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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA CAMPUS CUIABÁ - MT EDUARDO SILVA DOS SANTOS ESPORTE DE INVASÃO: inovações para o ensino do Futsal no ensino fundamental CUIABÁ - MT 2020 EDUARDO SILVA DOS SANTOS ESPORTE DE INVASÃO: inovações para o ensino do Futsal no ensino fundamental Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional – ProEF da Universidade Federal do Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação Física Escolar. Orientadora: Profa. Dra. Ana Carrilho Romero Grunennvaldt. CUIABÁ - MT 2020 A vontade de Deus nunca irá levá-lo aonde a Graça do Senhor não irá protegê-lo. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus por me permitir alcançar e vencer mais uma etapa na minha vida acadêmico-profissional. Aos meus pais, pessoas fundamentais em todo meu processo de formação humana, agradeço por todos os ensinamentos, pelos valores éticos transmitidos. Aos meus irmãos, que sempre foram meus guias e exemplos a serem seguidos. Em especial ao meu irmão Eliano Santos, que me despertou o interesse pelo esporte e me incentivou a ingressar na área da Educação Física. À minha esposa, Cinthia Morais, pelo companheirismo e compreensão desde o início dessa trajetória acadêmica conturbada. Sem seu apoio não sei se teria conseguido chegar até aqui. A minha amada filha, Dudinha, principal combustível para que possa continuar enfrentando os desafios da vida. Para quem quero ser exemplo que todas as nossas conquistas e recompensas devem ser fruto de nosso esforço e determinação. Aos professores doutores José Pereira e Antonio de Pádua do DEF/UFRN que direita e indiretamente foram os responsáveis por minha ida ao polo ProEF/UFMT. A todos os professores do Polo ProEF/UFMT que mediaram as disciplinas ao longo do curso. Em especial ao prof. Dr. Evando Carlos, pela ajuda em todo processo inicial de ingresso na turma, pela sua presteza e profissionalismo exemplar. E a profa. Dra. Ana Carrilho pela orientação da escrita desse trabalho. Também agradecer a colaboração dos professores doutores, Riller Reverdito (Unemat) e Heitor Andrade (UFG) pela participação na banca avaliadora desse trabalho e pela partilha de um pouco dos seus saberes sobre Pedagogia do Esporte. Aos colegas do Polo UFMT/PROEF, pela forma com que me acolheram, pelas trocas de saberes e experiências. Em especial, ao Eduardo Cavalcante. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento e Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES). SANTOS, E.S. Esporte de Invasão: inovações para o ensino do futsal no ensino fundamental. 2020. 121p. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional) – Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2020. RESUMO Reconhecendo o desafio de romper com a tradição tecnicista e com o atual cenário de desinvestimento pedagógico, percebido no conhecido “rola bola”, buscamos com esse estudo apontar alternativas para a inovação da abordagem didático-pedagógica do conteúdo Esporte nas aulas de Educação Física escolar. O objetivo dessa pesquisa foi implementar um processo de ensino e aprendizagem do esporte de invasão nas aulas de educação física, pautado nas novas tendências da Pedagogia do Esporte de forma articulada às recomendações da BNCC. Mais especificamente, analisar as potencialidades, as dificuldades e os desafios da implementação de uma proposta de ensino do Futsal pautada nas intenções táticas e nos jogos condicionados. O estudo foi realizado em uma escola municipal de Natal/RN com uma turma de 6º ano do ensino fundamental. O método de pesquisa qualitativa adotado foi a Etnografia da Prática Escolar. Para coleta dos dados foram utilizados o questionário aberto, o diário de aula e o grupo focal, sendo os dados obtidos tratados por meio da análise de categorias de codificação proposta por Bogdan e Binken (1994). Dentre as potencialidades identificadas destacamos: definição de expectativas de aprendizagem alinhada aos saberes prévios dos alunos; capacidade de interação entre os saberes conceituais e corporais, assim como a possibilidade de sistematização dos elementos técnico-táticos inerente ao esporte de invasão ao longo dos anos da educação básica; participação ativa do alunos na resolução das situações-problemas geradas pelos jogos condicionados e atuação docente na mediação de sua compreensão tática; utilização da avaliação processual como aliada no processo de ensino e aprendizagem. Dentre as dificuldades identificadas durante a implementação da proposta, destacamos: número excessivo de alunos por turma; escassez de material didático; tempo pedagógico reduzido para atingir os objetivos propostos; desequilíbrio nos conhecimentos prévios entre os alunos; inexperiência do professor-pesquisador e dos alunos na utilização da metodologia no contexto das aulas de Educação Física. Porém, constamos que nenhuma dessas dificuldades estão diretamente relacionadas as premissas das novas tendências da pedagogia do esporte, mas principalmente às condições objetivas do próprio contexto da educação física escolar. O desafio principal a ser enfrentado está relacionado ao processo de formação inicial e continuada de professores para que estes possam ser capacitados e se apropriar de novas competências ligadas as novas tendências da Pedagogia do Esporte, visando propiciar ao aluno uma educação esportiva significativa, que lhe permita o desenvolvimento de competências para usufruir de diferentes modalidades relacionadas ao esporte coletivo de invasão com proficiência e incorporar essas práticas corporais em sua vida para os fins que desejarem. Concluímos que esse estudo apontou uma alternativa de inovação no trato pedagógico do esporte de invasão Futsal nas aulas de Educação Física, ao propor o ensino pautado na compreensão dos princípios operacionais e intenções táticas através dos jogos condicionados. Ofereceu a possibilidade de uma participação ativa dos alunos, assim como a interação entre diferentes dimensões do conhecimento. Palavras-chave: Pedagogia do Esporte; Esporte de Invasão; Ensino e aprendizagem; Intenções táticas; Jogos Condicionados. SANTOS, E.S. Deporte de Invasión: innovaciones para la enseñanza del fútbol sala en la escuela primaria. 2020. 121p. Disertación (Master Profesional en Educación Física en la Red Nacional) - Universidad Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2020. RESUMEN Reconociendo el desafío de romper con la tradición tecnicista y con el escenario actual de desinversión pedagógica, percibido en la conocida "roda pelota", buscamos con este estudio señalar alternativas para la innovación del enfoque didáctico-pedagógico del contenido deportivo en las clases de educación física de la escuela. El objetivo de esta investigación fue implementar un proceso de enseñanza y aprendizaje sobre los deportes de invasión en las clases de educación física, basado en las nuevas tendencias en la pedagogía deportiva de una manera que esté vinculada a las recomendaciones del BNCC. Más específicamente, para analizar el potencial, las dificultades y los desafíos de implementar una propuesta de enseñanza de fútbol sala basada en intenciones tácticas y juegos condicionados. El estudio se llevó a cabo en una escuela municipal en Natal/RN con una clase de sexto grado de primaria. El método de investigación cualitativa adoptado fue Etnografía de la práctica escolar. Para la recolección de datos, se utilizaron el cuestionario abierto,el diario de clase y el grupo focal, y los datos obtenidos se trataron mediante el análisis de las categorías de codificación propuestas por Bogdan y Binken (1994). Entre las potencialidades identificadas destacamos: definición de expectativas de aprendizaje en línea con el conocimiento previo de los estudiantes; capacidad de interacción entre el conocimiento conceptual y corporal, así como la posibilidad de sistematizar los elementos técnico-tácticos inherentes al deporte de invasión durante los años de educación básica; participación activa de los estudiantes en la resolución de situaciones problemáticas generadas por juegos condicionados y desempeño docente en la mediación de su comprensión táctica; uso de la evaluación de procedimientos como un aliado en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Entre las dificultades identificadas durante la implementación de la propuesta, destacamos: numero excesivo de estudiantes por clase; escasez de material didáctico; tiempo pedagógico reducido para alcanzar los objetivos propuestos; desequilibrio en el conocimiento previo entre los estudiantes; inexperiencia de docentes-investigadores y estudiantes en el uso de metodología en el contexto de las clases de Educación Física. Sin embargo, observamos que ninguna de estas dificultades está directamente relacionada con las premisas de las nuevas tendencias en la pedagogía deportiva, sino principalmente con las condiciones objetivas del contexto de la educación física escolar. El principal desafío a enfrentar se relaciona con el proceso de capacitación inicial y continua de los docentes para que puedan ser entrenados y apropiarse de nuevas habilidades vinculadas a las nuevas tendencias en la pedagogía deportiva, con el objetivo de proporcionar al estudiante una educación deportiva significativa, que le permita el desarrollo de habilidades para aprovechar diferentes modalidades relacionadas con los deportes de equipo con competencia e incorporar estas prácticas corporales en su vida para los fines que desee. Concluimos que este estudio señaló una alternativa innovadora en el tratamiento pedagógico del deporte de invasión de fútbol sala en las clases de Educación Física, al proponer una enseñanza basada en la comprensión de los principios operativos y las intenciones tácticas a través de juegos condicionados. Ofrecía la posibilidad de una participación activa de los estudiantes, así como la interacción entre diferentes dimensiones del conocimiento. Palabras clave: Pedagogía Deportiva; Deporte de Invasión; Enseñanza y Aprendizaje; Intenciones Tácticas; Juegos Condicionados. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Habilidades relacionadas ao objeto Esporte de Invasão .................. 29 Quadro 2 – Níveis de jogo .................................................................................... 38 Quadro 3 – Lista de verificação dos problemas ................................................... 48 Quadro 4 – Lista de códigos por documentos ..................................................... 51 Quadro 5 – Categorias de análise com respectivos códigos ............................... 52 Quadro 6 – Categorias e subcategorias de análise ............................................. 53 Quadro 7 – Hierarquização dos problemas ......................................................... 58 Quadro 8 – Elaboração dos objetivos de aprendizagem ..................................... 58 Quadro 9 – Organização da sequência de temas ............................................... 62 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Jogo-diagnóstico ................................................................................. 57 Figura 2 – Aglutinação em torno da bola ............................................................. 59 Figura 3 – Aglutinação em torno da bola ............................................................. 60 Figura 4 – Ocupação racional do espaço de jogo ............................................... 60 Figura 5 – Ocupação racional do espaço de jogo ................................................ 61 Figura 6 – Explicação sobre a análise das regras de ação ................................. 69 Figura 7 – Explicação sobre a análise das regras de ação ................................. 69 Figura 8 – Estrutura Funcional 1x0 ...................................................................... 70 Figura 9 – Estrutura Funcional 1x1 ...................................................................... 71 Figura 10 – Estrutura Funcional 2x2 .................................................................... 73 Figura 11 – Estrutura Funcional 2x2+1 ................................................................ 73 Figura 12 – Estrutura Funcional 3x3 .................................................................... 73 Figura 13 – Explicação da utilização do instrumento avaliativo ........................... 79 Figura 14 – Coavaliação ...................................................................................... 80 Figura 15 – Autoavaliação ................................................................................... 81 Figura 16 – Autoavaliação ................................................................................... 81 Figura 17 – Miniquadras ....................................................................................... 85 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC Base Nacional Curricular Comum CCM Cultura Corporal de Movimento EF Educação Física LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional MEC Ministério da Educação MREF Movimento Renovador da Educação Física NTPE Novas Tendências em Pedagogia do Esporte PCN Parâmetro Curricular Nacional PE Pedagogia do Esporte PIT Pedagogia da Intenções Táticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 15 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................ 20 2.1 Esporte enquanto conteúdo de ensino da Educação Física Escolar .............. 20 2.1.1 Esportes na BNCC ...................................................................................... 27 2.2 Novas tendências para ensino do Esporte ..................................................... 30 2.3 Inovações para ensino do Futsal nas aulas de Educação Física ................... 35 2.3.1 Pedagogia das intenções táticas ................................................................. 36 2.3.2 Método dos Jogos Condicionados .............................................................. 39 3 MÉTODO ........................................................................................................... 42 3.1 Pesquisa Qualitativa e Etnografia da Prática Escolar .................................... 42 3.1.1 Técnicas e instrumentos de coleta de dados .............................................. 43 3.2 Contexto e sujeitos participantes da pesquisa ............................................... 46 3.3 Desenho da Unidade didática ........................................................................ 47 3.4 Estruturação das aulas da unidade didática ................................................... 49 3.5 Análise dos Dados ......................................................................................... 50 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 53 4.1 Potencialidades Didático-pedagógicas ........................................................... 53 4.1.1 Expectativas de Aprendizagem Personalizadas .......................................... 53 4.1.2 Sistematização do Conteúdo e a Interação entre os Saberes ..................... 62 4.1.3 Participação ativa dos alunos ...................................................................... 68 4.1.4 Avaliação como aliada doprocesso de ensino e aprendizagem ................. 76 4.2 Dificuldades na implementação da proposta de ensino-aprendizagem ......... 82 4.3 Desafios para implementação das NTPEe na Educação Física escolar ........ 87 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 91 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 94 APÊNDICES ...................................................................................................... 102 15 1 INTRODUÇÃO A partir da segunda metade do século XX o Esporte se consolidou como a prática corporal mais presente na vida cotidiana dos brasileiros. No contexto escolar, cresceu em importância a ponto de tornar-se quase que a única manifestação da Cultura Corporal de Movimento a estar presente nas aulas de Educação Física (BETTI, 1992). A escolarização do Esporte no Brasil, no que diz respeito ao sentido e significado, teve, pelo menos, dois momentos distintos: inicialmente, com a adoção do Método Desportivo Generalizado entre as décadas de 1940 e 1960, o Esporte era utilizado como um meio educativo, como recurso para contribuir com a educação física e moral dos alunos. Posteriormente, entre as décadas de 1960 e 1980, caracterizou-se pela esportivização da Educação Física (EF) escolar, tendo com papel principal a iniciação esportiva dos alunos de maneira a fomentar a descoberta de novos talentos esportivos para compor, no futuro, as equipes representativas estaduais e nacionais (GONZÁLEZ; BRACHT; CAPARROZ; FENSTERSEIFER, 2014). Sou fruto desse segundo momento, durante minha vida escolar o Esporte foi, praticamente, o único conteúdo “ensinado” nas aulas de EF. As aulas ocorriam no contraturno, divididas por gênero e composta por exercícios ginásticos e “futebol” para os meninos. Essa experiência, embora restrita, foi suficiente para me identificar com a Educação Física e elegê-la, juntamente com o Futebol, minha atividade escolar favorita, que tinha como ponto alto a participação nos jogos internos escolares. Esse contato com o Esporte, mais especificamente com o Futebol, foi muito importante no meu processo de desenvolvimento humano, pois através das vivências esportivas consegui superar algumas dificuldades nas relações interpessoais e intrapessoais. Essas experiências também se tornaram, desde muito cedo, o fio condutor de meu projeto de vida: ser atleta ou profissional de educação física. Na verdade, minha relação com o esporte se estabeleceu de forma mais significativa fora da escola, nos campos e quadras das cidades que morei, nos times de bairro em que joguei e não especificamente nas aulas de EF, pois essas eram 16 mais momentos de recreação do que experiências com intencionalidades pedagógicas significativas. Apesar de para minha realidade a esportivizacão das aulas de EF não ter sido prejudicial, embora desprovida em diversidade, para muitos outros alunos acarretou, ainda acarreta, alguns problemas. Como aponta Barroso (2018), vários problemas puderam ser identificados ao longo do tempo em decorrência da esportivização da EF escolar, tais como: exclusividade do esporte em detrimento às demais práticas da Cultura Corporal do Movimento (CCM); predominância de poucas modalidades esportivas nas aulas; atenção dos professores aos alunos mais habilidosos, em detrimento dos que tem mais dificuldades e carecem de atenção; dentre outros. É a partir desse contexto problemático, que no início da década de 80, surge o Movimento Renovador da Educação Física – MREF, estabelecendo forte crítica à hegemonia do esporte nas aulas de EF, questionando sua intencionalidade pedagógica, saberes ensinados, métodos de ensino e forma de avaliação, propondo novos olhares e abordagens para a sua utilização no interior da escola. (DARIDO; RANGEL, 2005). Minha identificação com o esporte era tanta, que ainda na adolescência tenho lembrança de ensaiar os primeiros passos como “professor-treinador”, organizando treinos e jogos para os meninos mais novos do bairro. Como a realização do primeiro sonho, ser atleta, não se tornou realidade, resolvi