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1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS A crescente necessidade de cooperação internacional, nos mais diversos campos de aplicação do Direito, fez levar à criação e desenvolvimento de instituições internacionais, capazes de coordenar os interesses da sociedade internacional relativos a diversas finalidades. À medida que o Direito Internacional se institucionaliza, ele deixa de ser um direito das relações bilaterais ou multilaterais entre os Estados para tornar-se um direito cada vez mais presente nas chamadas organizações internacionais (ditas intergovernamentais, porque constituídas por tratados entre Estados e detentoras de personalidade jurídica internacional). As organizações internacionais intergovernamentais são um fenômeno da modernidade. Tal como conhecemos atualmente, as organizações intergovernamentais são produto da lenta evolução das relações (bilaterais ou multilaterais) entre Estados, tendo os seus contornos contemporâneos sido definidos a partir do início do século XIX. Seu aparecimento no cenário internacional tem por fundamento a impossibilidade que Estados têm (seja por questões de ordem estrutural, econômica, militar, política, social etc.) de conseguir realizar, sozinhos, alguns de seus objetivos comuns no âmbito de um contexto determinado, o que os induz a organizarem-se dentro de um novo quadro, criando organismos internacionais capazes de atender aos seus anseios e de realizar os seus objetivos mais prementes. Sendo os Estados os senhores absolutos do Direito Internacional Público, podem eles ceder parte de suas competências funcionais a tais entidades criadas por acordo mútuo para agir em seu nome reservando-lhes as atribuições necessárias para o cumprimento de suas funções. Atualmente, em virtude da complexidade das relações internacionais, o número de organizações internacionais existentes já ultrapassa o número de Estados componentes da sociedade internacional, e isso sem se considerar as organizações internacionais não governamentais que também interagem com as organizações intergovernamentais na busca dos seus respectivos propósitos e interesses. O desenvolvimento de organizações internacionais de caráter global e regional impulsionou- se grandemente depois do final da Segunda Guerra, momento a partir do qual os Estados passaram a unir-se em grupos para defender seus interesses comuns. Mas, diferentemente dos Estados, que sempre tiveram um papel qualitativamente semelhante, qual seja, o de manter a paz, a segurança e fomentar o desenvolvimento de certo grupo de pessoas reunidas em seu território, as organizações intergovernamentais têm finalidades das mais diversas. Seus objetivos variam, segundo Rezek, entre a suprema ambição de uma ONU – que pretende manter a paz mundial, trazendo estabilidade e harmonia para as relações internacionais – e o singelo desígnio de uma União Postal Universal, cujo objetivo é ordenar o trânsito postal extrafronteiras. É enorme, portanto, a heterogeneidade daqueles entes que podem ser designados estritamente de organizações internacionais. Esta atuação positiva das organizações internacionais, nos seus mais diversos campos, é normalmente autorizada por meio de decisões das suas respectivas Assembleias-Gerais, traduzindo aquilo que se convencionou chamar de poder quase legislativo das organizações internacionais. Tais decisões podem impor obrigações aos seus Estados-partes e devem ser por eles respeitadas. Tais obrigações variam caso a caso, dependendo da organização internacional de que se trata. Uma “resolução” do Conselho de Segurança das Nações Unidas que verse sobre o uso da força ou outro tema de direito humanitário diverge em conteúdo de uma “decisão” da Diretoria Executiva do Fundo Monetário Internacional que trata, por exemplo, da liberação de certo numerário em dinheiro decorrente da conclusão de um acordo stand—by. Mas isso não significa que tais manifestações internacionais, de cunho eminentemente obrigacional, não devam ser igualmente cumpridas pelos Estados-membros da ONU e do FMI. 2 Não existe em Direito Internacional Positivo uma definição precisa de organização internacional capaz de expor, de maneira satisfatória, toda a complexidade do fenômeno organizacional. Por exemplo, tanto a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) quanto a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (1986), ambas no art. 2º, § 1º, alínea i, simploriamente definem organização internacional como “uma organização intergovernamental”, o que evidentemente não é o suficiente para o correto entendimento do tema. Ademais, a multiplicidade de organizações hoje existentes (distintas umas das outras em estrutura e natureza) está a impedir uma conceituação tão estrita. No entanto, a prática de sua formação e funcionamento ao longo dos anos, parece permitir uma definição mais completa e capaz de entender o fenômeno com mais propriedade. Assim, para os fins do Direito Internacional Público, pode-se conceituar “organização internacional” como a associação voluntária de sujeitos do Direito Internacional, criada mediante tratado internacional (nominado de convênio constitutivo) e com finalidades predeterminadas, regida pelas normas do Direito Internacional, dotada de personalidade jurídica distinta da dos seus membros, que se realiza em um organismo próprio e estável, dotado de autonomia e especificidade, possuindo ordenamento jurídico interno e órgãos auxiliares, por meio dos quais realiza os propósitos comuns dos seus membros, mediante os poderes próprios que lhes são atribuídos por estes. As organizações internacionais intergovernamentais, assim como os Estados, têm personalidade jurídica internacional (podendo contrair obrigações e reclamar direitos) e esfera própria de atuação no cenário internacional. São criadas por acordos (tratados) entre diversos Estados soberanos, por meio de um