elementos que apresentamos acima nos ajudam a compreender por que o multicul-
turalismo tem sido debatido com tanta força, seja em nível acadêmico, bem como em nível 
político. Não temos a pretensão de apresentar soluções políticas às questões multiculturais, 
apenas levantar possibilidades teóricas que possam, em alguma medida, servir de instru-
mento teórico para discussões políticas.
36GESTÃO DE PROCESSOS
SÍNTESE SUMÁRIO
Nesse capítulo, desenvolvemos um quadro teórico que apresentou os principais pontos que giram em torno do multiculturalismo. A prin-
cipal dificuldade reside no equilíbrio entre liberdade e igualdade, pois a liberdade irrestrita pode levar a resultados não desejados, e, por outro 
lado, a equalização absoluta fecha as portas para o desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos humanos. Uma das possíveis soluções teóricas, 
apresentada nesse capítulo, é desenvolver um conjunto de direitos básicos, válidos para todos, e que, a partir desse conjunto, cada um possa se 
desenvolver da melhor forma possível. A diversidade cultural é um fato na grande maioria das nações do mundo, o grande desafio que se coloca 
é como lidar com tal diversidade. A diversidade, atrelada a direitos e deveres básicos, contribui para o desenvolvimento das potencialidades pre-
sentes no ser humano.
37GESTÃO DE PROCESSOS
EXERCÍCIOS SUMÁRIO
1. Diferencie multiculturalismo enquanto fato e enquanto projeto.
2. Quais os acontecimentos históricos que permitiram o desenvolvimento do multiculturalismo?
3. Por que não é possível pensar a questão cultural na América Latina sem entender o período colonial?
4. Desenvolva um quadro comparativo apresentando as formas de lidar com a diversidade cultural discutidas no capítulo.
5. Com base no capítulo, argumente defendendo a forma que você considera mais adequada para lidar com a diversidade cultural.
Faça uma pesquisa na sua cidade. Identifique quantas 
nacionalidades diferentes de imigrantes estão

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