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Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... Solos utilizados na cafeicultura brasileira O solo é um recurso natural de fundamental importância para atividades agrícolas e silviculturais e é intimamente relacionado, direta ou indiretamente, à produção de alimentos e de outros produtos, como madeira, celulose, fibras, essências etc. Entre as produções agrícolas, a cafeicultura é uma das mais tradicionais do país, cujos primeiros plantios se iniciaram na primeira metade do século XVIII, na Província do Pará, hoje correspondente a alguns estados das regiões Nordeste e Norte. A partir daí a espécie foi levada para todas as regiões do país, estando presente em 15 estados (Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia e São Paulo), além do Distrito Federal, abrangendo quatro biomas: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Amazônia (Figura 1). Em 2016, 1.466 municípios produziram café (Figura 2), cuja produção total no país foi de 3.019.051 Mg de grãos, com área colhida total de 1.994.761 ha (IBGE, 2016). Essa grande presença das lavouras cafeeiras em várias regiões do país se deve a avanços em diversas áreas do conhecimento, das quais se destaca a Ciência do Solo. Nesse contexto, os solos como recurso natural merecem atenção especial, uma vez que são um dos bens mais valiosos para o cafeicultor, e as suas condições influenciam diretamente o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, a produtividade da lavoura. A cultura do café, por estar presente em diversos estados do Brasil, convive com condições climáticas variadas, incluindo locais com temperaturas e precipitações médias anuais de elevadas a baixas, regiões com estações secas e chuvosas bem definidas e algumas com recorrentes veranicos. Essa ampla distribuição geográfica da cafeicultura no país também faz com que a atividade ocupe solos de diferentes classes, cujos atributos físicos, químicos, mineralógicos e microbiológicos são distintos, exercendo grande influência no desenvolvimento das plantas (Resende et al., 2014). Essa diversidade de ambientes explorados com a cafeicultura, particularmente para os solos, gera uma demanda por conhecimento detalhado das classes e dos atributos de solos que são mais comumente utilizados para essa cultura, pois, enquanto suas potencialidades edáficas podem levar a aumentos da produtividade, suas limitações levam a riscos de desequilíbrio financeiro, social e ambiental. O caminho de sustentabilidade da cafeicultura em cada ambiente tem sido encontrado com a adoção de sistemas de manejo conservacionistas do solo, ajustados para atender às demandas do cafeeiro, assegurando seu bom desenvolvimento e sua produtividade com conservação ambiental (Serafim et al., 2013a). 3 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Figura 1. Municípios que apresentam cultivos de cafeeiro no Brasil, segundo dados do IBGE (2016). A distribuição da cafeicultura nos diferentes ambientes do Brasil (Figura 3) indica a ocupação de solos com potenciais de produção variados, nos diferentes biomas e regiões do país, alguns com limitações severas e de difícil correção ou mesmo inaptos, como Gleissolos e Organossolos, que aparecem nas regiões de cultivo. No Quadro 1, são apresentadas as classes de solo em cada bioma e estado brasileiro, em ordem decrescente de área ocupada em municípios produtores de café. Esses dados foram obtidos a Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.4 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... Figura 2. Número de municípios produtores de café por estado brasileiro. Fonte: IBGE (2016). partir do cruzamento das informações do Mapa de Solos do Brasil (IBGE, 2001) e dos limites dos municípios produtores de café em 2016, uma vez que não foi possível obter um mapa que representasse todas as lavouras cafeeiras do país. Além disso, cabe ressaltar que o mapa de solos em questão, embora apresente escala com menor nível de detalhe (1:5.000.000), é o único dessa magnitude para todo