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Prévia do material em texto

Montes Claros/MG - 2015
Admilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
Hermenêutica dos 
Textos Sagrados
2015
Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089
Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214
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ISBN - 978-85-7739-639-9
diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/
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diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes
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Vicente Gamarano
reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
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vice-reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - 
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diretor do Centro de Educação a distância/Unimontes
Fernando Guilherme Veloso Queiroz
Coordenadora da UAB/Unimontes
Maria Ângela lopes Dumont Macedo
Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes
Betânia Maria Araújo Passos
Autores
Admilson Eustáquio Prates
Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP. Especialista em Filosofia 
e Existência pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Especialista em Bioética pela 
Universidade Federal de Lavras. Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual 
de Montes Claros – Unimontes. Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e 
tecnologia de Goiás / Câmpus Formosa/GO. Professor no departamento de Filosofia 
da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (2004-2014). Coordenador 
do Grupo de Extensão Filosofia na Sala de Aula – Pró-Reitoria de Extensão/Unimontes 
(2004-2014). Autor dos seguintes livros Sala de Espelhos: inquietações filosóficas; Exu, 
a esfera metamórfica, publicados por Editora Unimontes; organizador dos seguintes 
livros: O fazer Filosófico; Filosofia: educação infantil ao ensino médio; e Temas e 
estratégias desenvolvidas em sala de aula, também publicados por Editora Unimontes.
Claudio Santana Pimentel
Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP. Autor de artigos em 
publicações especializadas da área, como Pistis & Práxis e Ciberteologia. Pesquisador 
dos Grupos de Pesquisas Imaginário Religioso Brasileiro e CECAFRO (PUC-SP, 
certificados pelo CNPq).
Sumário
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
Conceitos de Hermenêutica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
1.2 Explorando o Conceito de Hermenêutica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
A Ciência da Religião e o Estudo dos “Textos Sagrados” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
2.2 Definindo “Textos Sagrados” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
2.3 A Religião como Texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.4 A Formação dos Cânones das Tradições Religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26
2.5 Tradições Religiosas e Interpretações dos Textos Sagrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37
Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .39
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41
9
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
Apresentação
Caro (a) acadêmico (a), o presente material sobre Hermenêutica dos Textos Sagrados tem 
como proposta o estudo do desenvolvimento do conceito de hermenêutica e sua aplicação à 
ciência da religião. Pretende também discutir a noção de “texto sagrado” na ciência da religião e 
sua contribuição para a pesquisa e o estudo nessa área acadêmica. 
Os autores.
11
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
UnidAdE 1
Conceitos de HermenêuticaAdmilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
1.1 Introdução
Prezado(a) acadêmico(a), a presente unidade discutirá o desenvolvimento do conceito de 
Hermenêutica e suas implicações para o trabalho em ciência da religião. Inicia-se a exploração 
conceitual a partir das origens gregas do termo, sua relação com a divindade Hemes e suas pri-
meiras formas de conceituação. 
Em seguida, apresentaremos uma síntese histórica das transformações que o conceito de 
hermenêutica sofreu, em especial nas filosofias modernas e contemporâneas. Diante desse qua-
dro geral, passaremos a apresentar algumas possíveis relações entre a hermenêutica e a ciência 
da religião. 
1.2 Explorando o Conceito de 
Hermenêutica
O presente tópico pretende explorar o conceito de hermenêutica a partir das seguintes 
perspectivas: mítica, linguagem e símbolo, Interpretação e compreensão, filosófica e hermenêu-
tica aplicada à ciência da religião. Não temos a pretensão de esgotar o assunto e, sim, apresentar 
de forma introdutória o conceito de hermenêutica.
1.2.1 Perspectiva Mítica
A figura 1 apresenta um jovem, com rosto lindo, com capacete com asas e sandálias aladas 
e em sua mão o bastão mágico – caduceu. Esse jovem é o deus Hermes, para a tradição grega; e 
Mercúrio, para a tradição latina. Ele é filho de Zeus e da Ninfa Maia, também chamada de noite. 
Esse deus representa a dualidade, sendo filho da luz espiritual e das trevas primordiais. Com isso, 
pode-se entender que ele é um deus que traz em sua composição ambigüidades, pois apresenta 
a capacidade de transitar tanto pela luz quando pelas travas.
Hermes possui cores vermelha e branca, isso indica a mistura do terreno, do mundo material 
com as suas paixões e a clareza espiritual. Ele tem em sua mão o bastão mágico – caduceu –, o 
qual orienta as almas para o reino de Hades.
Logo quando nasceu, saiu do berço e roubou o rebanho de Apolo. Para enganar seu irmão, 
calçou as sandálias em sentido contrário para que Apolo fosse para outra direção. Além disso, 
acende o foco e assa duas reses. Com esse feito é considerado o deus dos ladrões, dos trapacei-
ros e, por possuir a luz espiritual e a treva primordial, é mensageiro dos deuses, sobretudo de 
Zeus. Ele também era o guia das almas para o reino de Hades.
As sandálias com asas implicam agilidade, movimento e esperteza, características estas que 
possui desde o seu nascimento, quando roubou o rebanho do irmão. Apolo suspeitou de Her-
mes e solicitou seu pai Zeus que o interrogasse. Inicialmente, Hermes negou o roubo, até que 
confessou o feito. Seu pai o obrigada a se redimir com Apolo. Hermes constrói uma lira feita de 
casco de tartaruga e o presenteia. Apolo fica encantado e esquece o roubo.
12
UAB/Unimontes - 4º Período
Apolo, sabedor que Hermes seria o patrono dos ladrões e não querendo ser enganado no-
vamente por ele, junto a sua mãe Maia, obrigam Hermes a jurar que não mais haveria de mentir. 
O deus mensageiro concorda, mas não jura deixando uma reserva, um lembrete que não dirá a 
verdade por inteiro. Assim sendo, percebe-se Hermes como ambíguo, dissimulado, duvidoso no 
manuseio das palavras, sendo protetor dos profissionais da linguagem como oradores, advoga-
dos. Enfim, ele possui a sagacidade, a capacidade argumentativa.
Hermes é mais do que um mito socioeconômico, é uma representação de uma 
das mais profundas capacidades da psique, que começou a ser compreendida 
no período arcaico: o poder da transformação. Fazendo uma lira de uma tarta-
ruga e de tripas de carneiro e distorcendo os juramentos sagrados, mudou a 
natureza em cultura, mudou a linguagem divina em linguagem humana, o es-
tranho em familiar, o obscuro em consciência, a convenção em adaptabilidade, o 
incomunicável em articulação e interpretação, um mundo bruto em um mundo 
humanizado por significados e valores (RIKER, 1991, p.180).
Dessa maneira, entende-se Hermes como um arquétipo que implica mudança, movimento, 
ou seja, transforma a natureza em cultura, humaniza. Quando ele assa as reses, percebe-se a alte-
ração da natureza para a cultura. O ato de cozinhar implicar em se tornar humano.
Devido a essa característica, Aristóteles elaborou o conceito de hermenêutica, em sua obra 
Perí Ermeneias, geralmente traduzida como “Da interpretação”. Esse saber seria a ciência da inter-
Figura 01: Mercúrio de 
Evelyb – Pickering de 
Morgan
Fonte: Disponível em 
<http://oscarbriso-
lara.blogspot.com.
br/2014/05/introducao-
-ao-estudo-do-mito-de-
-hermes.html>. Acesso 
em 4 nov. 2014.

13
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
pretação, atributo associado ao deus Hermes, mensageiro, interprete dos deuses, mediador entre 
as coisas divinas e humanas. 
Esse deus que sabe roubar, trapacear, enganar, cozinhar, acender fogo, é possuidor da arte 
da adivinhação, sabe construir instrumento musical, e, além disso, promove o intercâmbio entre 
os mundos dos humanos e dos deuses, da luz e das trevas. É o deus que humaniza, não somente 
por essas habilidades, por seu conhecimento técnico, mas por ser mensageiro, pela comunica-
ção, enfim, pela linguagem. 
Os humanos se tornam humanos com a aquisição da linguagem, isto é “[...] tudo deve ser 
considerado como linguagem. É a linguagem que permite progredir no pensamento, sentimento 
e ação. Logo, a linguagem configura-se no meio pelo qual o homem se manifesta e se dá a co-
nhecer” (SMARJASSI, 2011, p. 43).
BOX 1
“As origens da hermenêutica”
A palavra grega hermeios referia-se ao sacerdote do oráculo de Delfos. Essa palavra, o ver-
bo hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem para o deus-mensageiro
-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivaram (ou vice-versa?). E é sig-
nificativo que Hermes se associe a uma função de transmutação — transformar tudo aquilo 
que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender. 
As várias formas da palavra sugerem o processo de trazer uma situação ou uma coisa, da inte-
ligibilidade à compreensão. Os Gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem e da 
escrita — as ferramentas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das 
coisas, e para transmiti-lo aos outros. 
Martin Heidegger, que vê a própria filosofia como «interpretação», relaciona explicita-
mente a filosofia-como-hermenêutica com Hermes. Hermes «traz a mensagem do destino; 
hermeneuein é esse descobrir de qualquer coisa que traz uma mensagem, na medida em que 
o que se mostra pode tornar-se mensagem. Uma tal descoberta torna-se numa explicação do 
que já fora dito pelos poetas, que são eles próprios, segundo Sócrates no diálogo platônico 
«Ion» (534 e) «mensageiros (Botschafter) dos deuses», hermenes eisin tòn tehon (J). Assim, leva-
da até a sua raiz grega mais antiga, a origem das atuais palavras – «hermenêutica» e «herme-
nêutico» – sugere o processo de «tornar compreensível», especialmente enquanto tal proces-
so envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência nesse processo. 