me tornar professor. Mas, o “destino” me levou inicialmente a cursar Pedagogia e durante esse período sempre que podia buscava relacionar as disciplinas cursadas com o processo de ensino e aprendizagem do esporte, temática que me identifico e que busquei aprofundar na licenciatura em Educação Física cursada a posteriori. Após concluir o curso de Pedagogia, iniciei a licenciatura em Educação Física e comecei a ter um contato mais específico com as publicações vinculadas às abordagens críticas do MREF, principalmente com o Coletivo de Autores, e as duras críticas atribuídas ao esporte na escola. Em certos momentos isso me angustiava, pois foram as minhas pobres experiências com o esporte na escola (e fora dela) que me fizeram sentir e despertar diversas habilidades, valores e atitudes que no meu entender foram significativos no meu processo formativo. E, por isso não conseguia, e ainda tenho dificuldades, em compreender alguns desses questionamentos. A sensação que tinha, e ainda tenho ao ler alguns autores, é de uma análise reducionista sobre o papel do esporte no contexto escolar, principalmente na 17 infância e adolescência. A sensação é que muitos eram a favor da exclusão do conteúdo ou substituição das práticas corporais por análise e reflexão restrita desse fenômeno social. Isso não quer dizer que não concorde com a necessidade de mudanças no trato pedagógico do esporte na escola. Após leituras e debates ao longo da formação acadêmica inicial e continuada pude perceber que o formato com que o esporte estava, e ainda está inserido no contexto escolar, não é o mais adequado, sendo necessária sua transformação didático-pedagógica (KUNZ, 2004). A concepção tradicional, o método tecnicista visando à racionalidade instrumental, o recreacionismo, que fundamentou e fundamenta a abordagem do esporte na escola por tanto tempo, não atende às finalidades educativas esperadas para serem atingidas pela escola. Porém, percebemos que apesar de vários anos de críticas ao seu modo de tratamento no contexto escolar, pouca evolução pode ser constatada na prática de ensino. Ainda vemos um ensino do esporte alicerçado na abordagem esportivista ou pautado pelo abandono didático-pedagógico, em aulas que se caracterizam mais por um rola-bola sem intencionalidade pedagógica estabelecida (GONZALEZ, 2016). A problemática que se estabelece é como inovar o ensino do Esporte nas aulas de educação física de modo a romper com o tecnicismo e com o “rola bola”? Nem o famoso “quarteto fantástico” da EF (futsal, handebol, voleibol e basquetebol) está sendo assimilado pelos alunos durante o ensino fundamental, pois é visível no ensino médio que estes chegam com experiências corporais limitadas, não dominam nem os fundamentos técnicos dessas quatro modalidades, inviabilizando na grande maioria das vezes o trabalho de aprofundamento recomendado para essa última etapa da educação básica. Hoje, como afirmam González e Fensterseifer (2009), sabemos o que não deve ser realizado nas aulas, mas ainda não temos estabelecido com clareza e certeza o para quê, o quê, e principalmente, o como devemos ensinar o esporte e as demais práticas corporais da CCM. A presença do Esporte na escola e nas aulas de EF se dá pelo fato deste saber ser atualmente considerado um fenômeno sociocultural mundial, um patrimônio da humanidade, possuidor de diferentes sentidos e significados na vida das pessoas, sendo necessário ser apresentado, democratizado, sistematizado, analisado e refletido dentro da educação formal (PAES, 2001). Mas para que seu 18 ensino possa atingir toda sua potencialidade pedagógica precisa de um tratamento didáticoque permita aos alunos se apropriarem dos seus saberes corporais, conceituais e críticos (IMPOLCETTO; DARIDO, 2016). Em alguns contextos até se observa a abordagem de saberes conceituais e críticos relacionados ao esporte, através da teorização das aulas de EF, mas de forma desconectada das vivências práticas. Essas quando acontecem ainda se percebe um ensino fragmentado e pautado na repetição dos gestos técnicos das modalidades esportivas e/ou jogos formais recreativos, que na maioria das vezes gera a exclusão de meninas e meninos menos hábeis, levando ao afastamento dos alunos das aulas. Atualmente, as inovações propostas pela Pedagogia do Esporte (PE) defendem a utilização de modelos e métodos de ensino estruturados em jogos que possibilitem aos alunos compreender a lógica comum entre as modalidades esportivas e agirem de forma ativa, permitindo que façam relações e transferências entre modalidades de uma mesma categoria (BAYER, 1994; GARGANTA, 1998; GRECO; BENDA, 2006; LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009; GONZÁLEZ; DARIDO; OLIVEIRA, 2014). Esses modelos e métodos orientam o ensino dos esportes coletivos a partir da compreensão das características comuns de uma determinada categoria de esportes, seguida pela execução das regras de ação necessárias para atingir tais características que os interligam e por último, não menos importante, direcionar a atenção para a aquisição dos gestos técnicos específicos de cada modalidade (DAÓLIO, 2000). A partir dessas premissas indagamos: será que essas inovações propostas pela Pedagogia do Esporte podem ser uma alternativa para superação dos problemas inerentes ao trato pedagógico do conteúdo nas aulas de educação física? Após ter contato, principalmente em cursos de extensão, com alguns desses modelos e métodos inovadores, os tenho utilizado no contexto do esporte extraescolar e testemunhado a contribuição dessas novas tendências num aprendizado mais significativo. De forma pontual também já inseri algumas estratégias nas aulas de EF e tenho percebido que alunos, mesmo com limitações técnicas, conseguem se sentir incluído e se tornar mais participativos com esse tipo de abordagem das práticas corporais. 19 Nesse sentido de busca da inovação do trato pedagógico das diferentes práticas corporais, mais especificamente para o ensino do Esporte, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, aprovada em 2018, aponta para utilização dessas proposições defendidas pelas novas tendências da pedagogia do esporte, alinhando o ensino dessa prática corporal a partir das características de sua lógica interna. Porém, faz de forma genérica, sem muito direcionamento e detalhamento sobre como organizar e sistematizar o processo de ensino e aprendizagem nesse contexto. Apesar de não serem ideias novas, pois já são difundidas desde a década de 70-80 do século 20, essas novas tendências ainda são novidade para a maioria dos professores que atuam nas escolas, assim como nos cursos de formação inicial de professores de EF. Ainda é comum presenciar as concepções tradicionais fundamentando a prática formativa de muitos acadêmicos. A partir dessas constatações surge a ideia de analisar, de forma mais aprofundada e sistematizada, como essas novas abordagens proposta pela Pedagogia do Esporte pode contribuir para a reformulação do trato pedagógico do esporte nas aulas de Educação Física escolar. Assim, definimos como objetivo geral desse trabalho: - Implementar um processo de ensino e aprendizagem do esporte de invasão nas aulas de educação física, pautado nas novas tendências da Pedagogia do Esporte de forma articulada às recomendações da BNCC. Mais especificamente, os objetivos serão: - Analisar as dificuldades, as potencialidades e os desafios da implementação de uma proposta de ensino do Futsal pautada nas intenções táticas e nos jogos condicionados. 20 2 REVISÃO DE LITERATURA No presente capítulo a intenção é apresentar e refletir sobre as transformações inerentes ao trato pedagógico do Esporte enquanto conteúdo da Educação Física, tendo como ponto de partida o Método Desportivo Generalista, passando pelo Movimento Renovador da Educação Física e finalizando nas recentes recomendações apontadas pela Base Nacional Curricular Comum. O marco conceitual dessa dissertação se estruturará nos seguintes tópicos: Esporte enquanto conteúdo de ensino da Educação Física escolar; Novas tendências para ensino do Esporte de Invasão; Inovações para o ensino do Futsal nas aulas de Educação Física. 2.1 Esporte enquanto conteúdo de ensino da Educação Física Escolar Ao levar em conta o contexto histórico da Educação Física (EF) escolar brasileira pode se dizer que ele foi marcado por dois grandes momentos: um primeiro momento ligado a concepção tradicional e outro em busca da renovação pedagógica. O primeiro momento se inicia com a inserção da Educação Física nas escolas brasileiras e perdura até a década 70-80 do século 20. Essa fase se fundamentou nas concepções higienista e militarista, na incorporação dos Métodos Ginásticos Europeus e Método Desportivo Generalista (MDG), e na Esportivização da Educação Física. O Esporte inicia seu caminho como conteúdo hegemônico nas aulas de EF no sistema de ensino público brasileiro a partir da incorporação do MDG, impulsionado pelo crescimento de sua importância no âmbito cultural, político e econômico em praticamente todo o mundo. Inicialmente, o ensino do Esporte foi incorporado para contribuir com o alcance dos objetivos tradicionais da EF, fundamentado em princípios anátomo- fisiológicos, como um dos meios para desenvolver a aptidão física e motora e a incorporar hábitos comportamentais para formação do caráter e hábitos higiênicos. Porém, aos poucos, com o crescimento ainda maior de sua importância política e econômica, como o crescimento e fortalecimento dos grandes eventos esportivos, a aprendizagem e o treinamento dos esportes na EF escolar passam para a condição 21 de fins. Com “Esportivização da EF escolar”, o conteúdo se torna praticamente exclusivo. A justificativa para expansão desse modelo era a crença de sua importância para desenvolvimento da aptidão física e motora, do aprimoramento do caráter e da promoção da iniciação esportiva a grande massa da população para que desse contingente pudessem ser selecionados aqueles que demonstrassem talento esportivo para compor as equipes representativas do País. Esse modelo foi fortemente incentivado como política de governo no período da ditadura militar (GONZÁLEZ, BRACHT, CAPARROZ E FENSTERSEIFER, 2014). De acordo com Darido (2003), o final da década de 1970 e o início da década de 1980, se consolidaram como um período de redefinição da função da Educação, Educação Física, junto ao processo de redemocratização do Brasil, fazendo surgir o segundo momento da EF brasileira, batizado de “Movimento Renovador da Educação Física” (MREF). O MREF gera significativas alterações no marco teórico da área e objetiva a busca da autonomia pedagógica para que seja reconhecida como um componente curricular dotado de saberes específicos, assim como as demais disciplinas (BRACHT; GONZÁLEZ 2005). O eixo central do movimento renovador foi repensar criticamente a hegemonia dos paradigmas biológicos da aptidão física e esportivização inseridos nas aulas de Educação Física. Esse movimento passou a questionar a hegemonia do esporte enquanto conteúdo da EF escolar, o ensino das habilidades motoras dissociadas da compreensão do esporte quanto fenômeno social, a ênfase na competição e a seleção dos melhores em detrimento da maioria, entre outros questionamentos. Essas características conferiam à EF um caráter de atividade e não de disciplina escolar com um conhecimento a ser transmitido (GONZÁLEZ; BRACHT; CAPARROZ; FENSTERSEIFER, 2014).Os representantes do movimento renovador, fortemente influenciado pelas ciências sociais e humanas, passaram a defender uma Educação Física como uma prática social que almeja a reflexão crítica a partir das experiências corporais, entendendo esse movimentar-se humano para além da sua dimensão biológica, situando-o como um fenômeno histórico-cultural (BRACHT, 1999). O MREF passou a defender que o objeto de ensino da EF na escola são os saberes corporais relacionados ao que denominaram de Cultura Corporal de Movimento (CCM). O Esporte estaria inserido nessa parcela da cultura humana 22 juntamente com as ginásticas, as danças, os jogos e as lutas, entre outras. Nesse contexto, caberia a EF escolar propiciar aos alunos o acesso e ampliação do seu acervo cultural nessas manifestações corporais de maneira que lhes permitissem, ao longo de suas vidas, praticar, usufruir, compreender e transformar essas práticas sociais (BETTI, 1992; BRASIL, 1998). A partir do movimento renovador foi se constituindo uma diversidade de abordagens norteadoras para a EF. Dentre as principais propostas surgidas a partir das ações do MREF, destacam-se as abordagens: psicomotora, das aulas abertas, desenvolvimentista, construtivista-interacionista, crítico superadora, crítico- emancipatória (DARIDO, 2005). Dentre as distintas abordagens, as de cunho crítico foram as que assumiram o protagonismo e passaram a orientar o discurso acadêmico e o processo de formação de professores de EF a partir da década de 1980. Entretanto, as mudanças sugeridas ficaram mais no campo do discurso do que na realidade concreta das escolas (BRANDL, 2008). O surgimento dessas abordagens não garantiu a ressignificação das práticas vinculadas a concepção tradicional, muitas delas ainda se encontram presentes nos espaços educativos no âmbito da Educação Física. Poucas contribuições relevantes no sentido de subsidiar uma prática educativa inovadora foram percebidas e a falta de propostas reais contribuiu mais para indefinições que certezas (TANI, 1991). O grande volume de proposições teóricas gerou estranhamento nos professores de Educação Física, que muitas vezes por não saber o que fazer, deixa de investir em suas aulas fazendo emergir um modelo de atuação caracterizado pelo desinvestimento pedagógico (MACHADO et. al, 2010). González e Fensterseifer (2009, p. 12) apontam que no cenário atual “a Educação Física se encontra, entre o não mais e o ainda não”, ou seja, entre uma prática docente na qual não se acredita mais, e outra que ainda se tem dificuldades de pensar e desenvolver”. A EF, agora com o caráter de uma disciplina escolar responsável por um conhecimento específico, deve romper com a tradição e se reinventar e se subordinar as funções sociais da escola, contribuindo com o processo formativo integral dos alunos. O que se espera das aulas de EF, e mais especificamente do ensino do conteúdo Esporte, é um tratamento pedagógico que rompa com os pressupostos da tradição tecnicista e faça com que os alunos aprendam a praticar as diferentes modalidades esportivas com competência, para fazer uso desses saberes no seu 23 cotidiano, nos espaços de lazer, aliada a capacidade de conhecer sobre o fenômeno esportivo para poder estabelecer as relações dessa parcela da cultura com a vida em sociedade, com aspectos econômicos, políticos e sociais de forma mais amplas, situando-se como cidadão nesse contexto. Nesse sentido, caberia a EF possibilitar ao aluno se apropriar de saberes para participar ativa e criticamente nessa parcela da nossa cultura, através dos esportes e demais práticas corporais tematizadas. Apesar das dificuldades geradas, não se pode negar a grande importância do MREF no processo de legitimação da EF na escola. É em decorrência das ideias e propostas defendidas pelo movimento que a nova Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBEN-9394/96) passou a determinar que a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, seria componente curricular obrigatório da educação básica, pois até então tinha caráter de atividade física. A partir de então, o componente curricular passou a se preocupar em abordar saberes visando contribuir para a formação do aluno, através do estudo do conjunto de práticas corporais sistematizadas que se vinculam com o campo do lazer, o cuidado do corpo e a promoção da saúde (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010). Como consequência da LDBEN 9394/96 o Ministério da Educação (MEC) elaborou documentos para direcionar o ensino em todo território nacional, com o intuito de melhorar a qualidade da Educação em todo o país (SOUZA JUNIOR; DARIDO, 2009). A primeira publicação com essa finalidade foram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o ensino fundamental, lançados em 1997. O intuito do documento era orientar o planejamento de ações pedagógicas que permitisse aos alunos atuarem de maneira decisiva na construção da cidadania, tendo como meta a igualdade de direitos aos conhecimentos relevantes para a sociedade (BRASIL, 1997). Especificamente para a EF, os documentos reforçam a ideia da CCM e considera que os alunos além de agirem frente a essa parcela da cultura, sejam capazes de produzir, reproduzir e transformar seus elementos em benéfico próprio, exercendo seu papel crítico frente à cidadania e qualidade de vida. Para alcançar tal objetivo, os docentes deveriam mudar a ênfase da aptidão física e do rendimento padronizado para uma concepção mais abrangente que contemplasse todas as dimensões envolvidas em cada prática corporal. Propunham que a EF deveria sistematizar situações de ensino e aprendizagem que garantissem aos alunos o acesso aos saberes procedimentais, atitudinais e conceituais sobre as 24 diferentes manifestações da CCM. Essas manifestações foram organizadas em três blocos de conteúdos (esportes, jogos, lutas e ginásticas; atividades rítmicas e atividades expressivas; conhecimento sobre o corpo) a serem ser desenvolvidas ao longo de todo o ensino fundamental (BRASIL, 1997). A partir desse documento, também foi proposta mudança paradigmática nos critérios de avaliação utilizados pelos docentes de EF. Tradicionalmente, a área avaliava exclusivamente com testes para medir a aptidão física dos alunos. A proposta visava que os instrumentos de avaliação utilizados não privilegiassem apenas os limites fisiológicos do corpo humano (BRASIL, 1997). Os PCN’s da EF também passaram a discutir a importância de o docente manter um permanente diálogo crítico ao relacionar os seus conteúdos específicos com os temas transversais, tais como ética, saúde, pluralidade cultural, meio ambiente, orientação sexual, trabalho e consumo, a partir das três dimensões do conteúdo (BRASIL, 1997). Na verdade, os PCN’s foram uma primeira tentativa de determinar, em nível nacional, os objetivos, conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas para que os docentes trabalhassem com seus alunos nas diferentes escolas brasileiras. Para Sousa, Vago e Mendes (1997) os PCN’s já pretendiam programar um currículo nacional para a EF ao definir objetivos gerais, importância social, critérios de seleção e organização dos conteúdos e formas de avaliação. Mas oficialmente, foi somente em 2018 que foi homologado o documento oficial com a especificidade de orientar a elaboração dos currículos nacionais para todas as disciplinas da educação básica, a Base Nacional Curricular Comum – BNCC. A partir da BNCC as redes de ensino e instituições escolares passam a ter uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus currículos e propostas pedagógicas. O documento define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica. Ao longo da educação básica, essas aprendizagens essenciais devem convergirpara assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que é definida pela capacidade de mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho, como apontada na LDBEN-9394/96. 