o território nacional atualmente (há somente mapas mais detalhados para áreas específicas, mas não para todo o território brasileiro). De qualquer forma, os autores acreditam que a análise elaborada deste capítulo contribua com o fornecimento de informações correspondentes às classes de solos dominantes nas lavouras cafeeiras do país, permitindo discussões sobre seus potenciais e suas limitações para essa cultura. Os autores também apoiam a realização de trabalhos futuros que detalhem esses dados aqui apresentados. Os principais estados brasileiros em termos de área cultivada com café, segundo relatório da safra 2018 divulgado pela Conab (2018), são: Minas Gerais (1.219.812,8 ha), Espírito Santo (427.650,0 ha), São Paulo (213.942,0 ha) e Bahia (137.868,0 ha). Quanto aos biomas, a Mata Atlântica concentra o maior número de municípios que produzem café, seguida pelo Cerrado, pela Amazônia e pela Caatinga. Nesse sentido e analisando o Quadro 1 e a Figura 3, percebe-se que, nesses principais estados produtores e nos dois biomas, as classes Latossolo e Argissolo apresentam-se nas duas primeiras posições, simultaneamente ou em separado, ou seja, são as classes 5 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 de solos mais utilizadas na cafeicultura. Para os outros estados, a mesma tendência é seguida, com exceção do Acre, do Ceará e de Pernambuco, que apresentam classes de solos dominantes na cafeicultura com menor grau de intemperismo, seja por efeito de material de origem, seja por limitações climáticas. Maiores detalhes sobre esses solos serão apresentados a seguir. Características, potencialidades e limitações dos principais solos na cafeicultura A expansão da cafeicultura brasileira foi assentada sobre os ambientes de condições edafoclimáticas mais favoráveis à cultura, porém, atualmente, Figura 3. Porcentagem relativa à área ocupada em cada classe de solo nos municípios produtores de café no Brasil por bioma (A) e por região do país (B). Fonte: Adaptada de IBGE (2001). Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.6 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... Quadro 1. Principais solos (em ordem decrescente de importância) em áreas de cafeicultura por bioma e estado brasileiro. Bioma/Estado Solos principais Amazônia Argissolos, Latossolos, Neossolos, Luvissolos, Plintossolos, Cambissolos, Gleissolos, Planossolos, Nitossolos, Espodossolos, Chernossolos, Organossolos Caatinga Latossolos, Argissolos, Plintossolos, Cambissolos, Neossolos Luvissolos Cerrado Latossolos, Argissolos, Cambissolos, Nitossolos, Neossolos Plintossolos, Gleissolos, Planossolos, Chernossolos, Organossolos, Mata Atlântica Latossolos, Argissolos, Nitossolos, Cambissolos, Neossolos, Luvissolos, Chernossolos, Gleissolos, Planossolos, Espodossolos, Organossolos AC Luvissolos, Cambissolos, Argissolos, Gleissolos, Latossolos AM Latossolos, Argissolos, Luvissolos, Plintossolos, Gleissolos, Neossolos, Cambissolos, Espodossolos BA Latossolos, Neossolos, Argissolos, Luvissolos, Nitossolos, Cambissolos, Gleissolos, Planossolos, Chernossolos, Espodossolos CE Plintossolos, Neossolos, Latossolos, Luvissolos, Argissolos, Planossolos DF Latossolos, Cambissolos, Plintossolos ES Latossolos, Argissolos, Nitossolos, Cambissolos, Neossolos, Gleissolos GO Latossolos, Neossolos, Cambissolos, Argissolos, Plintossolos, Nitossolos MT Argissolos, Latossolos, Neossolos, Plintossolos, Gleissolso, Chernossolos, Cambissolos, Nitossolos MS Latossolos, Argissolos, Neossolos, Planossolos, Organossolos, Nitossolos MG Latossolos, Argissolos, Cambissolos, Nitossolos, Neossolos, Gleissolos, Plintossolos PA Argissolos, Latossolos, Neossolos, Gleissolso, Plintossolos, Luvissolos, Nitossolos PR Nitossolos, Argissolos, Latossolos, Neossolos, Cambissolos, Organossolos PE Neossolos,Planossolos, Latossolos, Argissolos, Luvissolos, Cambissolos RJ Argissolo, Latossolo, Cambissolos, Gleissolos, Neossolos, Espodossolos RO Argissolos, Latossolos, Neossolos, Plintossolos, Cambissolos, Gleissolos, Nitossolos, Luvissolos, Espodossolos SP Argissolos, Latossolos, Nitossolos, Neossolso, Cambissolos, Espodossolos, Gleissolos, Organossolos Fonte: Adaptado de IBGE (2001). 