Esse processo de «tornar compreensível», associado a Hermes enquanto ele é mediador e 
portador de uma mensagem, está implícito nas três vertentes básicas patentes no significado 
de hermeneuein e hermeneia, no seu antigo uso. As três orientações, usando a forma verbal 
(hermêneuein) para fins exemplificativos, significam: 1) exprimir em voz alta, ou seja, «dizer»; 2) 
explicar, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir, como na tradução de uma língua 
estrangeira.
Os três significados podem ser expressos pelo verbo português «interpretar» e, no entan-
to, cada um representa um sentido independente e relevante do termo interpretação. A inter-
pretação pode, pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma explica-
ção racional e uma tradução de outra língua, quer para grego, quer para português. Podemos, 
noentanto, notar que o «processo Hermes» originário, está em ação: nos três casos, há algo 
de diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaço ou na experiência, que se torna 
familiar, presente e compreensível; há algo que requer representação, explicação ou tradução 
e que é, de certo modo, «tornado compreensível», «interpretado». 
Fonte: PALMER, 1997, p. 24-25.
1.2.2 Linguagem e Símbolo
Sabe-se que a comunicação é produto da interação entre o emissor, aquele que produz a 
mensagem; e o receptor, aquele a quem o emissor se dirige. Para que exista o entendimento, é 
necessária uma mediação, que permita o encontro. Essa ferramenta mediadora é o símbolo. 
14
UAB/Unimontes - 4º Período
O símbolo vem do grego sum-ballo, ou sym-ballo, refere-se à união de duas coi-
sas. Era um costume grego que, ao se fazer um contrato, fosse quebrado em duas 
partes um objeto de cerâmica, então cada pessoa levava um dos pedaços. Uma 
reclamação posterior era legitimada pela reconstrução por junto = symballo, da 
cerâmica destruída, cujas metades deviam coincidir. A união das partes permitia 
reconhecer que a amizade permanecia intacta (CROATTO, 2001, p.84).
Assim, percebe-se que a linguagem se manifesta mediante o símbolo, ou seja, a lingua-
gem tem sua origem no universo simbólico. Conforme Jung: “o homem utiliza a palavra escrita 
ou falada para expressar o que deseja transmitir. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele 
também, muitas vezes, faz uso de sinais ou imagens não estritamente descritivos” (JUNG, 2004, 
p. 20). Dessa maneira, entende-se que o símbolo tem vida própria, possui estrutura singular e 
única.
Continuando na perspectiva de Jung, “o que chamamos de símbolo é um termo, um nome 
ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações es-
peciais além do seu significado evidente e convencional” (JUNG, 2004, p. 21). Dessa maneira, o 
sujeito e tudo que se relaciona a ele é símbolo. Enfim, o ser humano é um ser simbólico, portan-
to, um ser de linguagem, um ser de mediação.
Devido à linguagem marcar o universo humano, a hermenêutica constitui-se como ciência e 
arte da interpretação. Ciência pelo rigor racional, pela busca da objetividade, por possuir um mé-
todo de investigação com regras aceitas por um determinado sistema de pesquisa. Arte por não 
estar limitada, sabendo que a comunicação tem como estrutura básica a flexibilidade.
Para Körtner, “hermenêutica é o estudo da compreensão. Compreender algo, no entanto, 
significa compreendê-lo como resposta a uma pergunta [...]. Enquanto não conhecemos e com-
preendemos a pergunta, aquilo que estamos procurando entender permanece incompreendido” 
(KÖRTNER, 2009, p. 9). Isto é, a chave que permite entrar no texto é a pergunta, e sobretudo, o 
sentido da pergunta, a intenção íntima da dúvida.
1.2.3 Interpretação e Compreensão
A mente humana não dá conta do caos, da desordem. Conhecer é atribuir sentido às coisas, 
ao mundo, isto é, o ser humano busca sentido em uma pedra, no barulho do rio, no canto dos 
pássaros, no movimento de uma serpente, na sombra de uma arvore, bem como nos gestos, nas 
frases. Enfim, tudo para o humano é carregado de sentido, por exemplo: uma cartomante que 
esparrama as cartas do baralho e começa fazer interpretações; algumas mulheres dos Bálcãs ob-
servam as linhas formadas pela borra do café turco, no fundo da xícara de que beberam, e leem 
o futuro conforme os desenhos que se formam em seu fundo; sacerdotes africanos ou de matriz 
africana leem o destino a partir das múltiplas combinações possibilitadas na consulta ao orixá Ifá, 
por meio dos búzios. Pode-se entender que o mundo é um texto e requer ser interpretado.
Aquele que lê, que procura os sentidos e significados presentes nos diferentes códigos, é 
um intérprete. Ele desnuda e revela o mundo, mas não em sua totalidade e, sim, a partir do lugar 
que ocupa, isto é, ninguém fala de outro lugar além daquele que ocupa. Por isso, que interpreta-
ção é sempre uma pista e nunca o cenário. Assim, a origem do termo hermenêutica vem do ver-
bo grego hermeneueien, significando literalmente “interpretar” e do substantivo  hermeneia, “in-
terpretação”, guardando íntima relação com o deus Hermes.
Richard Palmer, como visto anteriormente (cf. box “As origens da hermenêutica”), considera 
haver três sentidos básicos para hermeneuein: “1) exprimir em voz alta, ou seja, «dizer»; 2) expli-
car, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir, como na tradução de uma língua estran-
geira” (PALMER, 1997, p. 24). 
O primeiro, exprimir, dizer, estaria vinculado aos anúncios que Hermes faz aos homens 
(portanto, a mediação entre a divindade e o humano); por extensão, aos anúncios feitos por sa-
cerdotes e poetas, quando inspirados pelos deuses (como Homero e Hesíodo). É considerada 
uma interpretação, na medida em que explicita à humanidade o pensamento divino (PALMER, 
1997, p. 25-26). 
O segundo sentido, de explicar, recai sobre o processo de racionalização: a busca de com-
preender o significado daquilo que foi dito, analisando a mensagem. A explicação contextualiza, 
esclarece “o que fazer” com aquilo que foi dito; implica também em ação (PALMER, 1997, p. 30-
31). Retomando o exemplo inicial sobre as técnicas divinatórias, aquele que consulta um orácu-
15
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
lo não espera apenas uma palavra, espera uma explicação: uma palavra que lhe esclareça como 
agir em uma determinada situação. 
A terceira acepção, traduzir, é apresentada como o exercício de interpretação, necessário 
para se tornar um enunciado, um texto, compreensível na passagem de uma língua a outra. Pal-
mer alerta que não se trata apenas de traduzir palavras, pois está lidando com visões de mundo. 
Traduzir é também tornar uma visão de mundo estranha, diferente, compreensível em um novo 
contexto (PALMER, 1997, p. 36-41). 
Palmer apresenta seis possíveis definições ou modos distintos de compreender a herme-
nêutica na modernidade:
Porque evoluiu nos tempos modernos, o campo da hermenêutica tem sido de-
finido pelo menos de seis maneiras diferentes. Desde ó começo que a palavra 
significou ciência da interpretação, referindo-se especialmente aos princípios 
de uma exegese de texto adequada. Mas o campo da hermenêutica tem sido 
interpretado (numa ordem cronológica pouco rigorosa) como: 1) uma teoria da 
exegese bíblica; 2) uma metodologia filológica geral; 3) uma ciência de toda a 
compreensão linguística; 4) uma base metodológica dos Geisteswissenschaften 
[Ciências do Espírito]; 5) uma fenomenologia da existência e da compreensão 
existencial; 6) sistemas de interpretação, simultaneamente recoletivos e icono-
clásticos, utilizados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mi-
tos e símbolos. 
Cada uma destas definições é mais do que um estádio histórico; cada uma delas 
indica um «momento» importante ou uma abordagem ao problema da inter-
pretação. Podiam ser chamadas de ênfase bíblico, filológico, científico, geistes-
wissenchaftliche, existencial e cultural. Cada uma representa essencialmente um 
ponto de vista a partir do qual a hermenêutica é encarada; cada uma esclarece 
aspectos diferentes mas igualmente legítimos do ato da interpretação, especial-
mente da interpretação de textos. O próprio conteúdo da hermenêutica tende 
a ser remodelado com estas mudanças de perspectiva (PALMER, 1997, p. 43-44).
Segundo Palmer, o significado mais frequente de hermenêutica está atrelado à exegese bí-
blica, o que se justificaria porque o sentido atual do termo veio da necessidade de estabelecer 
critérios para a interpretação do texto bíblico. Para Wegner, a hermenêutica refere-se aos prin-
cípios de interpretação dos textos religiosos; e a exegese, à metodologia empregada para inter-
pretar esses textos. Corresponderiam, respectivamente, à teoria e à prática na interpretaçãodas 
escrituras religiosas (WEGNER, 1998, p. 11).
No entanto, com o decorrer do tempo, houve um alargamento dessa atividade. No século 
XVIII, afirma-se ser possível estender os critérios de interpretação bíblica aos textos antigos em 
geral:
O desenvolvimento do racionalismo e, concomitantemente, o advento da filolo-
gia clássica no século dezoito teve um efeito profundo na hermenêutica bíblica. 