ato constitutivo, regidas pelo Direito Internacional, e têm personalidade jurídica distinta da dos seus membros. Essa personalidade jurídica pode ser aferida da prática da organização, tal como reconheceu a CIJ no parecer consultivo de 11 de abril de 1949. O que elas não têm é soberania, uma vez que esta é atributo dos Estados, e como elas são criadas por Estados tem-se como certo que o poder que tais organizações detêm são apenas mediatos. Nem a mais importante delas – a Organização das Nações Unidas – é soberana no sentido técnico da palavra. Sua Assembleia-Geral também não o é, ainda que se possa dizer que os Estados a ela delegam poderes excepcionais de decisão (o mesmo sucedendo relativamente ao Conselho de Segurança). É de suma importância aqui fazer uma distinção entre tais organizações internacionais (ORGS) e aquelas organizações internacionais privadas ou não governamentais (ONGs), sendo certo que ambas não se confundem. Esta última expressão apareceu pela primeira vez no art. 71, primeira parte, da Carta das Nações Unidas de 1945, segundo o qual “o Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria competência”. Tanto as organizações intergovernamentais como as organizações não governamentais são produto de um ato de vontade que, no primeiro caso, promana dos Estados, quando elaboram um tratado multilateral constitutivo da organização e, no segundo, da vontade de particulares, com ou sem a interveniência de órgãos públicos, almejando criar uma organização não governamental para finalidades lícitas. Entretanto, tais organizações internacionais não governamentais, como a Anistia Internacional (AI), a União 3 Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos (UICN), os Médicos Sem Fronteiras (MSF) e o Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF), não se confundem com as organizações internacionaisintergovernamentais por não deterem (pelo menos por enquanto) personalidade jurídica de Direito Internacional. Apenas estas últimas (as ORGS) são verdadeiros sujeitos do Direito Internacional Público e detêm o poder de celebrar tratados com os Estados e com outras organizações internacionais da mesma natureza. As organizações não governamentais, apesar de sua grande relevância para as relações internacionais contemporâneas e não obstante o seu papel cada vez mais crescente em todo o planeta, têm a característica de serem criadas por particulares e não por Estados soberanos, não havendo tratado instituidor, o que as destitui de personalidade jurídica internacional, não podendo assim celebrar tratados, manter relações diplomáticas com outros sujeitos internacionais etc. As ONGs são sempre organizações não resultantes de um acordo intergovernamental. São instituições criadas por normas jurídicas internas de determinado Estado e regidas por tais normas, não pelas regras do Direito Internacional Público. São inúmeras as ONGs existentes na atualidade, podendo ser citadas também, a título de exemplo, a FIFA (que atua em relação ao futebol), o Greenpeace (em relação à proteção do meio ambiente) e a Human Rights Watch (no que tange à proteção dos direitos humanos). As organizações internacionais intergovernamentais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), são instituições internacionais criadas por tratados e regidas pelo Direito Internacional. O seu poder para celebrar tratados vem regulado pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial, criam-se organizações internacionais como a OIT. Mas o Direito Internacional somente vai conhecer a avalanche crescente de tais organizações a partir da Segunda Guerra, quando então são criadas as Nações Unidas e a grande maioria das organizações internacionais globais e regionais atualmente existentes. As Organizações Internacionais Intergovernamentais são sujeitos de DIP e apresentam as seguintes característica: a) são criadas por Estados e, por isso, devem ser tidas como interestatais (essa “interestatalidade” é, aliás, imprescindível à noção de organização internacional), excluindo- se, assim, as organizações de natureza privada; b) são instituídas por meio de tratados internacionais multilaterais, que as constituem e estabelecem suas regras e competências, sendo eles a verdadeira constituição (ou a “certidão de nascimento”) da organização; são neles que se preveem os direitos e as obrigações dos Estados-membros para com a organização. Daí se entender terem natureza dúplice os tratados instituidores dessas entidades: são acordos multilaterais e também a sua constituição; c) são criadas à base de um acordo de vontades, pela associação livre dos Estados, que não podem ser coagidos a ingressar na organização se esta não lhe for de interesse; d) têm capacidade civil e personalidade jurídica própria, ou seja, distinta da dos seus membros (v. item nº 5, infra), o que faz com que a base voluntarista de sua criação perca terreno para uma vontade de status superior à dos próprios Estados que as criaram; e) compõem-se de órgãos de caráter permanente, que são distintos e independentes dos demais membros da organização (v.