7 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 a concorrência do uso da terra com outras atividades agrícolas obriga os cafeicultores a implantar as suas lavouras em áreas de menor aptidão natural, dependendo de correção das limitações para viabilizar o cultivo. Nesse cenário, os principais solos ocupados com a cafeicultura são os Latossolos, os Argissolos e os Cambissolos. Por essas razões, será dado maior destaque às características, às potencialidades e às limitações desses solos. Latossolos Com recobrimento de 31,61 % do território nacional, os Latossolos representam a classe de solo com maior expressão geográfica (Santos et al., 2006) e maior potencial produtivo. Na maioria dos casos, Latossolos são solos profundos, com baixos teores de silte e maiores teores de areia ou argila (classe textural franco-arenosa ou mais fina), dependentes do material de origem. Ademais, são bem a acentuadamente drenados, o que favorece a aeração para as plantas, e tendem a ocorrer em relevo plano e suave ondulado, principalmente no Cerrado, facilitando a mecanização, além de outros vários atributos físicos favoráveis ao desenvolvimento das culturas, variáveis de acordo com os biomas em que se inserem. O relevo favorável à mecanização dos Latossolos faz dessa classe a mais procurada pelos cafeicultores com maior capacidade de investimento, que se utilizam de máquinas e de equipamentos em todas as fases da cultura. Vale ressaltar que, mesmo entre os Latossolos, há uma grande variabilidade de atributos e condições de relevo em que eles ocorrem (Ferreira et al., 1999a; Ker et al., 2017), dependente dos biomas em que se localizam. Quimicamente, por serem solos com longo tempo sob ação do intemperismo-lixiviação, têm mineralogia mais caulinítica e oxídica, são ácidos e possuem baixa capacidade de troca de cátions (CTC), conferindo baixa fertilidade natural, o que limita sobremaneira a sua utilização na cafeicultura, por desencadear fortes desequilíbrios nutricionais nas lavouras. Quando essa limitação química também está presente em subsuperfície, limita-se o aprofundamento do sistema radicular, o que reduz o potencial produtivo das lavouras, especialmente no bioma Cerrado, em que a seca é mais pronunciada e o uso da água de subsuperfície é fundamental para garantir que a planta tenha condições adequadas para um bom florescimento no final do período seco e início do período chuvoso. As principais limitações químicas encontradas nos Latossolos para o cafeeiro possuem soluções viáveis, como a aplicação de corretivos e fertilizantes (Lopes e Guilherme, 2016) para corrigir a acidez e a pobreza Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.8 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... de bases trocáveis e neutralizar o alumínio trocável da camada superficial, bem como o aumento da eficiência dos fertilizantes em geral. É preciso lembrar que existem exceções a essa baixa fertilidade natural, pois ocorrem também Latossolos eutróficos (maior fertilidade), associados a locais com intemperismo limitado pela ação climática, como nas regiões mais secas ou frias, ou ainda desenvolvidos de rochas mais ricas, como basalto e tufito (Resende et al., 1988). Exemplos são os Latossolos originados de basalto, que historicamente conferiram o sucesso da cafeicultura na região de Ribeirão Preto e de Franca, no estado de São Paulo, e na região de São Sebastião do Paraíso e no Triângulo Mineiro, em Minas Gerais. Uma característica intrínseca aos solos tropicais muito intemperizados, como os Latossolos, é a ação dos óxidos de ferro e de alumínio, associados a moléculas orgânicas recalcitrantes (Zinn et al., 2007), como agentes cimentantes entre as partículas minerais, alterando o arranjamento dos seus constituintes (Ferreira et al.,1999a,b). Assim, quando argilosos, na região dos Cerrados, são dotados de elevada estabilidade de agregados e tendem a apresentar