25 A BNCC indica o que os alunos devem “saber” (constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, o que devem “saber fazer” (mobilização desses saberes para resolver demandas complexas da vida cotidiana). A BNCC organiza o ensino fundamental nas seguintes áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ensino religioso, ciências da natureza e ciências humanas. Cada área de conhecimento estabelece competências específicas de área, cujo desenvolvimento deve ser promovido ao longo dos nove anos. Também são definidas competências específicas para cada componente a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo dessa etapa de escolarização (BRASIL, 2018). Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, os componentes curriculares estão organizados em unidades temáticas que se relacionam a diferentes objetos de conhecimento e apresentam um conjunto de habilidades essenciais que devem ser asseguradas aos alunos. Apesar de apontar critérios de organização das habilidades, objetos de conhecimento e unidades temáticas, a BNCC deixa claro que este agrupamento expressa uma possibilidade, não devendo ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos. Também não descreve ações ou condutas esperadas do professor, nem induzem à opção por abordagens ou metodologias. Essas escolhas estão no âmbito dos currículos e dos projetos pedagógicos, que devem ser adequados à realidade de cada sistema ou rede de ensino e a cada instituição escolar, considerando o contexto e as características dos seus alunos (BRASIL, 2018). A partir da BNCC, se compreende que as atividades humanas se realizam nas práticas sociais, mediadas por diferentes linguagens (verbal, corporal, visual, sonora e digital). É por meio dessas práticas que as pessoas interagem consigo mesmas e com os outros, construindo conhecimentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos. A Educação Física se insere na área das linguagens sendo responsável pela tematização das práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura (BRASIL, 2018). 26 A BNCC aponta a vivência da prática corporal como uma forma de gerar um tipo de conhecimento muito particular e insubstituível e, para que ela seja significativa, é preciso problematizar, desnaturalizar e evidenciar a multiplicidade de sentidos e significados que os grupos sociais conferem às diferentes manifestações da CCM. Logo, as práticas corporais são textos culturais passíveis de leitura e produção. A BNCC aponta três elementos fundamentais comuns às práticas corporais: movimento corporal como elemento essencial; organização interna (de maior ou menor grau), pautada por uma lógica específica; e produto cultural vinculado com o lazer/entretenimento e/ou o cuidado com o corpo e a saúde (BRASIL, 2018). Assim, propõe que os estudantes devem se apropriar das lógicas intrínsecas das práticas corporais (regras, códigos, rituais, sistemáticas de funcionamento, organização, táticas etc.) como também dos diferentes sentidos e significados que lhes são atribuídas pela sociedade. Para que os alunos se apropriem da lógica interna e externa das práticas corporais, é necessário planejar intervenções pedagógicas que privilegiem o desenvolvimento das seguintes dimensões de conhecimento (BRASIL, 2018): Experimentação: vivência de práticas corporais de forma positiva; Uso e apropriação: aquisição da competência necessária para potencializar o seu envolvimento com práticas corporais no lazer ou para a saúde. Fruição: desfrute da realização de uma determinada prática corporal e/ou apreciação dessa e outras tantas quando realizadas por outros. Reflexão sobre a ação: observação e análise das próprias vivências corporais e daquelas realizadas por outros. Ato intencional orientado a formular e empregar estratégias de observação e análise para: (a) resolver desafios peculiares à prática realizada; (b) apreender novas modalidades; e (c) adequar as práticas aos interesses e às possibilidades próprios e aos das pessoas com quem compartilha a sua realização. Construção de valores: conhecimentos originados em discussões e vivências no contexto da tematização das práticas corporais, que possibilitam a aprendizagem de valores e normas voltadas ao exercício da cidadania em prol de uma sociedade democrática. A BNCC se concentra mais especificamente na 27 construção de valores relativos ao respeito às diferenças e no combate aos preconceitos de qualquer natureza. Análise: entendimento das características e o funcionamento das práticas corporais. Compreensão: refere-se ao esclarecimento do processo de inserção das práticas corporais no contexto sociocultural, reunindo saberes que possibilitam compreender o lugar das práticas corporais no mundo. Protagonismo comunitário: refere-se às atitudes/ações e conhecimentos necessários para os estudantes participarem das decisões e ações em prol da democratização do acesso às práticas corporais em ambientes além da sala de aula. O documento ressalta que não há nenhuma hierarquia entre essas dimensões, tampouco uma ordem necessária para o desenvolvimento do trabalho no âmbito didático. A orientação é que, considerando as características dos conhecimentos e das experiências próprias da EF, cada dimensão seja sempre abordada de modo integrado com as outras. O intuito é orientar a articulação entre as competências específicas do componente curricular de Educação Física, com as competências específicas da área de Linguagens e as competências gerais da Educação Básica. 2.1.1 Esportes na BNCC Na BNCC, as práticas corporais tematizadas estão organizadas nas seguintes unidades temáticas: Brincadeiras e jogos; Ginásticas; Danças; Práticas corporais de aventura; Lutas; Esportes (BRASIL, 2018). Em virtude do enfoque deste estudo, vamos privilegiar a análise sobre a proposta da BNCC para o ensino do esporte no ensino fundamental. Na BNCC o Esporte caracteriza-se por ser orientado pela comparação de um determinado desempenho entre indivíduos ou grupos (adversários), regido por um conjunto de regras formais, institucionalizadas por organizações (associações, federações e confederações esportivas), as quais definem as normas de disputa e promovem o desenvolvimento das modalidades em todos os níveis de competição. 28 No entanto, o documento frisa que essas características não possuem um único sentido e significado entre aqueles que o praticam, especialmente quando o esporte é realizado no contexto do lazer, da educação e saúde, pois como toda prática social, o esporte é passível de recriação por quem se envolve com ele (BRASIL, 2018). No documento, os Esportes estão inseridos como unidade temática reunindo as manifestações formais e derivadas dessa prática corporal. As práticas derivadas devem manter, essencialmente, suas características formais de regulação das ações, mas adaptar as demais normas institucionais aos interesses dos participantes, às características do espaço, ao número de jogadores, ao material disponível etc. Na BNCC a estruturação da unidade temática Esporte utiliza um modelo de classificação baseado na lógica interna, tendo como referência os critérios de cooperação, interação com o adversário, desempenho motor e objetivostáticos da ação. Esse modelo de classificação possibilita a distribuição das modalidades esportivas em sete categorias de esportes: Marca; Precisão; Técnico-combinatório; Rede/quadra dividida ou parede de rebote; Combate; Campo e taco e Invasão ou territorial (BRASIL, 2018). A lógica interna é definida como “[...] o sistema de características próprias de uma situação motora e das consequências que esta situação demanda para a realização de uma ação motora correspondente” (PARLEBAS, 2001, p. 302). Trata- se dos aspectos peculiares de uma modalidade que exigem aos jogadores atuarem de um jeito específico (desde o ponto de vista do movimento realizado) durante sua prática. A categoria Esportes de Invasão, inserida na BNCC como objeto de conhecimento, é composta por um conjunto de modalidades que se caracterizam por comparar a capacidade de uma equipe introduzir ou levar uma bola (ou outro objeto) a uma meta ou setor da quadra/campo defendida pelos adversários (gol, cesta, touchdown etc.), protegendo, simultaneamente, o próprio alvo, meta ou setor do campo (basquetebol, frisbee, futebol, futsal, futebol americano, handebol, hóquei sobre grama, polo aquático, rúgbi etc.). Para o ensino fundamental a BNCC propõe a aquisição de diferentes habilidades relacionadas ao objeto de conhecimento Esportes de Invasão (Quadro 1). 