ġ., um Conselho, uma Assembleia e um Secretariado); 4 f) seus órgãos têm vontade própria e primam pelos interesses da organização e não dos Estados que a compõem, o que não significa, em última análise, que não exista o objetivo de atingir o interesse comum desses Estados; e g) gozam, junto aos seus órgãos e delegados governamentais acreditados, dos privilégios e imunidades necessários ao exercício de suas funções (a exemplo da isenção de impostos diretos, bem assim de direitos aduaneiros e de vedações à importação ou exportação de bens de uso oficial etc.). As organizações internacionais intergovernamentais são sujeitos derivados (ou secundários) do Direito Internacional Público, de natureza funcional, eis que criadas por Estados (sujeitos primários e plenos da sociedade internacional). Sua criação se dá por meio de um convênio constitutivo, ou seja, por um tratado internacional multilateral. Não há organização internacional que não seja criada por meio de tratado concluído entre Estados. Normalmente dá-se o nome de Carta, Estatuto, ou Constituição ao tratado multilateral constitutivo da organização. O convênio constitutivo da organização é a sua carta orgânica, sua constituição, em relação à qual todas as demais normas inferiores devem ser subordinadas. Tais instrumentos não estão sujeitos a reservas e têm primazia sobre quaisquer outros tratados internacionais comuns. Aos Estados-membros originários do tratado constitutivo da organização podem ser agregados outros que venham a ela futuramente aderir, assim como algum Estado originário pode, dependendo do caso, retirar-se da organização por ato de vontade própria (denunciando o tratado constitutivo da organização, tal como fez o Brasil em 1926, quando resolveu se desligar da Liga das Nações) ou perder o status de membro, ocorrido algum fato que o possa levar a esta penalidade. A composição das organizações internacionais é, portanto, bastante variável, não contando com um número certo de membros. Toda organização internacional, assim como sucede com as sociedades privadas, possuem também um Estatuto interno, que regula as relações dos órgãos da sociedade. Este Estatuto, que não se confunde com o acordo constitutivo, não tem natureza jurídica convencional, isto é, não se consubstancia num tratado, sendo emanação espontânea dos órgãos de cúpula da própria organização, apesar de terem o seu fundamento de validade no convênio constitutivo da organização que autorizou a sua criação. O Estatuto é a regulamentação do direito interno da organização. Nele estão contidas as regras de auto-organização do organismo internacional, as relativas ao funcionamento dos principais órgãos deliberativos, dos órgãos subsidiários, as suas normas procedimentais e administrativas etc. Ademais, as organizações internacionais têm de ser permanentes. E essa permanência é a chave para a independência e autonomia da organização frente aos seus Estados-membros. Daí serem compostas de órgãos igualmente permanentes, distintos e independentes dos demais componentes da organização. Essas características são comuns a todas as organizações internacionais intergovernamentais, isso não impedindo que outras organizações sejam dotadas de características e peculiaridades próprias, a exemplo de eventuais diferenças no sistema de votação, de eleição de seus membros, poder decisório etc. Mas, pelo menos em dois aspectos, essas entidades têm algo em comum: a existência de uma assembleia-geral, na qual todos os seus membros têm direito ao voto, e de uma secretaria, responsável pelo funcionamento operacional e administrativo da organização. As organizações internacionais podem ser classificadas, dentre outros critérios, em relação às suas finalidades, suA natureza e em relação ao âmbito territorial de sua atuação. 5 No que tange aos fins que perseguem, as organizações podem ser classificadas em organizações internacionais de fins gerais e de fins específicos. São exemplos das primeiras (fins gerais) a Organização das Nações Unidas (ONU), cujos objetivos principais são a manutenção da paz e da segurança internacionais, e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que atua num âmbito territorial mais restrito e tem por finalidade a segurança continental, a solução pacífica de controvérsias e a cooperação dos Estados Americanos. São organizações de finalidades específicas, por sua vez, aquelas destinadas à cooperação econômica (como a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o FMI e o Banco Mundial), as de cooperação social,cultural e humanitária, como a UNESCO e a OIT, as de cooperação técnica, como a União Postal Universal (UPU), a União Internacional de Telecomunicações (UIT) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e as de cooperação militar, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Tanto as organizações internacionais de fins gerais quanto as de fins específicos, podem ter alcance universal ou regional. Assim, tanto a ONU como a OEA são organizações internacionais de fins gerais, mas a primeira é universal (pois admite o ingresso de qualquer Estado, sem qualquer discriminação) e a segunda regional (uma vez que dela só podem participar Estados americanos). Da mesma forma, a OIT, o FMI, o BIRD, a UNESCO, a FAO, a OACI e a OMS – chamadas de “agências especializadas” –, são todos organismos universais, mas de fins técnicos específicos. Existem também organizações de alcance regional com finalidade técnica específica, a exemplo da então Comunidade Econômica Europeia (CEE), da Associação Latino- Americana de Integração (ALADI) e o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Aqui também se incluem a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA). As organizações internacionais universais ou regionais também podem ter finalidade política, quando atuam em situações de conflito e exercem influência sobre temas importantes para o Estado (como os ligados à soberania e independência, bem como os relativos à proteção dos direitos humanos etc.). Quanto à participação de Estados, as organizações internacionais podem ser abertas ilimitadamente (caso permitam o ingresso de qualquer Estado indiscriminadamente, como a ONU), abertas limitadas (caso permitam o ingresso de apenas alguns Estados, tais como a União Europeia e a OEA, normalmente levando-se em conta a situação geográfica deles, ou, menos comumente, as afinidades econômicas entre eles – como é o caso da OPEPE) ou fechadas (as quais não permitem o ingresso de nenhum Estado que não participou originariamente de sua criação). Conforme a sua base territorial, as organizações internacionais classificam-se em globais (ou universais) e regionais. As primeiras são aquelas que admitem qualquer país do mundo como membro (ou, pelo menos, estão abertas