estrutura granular que condiciona alta friabilidade, elevada condutividade hidráulica saturada e porosidade (Vollant-Tuduri et al., 2005; Kämpf et al., 2012; Skorupa et al., 2016; Oliveira et al., 2017). Além disso, possuem elevado volume de poros grandes (> 145 µm), ou estruturais (interagregados), e de poros extremamente pequenos (< 2,9 µm), ou texturais, por serem formados entre as partículas minerais (intragregados), mas não apresentam significativo volume de poros intermediários, o que faz com que uma grande quantidade de água seja rapidamente drenada e outra permaneça retida no solo com energia muito alta, particularmente nos mais argilosos (Giarola et al., 2002; Oliveira et al., 2004; Dexter et al., 2008; Carducci et al., 2011; Severiano et al., 2011a,b; Carducci et al., 2013; Bayat e Zared, 2018). Quanto à água residual, retida em poros muito finos (retida com alta energia) nos Latossolos oxídicos, apesar de ser considerada indisponível às plantas (Klein e Libardi, 2002), ela pode ser relevante em solos mais argilosos (Carducci et al., 2011, 2013), e essa condição deveria ser mais bem estudada, uma vez que pode ser determinante para a regulação de processos bioquímicos e microbianos no solo (Moreira e Siqueira, 2006). Essa água ainda pode ter atuação como agente lubrificante entre agregados quando o solo é submetido a pressões externas durante as operações mecanizadas (Dias Júnior, 2000), e, nesse contexto, Severiano et al. (2013) alertam para necessidade de maiores cuidados com o tráfego nesses solos, mesmo em períodos do ano de menor intensidade pluvial, por causa da sua baixa capacidade de suporte de carga. 9 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Os Latossolos de textura média-leve (classe textural franco-arenosa), comuns no norte de Minas Gerais, no Triângulo Mineiro e no Oeste Paulista, apresentam elevada permeabilidade e menor disponibilidade de água em relação aos Latossolos argilosos com estrutura em blocos, o que os tornam sensíveis à degradação sob manejo agrícola inadequado, pois provocam maior estresse hídrico às plantas nos períodos de estiagem e maior suscetibilidade à erosão nos períodos chuvosos. Os processos erosivos ocorrem com maior frequência nos Latossolos em declividades mais elevadas e, sobretudo, com o comprimento das rampas muito longo. Entretanto, independentemente da textura, que pode variar de franco-arenosa a muito argilosa (Ker, 1998; Severiano et al., 2013), os Latossolos apresentam, na maioria das vezes, baixa e média disponibilidade de água para as plantas (Carducci et al., 2011). O estado de São Paulo é um dos mais tradicionais no cultivo de cafeeiros, mas, atualmente, concentra o seu cultivo basicamente nas regiões da Média e Alta Mogiana e do Centro-Oeste Paulista. Segundo o mapa pedológico do estado de São Paulo (Oliveira et al., 1999), essas regiões são recobertas predominantemente por Latossolos Vermelhos e Vermelho-Amarelos de textura média desenvolvidos de arenitos do grupo Bauru (Brasil, 1960), localizados em posições com relevo variando de plano a ondulado (declividades de 0 a 20 %). No Cerrado, a cafeicultura se notabilizou em razão da alta tecnologia empregada, com a maioria das práticas sendo realizada de forma mecanizada, tornando-se preocupante a possibilidade de degradação da estrutura desses solos, particularmente pelo fato de nessa região haver um predomínio de Latossolos que são muito suscetíveis à compactação (Severiano et al., 2013). Na literatura, são apresentados casos de danos na estrutura desses solos por causa do tráfego intenso das operações da cafeicultura (Gontijo et al., 2011; Iori et al.,2013). No bioma Mata Atlântica, na região da Zona da Mata mineira, existem Latossolos Amarelos com textura argilosa, profundos e em relevo íngreme. Isso se deve à formação desses solos em condições pretéritas aplainadas, porém, desde então, vêm sofrendo com a erosão geológica, o que deixa o relevo mais íngreme (Ker, 1998). Apesar desse relevo, esses solos são mais resistentes à erosão em razão da presença