Surgiu então o método histórico-crítico na teologia; tanto a escola de interpre-
tação bíblica «gramatical» como a «histórica», afirmavam que os métodos inter-
pretativos aplicados à Bíblia, eram precisamente os que se aplicavam às outras 
obras. Por exemplo, Ernesti, no seu manual de hermenêutica, de 1761, defendia 
que «o sentido verbal das Escrituras deve ser determinado do mesmo modo 
como é considerado noutros livros». Com o aparecimento do racionalismo, os 
intérpretes sentiram-se obrigados a tentar ultrapassar juízos prévios. «A norma 
da exegese bíblica, segundo Spinoza, consiste na luz da razão, comum a todos 
os homens». «As verdades acidentais da história nunca se poderão transformar 
em provas de verdades necessárias da razão» disse Lessing; assim é um desafio 
à interpretação tornar a Bíblia relevante para o homem racional do Iluminismo 
(PALMER, 1997, p. 48).
Foram essas as condições que tornaram possível o desenvolvimento da filologia clássica, em 
cujo contexto a própria ciência da religião teve seus primeiros desenvolvimentos, no século XIX. 
Hermenêutica tornou-se de certa forma sinônimo de método filológico, e a exegese bíblica, des-
de então, manteve-se ligada ao estudo filológico. Com Schleiermacher, a hermenêutica passa a 
ser vista como a “ciência”, ou a “arte” da interpretação dos textos em geral; na obra de Dilthey, 
torna-se o método das “ciências do espírito”, ou das ciências humanas (em oposição às ciências 
da natureza). No trabalho de Heidegger, a hermenêutica adquire um objeto privilegiado: a vida 
humana, o Dasein. Gadamer propõe a hermenêutica como um contínuo diálogo onde os signifi-
cados são aprofundados, tendo como uma de suas referências principais a tradição. Paul Ricoeur 
irá repensar a hermenêutica como “sistema de interpretação”, onde a existência é interpretada 
16
UAB/Unimontes - 4º Período
(Heidegger, Freud), e como esta se organiza em linguagem, propondo que a interpretação dos 
textos acontece de maneira semelhante (PALMER, 1997, p. 48-54). 
Portanto, será dentro da reflexão filosófica, principalmente nos dois últimos séculos, que a 
hermenêutica será objeto de discussão, inicialmente como uma ferramenta auxiliar da reflexão 
filosófica e, a partir daí, como um caminho próprio (independente da filosofia, ou, a depender do 
autor com o qual se trabalha, como a própria filosofia), cujos desenvolvimentos, como veremos, 
trazem importantes consequências para a ciência da religião. 
1.2.4 Hermenêutica em Perspectiva Filosófica
Ainda no período clássico da filosofia grega, com Aristóteles, a hermenêutica é tematizada 
pela primeira vez como um instrumento racional de conhecimento, e não como inspiração e/ou 
revelação divina (Palmer, 1997). Segundo Higuet: “Aristóteles focaliza-se na interpretação da rea-
lidade que a linguagem proposicional torna possível. Aqui, a interpretação não é subjetiva, mas 
objetiva” (HIGUET, 2013, p. 458). 
A Idade Média foi marcada por discussões sobre a interpretação das escrituras religiosas, 
mas apenas no século XIX a hermenêutica passa a ser objeto de reflexão, ainda que pensada 
como um instrumento auxiliar para o trabalho exegético. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) 
é o autor das Lições sobre a hermenêutica, em que “distingue dois aspectos complementares no 
processo da compreensão: o aspecto gramatical (estudo das imposições que a língua exerce so-
bre o locutor) e o aspecto técnico (estudo do uso individual do discurso pelo locutor)” (HIGUET, 
2013, p. 458). Ambos os aspectos – o primeiro, objetivo; o segundo, marcado pela subjetividade 
– devem ser considerados no processo de interpretação. É a busca do trabalho da subjetividade 
em meio à objetividade da linguagem que caracteriza o ato de compreender. Explica Higuet:
Para Scheleirmacher, não se pode realmente oferecer a explicação (Auslegung) 
de um produto da atividade criativa do espírito sem referir-se a uma compreen-
são (Verständnis) do processo criativo que o engendrou. Isso supõe a capacidade 
do intérprete de reconstruir e reproduzir em si mesmo o processo de formação 
do texto referido (circularidade hermenêutica). Trata-se de reencontrar a subjeti-
vidade criativa que presidia à formação do texto dentro dos limites gramaticais 
da estrutura da língua e das leis de seu funcionamento. Mas as regras particula-
res da exegese e da filologia serão doravante subordinadas à problemática geral 
do compreender, à operação central que unifica a diversidade da interpretação 
(HIGUET, 2013, p. 458). 
Com Wilhelm Dilthey (1833-1911), a hermenêutica passa de atividade auxiliar a momento 
central na reflexão filosófica. Dilthey estabelece uma cisão entre as ciências da natureza, que pro-
curam explicar os fenômenos por meio da busca de nexos de causa e efeito; e as ciências do es-
pírito, que pretendem compreender os desenvolvimentos da atividade humana (HIGUET, 2013, 
p. 458). 
Essa divisão epistêmica, entre um grupo de ciências voltado à análise dos fenômenos natu-
rais – assumidos como produtos de leis universais e necessárias (expressas, por exemplo, na física 
newtoniana) – e um grupo de ciências voltado à compreensão das atividades humanas como 
expressão de uma subjetividade, revela uma preocupação ética: a de preservar a autonomia dos 
sujeitos sociais e históricos como autores responsáveis por suas ações, evitando reduzi-los e aos 
fenômenos sócio-históricos a resultado de precondições objetivas e necessárias (como pretendia 
a sociologia positivista então nascente, ao tentar reduzir as relações sociais a uma “física social”). 
Nas palavras de Josgrilberg:
A compreensão apreende as relações e significações que envolvem a vivência 
do intérprete. Compreensão é dada no retomar a vida expressa em signos, sem 
manter-se na exterioridade da expressão (exterioridade de explicações), mas to-
mando-a na vivência da qual nasceu. Esse apelo à experiência vivida é essencial 
ao trabalho de compreensão. A compreensão é, segundo esse filósofo, o órgão 
das ciências humanas (JOSGRILBERG, 2012, p. 33).
No século XX, Martin Heidegger (1899-1976) propõe, em seu clássico Ser e tempo, a aplica-
ção da fenomenologia filosófica desenvolvida por Edmund Husserl ao problema do ser, o que 
ficará conhecido como ontologia fundamental. O ponto de partida de sua investigação é o pró-
17
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
prio ser humano, “na medida em que este está sozinho para interrogar-se sobre si mesmo, colo-
car-se em questão e refletir sobre seu próprio ser” (CHAUÍ, 2005, p. 7). Essa reflexividade intrínse-
ca é necessariamente uma atividade hermenêutica, como esclarece Higuet:
O compreender entende-se como estrutura original do ser-no-mundo que é 
constitutivo do Dasein (ser-aí) humano. O existir possui uma estrutura herme-
nêutica e esta é o próprio compreender-se como ser projetando-se progressiva-
mente na busca do sentido. A pré-compreensão formaliza-se explicitamente na 
imagem do círculo hermenêutico, projetando o mundo como pressuposto do 
ser, no que diz respeito à sua contextualização e às suas realizações. O ato her-
menêutico encontra-se assim totalmente enraizado histórica e ontologicamen-
te, com uma especial orientação para o futuro antecipado na decisão. Heidegger 
“funda o círculo hermenêutico das ciências do espirito sobre uma estrutura de 
antecipação que pertence à posição mesma do nosso ser no ser” (HIGUET, 2013, 
p. 459). 
Em seus escritos posteriores, a meditação de Heidegger acontece não mais tendocomo re-
ferencial primeiro a existência humana, mas, a partir da linguagem, é assumida como acesso ao 
ser:
O ser do “segundo” Heidegger é uma espécie de iluminação da linguagem: não 
da linguagem científica, que constitui a realidade como objeto, nem da lingua-
gem técnica, que modifica a realidade para aproveitar-se dela. O ser “habita” 
antes a linguagem poética e criadora, na qual se pode “comemorá-lo”, isto é, 
lembrá-lo conjuntamente, a fim de não se cair no esquecimento. Elevar-se até o 
ser não seria, portanto, conhecê-lo pela análise metafísica, nem explicá-lo ou in-
terpretá-lo através da linguagem científica. Seria “habitar” nele, através da poesia 
(CHAUÍ, 2005, p. 10). 