29 Quadro 1 - Habilidades relacionadas ao esporte de invasão BLOCOS/ANOS HABILIDADES BLOCO II 3º; 4º; 5º anos Experimentar e fruir diversos tipos de esportes de invasão, identificando seus elementos comuns e criando estratégias individuais e coletivas básicas para sua execução, prezando pelo trabalho coletivo e pelo protagonismo. BLOCO III 6º; 7º anos Experimentar e fruir esportes de invasão, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. Praticar um ou mais esportes de invasão, usando habilidades técnico- táticas básicas e respeitando regras. Planejar e utilizar estratégias para solucionar os desafios técnicos e táticos nos esportes de invasão e modalidades esportivas escolhidas para praticar de forma específica. Analisar as transformações na organização e na prática dos esportes em suas diferentes manifestações (profissional e comunitário/lazer). Propor e produzir alternativas para experimentação dos esportes não disponíveis e/ou acessíveis na comunidade e das demais práticas corporais tematizadas na escola. BLOCO IV 8º; 9º anos Experimentar diferentes papéis (jogador, árbitro e técnico) e fruir os esportes de invasão, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. Praticar um ou mais esportes de invasão, usando habilidades técnico- táticas básicas. Formular e utilizar estratégias para solucionar os desafios técnicos e táticos nos esportes de invasão/modalidades esportivas escolhidas para praticar de forma específica. Identificar os elementos técnicos ou técnico-táticos individuais, combinações táticas, sistemas de jogo e regras das modalidades esportivas praticadas, bem como diferenciar as modalidades esportivas com base nos critérios da lógica interna das categorias de esporte: rede/parede, campo e taco, invasão e combate. Identificar as transformações históricas do fenômeno esportivo e discutir alguns de seus problemas (doping, corrupção, violência etc.) e a forma como as mídias os apresentam. Verificar locais disponíveis na comunidade para a prática de esportes e das demais práticas corporais tematizadas na escola, propondo e produzindo alternativas para utilizá-los no tempo livre. Fonte: Adaptado da BNCC (BRASIL, 2018). Podemos perceber que a BNCC se alinha com as ideias defendidas pelo MREF, ao orientar uma ressignificação do papel social da EF no contexto social. Percebemos, ainda que o documento traz um encaminhamento para o trato dos saberes corporais do Esporte que se pauta nos aspectos referentes à lógica interna 30 das modalidades esportivas. Porém, ao buscar na literatura referencias para essa abordagem de ensino do Esporte no contexto escolar, percebemos que pouca contribuição foi feita pelo movimento renovador, ficando suas colaborações mais no campo do discurso que na efetividade das práticas corporais, do chão da escola. Especificamente no que se refere ao ensino do esporte enquanto conteúdo escolar ainda se percebe pouca evolução no seu trato pedagógico. Ao investigar a realidade da sua inserção nas diferentes escolas ainda se percebe práticas pedagógicas balizadas na perspectiva tradicional de ensino, que privilegia o aprender dos gestos técnicos para só depois “aprender a jogar”, nas atividades recreativas que pouco contribuem no desenvolvimento de habilidades e competências para um jogar bem ou em aulas caracterizadas pela falta de intencionalidade pedagógica, mais conhecidas como “rola bola” (FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; SILVA; BRACHT, 2012). Nesse contexto recorreremos às novas tendências defendidas pela Pedagogia do Esporte na busca da superação da realidade posta com a intenção de acenar com novas formas de ensino do esporte nas aulas de EF escolar. 2.2 Novas Tendências para Ensino do Esporte Segundo Tubino (2010), é importante ter clareza que o ensino do esporte educacional deve estar fundamentado em princípios pedagógicos (inclusão, participação, cooperação, coeducação e corresponsabilidade) que oportunizem condições favoráveis para a formação humana, superando a transmissão, imitações de gestos esportivos que reduz o aluno a um receptor passivo do processo de ensino e aprendizagem. Na mesma linha, adaptando para o contexto geral do esporte, Freire (2002) aponta para a importância de orientar o ensino do esporte por quatro princípios pedagógicos: ensinar esporte bem; ensinar esporte a todos; ensinar mais que esporte; ensinar a gostar de esporte. Mas para que isso se torne possível a escola e os professores, ao se proporem a ensinar esporte, devem assumir responsabilidades para estabelecer elos entre a Pedagogia e a Pedagogia do Esporte (PE). Segundo Libâneo (1994) pedagogia é um campo de conhecimento sobre a problemática educativa e diretriz orientadora para sua superação destas 31 dificuldades. Nessa perspectiva, a pedagogia envolve uma ação refletida sobre todo o contexto educativo, gerando uma intervenção comprometida, intencional, dirigida, organizada e ciente de suas responsabilidades educacionais, transformando os conhecimentos produzidos pelos homens em matéria para ser aprendida. Logo, o ensino do Esporte nas aulas de EF também requer um tratamento didático-pedagógico adequado para possibilitar ao aluno a aquisição dos saberes inerentes a essa parcela da CCM, de forma significativa e vinculada as finalidades pedagógicas da instituição escolar. A Pedagogia do Esporte assume a responsabilidade de apresentar o caminho e nos conduzir no percurso dos procedimentos didático-metodológicos para contribuir com a formação humana por meio de saberes e modos de ações sistematizados e organizados culturalmente (REVERDITO; SCAGLIA; PAES, 2009). Esse trato pedagógico deve buscar romper com as teorias do conhecimento que fundamentam as abordagens tradicionais de ensino (inatismo e empirismo), que centram sua ação na transmissão fragmentada do conhecimento e enxerga o aluno como um receptor passivo que apenas executa o que lhe é determinado. A abordagem tradicional do ensino do esporte acredita que o ser humano veio ao mundo vazio e precisa ser preenchido de conhecimentos ou que precisa ter seus talentos inatos descobertos. Sua preocupação principal concentrada na fragmentação do todo (jogo) em partes (fundamentos técnicos), gerando uma descontextualização do jogo, objetivando o automatismo de um movimento fechado (GARGANTA, 1995). Desconsidera a imprevisibilidade e a complexidade existente no jogo, limitando a capacidade de tomada de decisãodo aluno, requerendo apenas a reprodução padronizada dos movimentos. É a partir da crítica a essas características da concepção tradicional que surgiram diferentes estudos e abordagens, amparados nos pressupostos da teoria interacionista (humanistas, cognitivistas, socioculturais e ecológicas), que passaram a ser denominados de Novas Tendências em Pedagogia do Esporte (REVERDITO; SCAGLIA, 2009; REVERDITO; SCAGLIA; PAES, 2013; TANI; BENTO; PETERSEN, 2014). Essas novas tendências convergem no direcionamento de um processo de ensino-aprendizagem que leve em conta o aluno, criando possibilidades para a construção de conhecimentos que ultrapasse os limites do espaço do jogo. Assim, antes de ensinar o esporte na escola precisamos ter clareza da sua finalidade 32 educativa para direcionar a escolha dos saberes e o modo como estes serão ensinados e avaliados. É preciso que o professor elabore um planejamento pedagógico em que esteja claro o motivo do ensino do esporte nas aulas de educação física; os saberes prioritários a serem ensinados sobre esse fenômeno social; as estratégias adequadas para seu ensino efetivo e significativo; e os melhores instrumentos para avaliação. Segundo Barroso (2018), o que justifica o ensino do esporte nas aulas de EF é seu reconhecimento como patrimônio da humanidade, como fenômeno sociocultural que continua se desenvolvendo, principalmente após o processo de globalização e midiatização da sociedade contemporânea. Na atualidade, podemos considerar o Esporte como prática corporal culturalmente mais enraizada e valorizada na sociedade. A partir da clareza sobre os motivos e objetivos do ensino esporte no contexto escolar é de fundamental importância selecionar os saberes que serão abordados nas práticas pedagógicas. Segundo Parlebas (2001 apud GONZÁLEZ; BRACHT, 2012), a escolha do conteúdo de ensino pode acontecer a partir de saberes relacionados à sua lógica interna e lógica externa. Para o autor o conhecimento da lógica interna permite aos professores fazerem a leitura das características de diversas modalidades esportivas existentes com base nos desafios motores impostos aos participantes, reconhecendo elementos comuns entre as diversas práticas. Sobre a lógica externa, o esporte, como qualquer fenômeno social influencia e é influenciado pelos processos sociais e, assim, para compreender plenamente seu desenvolvimento, é preciso compreender como ele está vinculado a diferentes temas da sociedade (ética, gênero, consumo, mídia e outros). A partir da identificação de uma grande gama de possibilidades de abordagem dos saberes relacionados às lógicas interna e externa do esporte, se faz necessário organizar esses conhecimentos para tornar possível o seu ensino. González e Fraga (2012) propuseram, para ao longo dos anos escolares do ensino fundamental, trabalhar com dois eixos de conhecimentos: os saberes conceituais e os saberes corporais. 