de estrutura intermediária entre granular e blocos, permitindo uma adequada infiltração de água (Resende, 1985). Nesses locais, o relevo passa a ser fator limitante para uma cafeicultura mecanizada. Na região dos Tabuleiros Costeiros, que se estende pela costa brasileira, desde o Rio de Janeiro até o Amapá (Ker et al., 2017), são comuns os Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.10 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... Latossolos Amarelo coesos, muito utilizados na cafeicultura e em outras culturas perenes no estado do Espírito Santo. Por causa de sua estrutura em blocos e de sua coesão (duros, quando secos, e friáveis, quando úmidos) (Ker et al., 2017), possuem profundidade efetiva reduzida (de 0,30 a 0,70 m), prejudicando a dinâmica da água no perfil (Souza, 1996), o desenvolvimento e o crescimento do sistema radicular, mesmo na condição de solo irrigado (Partelli et al., 2014; Covre et al., 2015; Silva, 2018). Essas condições demandam um manejo diferenciado desses solos, pois qualquer excesso de água pode condicionar redução da aeração, já que possuem um pequeno volume de macroporos (Paiva et al., 2000; Silva, 2018). Nesses solos, a subsolagem tem sido recomendada para amenizar os efeitos da coesão, melhorando a drenagem e criando caminhos preferenciais ao aprofundamento das raízes. Os três perfis de Latossolos apresentados na Figura 4 ilustram os contrastes de atributos nessa classe: Latossolo Vermelho, com elevada infiltração de água, do Cerrado mineiro, sob cafeicultura com manejo intensivo (Figura 4A); Latossolo de textura média, sob cafeicultura no sul de Minas Gerais, com adequada distribuição de raízes (Figura 4B); e Latossolo Amarelo coeso dos Tabuleiros Costeiros (Figura 4C). Figura 4. Latossolo Vermelho sob cultivo intensivo de café após a aplicação de gesso (A); Latossolo Vermelho de textura média sob cafeicultura sem impedimento ao desenvolvimento de raízes (B); Latossolo Amarelo coeso dos Tabuleiros Costeiros (C). Fotografia de Silva, S. 11 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Argissolos Os Argissolos também são muito representativos no Brasil, ocupando 26,78 % do território nacional (Santos et al., 2006), muito utilizados na cafeicultura nacional (Figura 3 e Quadro 1), destacando-se como a classe de solos mais utilizada pela cafeicultura de montanha, a exemplo do sul de Minas Gerais e a região serrana do Espírito Santo. Em Minas Gerais, aproximadamente 86 % da área com cafeeiros concentra-se nas classes Latossolo e Argissolo (Bernardes et al., 2012). Esses solos apresentam acúmulo de argila em profundidade, gerando, na maioria das vezes, um gradiente textural entre os horizontes superficial e subsuperficial, bem como um adensamento provocado pelo acúmulo de argila associado à estrutura em blocos, a qual é um reflexo da sua mineralogia mais caulinítica. O gradiente textural tende a facilitar a erosão por causa da menor infiltração de água e da dificuldade do desenvolvimento do sistema radicular a partir do topo do horizonte Bt, que se inicia comumente a partir dos 0,30 ou 0,40 m de profundidade. Por outro lado, o acúmulo de argila no horizonte Bt e a estrutura em blocos aumentam o volume de microporos e, consequentemente, incrementam a retenção de água nesses solos em profundidade. No entanto, essa água não será aproveitada se o adensamento do horizonte Bt impedir o crescimento radicular. Em plantios de café no sul de Minas Gerais (município de Alfenas), os autores constataram cafeeiros cultivados em Argissolos Vermelhos com sintomas de déficit hídrico pelo fato de as raízes se concentrarem mais à superfície, não conseguindo se desenvolver no horizonte subsuperficial mais argiloso e adensado, embora estivesse úmido a partir dos 0,60 m de profundidade. Outra característica dos Argissolos é que podem apresentar cerosidade (filmes de argila recobrindo os agregados oriundos da sua translocação no perfil), o que também pode dificultar o movimento de água, a difusão de nutrientes e o crescimento radicular (Liu et