Outra contribuição importante para o desenvolvimento contemporâneo da hermenêuti-
ca encontra-se no trabalho de Gadamer (1900-2002). Sua obra Verdade e método é, ao mesmo 
tempo, uma crítica histórico-filosófica ao desenvolvimento da hermenêutica de Scheleiermacher 
a Heidegger e também uma nova proposta, a partir das ideias do mesmo Heidegger (PALMER, 
1997, p. 51). Nas palavras de Palmer, para Gadamer: “A hermenêutica é um encontro com o Ser 
através da linguagem” (PALMER, 1997, p. 52). Comenta Higuet:
A nova hermenêutica de H. G. Gadamer retoma como ponto de partida a pri-
mazia da linguagem em relação ao sujeito interpretante – este deve antes de 
tudo considerar-se como interpretado pela mesma linguagem – que aparece 
no pensamento tardio de Martin Heidegger. Gadamer parte da descrição do 
ato hermenêutico como diálogo: o intérprete e o texto são como interlocutores 
que, através da articulação dialética de perguntas e respostas mutuamente rela-
cionadas, pretendem alcançar o entendimento necessário para a comunicação 
de algo: “No diálogo bem-sucedido, os dois interlocutores colocam-se debaixo 
da verdade da coisa, e essa verdade os une numa comunidade nova”. O diálo-
go hermenêutico tende a modificar o horizonte de compreensão próprio do 
intérprete, evidenciando seus limites e solicitando novas aberturas. O processo 
de interpretação leva assim a uma progressiva fusão dos horizontes ou pontos 
de vista (Horizontverschmelzung), que se torna, por sua vez, uma nova figura do 
horizonte atual de compreensão, e assim por diante, indefinidamente (HIGUET, 
2013, p. 459).
O diálogo permite, portanto, um aprofundamento da compreensão. Uma consequência que 
se pode cogitar é a inexistência de um significado definitivo, uma vez que cada novo intérprete 
potencialmente ampliaria a compreensão já existente. Logo, a compreensão está apoiada e in-
serida na história. O que chama a atenção para a importância da tradição: “A relação com a tradi-
ção, na qual o saber hermenêutico se constitui, está sempre pressuposta a si mesma; a tradição 
não é objeto, mas princípio de conhecimento” (HIGUET, 2013, p. 459). No diálogo com a tradição, 
novos sentidos são percebidos por cada intérprete. 
Paul Ricoeur (1913-2005) é também tributário da fenomenologia de Husserl e da herme-
nêutica fenomenológica de Heidegger. De Husserl, retoma a noção de intencionalidade: a cons-
ciência está voltada para um objeto; a consciência é reflexiva. De Heidegger, a ideia de que essa 
intencionalidade tem, na existência humana, o seu objeto privilegiado. Ricoeur reconhece a in-
terpretação dos textos como desdobramento da interpretação da existência. Há uma continui-
dade, e mesmo uma circularidade entre os dois modos de interpretar, uma vez que toda expe-
GloSSário
Fenomenologia: termo 
que significa, etimolo-
gicamente, “estudo dos 
fenômenos”. Aplicado 
à ciência da religião, 
refere-se a uma varie-
dade de autores, dos 
quais o mais conheci-
do no Brasil é Mircea 
Eliade, que pretendem 
uma compreensão do 
fenômeno religioso por 
si mesmo, defendendo 
a importância de se 
estudar o ponto de vista 
dos sujeitos religiosos, 
porque o fenômeno reli-
gioso seria sui generis, 
ou seja, único, e deveria 
ser compreendido 
independentemente 
de condicionantes his-
tóricas, econômicas ou 
quaisquer outras.
GASBARRO, Nicola. 
Fenomenologia da re-
ligião. In: PASSOS, João 
Décio; USARSKI, Frank 
(org.). Compêndio de 
ciência da religião. São 
Paulo: Paulinas; Paulus, 
2013, p. 75-99. 
18
UAB/Unimontes - 4º Período
riência humana é mediada por signos, símbolos e textos, portanto, está relacionada à linguagem 
(HIGUET, 2013, p. 460). 
Os textos, para Ricoeur, criam mundos, entendidos como ordens de sentido; sentido que, 
para ser interpretado e compreendido, exige principalmente atenção à linguagem vivida (JOS-
GRILBERG, 2012, p. 42).
A hermenêutica se realiza plenamente na interpretação dos textos: “Ricouer propõe uma 
dialética da compreensão e da explicação no nível do sentido do texto, processos outrora sepa-
rados por Dilthey. O que, aos olhos dele, tem o mérito de preservar o diálogo entre a Filosofia e 
as Ciências Humanas” (HIGUET, 2013, p. 461). 
1.2.5 Hermenêutica Aplicada à Ciência da Religião 
Higuet (2013) e Josgrilberg (2012) veem na hermenêutica um instrumental metodológico 
que permite tematizar a experiência religiosa, recolocando a relação com o sagrado no centro da 
pesquisa sobre religião. A hermenêutica, ao permitir pensar a religião como texto, se volta para a 
reconstituição dos aspectos simbólicos, míticos, rituais e também para o entendimento das dou-
trinas; daí a importância que assumem, ou recuperam, os textos religiosos para a compreensão 
dos sistemas religiosos (cf. HIGUET, 2013, p. 461). 
A seguinte passagem, ao mesmo tempo em que sintetiza a contribuição da hermenêutica 
para as ciências humanas, é reveladora do lugar que o autor lhe atribui nos estudos sobre religião:
BOX 2
Contribuição da Hermenêutica Para as Ciências Humanas e Estudos sobre religião
A hermenêutica desenvolveu-se como conjunto de métodos e técnicas para a interpre-
tação de textos cujo significado era considerado obscuro ou de difícil acesso. Tratava-se, em 
primeiro lugar, de textos antigos, pertencendo a culturas distantes no tempo e/ou no espaço. 
A maioria desses textos era de natureza religiosa e, entre eles, o texto bíblico ocupa, desde 
as origens, um lugar de destaque. Com o tempo, a hermenêutica passou a ser aplicada à lin-
guagem em geral, reconhecidamente metafórica e simbólica, e às ações humanas e aconte-
cimentos históricos. Ela se tornou método apropriado para as ciências humanas e, entre elas, 
as ciências da religião. Assim, a hermenêutica entende a religião como um grande texto desa-
fiando a sagacidade do intérprete. Através do texto, o sagrado se dá como uma experiência 
de excesso de sentido, além da subjetividade e da linguagem humana, além dos limites da 
ontologia. A hermenêutica busca uma compreensão dessa experiência, especialmente pela 
leitura dos símbolos e dos mitos religiosos. Desse modo, a hermenêutica compreende a reli-
gião a partir de dentro, constituindo-se como pressuposto dos métodos que, como a semió-
tica, interpretam os signos a partir da sua estrutura linguística. Ela se apresenta enfim como 
complemento crítico para as ciências sociais da religião, que privilegiam as abordagens empí-
ricas e quantitativas.
Fonte: HIGUET, 2014, p. 111.
Na perspectiva adotada por Higuet, a hermenêutica propicia um “complemento crítico” às 
ciências sociais, enquanto estas privilegiariam os aspectos empíricos dos fenômenos religiosos, 
a partir de uma abordagem metodológica predominantemente quantitativa, que deixaria em 
segundo plano a maneira como os sujeitos religiosos compreendem suas próprias experiências 
(HIGUET, 2013, p. 465-466).
Higuet, apoiando-se em Ricoeur, considera os símbolos como o ponto de partida da ativi-
dade hermenêutica. A relação entre o sagrado (referência ao transcendente) e o texto (produção 
humana), mediada pelos símbolos, é explicitada da seguinte maneira por Higuet:
O sagrado implica uma ampliação da fonte de sentido além da subjetividadee da linguagem humana, além dos limites da ontologia. O sagrado se dá como 
uma experiência de excesso de sentido, que ultrapassa o limite da experiência 
doadora de sentido. Os textos (ritos, mitos, crenças) nos remetem a esta expe-
riência. Eles são documentos preciosos para uma arqueologia do humano e do 
sujeito. O símbolo religioso é o modo de linguagem destes textos, que resulta de 
19
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
uma função poética da linguagem que acumula sentido em um signo. O símbolo 
como signo do sagrado dá o sentido, isto é, o sentido é apropriado através dele: 
o símbolo dá o que pensar.
Já que o símbolo acontece em um ambiente mais amplo, é preciso passar de 
uma mediação simbólica a uma mediação da narrativa. O mito é uma narrati-
va no horizonte do sagrado que procura dar sentido e fixar ordens originárias. 
Como parte do arquivo da humanidade, o mito inaugura a ordem de sentido 
de mundo em geral e dos mundos particulares. Expressos em modo narrativo, 
os gestos inaugurais se traduzem numa literatura das origens (por exemplo, Gn 
1,1-2,3) (HIGUET, 2013, p. 462).
Higuet explicita a aplicabilidade da hermenêutica em três aspectos da pesquisa sobre reli-
gião: os símbolos religiosos, os mitos e a interpretação bíblica. 
A partir de Ricouer, afirma que os símbolos são polissêmicos, ou seja, estão abertos a uma 
pluralidade de sentidos, modificáveis de acordo com o contexto e também devido à interpre-
tação que deles são feitas. O símbolo tem a capacidade de transsignificar, ou seja, de ir além de 
seu sentido originário; a mediação simbólica torna o transcendente ou o sagrado compreensível. 
“Por exemplo, a água utilizada no banho ritual é o âmbito no qual se hierofaniza o sagrado como 
força de purificação” (HIGUET, 2013, p. 463). 
O símbolo relaciona não apenas o sujeito religioso ao sagrado, mas faz interagir os seres hu-
manos; é, portanto, socializante. Tende à permanência e à universalidade, sendo muitas vezes en-
contrado em diversas tradições religiosas distintas. Ao comentar o conceito de símbolo, Ricouer 
afirma: “Talvez não haja criação simbólica não enraizada em última instância no fundo simbólico 
comum da humanidade” (HIGUET, 2013, p. 460). 
O ponto talvez mais relevante levantado por Higuet é o que ele chama seu caráter pré-herme-
nêutico: o símbolo precisa ser interpretado, e para tanto, deve ser relacionado a outros símbolos. 