ao maior número de Estados possível) e as segundas aquelas que somente permitem o ingresso de países pertencentes à sua base territorial, como a OEA, que só admite o ingresso de Estados pertencentes ao continente americano, assim como a Liga Árabe, que somente permite o ingresso de Estados Árabes. As organizações internacionais – como já falamos por mais de uma vez – têm personalidade jurídica internacional, da mesma forma que os Estados, podendo participar da cena internacional em seus mais variados campos de atuação. Contudo, a personalidade jurídica das organizações internacionais não se confunde com a dos seus membros, o que lhes dá 6 total autonomia e independência funcional para gerir os seus interesses e alcançar as finalidades para as quais foram criadas. Em outras palavras, essa personalidade jurídica autônoma e não vinculada à dos seus membros permite-lhe atender às expectativas do conjunto de Estados que dela fazem parte, independentemente da vontade individualizada de cada um deles. Tal personalidade jurídica tem início na data em que as mesmas começam a funcionar efetivamente. Pode-se então considerar que a existência jurídica de uma organização internacional depende integralmente da sua condição de poder decidir autônoma e livremente sem se vincular à vontade dos seus Estados-membros. A personalidade jurídica das organizações internacionais tem atualmente fundamento convencional, uma vez que é no seu instrumento constitutivo que normalmente vêm expressos os seus poderes específicos (nada obstando que o reconhecimento da personalidade jurídica venha expresso num tratado sobre privilégios e imunidades). Nesse caso, entende-se que os Estados cedem parcela de sua soberania para a criação de uma organização com vontade própria, distinta da vontade dos seus criadores. Dizer que as organizações internacionais têm vontade própria, contudo, não significa dizer que ela poderá se desvirtuar dos propósitos (para os quais foi criada) estabelecidos no seu tratado-fundação que, em última análise, consiste em expressar a vontade coletiva dos seus membros. O Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul (Protocolo de Ouro Preto) de 1994, é exemplo claro dessa cessão de poderes soberanos, feita pelos Estados em instrumento convencional, em virtude do disposto no art. 34, segundo o qual o “Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional”. Contudo, falar em personalidade jurídica internacional não significa, ipso jure, o poder imediato para celebrar tratados. Esta faculdade (chamada de jus tractuum ou direito de convenção) deve vir expressa no convênio constitutivo da organização. Pode-se dizer que a capacidade das organizações internacionais para firmar tratados, tanto com outras potências estrangeiras quanto com outras organizações internacionais, é essencial para “implementar as atribuições e a autoridade que lhes foram concedidas pelo seu instrumento constitutivo; e sua responsabilidade por direitos dos Estados membros”. Não se pode confundir, porém, os tratados em que a organização é parte com outros Estados ou com outras organizações internacionais (ou seja, os tratados que ela celebra com outros sujeitos do Direito Internacional em decorrência do jus tractuum ou direito de convenção de que dispõe nos termos do seu convênio constitutivo) com aqueles apenas celebrados sob sua égide, em que são partes apenas os Estados. A personalidade jurídica internacional das organizações internacionais é raramente prevista, de forma expressa, nos respectivos convênios constitutivos. Todas as organizações internacionais têm competência para expressar, por meio de atos dos seus órgãos decisórios, sua própria vontade, que é em tudo distinta da dos seus membros. Esses atos provêm sempre de um processo decisório tomado no seio da organização, o qual pode resultar de procedimentos dos mais diversos, a depender do tipo e da finalidade da organização. Normalmente, as decisões e deliberações das organizações intergovernamentais são tomadas por votações em assembleias-gerais ou órgãos congêneres. Tais votações representam a vontade conjunta dos Estados-membros da organização, sendo totalmente autônomas e independentes da vontade unilateral e individualizada destes. Assim, ainda que da formação da sua vontade participem ativamente os seus Estados-membros, esta vontade, quando manifestada, é independente da vontade individual daqueles e tem total autonomia. A regra quase absoluta nesse campo (salvo raras exceções que veremos a seguir) é a de valer a vontade da maioria dos Estados para tornar vinculativo o que ali se decide, conforme o sistema de votação eleito em cada organização. Mas, não obstante esse fato constatado, ainda é nebuloso nos textos dos respectivos tratados constitutivos essa caracterização. 7 Talvez o primeiro exemplo de texto claro a esse respeito seja o art. 39 do Convênio Constitutivo da OIT, de 1919, segundo o qual: “A Organização Internacional do Trabalho deve ter personalidade jurídica, e, precipuamente, capacidade para: a) adquirir bens, móveis e imóveis, e dispor dos mesmos; b) contratar; c) intentar ações”. Às vezes, dos órgãos deliberativos de certas organizações não participam todos os Estados, podendo-se já distinguir aqueles em que todos os membros têm direito de voto e aqueles em que apenas alguns deles o têm. Tal pode dar-se, inclusive, dentro de uma mesma organização internacional, como é o caso das Nações Unidas, em que todos os Estados participam das votações da Assembleia-Geral, mas apenas quinze participam das decisões do Conselho de Segurança. Há duasclasses de membros de uma organização internacional: os originários e os admitidos. Os membros originários são os que participaram do processo de formação da organização em sua gênese, tendo subscrito ab initio (e, claro, ratificado) o seu tratado constitutivo. São membros admitidos aqueles que, não tendo participado da elaboração do