al., 2002). A redução da velocidade de infiltração do topo para as camadas inferiores promove um encharcamento superficial, favorecendo a ocorrência de erosão em sulcos, que se aprofundam até o topo do horizonte Bt. Em regra, os Argissolos ocorrem em relevo ondulado ou forte ondulado em diferentes regiões do país e em relevo plano e suave ondulado na região Sul, onde não têm sido observados plantios de café segundo o relatório do IBGE (2016), provavelmente por questões climáticas relacionadas ao risco de geadas. Nos Tabuleiros Costeiros, também são observados Argissolos em Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.12 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... relevo plano, com predomínio de Argissolos Amarelos coesos, algumas vezes apresentando mudança textural abrupta do horizonte A ou E para o horizonte B, além de considerável redução de velocidade de infiltração de água dos horizontes superficiais para os subsuperficiais mais argilosos (Oliveira et al., 1968). Os Argissolos Amarelos dos Tabuleiros Costeiros são muito semelhantes aos Latossolos Amarelos da mesma região, diferenciando-se, basicamente, pelo gradiente textural, presente apenas nos Argissolos (Ker et al., 2017). No bioma Amazônico, os Argissolos são bem expressivos, nos quais, em grande parte dos casos, o alto índice pluviométrico tende a reduzir os problemas de déficit hídrico nos cafeeiros da região. Em alguns casos, o encharcamento passa a ser um fator limitante. No Espírito Santo, segundo estado em importância na produção de café (Conab, 2018), os Latossolos e os Argissolos recobrem 79,22 % do território (Achá-Panoso et al., 1976). Embora a área ocupada pela cafeicultura nesses solos ainda não tenha sido bem estabelecida, é destacada a ocupação de Latossolos Amarelos coesos e Argissolos Amarelos coesos em relevo plano e suave ondulado dos platôs litorâneos, bem como de Argissolos não coesos associados a Latossolos e Cambissolos localizados em relevo forte ondulado e ondulado. A Figura 5 mostra dois perfis: um Argissolo Vermelho desenvolvido de gnaisse, adensado, localizado na região de transição entre os biomas Mata Figura 5. Perfis de Argissolo Vermelho adensado, em Minas Gerais (A), e de Argissolo Amarelo coeso nos Tabuleiros Costeiros, na Bahia (B). Fotografia de Silva, S. 13 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Atlântica e Cerrado, em Minas Gerais (Figura 5A); e um Argissolo Amarelo coeso dos Tabuleiros Costeiros, com textura média no horizonte A e argilosa no horizonte B (Figura 5B). Cambissolos Os Cambissolos recobrem apenas 5,43 % do território brasileiro (Santos et al., 2006). Esses solos são menos intemperizados-lixiviados, apresentando, portanto, atributos bem diferentes das classes de solos anteriores. Possuem menor profundidade efetiva (são, em geral, rasos ou moderadamente profundos), o que torna limitado o volume de solo para ser explorado pelas raízes e para o armazenamento de água. Além disso, têm estrutura pouco desenvolvida, geralmente em blocos. Apresentam maiores teores de silte, o que pode provocar encrostamento superficial e, consequentemente, erosão, sobretudo em locais com pouca cobertura vegetal e em locais com relevo forte ondulado ou mais íngreme, dificultando a mecanização. Esses fatores requerem uma atenção especial às práticas de manejo, uma vez que, quando são inadequadas, podem facilmente provocar degradação e altas taxas de perdas desolo e água. Em contrapartida, manejos apropriados têm comprovado a aptidão desses solos para a cafeicultura, com produtividades superiores à média do estado de Minas Gerais e nacional (Serafim et al., 2013a). Quimicamente, os Cambissolos tendem a apresentar maior reserva nutricional e maior CTC por causa de sua mineralogia, resultante de menor intemperismo, embora a fertilidade natural seja dependente de seu material de origem, por exemplo, Cambissolos formados a partir de rochas pelíticas na região da Canastra em Minas Gerais tendem a ter fertilidade baixa. Algumas vezes, Cambissolos apresentam semelhanças