A verdade do símbolo religioso manifesta-se quando ele é capaz de exprimir 
existencialmente nossa relação com o fundamento último do ser. O símbolo tem 
capacidade de abrir para nós níveis de realidade para os quais a linguagem não 
simbólica é inadequada. Assim, a devoção ao crucifixo é realmente dirigida à cru-
cifixão no Gólgota, e a devoção à última intenciona, na realidade, a ação redento-
ra de Deus que é, em si mesma, uma expressão simbólica para uma experiência 
do incondicionado transcendente (HIGUET, 2013, p. 463).
Na narrativa mítica, o simbólico expressa ainda mais complexidade. Por compartilhar com 
o símbolo sua natureza polissêmica, o mito permite diversas interpretações, estando, portanto, 
sujeito às disputas dos sujeitos e dos grupos religiosos (HIGUET, 2013, p. 464). Abre-se caminho 
para a discussão dos aspectos ideológicos que se apresentam nas diferentes interpretações. Ou 
seja, os textos e suas interpretações não são “neutros”. A atitude diante dos textos não é apenas 
a da busca do conhecimento, mas pode ser também motivada por interesses, como a busca ou a 
conservação do poder. 
Por fim, a hermenêutica aplicada à leitura bíblico-teológica: Higuet chama a atenção para 
as diferentes correntes teológicas que, no decorrer do século XX, aplicam aos estudos bíblicos 
uma interpretação contextualizada, como as teologias da libertação e feminista, entre outras. O 
mesmo processo abre também caminho para a hermenêutica da recepção (que procura com-
preender como o texto é interpretado em diferentes contextos, por leitores ou grupos de leitores 
distintos), o diálogo com a literatura, na busca da intertextualidade entre os textos da tradição 
religiosa e textos literários de autores de diversas épocas, e a hermenêutica aplicada às imagens 
religiosas (HIGUET, 2013, p. 464-465).
Fica em aberto a necessidade e a possibilidade de ampliar essa perspectiva, examinando 
como processos semelhantes se desenvolvem em relação aos textos religiosos de outras tradi-
ções, e não somente as do cristianismo. 
Por outro lado, não é nossa intenção afirmar que as relações entre hermenêutica e ciência 
da religião, tais como pensadas por Higuet (2012), esgotem suas possibilidades. Mas, certamen-
te, o estudo dos símbolos religiosos, das narrativas míticas e dos textos religiosos podem consti-
tuir as bases desse diálogo. 
diCA
Sobre a importância do 
mito e seu papel nas 
linguagens religiosas, 
recomendamos a leitura 
de: QUEIROZ, José J. 
Mito e suas regras. In: 
PASSOS, João Décio; 
USARSKI, Frank (org.). 
Compêndio de ciência 
da religião. São Paulo: 
Paulinas; Paulus, 2013, 
p. 499-511.
diCA 
Sobre a relação entre 
hermenêutica e ideo-
logia, leia-se: JOSGRIL-
BERG, Rui de Souza. 
Hermenêutica fenome-
nológica e a tematiza-
ção do sagrado. In: NO-
GUEIRA, Paulo Augusto 
de Souza. linguagens 
da religião. Desafios, 
métodos e conceitos 
centrais. São Paulo: Pau-
linas; ANPTECRE, 2012, 
p. 31-67 (especialmente 
p. 44-46). 
20
UAB/Unimontes - 4º Período
Referências
CHAUÍ, Marilena de Souza (consultoria). Vida e obra. In: Heidegger, Martin. os pensadores. São 
Paulo: Nova Cultural, 2005. 
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001.
GASBARRO, Nicola. Fenomenologia da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). 
Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 75-99.
HIGUET, Etienne Alfred. Hermenêutica da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). 
Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 457-468. 
HIGUET, Etienne Alfred. Hermenêutica: religião na produção e crítica dos sentidos. Estudos de 
religião, v. 28, n. 1, p. 111-114, jan.-jun. 2014.
HIGUET, Etienne Alfred. Interpretação das imagens na teologia e nas ciências da religião. In: NO-
GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-
trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 69-106. 
JOSGRILBERG, Rui de Souza. Hermenêutica fenomenológica e a tematização do sagrado. In: NO-
GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-
trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 31-67.
JUNG, Carl Gustav. o homem e seus símbolos. Rio Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
KÖRTNER, Ulrich H. J. introdução à Hermenêutica Teológica. São Leopoldo: Sinodal, 2009.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1997.
RIKER, Jhon H. Human excellence and an ecological conception of the psyche. New York: Sta-
te University of New York Press, 1991.
SMARJASSI, Celia Marilda. o próximo e o mal: um estudo da parábola do bom samaritano na 
leitura hermenêutica e filosófica de Paul Ricoeur, 2011. 245 p. Tese. (Doutorado em Ciências da 
Religião). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Paulus, 
1998.
21
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
UnidAdE 2
A Ciência da Religião e o Estudo 
dos “Textos Sagrados”
Admilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
2.1 Introdução
A Ciência da Religião começa a se estruturar, na segunda metade do século XIX e início do 
XX, como uma ciência do texto; naquele momento, fortemente vinculada à Filologia, ao realizar a 
tradução, para as línguas ocidentais, de textos fundamentais das tradições orientais, tais como o 
Hinduísmo, Budismo, Taoísmo,Confucionismo, etc., sendo a coletânea em 50 volumes intitulada 
Sacred Books of the East, organizada por Max Muller, um dos mais significativos exemplos desse 
empenho inicial (cf. USARSKI, 2013, p. 56-57). No entanto, no decorrer do século XX, a Ciência da 
Religião foi se consolidando como uma disciplina empírica, de base histórica, ou sócio-histórica, 
e o trabalho com os textos foi sendo considerado uma atividade que corresponderia mais ade-
quadamente à Teologia (cf. VASCONCELLOS, 2013, p. 469-170). 
A posição assumida nesta Unidade, coerente com a postura de Nogueira (2012, 2013) e Vas-
concellos (2012, 2013), entre outros autores, é a de que a linguagem, em geral, e a linguagem 
dos textos religiosos, especificamente, podem, sim, contribuir para uma melhor compreensão, 
por parte do estudante e do pesquisador do desenvolvimento dos diferentes fenômenos religio-
sos, tendo como pressuposto que a história das religiões se enriquece também no diálogo com 
as fontes escritas das tradições religiosas – as quais também possuem uma história, que cami-
nha, por vezes, em relação de influência mútua com a história social das religiões.
De que maneira os textos religiosos contribuíram (e ainda contribuem) para a construção, o 
registro e a organização do pensamento religioso? De que maneira o texto religioso influencia a 
experiência religiosa concreta e é por ela influenciada? Quais são as condições que permitem a 
um texto ou conjunto de textos serem considerados “sagrados”, ou seja, serem admitidos, dentro 
de uma tradição religiosa, como a expressão da relação dessa comunidade com uma realidade 
transcendente (ou serem considerados a própria palavra da divindade, como em algumas inter-
pretações encontradas no Cristianismo e no Islã)? 
Essas são algumas das questões que podem ser levantadas, a partir da Ciência da Religião, 
em relação aos Textos Sagrados. Ao elencá-las, de certa forma antecipamos uma possível “defi-
nição” desses textos como aqueles que são elaborados dentro de uma determinada tradição re-
ligiosa, e são, na perspectiva dos sujeitos e comunidades (e, também, das instituições religiosas), 
admitidos como a expressão da experiência dessa comunidade em relação ao transcendente. 
2.2 Definindo “Textos Sagrados”
Hock (2010, p. 41-43), ao tratar das fontes escritas da História da Religião, coloca como fon-
tes primárias as “escrituras sagradas” e os “documentos histórico-religiosos”. Estes últimos in-
cluem documentos que podem ser considerados oficiais dentro de uma tradição, como certidões 
ou atas de batismo, textos jurídico-religiosos, textos pessoais de fiéis, como cartas, ou ainda, 
textos elaborados por autores externos à tradição referida, como os registros dos colonizadores 
europeus em localidades da África, América e Ásia, sobre as práticas religiosas das populações 
submetidas. São os primeiros, as “escrituras” ou “textos sagrados” que nos ocupam aqui. Estes, se-
gundo o autor, podem ser divididos em três subcategorias: primeira, segunda e terceira classe.
22
UAB/Unimontes - 4º Período
Entre as chamadas escrituras sagradas de primeira classe, encontram-se aqueles textos que 
são admitidos em suas respectivas tradições como expressão de uma revelação, em que Rock 
afirma:
[...]. Para a respectiva religião, têm um caráter fundante e constitutivo. Mas seu 
caráter pode variar muito. Muitas tradições religiosas conhecem escritos de reve-
lação – ou seja, textos que conforme a compreensão da respectiva comunidade 
religiosa foram manifestados (“revelados”) por um poder superior e finalmente 
fixados por escrito depois de um período mais ou menos longo de tradição oral. 