ato constitutivo da organização, a este aderiram por meio de ratificação posterior. É quanto a estes últimos que o problema da admissão se coloca. A admissão de novos membros à organização deve vir obrigatoriamente disciplinada no seu tratado constitutivo. É a adesão ao convênio constitutivo da organização (nos termos estabelecidos pelo próprio convênio) que atribui a um Estado o status de “membro”. Tal ingresso, no entanto, não é sempre livre e sem qualquer restrição. Há certos limites de admissão de novos membros nos próprios instrumentos constitutivos que devem ser observados, ainda que alguns desses limites soem um tanto quanto românticos a quem os interpreta. Tais condições prévias de ingresso para não membros variam de organização para organização. Assim, não é incomum impor-se aos Estados tais condições de ingresso na organização, as quais podem ser inclusive geográficas, como fazem as Comunidades Europeias, que limitam o ingresso no instrumento respectivo aos Estados europeus. A Carta da OEA, de 1948, diz serem “membros da Organização todos os Estados americanos” que a ratificarem (art. 4º). A Liga Árabe, por sua vez, estabelece que somente um “Estado árabe” pode tornar-se membro da organização (art. 1º). A Carta das Nações Unidas limita a admissão como membro da organização aos “Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” (art. 4º, § 1º), devendo tal admissão ser “efetuada por decisão da Assembleia-Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança” (art. 4º, § 2º). Manifestada a sua vontade expressa, a adesão ao convênio constitutivo da organização se presume integral, isto é, sem reservas. Os tratados constitutivos de organizações internacionais são, pela sua própria natureza, contrários à ratificação ou à adesão com reservas. - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Antes do final do conflito que ensanguentou a Europa entre 1939 e 1945, as potências que combatiam o Eixo, levando em consideração o fracasso completo da Liga das Nações na tentativa de evitar as guerras, tiveram a intenção de estabelecer, em período não muito longo de tempo, uma organização internacional, de caráter geral e fundada na igualdade soberana 8 de todos os Estados pacíficos, que tivesse por propósito a manutenção da paz e da segurança internacionais, nos termos do que foi reconhecido pelo Reino Unido, Estados Unidos da América, União Soviética e China na Declaração de Moscou de 1º de novembro de 1943. Depois de várias propostas e discussões, foram elaborados, nos encontros aliados de Dumbarton Oaks (Washington, D.C.), em agosto e setembro de 1944, os projetos para a reconstrução jurídico-política do mundo, bem como as “propostas para o estabelecimento de uma Organização Internacional Geral”, posteriormente modificadas em Yalta, em fevereiro de 1945, que serviram de base para a elaboração da Carta da Organização das Nações Unidas e do novo Estatuto da CIJ. A referida Carta foi assinada em 26 de junho de 1945, na cidade de São Francisco (Califórnia), juntamente com o ECIJ. Mas foi somente em 24 de outubro de 1945 que as Nações Unidas efetivamente se constituíram, quando entrou em vigor internacional a carta constitutiva da organização (Carta da ONU), tendo a Assembleia-Geral deliberado estabelecer sua sede em Nova York. O tratado-fundação da ONU, que é a carta orgânica da instituição, foi firmado inicialmente por 51 Estados-membros.78 Desde então, passou a abarcar de maneira crescente e progressiva inúmeros outros Estados, contando hoje com quase todos os Estados independentes do mundo. É fora de propósito, entretanto, considerar a Organização das Nações Unidas uma entidade supranacional – como é a União Europeia, ainda único exemplo desse tipo organizacional – uma vez que os seus atos unilaterais (decisões, resoluções etc.) não integram imediatamente os ordenamentos internos dos seus Estados-partes, não revogando, ipso jure, as normas domésticas com eles incompatíveis. Os propósitos da Organização das Nações Unidas vêm indicados tanto no preâmbulo de sua Carta constitutiva quanto no art. 1º desse mesmo instrumento. Fazendo-se uma síntese desses propósitos, pode-se dizer que suas intenções consubstanciam-se em: a) preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; b) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas; c) estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos; d) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla; e) praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum; f) empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos; g) manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 9 h) desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; i) conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e j) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. Para a realização desses propósitos, devem os Estados-membros da ONU proceder de acordo com os princípios seguintes: igualdade soberana de todos os membros; boa-fé no cumprimento das obrigações; solução pacífica das controvérsias; abstenção do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado; não intervenção em assuntos essencialmente internos dos Estados. A ONU é composta por dois tipos de membros: os originários e os admitidos (ou eleitos). A matéria vem regulada pelo Capítulo II da Carta das Nações Unidas (arts. 3º ao 6º). Os chamados membros originários são aqueles cinquenta e um Estados que estiveram presentes à Conferência de São Francisco e ali assinaram (e posteriormente ratificaram) a Carta. O Brasil é membro originário das Nações Unidas. Os segundos (membros admitidos) são os que ingressaram na instituição após a sua criação. Os últimos países a ingressar nas Nações Unidas foram a Suíça e o Timor Leste, ambos em 2002. Nos termos do art. 4º, § 1º, da Carta da ONU, a admissão como membro das Nações Unidas está aberta “a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações” ali