morfológicas em relação aos Latossolos, mas se diferenciam pelos maiores teores de silte em relação à argila e/ou pela maior quantidade de minerais primários facilmente intemperizáveis. Há ainda Cambissolos formados pela remoção de material de antigos Latossolos (Resende et al., 1988). Nesses casos particulares, nem todos os atributos citados para Cambissolos estão presentes. Nos municípios produtores de café, entre os biomas brasileiros, os Cambissolos aparecem em maior quantidade no Cerrado e, depois, na Mata Atlântica (Figura 3). Quanto às regiões brasileiras, são mais comuns nos municípios produtores de café da região Sudeste. Em Minas Gerais, eles ocupam área aproximada de 10,5 milhões de hectares (Amaral et al., 2004), o que equivale a cerca de 18 % da área total. Na cafeicultura, ocorrem muitas Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.14 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... vezes associados na paisagem aos Latossolos e Argissolos em diferentes regiões do país, fazendo com que os cafeicultores utilizem esses solos indistintamente, embora os Cambissolos se diferenciem dos demais por se encontrarem em locais com menores comprimentos de rampa e maior declividade, além dos outros atributos já discutidos. Aproximadamente 10 % da área com cafeeiros em Minas Gerais concentra-se nessa classe de solos (Bernardes et al., 2012). Segundo Amaral et al. (2004), os Cambissolos são os solos de menor aptidão para a cultura cafeeira, mas, com manejo adequado, sua potencialidade de uso pode ser aumentada enormemente (Serafim et al., 2011). Deve-se salientar que esses solos normalmente são os que predominam em glebas de terras de menor valor para aquisição, o que contribuiria para a diminuição do custo fixo de produção. Em parte do Cerrado mineiro, em locais de relevo mais movimentado na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, alguns Cambissolos pedregosos, desenvolvidos de rochas pelíticas, com baixa fertilidade natural, cauliníticos, rasos e em relevo íngreme (Silva et al., 2018), têm obtido elevadas produtividades com manejo adequado, amenizando as limitações intrínsecas a esse solo. Serafim et al. (2011), avaliando o efeito de manejo conservacionista em Cambissolos e Latossolos da região do Cerrado do oeste mineiro (municípios de São Roque de Minas, Vargem Bonita e Piumhi), com aplicação de altas doses de gesso, braquiária na entrelinha, sulco de plantio profundo, entre outros, constataram resultados promissores e incremento de produtividade nos Cambissolos, aumentando seu potencial produtivo após a adoção de adequadas práticas de manejo. A Figura 6 representa um Cambissolo pedregoso, desenvolvido de rochas pelíticas, na região do Cerrado mineiro (município de Campos Altos), que tem apresentado altas produtividades de café com manejo apropriado, reduzindo suas limitações naturais (Figura 6A), e um Cambissolo desenvolvido de gnaisse em região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado (município de Lavras) (Figura 6B). Visão e sugestões de manejo do solo na cafeicultura de sequeiro A necessidade de harmonizar aspectos sociais, ambientais, econômicos e de produção na agricultura estimula cada vez mais uma abordagem holística nas decisões de manejo do solo. O cenário atual de mudanças climáticas e a demanda crescente por alimentos tornaram os recursos naturais mais concorridos e onerosos (Lal et al., 2011). Dessa forma, a sustentabilidade dos 15 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 sistemas agrícolas requer aumento de produtividade e tecnologias inovadoras que proporcionem impacto social positivo, aliado a serviços ambientais, tais como: o incremento do teor de carbono no solo, a redução da erosão, a conservação da qualidade da água nas bacias, o aumento da infiltração de água e a perenização das nascentes, entre outros. Embora existam caminhos diversos para atender a todas essas demandas simultaneamente, a observação dos preceitos conservacionistas do solo e da água estará sempre presente. Por isso, a adoção