Entre eles estão, por exemplo, a Avesta, o Alcorão, a Torá, o Novo Testamento, 
o Livro dos Mórmons, o Kitâb-i-Aqdas como o “Livro Mais Sagrado” dos Bahâ-î 
(ao lado de outros escritos de revelação), o Ofudesaki dos Tenrikyio japoneses 
ou os “Princípios Divinos” da Igreja da Unificação. No entanto, aqui há grandes 
diferenças na compreensão da revelação: por exemplo, o cristianismo de cunho 
ocidental abandonou, aos poucos e tacitamente, em grande parte a doutrina da 
inspiração verbal, ou seja, da origem divina de cada palavra individual da Bíblia, 
enquanto no islamismo somente alguns pensadores travessos ousam dar se-
melhante passo, e a Igreja da Unificação, em contraste, supõe uma colaboração 
ativa de seu fundador San Myung Mun com a revelação. Em outras religiões, as 
“Escrituras sagradas” são tidas como não reveladas – por exemplo, os escritos do 
budismo, os escritos do confucionismo ou a Âdi-Grant do siquismo. Outros ocu-
pam uma espécie de qualidade de meio-termo, por exemplo, os Vedas, aos quais 
é atribuída uma origem não humana e que são tidos, de certa forma, como re-
velados, embora haja ideias extremamente variadas acerca da forma exata dessa 
“revelação” – por exemplo, é dito que Deus é a fonte, mas não o revelador dos 
Vedas (HOCK, 2010, p. 41-42). 
“Escrituras sagradas de segunda classe”, ainda segundo Hock (2010, p. 42), incluem, entre 
exemplos possíveis, compilações e interpretações como a Toseftá ou o Midrash, no judaísmo, ou 
o Hadîth, no islamismo. Pode-se dizer que, embora admitidas como elaboração humana, man-
têm uma relação próxima com os textos tidos como revelados ou sagrados. 
As “escrituras sagradas de terceira classe” incluem, de acordo com Hock (2010, p. 42-43), co-
mentários e interpretações dos escritos de primeira categoria, os quais podem ter variada impor-
tância dependendo da tradição religiosa em que se encontram ou mesmo da época. Incluem co-
mentários teológicos, hagiografias, etc., sendo chamadas pelo autor de “textos religiosos”. Nessa 
categoria, incluem-se também escritos religiosos de caráter poético ou confessional, que expres-
sam convicções religiosas pessoais ou de uma comunidade. 
Portanto, a diferenciação interna entre “escrituras sagradas” não é algo rígido nem tam-
pouco definitivo. Os exemplos elencados por Hock (2010) mostram como podem ser porosas as 
classificações das escrituras religiosas. Essa diferenciação pode variar de acordo com a tradição à 
qual o pesquisador ou estudante se dirige, e pode ser objeto de discussão dentro de cada tradi-
ção ou comunidade religiosa; assim como sua definição e redefinição está sujeita às transforma-
ções históricas, sociais e epistêmicas. Por conveniência, manteremos, ao longo desta Unidade, a 
expressão “textos sagrados”, deixando claro que o adjetivo “sagrado” considera a autocompreen-
são do sujeito ou da comunidade ou ainda da instituição religiosa a respeito da sua própria expe-
riência ou tradição, mediada por aquele texto. 
Quadro 1
Classificação das “escrituras sagradas”
“Escrituras sagradas”
“Primeira Classe”
Textos considerados “sagrados” por uma tradição 
religiosa, ou seja, divinamente inspirados ou redi-
gidos.
“Segunda Classe”
Textos considerados divinamente inspirados por 
uma tradição religiosa, embora esta admita o cará-
ter humano de sua produção.
“Terceira Classe” (“Textos religiosos”) Textos elaborados a partir de uma experiência religiosa individual ou comunitária.
Fonte: HOCK, 2010, p. 41-43.
23
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
Quais são os critérios que permitem reconhecer um texto, ou um conjunto de textos, como 
“escrituras sagradas”, ou “textos sagrados”? Ou seja, quais são os procedimentos que permitem a 
uma determinada tradição religiosa identificar um conjunto de textos como canônicos, ou seja, 
referenciais, e, a partir daí, o que acontece a esses textos? 
A respeito de como as tradições religiosas qualificam os textos sagrados, Vasconcellos elen-
ca os critérios reunidos por Miriam Levering (1989, p. 8-9), que reproduzimos abaixo: 
BOX 3
Critérios de canonização das escrituras religiosas ou textos sagrados
1. Há sempre crenças de que o texto seja de origem divina, ou o produto de um insight es-
pecial.2. Qualquer que seja sua origem, eles são vistos e tratados como sagrados, isto é, podero-
sos e invioláveis, e devem ser tratados com respeito.
3. Eles são vistos e consultados como normativos, portadores de autoridade para uma au-
toridade em vários aspectos de sua vida religiosa: o culto, a doutrina, o comportamento.
4. Os textos, sejam eles em forma escrita ou oral, são vistos como fechados e fixos, não de-
vendo sofrer acréscimo ou subtração. Em outras palavras, eles são tratados como um câ-
non.
5. Quando o texto assume a forma de um livro, é visto como completo. Ele contém tudo de 
importante, e pode ser aplicado a todos os aspectos da vida.
6. Os textos são usados por membros da comunidade em contextos religiosos e rituais.
7. As escrituras testemunham sobre aquilo que é fundamental
Fonte: VASCONCELLOS, 2012, p. 150.
2.3 A Religião como Texto
Nogueira (2012), ao propor uma compreensão da religião como texto, desde uma aborda-
gem semiótica, retoma a questão, apontando importantes consequências para a atividade do 
cientista da religião. Em seu trabalho, o autor, um estudioso do Cristianismo dos primeiros sé-
culos, apresenta uma concepção de texto bastante distinta da compreensão usual nos estudos 
sobre escrituras religiosas. Há uma ampliação do conceito de texto, que tende a ser visto em suas 
articulações sociais e históricas, e não de maneira isolada:
Considerar o conceito semiótico de texto pode ter efeitos muito dinâmicos para 
os estudos de religião. Tomemos um caso como o dos estudos bíblicos (pode-
ríamos ter tomado estudos do Talmude ou do Alcorão, como exemplo). Na pers-
pectiva tradicional há várias formas de segmentar este campo de estudos. A mais 
comum é a de classificar os textos como canônicos ou não canônicos, ou seja, 
como sendo de dentro ou de fora da cultura. Isso pode ser traduzido em diferen-
tes oposições: ortodoxo versus herético (nos casos mais extremos), ou de maior 
historicidade versus de pouca ou nenhuma historicidade (em práticas acadêmi-
cas contemporâneas). 
De fato, os textos que hoje chamamos de canônicos já passaram por processos 
de tradução por meio dos textos que convencionamos chamar de apócrifos. Ou 
seja, os gêneros (evangelhos, atas, apocalipses) sofreram interferências sincré-
ticas de gêneros helenísticos (viagem aos infernos, combate entre magos) e de 
temas folclóricos (os milagres deixam a discrição da tradição judaica para se tor-
narem mais fantásticos e exibicionistas). Um estudioso preocupado tão somen-
te com tradições originárias, mais antigas, pode se sentir pouco interessado no 
estudo da literatura apócrifa. Mas, para um cientista da religião interessado em 
aumento de informação (diga-se, informação histórica da cultura!), em inserção 
de enredos, temas, personagens, em narrativas que traduzem os textos bíblicos 
do passado para novas gerações (no caso, do Novo Testamento), os apócrifos se 
tornarão imprescindíveis para o estudo do próprio Novo Testamento (NOGUEI-
RA, 2012, p. 26).
ATividAdE
Releia o material didáti-
co da disciplina Textos 
sagrados: orientais e 
ameríndios; tradição 
oral, em especial a 
Unidade 2 – Hinduísmo, 
e Unidade 3 – Budismo, 
e discuta como se reali-
zou o processo de cano-
nização nessas tradições 
religiosas. Compartilhe 
sua reflexão com seus 
colegas no fórum.
24
UAB/Unimontes - 4º Período
BOX 4
o conceito semiótico de texto: 
Segundo Lotman, “texto” é toda unidade estruturada de informação. Os textos podem ser 
de caráter simples e técnico, privilegiando a transmissão correta de informação. Já os textos 
mais complexos, os textos da cultura, privilegiam a criação de novas mensagens em vez de 
simples transmissão de informação. Isso se deve ao fato de que não há uma codificação unifi-
cada entre as diferentes pessoas e entre os diferentes textos. Além do mais, os textos da cultu-
ra são, no mínimo, duplamente codificados: eles possuem a codificação de sua linguagem na-
tural (as regras da linguagem falada ou as da linguagem icônica, por exemplo) e a codificação 
própria do seu âmbito específico, no caso, da linguagem religiosa ou artística, que também 
funciona como uma espécie de linguagem. Os textos da cultura também são híbridos e hie-
rarquicamente organizados. [...]. Pensemos em um ritual religioso como um texto complexo 
composto de diferentes subtextos: palavra oral, palavra escrita, palavra cantada, gestos litúr-
gicos, danças, decoração do espaço, símbolos, vestimentas, disposição das pessoas, interação 
entre as pessoas e o espaço, a leitura e a entonação dos textos e cantos etc. Toda essa ampla 
e complexa gama de textos com seus sistemas particulares (pois há prescrições para a leitura, 
para o canto, para o gesto, para a organização do espaço etc.) pode e é efetivamente percebi-
da pelas pessoas que participam do ritual, cada qual com seus códigos, em infinitas formas. É 
essa complexidade de sistemas rituais que torna a cultura tão dinâmica e sempre pronta para 
a produção de novos textos. [...].