contidas. Nesse caso, a admissão como membro das Nações Unidas fica condicionada à obediência a três condições, quais sejam: a) ser um Estado amanteda paz; b) aceitar as obrigações impostas pela Carta; e c) estarem aptos e dispostos a cumpri-las. Em 1945, quando foi firmada a Carta da ONU, a organização contava com 51 membros. A partir de 2011, já são 193 o número de Estados-membros das Nações Unidas. A admissão de quaisquer Estados como membros das Nações Unidas é efetuada por decisão da Assembleia-Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. A suspensão e a expulsão de um membro das Nações Unidas vêm reguladas nos arts. 5º e 6º da Carta da ONU. Nos termos do art. 5º da Carta, o membro das Nações Unidas contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de membros pela Assembleia-Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá, no entanto, ser restabelecido pelo Conselho de 10 Segurança. Segundo o seu art. 6º, por sua vez, o Estado-membro “que houver violado persistentemente os princípios contidos na presente Carta”, poderá ser expulso da ONU, cabendo tal decisão à Assembleia-Geral “mediante recomendação do Conselho de Segurança”. Nesse último caso, por se tratar de medida de extrema gravidade, perceba-se que a expulsão somente poderá operacionalizar-se – tal como prevê a Carta – se a violação que a determinou houver sido persistente. A decisão sobre a expulsão de Estado-membro deve dar-se pela deliberação da maioria de dois terços dos membros presentes e votantes à Assembleia-Geral, segundo disposição expressa do art. 18, § 2º, da mesma Carta. Todos os Estados-membros das Nações Unidas – que nela mantêm uma representação permanente – são representados por delegados. A escolha dos representantes do Estado fica a cargo de cada governo, devendo passar pelo crivo de uma comissão de verificação dos poderes, que examina as credenciais de tais representantes, faz seu relatório (art. 28 do Regulamento Interno da Assembleia-Geral) e decide sobre o aceite dos agentes eleitos. Praticamente todo o sistema das Nações Unidas foi estabelecido com base no princípio da segurança coletiva mundial, segundo o qual a paz internacional só pode ser alcançada respeitando-se certos parâmetros mínimos de convivência entre os Estados, entre elas a segurança e a proteção dos direitos humanos. Entendeu a Carta que a proteção dos direitos humanos é conditio sine qua non para o bem-estar da sociedade internacional. Essa intenção da Carta de São Francisco pode ser percebida com a leitura do seu Preâmbulo, segundo o qual – como já se falou – os povos das Nações Unidas têm por propósitos, dentre outros, “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”, bem assim “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”. Diz ainda o mesmo Preâmbulo que, para tais fins, devem os povos das Nações Unidas “praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos”, unindo suas forças “para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum”. Para o alcance dos objetivos contidos em sua Carta, as Nações Unidas foram organizadas em diversos órgãos, dentre os quais, nos termos do seu art. 7º, os principais são - Assembleia-Geral, - Conselho de Segurança, - Corte Internacional de Justiça, - Conselho de Tutela, - Secretariado e - Conselho Econômico e Social. Assembleia-Geral. É a Assembleia-Geral o órgão principal das Nações Unidas e o único composto por representantes de todos os Estados-membros, com um máximo de 5 (cinco) delegados por Estado, que representa o maior foro de discussões que se tem notícia – tem competência para discutir e fazer recomendações relativamente a qualquer matéria que for objeto da Carta ou se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos. 11 São exemplos de atribuições da Assembleia-Geral matérias como: paz e segurança internacionais, eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança, eleição dos membros do Conselho Econômico e Social, eleição dos membros do Conselho de Tutela, admissão de novos membros para a organização e suspensão ou expulsão dos já existentes, aprovação de emendas à Carta etc. Daí se dizer ser a Assembleia-Geral o único órgão das Nações Unidas dotado de competência totalmente genérica. Mas não obstante essa competência ampla, relativa a “quaisquer” assuntos das Nações Unidas, a Assembleia-Geral às vezes fica subordinada aos assuntos de competência específica do Conselho de Segurança, devendo ceder às suas decisões, nos termos do art. 12, § 1º, da Carta da ONU (verbis: “Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia-Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite”). Cada membro da Assembleia-Geral da ONU tem direito a um voto (art. 18, § 1º), sendo que as decisões importantes (fundamentais para a própria Organização e para os Estados) seguem o princípio majoritário, devendo ser tomadas pelo voto da maioria de 2/3 dos membros presentes e votantes. Incluem as questões “importantes” aquelas enunciadas no art. 18, § 2º (recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança, a eleição dos membros do Conselho Econômico e Social, a eleição dos membros do Conselho de Tutela, a admissão de novos membros das Nações Unidas, a suspensão dos direitos e privilégios de membros, a expulsão dos membros, questões referentes ao funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias), além de outras, a depender do voto da maioria dos membros presentes e votantes (art. 18, § 3º). A Assembleia-Geral da ONU se manifesta por meio de resoluções, declarações ou recomendações, de efeito não vinculante aos seus Estados-membros. b) Conselho de Segurança. É o órgão das Nações Unidas que tem como principal atribuição a “manutenção da paz e segurança internacionais” (art. 24, § 1º),89 sendo atualmente considerado – ao menos teoricamente – como o órgão primordial da organização. É composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Membros permanentes