de sistemas de manejo conservacionistas do solo vem crescendo nas últimas duas décadas ao redor do mundo (Derpsch et al., 2010). À medida que avançam as recomendações de práticas de manejo conservacionistas do solo com vistas à mitigação do déficit hídrico, a irrigação se torna menos necessária, diminuindo, assim, os conflitos pelo uso da água no campo. As bases desse sistema de cultivo do solo estão em harmonia com a gestão sustentável do recurso terra, que é um dos pontos estratégicos da agenda de compromissos acordada internacionalmente na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92) (Aguiar e Monteiro, 2005). No Brasil, houve um crescimento exponencial das áreas cultivadas sob sistemas conservacionistas a partir da década de 1980, capitaneado, principalmente, pela adoção do plantio direto em áreas de produção de grãos Figura 6. Perfil de Cambissolo pedregoso no Cerrado desenvolvido de rochas pelíticas (A) e perfil de Cambissolo da região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado desenvolvido de gnaisse (B). Fotografia de Silva, S. Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019 Geraldo César de Oliveira et al.16 Melhoria físico-hídrica do ambiente radicular do cafeeiro em condições de... (Wingeyer et al., 2015), proporcionando melhorias na qualidade do solo e redução da emissão de gases de efeito estufa (Oorts et al., 2007). A adoção desse sistema é responsável por uma grande revolução na agricultura, o que tem permitido aos produtores expansão das áreas de cultivo utilizando menor intensidade de tráfego de máquinas e menor input de energia (Triplett Jr e Dick, 2008). As lavouras perenes, incluindo a cafeicultura, também se beneficiam dos preceitos conservacionistas consagrados no sistema de plantio direto. Com as devidas adequações, destacam-se os efeitos positivos do cultivo mínimo nas entrelinhas do cafeeiro e da cobertura permanente na superfície do solo (Tivet et al., 2013), bem como os ganhos de produtividade e de qualidade dos produtos advindos das boas práticas. Os sistemas conservacionistas de manejo apontam para o início de um novo ciclo, em que, pela primeira vez, a agricultura intensiva converge suas ações para harmonizar aspectos de produção e meio ambiente com aspectos sociais e econômicos, pois os ganhos de produtividade de forma isolada já não atendem às atuais demandas globais (Hosono et al., 2016). A cafeicultura tem se expandido no Brasil em resposta ao aumento da demanda do produto no mercado mundial, promovendo crescimento de áreas cultiváveis (Conab, 2018). No entanto, essas novas áreas incorporadas ao sistema produtivo, em sua maior parte, possuem limitações naturais ao bom desenvolvimento da cafeicultura, a exemplo da seca edafológica (Fialho et al., 2010), determinada pelo clima e intensificada por limitações químicas do solo. Isso tem sido frequente no Cerrado (Lopes e Guilherme, 2016) por causa da pequena profundidade efetiva, o que reduz o aprofundamento do sistema radicular da cultura, aumentando sua suscetibilidade ao déficit hídrico (Serafim et al., 2013a,b,c). A ocorrência dessas limitações está associada ao avanço da cafeicultura em áreas anteriormente consideradas marginais, e estas, para serem incluídas no processoprodutivo, demandam que sejam adotadas práticas de manejo adequadas, capazes de promover melhorias nesses ambientes. O potencial produtivo das lavouras cafeeiras é fortemente comprometido pelo déficit hídrico, o que é acentuado quando as lavouras são instaladas em solos com baixa capacidade de disponibilizar água (Silva et al., 2008). Esses fatores interferem na interrupção da disponibilidade hídrica nas fases críticas de demanda de água pela cultura (Fialho et al., 2010) e promovem redução significativa na produção e nas condições de sustentabilidade da cafeicultura desenvolvida em situações de sequeiro (Serafim et al., 2013a,b). Tal fato tem levado a uma grande procura por práticas de manejo do solo que 17 Tópicos Ci. Solo, 10:1-71, 2019
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