Devemos observar, porém, que constatar esse tipo de complexidade estrutural ainda 
não basta para justificar a importância e a centralidade destes textos da cultura. O que torna 
essa complexidade sistêmica dos textos da cultura tão importante é o fato de que ela exerce 
o papel de modelizadora do mundo. Ou, segundo as palavras de Lotman, constituem-se em 
um “sistema modelizador de segundo grau”. Os textos culturais modelizam nossa compreen-
são de mundo segundo suas regras, como se elas fossem linguagens e de fato elas se portam 
como linguagens. A criação de um texto artístico-religioso tem como consequência a criação 
de um universo da cultura moldado por este texto: ele transfigura a realidade a tal ponto que 
só podemos considerar como existente o que pode ser descrito na cultura. [...]. No caso das 
linguagens da religião teríamos, portanto, uma dupla codificação: a religião se relaciona com 
a linguagem natural (que pode ser a língua falada, o iconismo etc.), mas também se consti-
tui em um sistema complexamente estruturado de linguagem. Isso gera na religião um poder 
equivalente ao da arte para a criação de novos textos, lançando-nos numa rede de intensas e 
inesgotáveis criações simbólicas. 
Fonte: NOGUEIRA, 2013,p. 451-452.
Dessa maneira, o estudante e o cientista da religião devem manter-se atentos ao leque de 
interpretações propiciadas pelos diferentes textos que compõem a esfera das tradições religio-
sas, e não apenas aqueles textos admitidos institucionalmente como canônicos. Os textos reli-
giosos, as escrituras e as leituras que delas vão sendo construídas e reconstruídas, em diálogo 
com a história e a sociedade, constituem um acervo permanentemente à disposição do estudan-
te e/ou pesquisador; a história dos textos, de seus processos de elaboração e de recepção, tra-
zem importantes elementos para a compreensão dos desenvolvimentos das dinâmicas sociorre-
ligiosas, assim como essa história também é influenciada por essas dinâmicas.
Para ficarmos em um único, mas significativo, exemplo de como a narrativa religiosa está 
sujeita a transformações e ressignificações, que se articulam em termos de recepção sociorreli-
giosa das escrituras religiosas ou textos sagrados, encontramos, no trabalho do próprio Noguei-
ra (2012), um exemplo que se refere à tradição cristã, em geral, e tem relevância para o campo 
religioso brasileiro, especialmente. Trata-se da síntese, proposta por esse autor, dos modelos de 
reelaboração da noção de milagre na tradição cristã:
diCA
Nesta Unidade, privi-
legiamos as tradições 
religiosas que assumi-
ram a forma do texto 
escrito, embora possa se 
dizer que todas têm sua 
origem na oralidade. 
Para aprofundamento 
dessa discussão reco-
mendamos a leitura do 
seguinte texto:
BRITO, Ênio José da Cos-
ta. Tradições religiosas 
entre a oralidade e o 
conhecimento do letra-
mento.In: PASSOS, João 
Décio; USARSKI, Frank 
(org.). Compêndio de 
ciência da religião. São 
Paulo: Paulinas; Paulus, 
2013, pp. 485-498. 
25
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
BOX 5
Modelos de reelaboração da noção de Milagre na Tradição Cristã
a. No mundo bíblico, de forma geral, o milagre era uma afirmação sobre a dignidade do mi-
lagreiro. Por isso, esses relatos estavam voltados para a missão aos gentios nas origens do 
cristianismo. Sua eficiência mágica, a ausência de mediações institucionais, de sacerdo-
tes, era prova de que o milagreiro era um homem divino. Por essa razão, as narrativas dos 
evangelhos eram desprovidas de excesso de detalhes. O milagre (ainda que importante) 
não se sobrepunha ao milagreiro.
b. Nos apócrifos, e, em especial, na hagiografia, o milagre é tornado mais fantástico, é des-
crito com mais detalhes. Eles se multiplicam na hagiografia. O fantástico e o milagreiro se 
confundem. Eles definem o caráter especial do homem santo.
c. Na piedade popular católica, o milagre é entendido como uma forma de relacionamento 
da divindade com o ser humano. Demonstra sua compaixão e misericórdia. As madonas 
também se tornam milagreiras, mães compassivas. As imagens tornam-se objeto de ve-
neração e destino de peregrinação. O contato com elas desencadeia o milagre. Próximo 
ao santuário há um lugar de depósito de lembranças dos milagres (ex-votos). A peregri-
nação é um ritual de celebração, de busca e de agradecimento do milagre.
d. Na pregação dos missionários protestantes no Brasil do século XIX e meados do XX, os 
milagres bíblicos eram ações verdadeiras, sobrenaturais. São os únicos milagres admiti-
dos como verdadeiros, contrastando com os milagres falsos dos santos e das crendices 
populares. Ao se transformarem em milagres sobrenaturais, há uma tradução científica 
dos mesmos. Tornam-se provas, não da dignidade do milagreiro, nem de sua compaixão 
para com os miseráveis, mas provas de realidades metafísicas que, no entanto, não confli-
tam com o bom senso e com a ciência, por serem excepcionais. 
e. Nos movimentos pentecostais os milagres são prova do poder de Deus, de sua unção, 
sobre o grupo e sobre os seus líderes. Mais do que objetivos em si mesmos, eles são si-
nais visíveis de batismo no Espírito Santo no grupo, prova de uma vivência “avivada” do 
Evangelho.
f. Nos movimentos pentecostais contemporâneos (também chamados de neopentecos-
tais) há uma mudança deste texto da cultura: o objetivo não é o milagre em si mesmo, 
tal como narrado no texto bíblico, tampouco uma exaltação do milagreiro bíblico, e po-
demos dizer que não há quase nenhuma ênfase na misericórdia da divindade ou do mi-
lagreiro para com os desvalidos. O milagre é um modelo de relação com o poder da di-
vindade: de desafiá-lo, de amarrá-lo, de obrigá-lo (“Deus é fiel”) a outro milagre, este sim 
importante: cura, sucesso financeiro e amoroso.
Os modelos C a F coexistem e há formas intermediárias entre eles. E cada um deles 
pode ser lido como textos em diálogo.
Fonte: NOGUEIRA, 2012 p. 27-28.
Podemos destacar, desse exemplo, que os modelos de interpretação (textual) religiosa 
vão sendo constituídos em perspectiva histórico-social. Os modelos A e B referem-se, respec-
tivamente, ao mundo bíblico e aos primeiros séculos do cristianismo. O modelo C refere-se ao 
mundo cristão medieval, e também revela ca-
racterísticas que se encontram presentes na 
religiosidade popular brasileira, fortemente 
marcada pela recepção de elementos da reli-
giosidade medieval própria dos colonizadores 
portugueses. O modelo D explicita o esforço 
para articular a mentalidade religiosa e a pres-
suposição da verdade do texto religioso com a 
mentalidade científica característica da moder-
nidade. Os modelos E e F explicitam tendências 
que podem ser consideradas contemporâneas 
na leitura religiosa de segmentos importan-
tes do campo cristão no Brasil. Em todos esses 
modelos, pode-se dizer que a maneira como a 
leitura do texto religioso se constitui é marcada 
Figura 2: Sean Connery 
e Christian Slater em 
cena de O nome da 
Rosa (1986) 
Fonte: Disponível em 
<http://blogdofrederi-
cosueth.blogspot.com.
br/2012/11/o-nome-da-
-rosa.html>. Acesso em 2 
nov. 2014.

26
UAB/Unimontes - 4º Período
por elementos sociais e por outros elementos textuais (por exemplo, as biografias populares dos 
santos na Idade Média, e também na religiosidade popular no Brasil).
2.4 A Formação dos Cânones das 
Tradições Religiosas
Vasconcellos (2013), fundamentando-se em Croatto (2002), levanta a seguinte questão: 
quais são os processos que levam uma tradição religiosa à elaborar de um cânone? Partindo das 
tradições judaico-cristãs, e a partir daí dirigindo a reflexão a outros contextos religiosos, enten-
de-se que a formação do cânone é uma resposta a conflitos que podem ser de natureza interna 
(disputas no interior do grupo religioso) ou externa (disputas com outros grupos religiosos):
Vejamos o caso do Judaísmo, que viveu a fixação “definitiva” da Tanak em mea-
dos do dramático século II da nossa era, com a segunda destruição de Jerusalém 
pelos romanos (135 d. C.) e a dispersão dos judeus pelo mundo; por outro lado, 
tensões com grupos vinculados a Jesus e outros que cultivavam vivências que 
escapavam aos esforços de reconstrução da identidade sociorreligiosa judaica 
conduzidos à época permitem compreender como textos de uso significativo 
nas sinagogas da diáspora, conhecidos apenas em grego, e outros que tradu-
ziam certas experiências místicas acabassem sendo excluídos da lista final. No 
caso do Cristianismo, o processo que resultou no Novo Testamento foi longo, 
indo desde Marcião (meados do século II), que sugeria a identidade cristã defini-
da em um corpus literário composto do Evangelho segundo Lucas (sem referência 
à escritura judaica, tidas por ele como interpolações de copistas) e dez cartas de 
Paulo (feitos, aí também, os devidos expurgos), até a fixação de vinte e sete títu-
los, quase três séculos depois. Aqui as tensões eram basicamente internas, opon-
do setores que se entendiam como ortodoxos e outros que eram vistos (ou se 
viam) como gnósticos, milenaristas, ebionitas etc (VASCONCELLOS, 2013, p. 471).