são (segundo a ordem da Carta da ONU): a China, a França, a Rússia (desde 1992, tendo sucedido à implosão da ex-URSS), o Reino Unido e os Estados Unidos da América. Os membros não permanentes são eleitos pela Assembleia-Geral, com mandato de dois anos, considerando sua contribuição para os propósitos das Nações Unidas (em especial, para a manutenção da paz e da segurança internacionais) e a distribuição geográfica equitativa (art. 23, §§ 1º e 2º). A distribuição de vagas para membros não permanentes no Conselho de Segurança foi regulamentada pela Resolução 1991, de 17 de dezembro de 1963, da Assembleia-Geral, que dividiu geograficamente os Estados em quatro grupos: Europa Ocidental e “outras potências”; Europa Oriental; América Latina; e 12 África e a Ásia. Com a passagem dos membros não permanentes de 6 para 10, o primeiro desses grupos passou a ter dois lugares, o segundo, um, o terceiro, dois, e o grupo da África e da Ásia, cinco. Cada membro do Conselho de Segurança tem, dentro do órgão, um representante e, portanto, o direito de um voto apenas. Nos termos do art. 32 da Carta da ONU, qualquer Membro da Organização “quenão for Membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for Membro das Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança, a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia”. O Conselho de Segurança determinará, também, “as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não for membro das Nações Unidas”. Entre as suas atribuições, podem ser destacadas as relativas à aplicação de sanções econômicas aos Estados ou outra medida capaz de evitar qualquer tipo de agressão, atinente às recomendações à Assembleia-Geral de admissão de novos membros, bem como as condições sob as quais os Estados poderão tornar-se parte do Estatuto da CIJ, a relativa à suspensão ou expulsão de Estados-membros da Organização etc. É o Conselho de Segurança da ONU o único órgão das Nações Unidas com poder para tomar decisões mandatórias, as quais os demais membros da Organização têm de fielmente acatar e executar, nos termos do art. 25 da Carta.102 Frise-se que todas as decisões do Conselho de Segurança são obrigatórias (em virtude do que dispõe o referido art. 25). Por fim, cumpre dizer que o Conselho de Segurança é assessorado, em questões de caráter militar, por uma comissão de Estado-Maior formada pelos Chefes de Estado-Maior, dos membros permanentes do Conselho de Segurança, investida das responsabilidades de direção das forças armadas colocadas por tais membros à disposição do Conselho. c) Corte Internacional de Justiça. A Corte é o principal órgão judicial das Nações Unidas, com sede na Haia (Holanda). Compõe-se de quinze juízes (art. 3º, § 1º, do Estatuto da Corte) eleitos pela Assembleia-Geral em ato conjunto com o Conselho de Segurança, para um mandato de nove anos, com possibilidade de reeleição. Tais juízes são eleitos entre as pessoas indicadas pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem. A escolha não se dá em razão de sua nacionalidade, mas sim levando-se em conta sua capacitação pessoal. No seu conjunto, o corpo de juízes deve representar as mais altas formas de civilização e os principais sistemas jurídicos do mundo contemporâneo. São vedados dois juízes da mesma nacionalidade na Corte. O disciplinamento da CIJ é fixado pelo seu Estatuto, que foi anexado à Carta das Nações Unidas. Tem a Corte competência contenciosa e consultiva, estando somente os Estados, contudo, habilitados a serem partes em questões perante ela (art. 34, § 1º, do ECIJ). Todos os membros das Nações Unidas, nos termos do art. 93 da Carta, são, ipso facto, partes do ECIJ. Isso não impede que um Estado que não seja membro das Nações Unidas se torne parte no Estatuto da Corte, o que irá depender das condições que serão determinadas pela Assembleia-Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. 13 Cada Estado-membro das Nações Unidas se compromete a aceitar as decisões proferidas pela CIJ em qualquer caso em que esse Estado for parte. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença (art. 94, §§ 1º e 2º). Organismos internacionais de cooperação social: 1) Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trata-se de organização internacional criada pelo Tratado de Paz de 1919 (Tratado de Versailles). Nasceu como uma forma de anexo à Liga das Nações, não obstante dotada de total autonomia. Anos mais tarde, em outubro de 1946, a organização incorporou a Declaração de Filadélfia, de 1944, como anexo à Constituição da OIT. 2) Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A conhecida UNESCO (sigla de United Nations Educational Scientific Cultural Organization) nasceu em 4 de dezembro de 1946, com sede em Paris, resultado da Conferência de Londres, dos ministros da Educação de quarenta e quatro países. O seu lema é: “Se a guerra nasce na mente dos homens, é na mente dos homens que devem ser construídas as defesas da paz”. Seu principal objetivo consiste em fomentar a educação, a ciência e a cultura da sociedade internacional e, ao mesmo tempo, auxiliar os Estados-partes na busca de soluções para os problemas que desafiam as sociedades interna e internacional, a exemplo do grave problema do analfabetismo e outros congêneres. Dentre as suas funções, estão a de colaborar na tarefa de difundir os conhecimentos mútuos e o entendimento entre os povos por meio de todas as comunicações possíveis; impulsionar a educação popular e a difusão da cultura; e ajudar na conservação, progresso e difusão do saber. Para o alcance desses misteres “deve ela colaborar na obra destinada a promover o conhecimento e compreensão dos povos entre si, através de todos os meios de comunicações; dar impulso à educação popular e à disseminação da cultura; desenvolver e difundir conhecimentos”. Seus principais órgãos são a Conferência Geral, o Conselho Executivo e o Secretariado. 