33 No que se refere aos saberes conceituais, González e Fraga (2009) os organiza em dois subeixos: conhecimento técnico - atrelado à lógica interna; e conhecimento crítico – atrelado a lógica externa. Sobre os saberes corporais, González (2017) apresenta um “Sistema de Classificação”, que funciona como se fosse um “mapa dos esportes”, que ajuda a reconhecer os elementos comuns entre as diversas modalidades esportivas facilitando a compreensão e transferência das regras de ação entre diferentes modalidades pertencentes a uma mesma categoria esportiva. Segundo Gonzalez (2017), um dos critérios utilizados para classificação dos esportes é a relação estabelecida entre os oponentes, gerando divisão entre as modalidades com e sem interação direta com o adversário. Os esportes sem interação se vinculam com a comparação da realização isolada do desempenho motor (técnica). Já as modalidades com interação entre os adversários estão vinculadas aos princípios táticos da ação. A maior preocupação do jogador deve ser na tomada de decisão (tática) em relação às ações de ataque e defesa do adversário. Quando levamos em consideração esse critério, é possível perceber que existem traços comuns na forma de atacar e defender em modalidades que parecem ser bem diferentes umas das outras (GONZÁLEZ, 2017). De acordo com esses “princípios táticos” do jogo, o conjunto de esportes com interação pode ser subdividido, pelo menos, em quatro tipos: Esportes de combate; Esportes de campo e taco; Esportes com rede divisória ou parede de rebote e Esportes de invasão. Os Esportes de Invasão, são os mais praticados no contexto escolar, incluindo aquelas modalidades em que as equipes tentam ocupar o setor da quadra/campo defendido pelo adversário para marcar pontos, ao mesmo tempo em que têm que proteger a própria meta (futsal, basquete, handebol, etc.). Essas modalidades, pelas características próprias, exigem dos participantes antecipação das ações do(s) adversário(s) - e do(s) colega(s) – para organizar suas próprias ações. Isso requer delinear estratégias envolvendo o mecanismo de tomada de decisão, no qual se vê inserida a estrutura de operações cognitivas (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). Se o professor não compreender bem a relação entre as características do esporte com interação entre adversários e as demandas dos mecanismos de processamento da informação dos praticantes, correrá o risco de ensiná-los como se 34 fossem sem interação, centrando o ensino na parte visível do movimento, nos gestos técnicos de forma fragmentada (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). A partir da compreensão dessa relação, é importante o docente possuir conhecimentos que permita um tratamento pedagógico adequado, possibilitando ao aluno a aquisição dos saberes atrelados a esse patrimônio da humanidade de forma significativa, para que maioria das pessoas possa usufruir, criar e transformá-lo, atribuindo novos sentidos e significado para essa experiência corporal vivida. As novas tendências em Pedagogia do Esporte, direcionadas pelas teorias interacionistas, ditam que o processo de ensino do esporte educacional, especificamente os jogos coletivos, deve ser centrado na lógica complexa que aproxima as diferentes modalidades, a partir da resolução de problemas inerentes ao contexto do jogo através da tomada de decisão que desenvolva a inteligência, criatividade, cooperação, dentre outros aspectos. Para Scaglia, Reverdito e Galatti (2013), o ensino dos jogos coletivos de invasão deve possibilitar um contexto orientado para ampliação do acervo de possibilidades de ações (condutas motoras), onde o aluno deve atuar como sujeito ativo que toma decisões, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia, principalmente à medida que toma consciência de suas ações e da lógica do esporte (jogo). As diferentes propostas metodológicas pertencentes às novas tendências de ensino do esporte convergem em propor procedimentos didático-metodológicos pautados na dinâmica e funcionalidade do jogo, baseados nas relações de cooperação e oposição, individuais e coletivas. A aprendizagem do jogo guia-se a partir da compreensão dos princípios do jogo e sua lógica interna, da elaboração dos mecanismos de gestão e regras de ação (ações táticas intencionais) frente ao caráter situacional do jogo. Nesse contexto, o aluno elabora sua ação frente ao processo organizacional do jogo/esporte, em consonância com os referenciais funcionais – princípios operacionais e regras de ação (ataque e defesa) – e os referenciais estruturais do jogo (as invariantes estruturais: regras, companheiros, adversários, espaço, alvos, implemento/bola) (BAYER, 1994). As novas tendências para ensino do esporte, convergem em não mais valorizar um processo de ensino focado no desenvolvimento das habilidades técnicas fechadas. A fragmentação e repetição de gestos isolados cedem espaço ao ambiente do jogo, tendo o professor queassumir o papel de mediador dentro de um 35 ambiente de aprendizagem que utilize métodos de ensino capazes de mobilizar os alunos buscarem soluções para os problemas gerados, estimulando sua participação ativa na construção dos conhecimentos sobre o esporte a partir da sua tomada de decisão crítica e consciente (SCAGLIA; REVERDITO; GALATTI, 2013). 2.3 Inovações para ensino do Futsal nas aulas de Educação Física Segundo Saad (2002), no início da década de 1990, na intenção de se tornar um esporte Olímpico e também ser reconhecido pela Federação Internacional de Futebol Associado-FIFA, o Futebol de Salão modificou suas regras através de uma fusão com o futebol de cinco, que já era uma modalidade reconhecida pela FIFA. Surge então o Futsal, terminologia adotada para esta fusão no contexto esportivo internacional. Atualmente, o Futsal é um esporte de grande popularidade no Brasil. A adesão das crianças e adolescentes à modalidade provavelmente está associada ao fato de se assemelhar ao futebol, o esporte mais amado no país (DAOLIO, 2003). Nas aulas de EF o futsal é o protagonista dentre as modalidades integrantes do famoso “quarteto fantástico” da EF escolar. Esse termo foi criado como crítica à hegemonia do conteúdo Esporte se resumir apenas ao ensino do futsal, voleibol, basquete e handebol. Mas, se for feito uma análise minuciosa, se detectará que nem essas poucas modalidades são ensinadas com um mínimo de qualidade ao longo do percurso escolar. Pois é comum, por exemplo, observar nos alunos que chegam às séries finais do ensino fundamental e no ensino médio com grande déficit na compreensão do jogo, nas tomadas de decisão e na utilização dos recursos técnicos específicos destas modalidades esportivas. Ao se orientar nos estudos da lógica interna proposto por Parlebas (2001) e no sistema de classificação proposto por González (2004; 2017), a modalidade se insere na categoria dos esportes coletivos de invasão, pois é um esporte com interação entre adversários, que tem como objetivo invadir o espaço defendido pelo adversário para marcar pontos e defender seu território para evitar sofrê-los. O Futsal, como todos os esportes de invasão, se caracteriza pela busca constante em solucionar problemas surgidos durante o jogo em decorrência da relação contraditória de oposição e cooperação, conforme a necessidade de cada situação. A partir dessa compreensão, essas características precisam ser 36 consideradas quando se propõe um processo de ensino e aprendizagem da modalidade. Dentre os diversos modelos e métodos de ensino criados a partir dos estudos emergentes da Pedagogia do Esporte para o ensino dos saberes corporais e saberes conceituais técnicos, destaca-se as ideias defendidas pela Pedagogia das Intenções Táticas (BAYER, 1994) e utilização do Método Centrado nos Jogos Condicionados (GARGANTA, 1995) para desenvolvimento da compreensão e vivência corporal dos princípios operacionais e regras de ação especificas do Futsal. Segundo Santana (2018), para jogar bem Futsal é necessário que os alunos aprendam a ler o jogo para que possa interagir taticamente com os colegas e adversários. Para que suas tomadas de decisão ocorram a partir da compreensão da lógica interna da modalidade e da articulação entre intenções táticas, sejam individuais, grupais e coletivas. 2.3.1 Pedagogia das Intenções Táticas A Pedagogia das Intenções, idealizada por Bayer (1994) e ampliada por Garganta (1995) defende o ensino das variáveis técnico-táticas do jogo de forma integrada, respeitando a cultura corporal dos alunos, ou seja, os movimentos corporais aprendidos pelo indivíduo na sociedade, que são constantemente atualizados e ressignificados (DAÓLIO, 1997). Bayer (1994) identificou a existência de características comuns entre os esportes coletivos, que uma vez compreendidas, facilitaria a aprendizagem das modalidades através do processo de transferência dessas estruturas correlatas. Segundo o autor, as modalidades esportivas coletivas podem ser agrupadas em uma única categoria pelo fato de todas possuírem seis invariantes: um objeto a ser conduzido ou lançado (geralmente uma bola), um espaço de jogo, companheiros para ajudar, adversários a superar, um alvo a atacar e outro a defender e regras específicas. Essas invariantes geram a categoria dos esportes de invasão, permitindo visualizar uma mesma estrutura de jogo em diferentes modalidades. A partir da identificação destas características semelhantes existentes entre as modalidades esportivas coletivas, Bayer (1994) passou a considerá-las dentro de uma mesma lógica e definiu seis princípios operacionais comuns, divididos em dois grandes grupos, para o ataque e para defesa. 37 Os três princípios operacionais de ataque são: conservação individual e coletiva da bola, progressão da equipe e da bola em direção ao alvo adversário e finalização, visando à obtenção de ponto. Os três princípios operacionais da defesa são: recuperação da bola, impedir o avanço da equipe contrária e da bola em direção ao próprio alvo e proteção do alvo visando impedir a finalização da equipe adversária (BAYER, 1994). A partir dos seis princípios operacionais comuns às modalidades esportivas coletivas, o autor definiu regras de ação, que consistem nos mecanismos necessários para se alcançar êxito dos princípios operacionais (DAÓLIO, 2002). Segundo González e Bracht (2012), na realização das regras de ação relacionadas aos princípios operacionais do ataque e da defesa, é possível distinguir situações em que os jogadores precisam atuar em diferentes subpapéis: atacante com posse de bola (ACPB) e atacante sem posse de bola (ASPB), bem como defensor do atacante com posse de bola (DACPB) e defensor do atacante sem posse de bola (DASPB). Para Daólio (2002), esta nova forma de conceber o ensino do Esporte, pelas intenções táticas, rediscute a relação técnica-tática. A técnica seria o “modo de fazer” e a tática, “as razões do fazer”. Assim, o que justifica o “fazer técnico” é sua utilidade e seu objetivo no transcorrer de um jogo. São as intenções individuais e coletivas que ocorrem durante o jogo que demandam certos procedimentos técnicos. Dessa forma, surgem nesta nova proposta, os conceitos de tática individual e tática coletiva, ações coordenadas entre o indivíduo e o grupo, no sentido de uma prática de jogo qualitativamente melhor, tanto por parte da equipe como por parte do indivíduo. Garganta (1995), partindo das ideias de Claude Bayer, avançou em alguns aspectos da teoria, sinalizando que essa abordagem contribui com o desenvolvimento de duas competências básicas para a aprendizagem e prática do Esporte Coletivo: a inteligência, vista como a capacidade de adaptar-se a situações dinâmicas que acontecem no jogo a fim de resolver os constantes problemas que surgem; e a cooperação, vista como a necessidade do praticante de um jogo coletivo combinar suas ações individuais com os objetivos do grupo. Nesse sentido, jogar bem não seria apenas executar de forma eficiente um conjunto de técnicas, mas, além disso, contribuir de forma cooperativa e inteligente para o sucesso do empreendimento coletivo. 