Um segundo aspecto, também levantado a partir da leitura de Croatto, “refere-se à relação 
entre processos de canonização e a busca de unidade doutrinária e organização religiosa” (VAS-
CONCELLOS, 2013, p. 472). Vasconcellos apresenta a constituição do cânone cristão como um 
modelo da relação entre processo de canonização e formação da doutrina, indicado por Croatto, 
mas compara o que aconteceu no Cristianismo com o processo mais flexível encontrado no Hin-
duísmo:
No caso específico do Cristianismo, a definição do cânon do Novo Testamento 
se foi dando em meio a intensos conflitos internos que haveriam de redundar 
em um sistema religioso visto como ortodoxo (e cada vez mais consolidado por 
meio de elementos extracanônicos, como os concílios dos séculos IV e V, que 
podem muito bem ser vistos como chaves interpretativas dos referidos textos).
Por outro lado, justamente esse vínculo estreito entre cânon e unidade doutrinal 
e organização faz perceber que, na ausência desta última (ou numa presença 
menos decisiva), também os processos de canonização, se ocorrem, se dão com 
menos intensidade e/ou maior flexibilidade. Tome-se como exemplo o caso do 
Hinduísmo que, como se sabe, não se marca pela unidade doutrinária, nem por 
uma uniformização de ordem institucional. Justamente aí encontramos que o 
reconhecimento das “escrituras” nesse universo é bastante fluido, e, mais que um 
livro, temos um núcleo básico fundamental, os Vedas, de onde derivam inúmeros 
outros textos e livros, dos quais os Upanishades são dos mais destacados. Nada 
similar à polarização canônico-apócrifa que se firmou na tradição cristã. E nemfalemos da multiplicidade de “cânones” que se poderia identificar no riquíssimo e 
multifacetado mundo dos Budismos (VASCONCELLOS, 2013, p. 472).
Nessa perspectiva, a constituição dos cânones religiosos diz respeito à conformação interna 
dos grupos religiosos, e/ou externa (em relação/conflito com outros grupos religiosos); diz res-
peito, também, à unidade da doutrina e à estruturação da religião, enfim, processos que envol-
vem relações de poder. 
Vasconcellos enumera seis características básicas encontradas nos processos de formação 
dos cânones, elaboradas por Adriaanse (1998, p. 313-314.), que reproduzimos no quadro a seguir:
ATividAdE
O filme o nome da 
rosa, baseado no livro 
homônimo de Umberto 
Eco, traz uma impor-
tante discussão sobre 
a natureza do texto e 
da leitura, assim como 
sobre sua relação com 
as concepções religiosas 
de mundo. 
Escolha algumas cenas 
do filme e problema-
tize-as (por exemplo, 
a controvérsia sobre 
a pobreza de Cristo e 
as discussões sobre as 
heresias), procuran-
do relacioná-las com 
os conhecimentos 
desenvolvidos nesta 
Unidade. Compartilhe 
sua reflexão com seus 
colegas no fórum.
27
Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados
BOX 6
Características do processo de canonização dos textos sagrados
1. resistência ao tempo: a canonização tem o sentido de salvar alguns elementos da tradi-
ção da temporalidade e da mudança.
2. desistorização: a canonização visa à expressividade imediata e à significação em todos 
os contextos sem mediação histórica.
3. institucionalização: a canonização requer alguma diferenciação social de acordo com a 
qual a preservação da tradição pode ser consignada a grupos especiais.
4. normatividade: a canonização acarreta o caráter paradigmático e obrigatório das partes 
da tradição em questão.
5. identificação: a canonização é útil aos participantes de uma dada tradição na descober-
ta de sua identidade pessoal e comunitária.
6. retrospecção: a canonização implica a consciência de declínio e distância.
Fonte: VASCONCELLOS, 2013, p. 473.
A respeito desse processo, conclui Vasconcellos:
Assim, as escrituras, quando elas existem, ou seja, quando são produzidas, refor-
çam significativamente a definição da identidade religiosa, acentuando a coesão 
interna em torno de elementos da tradição que agora se veem “formatados”, fei-
tos referenciais para o sistema religioso em questão, em seu arcabouço mítico-
doutrinário, em suas expressões rituais e no ethos que o identifica. Esse processo, 
porém, acaba por estabelecer marcas diferenciais em relação a fatores externos 
ao grupo em questão, quando não é até mesmo estimulado por estes (VASCON-
CELLOS, 2012, p. 144).
Vasconcellos aponta mais uma importante tarefa que o trabalho com as escrituras religio-
sas apresenta ao cientista da religião. Trata-se de elucidar a gênese desses processos por meio 
dos quais os textos são unificados e estabelecidos, trazendo à tona disputas de poder e conflitos 
muitas vezes negligenciados ou esquecidos, em favor da unidade do grupo religioso. A partir daí, 
considera que, tão importante quanto conhecer os processos por meio dos quais as tradições 
religiosas estabelecem seus cânones, é “estabelecer os processos sócio-históricos e culturais que 
interferiram na configuração dos textos, desde as dinâmicas da transmissão oral até o papel dos 
redatores ‘finais’” (VASCONCELLOS, 2012, p. 145). No decorrer da Modernidade, as escrituras ju-
daicas e cristãs foram submetidas a análises rigorosas sob seus diversos aspectos (literários, tex-
tuais, sociais, históricos, etc.), mediante um procedimento exegético que ficou conhecido como 
“método histórico-crítico”. 
Segundo Wegner, o método histórico-crítico caracteriza-se por trabalhar com fontes histó-
ricas milenares, procurando analisar seu desenvolvimento, as diversas etapas e transformações 
sofridas até que o texto alcançasse sua forma presente, interessando-se, principalmente, por 
compreender as condições históricas de produção dessas fontes nos diferentes contextos. Seu 
aspecto crítico consiste na emissão de juízos sobre essas mesmas fontes. Em seu início, ligado 
à Reforma Protestante, o método confronta a interpretação alegórica da Bíblia, característica da 
Idade Média, em favor de uma leitura que recupere seu sentido literal, assim como a dependên-
cia das interpretações em relação à tradição eclesiástica. A ênfase na literalidade permitiu explici-
tar as contradições entre diferentes textos, e trouxe a necessidade de se compreender suas diver-
gências, olhando para sua história (WEGNER, 1998, p. 17-18). 
Sob a influência do Iluminismo, há uma crescente crítica aos aspectos dogmáticos e a pro-
cura de uma leitura o mais possível científica dos textos bíblicos. Para Wegner, as grandes contri-
buições do método histórico-crítico estão na elaboração de uma metodologia científica aplicada 
aos textos bíblicos (e, por extensão, à compreensão dos textos em geral), na permissão em estu-
dar as aproximações e as inovações do Cristianismo em relação às demais religiões encontradas 
na época de seu surgimento e na superação da ideia da homogeneidade das primeiras comuni-
dades cristãs, permitindo revelar sua diversidade de pensamento e conduta (WEGNER, 1998, p. 
18-19). 
Wegner considera como principais contribuições do método histórico-crítico o cuidado em 
relação ao fechamento em postulados doutrinários fechados; evitar falsas harmonizações, que ho-
mogeneizariam tensões e conflitos presentes no Cristianismo nascente; contribuir para revelar o 
28
UAB/Unimontes - 4º Período
aspecto humano dos autores bíblicos; auxiliar a compreender a Bíblia como expressão de fé, mas 
também como produto das condições históricas de sua elaboração (WEGNER, 1998, p. 20-22).
Considerando o exposto até aqui, podemos afirmar que o cientista da religião, ao lidar com 
os textos sagrados, realiza um percurso de certa maneira inverso àquele proposto pela tradição 
religiosa. Enquanto esta atua ou atuou no sentido de preservar os seus textos dos efeitos do tem-
po e da história, procurando apresentá-los como a-históricos e atemporais, portanto perenes e 
plenos de sentido, remover-lhes as contradições inerentes à própria tradição em seu desenvol-
vimento, apresentando-os como uma síntese aparentemente perfeita e isenta de tensões e con-
flitos, desconsiderando os textos considerados apócrifos que foram omitidos do cânone final em 
um processo teológico-político, o cientista da religião, por sua vez, assume a tarefa de reconduzir 
o texto a sua historicidade. 
Dirige-se ao texto não como objeto de veneração, ou de uma interpretação pautada pelo 
estatuto da fé, mas indagando-o como uma das muitas testemunhas do desenvolvimento his-
tórico das religiões– sendo o texto também resultado desse desenvolvimento, assim como pode 
ser, por vezes, seu protagonista. Diante dessa perspectiva histórica, os textos apócrifos são tam-
bém objeto de sua análise, sem que se assuma uma hierarquia a priori. 
Por outro lado, mostra-se fundamental para a análise reconhecer que, para as tradições in-
vestigadas e os sujeitos e grupos que vivenciam essas tradições, esses textos são objetos de ve-
neração. Podem ser objeto de estudo, crítica, podem ser instrumentalizados em função de inte-
resses políticos, mas são objetos de fé, que conduzem o pensar e o agir dos sujeitos religiosos. 
Ignorar esse aspecto seria negligenciar o significado desses textos como constituintes de suas 
tradições. 
Levantam-se questões do tipo: por que alguns textos foram rejeitados por determinada tra-
dição e outros foram assumidos como expressão legítima de sua experiência? Como os cânones 
e como cada texto singular foram elaborados e, muitas vezes, reelaborados? 
O cientista da religião procura trazer para o debate também as diferentes tendências inter-
pretativas,

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