38 A organização do planejamento de ensino fundamentado nas contribuições de Bayer (1994) e Garganta (1995) apontam para a superação de vários problemas relativos às abordagens tradicionais de ensino do esporte. O trato a partir das estruturas comuns dos esportes de invasão, possibilita a transferência de conhecimento entre as diferentes modalidades esportivas de invasão; prioriza a compreensão do jogo em detrimento da especialização precoce do gesto técnico, atrelando o como fazer (técnica) as razões do fazer (tática); permite uma progressão nas fases de aprendizagem atrelada ao nível de jogo dos alunos e não pelas faixas etárias dos alunos, como se todospassarem pelas mesmas fases de desenvolvimento de forma igualitária (DAÓLIO, 2002). Garganta (1995) estrutura essa progressão das fases de aprendizagem (Quadro 2) a partir da forma como um determinado grupo se relaciona com três indicadores relativos à qualidade do jogo esportivo coletivo: estruturação do espaço, comunicação na ação e relação com a bola. Quadro 2 - Níveis de jogo Fonte: Garganta (1995, p. 19). A estruturação do espaço coletivo, reuni ações individuais e coletivas relacionadas ao posicionamento dos adversários e a elaboração de estratégias preestabelecidas coletivamente, configurando as circunstâncias contextuais do jogo; estas devem ser lidas pelos jogadores à medida que se ampliam suas respectivas habilidades de interpretação da lógica do jogo, comunicando-se por meio de suas ações com os demais jogadores; além de, ao mesmo tempo, manter uma adequada 39 e eficiente relação com a bola, de modo a conseguir executar as ações motrizes requeridas, sempre com o objetivo de ganhar o ponto (SCAGLIA; REVERDITO; LEONARDO, 2013). Segundo Scaglia, Reverdito e Leonardo (2013), todos são capazes de jogar em algum nível. Assim, caberá ao professor, a partir do conhecimento das características do nível de jogo da turma, pensar a organização e sistematização do processo de ensino que oportunize experiências que potencialize a aquisição de condutas motoras para solucionar os principais problemas que limitam seu nível de jogabilidade. A partir da identificação dos principais problemas, estes devem ser transformados em expectativas de aprendizagem a serem abordadas nas aulas, fazendo com que os alunos caminhem para o desenvolvimento de habilidades e competências fundamentais para um jogar proficiente. 2.3.2 Método dos Jogos Condicionados Garganta (1995) aponta dois métodos tradicionais de ensino dos esportes coletivos: a forma centrada na técnica e a forma centrada no jogo formal. Na primeira ocorre a decomposição da modalidade hierarquicamente em elementos técnicos, gerando ações de jogo mecanizadas e pouco criativas, comportamentos estereotipados e problemas na compreensão da dinâmica do jogo. Além disso, essa metodologia pode valorizar aqueles alunos que inicialmente conseguem reproduzir os movimentos pré-determinados e específicos da modalidade, o que não quer dizer que possuam a compreensão do jogo (GARGANTA, 1995). Na forma centrada no jogo formal, há prevalência quase exclusiva deste tipo de jogo, não havendo a decomposição em movimentos técnicos para seu ensino. Espera-se que as técnicas vão surgindo espontaneamente como respostas para situações do jogo. A consequência é um jogo criativo, porém com base individualista, com anarquia tática, apresentando descoordenação das ações coletivas (GARGANTA, 1995). Em contraposição aos dois métodos tradicionais, Garganta (1995) propõe a forma Centrada nos Jogos Condicionados. Segundo o autor, uma das principais características dessa metodologia seria a desmontagem do jogo, não em elementos técnicos, mas em unidades funcionais, possibilitando sua reconstrução ao longo do 40 processo, garantindo, assim, que os princípios do jogo regulem toda a aprendizagem. As unidades funcionais seriam expressas por níveis de relação entre o aluno, a bola, os colegas e os adversários, garantindo ao aluno a compreensão da lógica do jogo por etapas. Os níveis de relação citados por Garganta (1995) são: eu-bola: familiarização com a bola e seu controle em várias situações; eu-bola-alvo: domínio da bola com atenção sobre o objetivo do jogo, finalização; eu-bola-adversário: conquista e conservação da posse de bola, perda parcial da liberdade de ação de movimentos e consequente superação do obstáculo; eu-bola-colega-adversário: jogo a dois; desmarcação, contenção e cobertura defensiva; eu-bola-equipe-adversários: do jogo reduzido ao formal, assimilação dos princípios do jogo, interações ofensivas e defensivas, transição defesa-ataque, resolução dos problemas colocados pela marcação. O que se espera com a utilização dessa metodologia é a melhoria da compreensão por parte do aluno dos princípios operacionais (BAYER,1994) que regulam o jogo. As técnicas vão surgindo em função da tática, de forma orientada e provocada, uma vez que é a tática que dá sentido à lógica do jogo, e não a técnica. Os alunos desenvolvem a inteligência tática, sendo estimulados à correta interpretação e aplicação dos princípios do jogo, desenvolvendo suas ações de forma mais criativa. Dessa forma, todos os alunos tendem a participar do jogo de forma ativa e decisiva, uma vez que não se valoriza somente a realização motora da técnica individualizada, mas também a participação tática dos jogadores, por meio de movimentações e posicionamentos que influenciam o sucesso de sua equipe. A vivência dos jogos condicionados permitirá aos alunos compreenderem que a aprendizagem progride da compreensão do “que fazer” no jogo para o “como fazer”; que se joga melhor quando se entende o que acontece no jogo e não apenas quando se consegue executar bem determinadas habilidades motoras fora da situação de jogo (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). 41 O método dos jogos condicionados, assim como os demais métodos emergentes, permite pensar o ensino dos esportes de invasão como um processo facilitador da compreensão/ação do aluno dentro das situações de jogo, no qual se buscam níveis mais elaborados de tomada de decisão e resolução dos problemas do jogo. Outro fator importante é a possibilidade inclusiva dessa metodologia, valorizando a participação de todos os alunos e fazendo com que cada um deles, à sua maneira, torne-se importante para o sucesso do grupo. As metodologias tradicionais com ênfase na repetição técnica dos gestos esportivos acabam por excluir os alunos com dificuldades de execução, ou aqueles mais lentos ou mais tímidos, pois a finalidade é a correta realização das tarefas técnicas da modalidade esportiva em questão. A metodologia proposta valoriza, além da execução das técnicas, a compreensão tática do jogo, podendo ser, consequentemente, mais inclusiva do que as metodologias tradicionais. Dessa forma, nesse estudo buscaremos uma organização didática em que o conteúdo de ensino esteja vinculado às intenções táticas, oportunizando a realização de tarefas com interação entre adversários, em grupos reduzidos e estimulando nos alunos possibilidade de refletir sobre a ação vivida. 42 3 MÉTODO Neste capítulo apresentamos as etapas desenvolvidas na pesquisa para produzir os dados necessários para atingir os objetivos desse estudo. Iniciamos descrevemos a abordagem e o método de pesquisa escolhido, assim como as técnicas e os instrumentos empregados para coleta dos dados. Apresentamos o contexto da Educação Física na escola escolhida como lócus da pesquisa e as características dos alunos participantes. Na sequência apresentamos os procedimentos didático-pedagógicos que orientam a elaboração e implementação da unidade didática desenvolvida junto à escola. Finalizamos, descrevemos como os dados foram analisados/interpretados e esclarecemos os cuidados éticos da pesquisa. 3.1 Pesquisa Qualitativa e Etnografia da Prática Escolar Segundo Stake (1983) é a natureza do problema da pesquisa que determina a escolha do método. Dessa forma, para atingir os objetivos propostos neste estudo, escolhemos uma metodologia de natureza qualitativa, com referencial teórico na etnografia da prática escolar. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa apresenta cinco características básicas: a primeira estabelece que a coleta dos dados ocorra no ambiente natural, configurando o pesquisador como ator principal para compreender o objeto estudado; a segunda característica diz respeito a transcrição
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