3) Organização Mundial de Saúde (OMS). Criada em 1946, com sede em Genebra, a finalidade da OMS é alcançar o mais elevado índice de saúde para todos os povos do planeta, combatendo a mortalidade infantil, fomentando a recuperação de pessoas com deficiência etc. Tal como se estabelece em sua Constituição, o objetivo da OMS é que todos os povos possam gozar do máximo grau de saúde possível. Para a Constituição da OMS, a expressão “saúde” não significa apenas a ausência de doenças ou enfermidades, mas o estado de completo bem-estar físico, mental e social dos indivíduos. Entre as suas funções, podem ser destacadas: a erradicação das epidemias e endemias; a assistência técnica e os serviços sanitários; o auxílio aos governos; e as pesquisas sobre saúde. São órgãos da OMS a Assembleia Mundial de Saúde, o Conselho Executivo e o Secretariado. É importante frisar que a OMS nasceu de uma iniciativa do Brasil, por meio da delegação brasileira na Conferência de São Francisco, de 1945. 14 - Organismos internacionais de cooperação econômica: 1) Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI foi criado por força da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, de 1944, já no quadro da preparação do pós-guerra, destinada a promover a cooperação internacional nos campos monetário e comercial, garantindo a estabilidade do câmbio e minimizando o desequilíbrio das balanças internacionais de pagamento, no intuito de evitar as políticas de “empobrecimento do vizinho” surgidas durante a grande depressão de 1929 a 1933 e que, de alguma forma, estiveram na base da evolução econômica e política posterior a esse período. Sua sede é em Washington. Na mesma ocasião, juntamente com o FMI, também foi criado – por meio do Acordo de Bretton Woods – o BIRD, também chamado de Banco Mundial, responsável pelo empréstimo (a juros) de recursos financeiros aos seus Estados-membros, sobretudo para o financiamento de projetos de infraestrutura de médio e longo prazos nos países periféricos. 2) Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Sua criação foi decorrência de uma ideia nascida durante a Segunda Guerra Mundial acerca da necessidade da criação de um organismo destinado ao exame e estudo constantes das condições mundiais de alimentação, especialmente no campo da agricultura. Sua criação efetiva se deu em 16 de outubro de 1945, num ato internacional assinado em Quebec, no Canadá. O lugar originalmente designado para a sua sede foi Washington, tendo sido transferida para Roma, em 1951. As principais metas e objetivos da FAO são: fomentar a pesquisa científica na área agrícola; aumentar o nível de alimentação e a expectativa de vida do planeta; melhorar a conservação osrecursos naturais; melhorar o sistema de distribuição de produtos agrícolas e da pesca; e como implementar melhoria das condições de vida das populações rurais. Pode-se dizer, entretanto, que a preocupação atual da FAO está mais ligada à segurança alimentar. Seus órgãos principais são a Conferência, o Conselho e o Secretariado. 3) Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC não é uma “agência especializada” da ONU, não sendo qualquer das suas atividades coordenadas pelas Nações Unidas, como se depreende de sua política e do seu próprio acordo constitutivo. Mas ela será aqui estudada (até mesmo por questão didática) levando-se em consideração o fato de também ser uma organização internacional de cooperação econômica, que mantém inclusive mecanismos de cooperação com as Nações Unidas. De início, pode-se afirmar que a primeira tentativa de se criar uma organização internacional sobre comércio se deu em 1947, na chamada Conferência de Havana. Ali se pretendeu criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC) que, entretanto, jamais se concretizou com a recusa de aprovação do Congresso dos Estados Unidos. Em virtude desse fato, novo acordo levou à conclusão do GATT (General Agreement of Tariffs and Trade - Acordo Geral de Tarifas e Comércio), com a finalidade de fomentar o comércio por meio da redução das tarifas alfandegárias. As reduções de tais tarifas passaram a ter lugar em negociações internacionais que levam o nome de rodadas. Durante oito rodadas de negociações no âmbito do GATT – das quais a mais audaciosa e completa foi a última, conhecida por Rodada 15 Uruguai, iniciada em Punta del Este em 1986 e finda em 1993, da qual participaram 117 países representantes de 90% do comércio mundial – vários princípios de comércio internacional foram desenvolvidos na busca de melhorar as condições internacionais de comércio, abaladas pelo endividamento dos países periféricos, e na tentativa de estancar a consequente redução da produção que afeta o comércio internacional. Os acordos negociados no âmbito da Rodada Uruguai foram, ao final, assinados em Marraqueche, no Marrocos, em abril de 1994 (quando então o GATT se altera pelo Protocolo de Marraqueche), dando finalmente causa à criação da OMC (agora já como “sucessora” do GATT). Sua sede é em Genebra e suas atividades se iniciaram em 1º de janeiro de 1995 (tendo, a partir dessa data, as partes-contratantes do GATT se tornado, ipso jure, membros originários da OMC). A OMC nasce com a natureza jurídica de organização internacional intergovernamental (composta por Estados e também por territórios aduaneiros), com personalidade jurídica de Direito Internacional, ao contrário do GATT, que é simplesmente um tratado multilateral, sem qualquer personalidade jurídica de direito das gentes. O objetivo primordial da OMC consiste na supressão gradual das tarifas alfandegárias que tornam difíceis e discriminam as relações comerciais internacionais, servindo de foro para negociações de novas regras ou temas relativos ao comércio. Trata-se, atualmente, do único organismo internacional que se ocupa das normas que regem o comércio entre os Estados, objetivando ajudar os produtores de bens e serviços, exportadores e importadores a desenvolverem e levar adiante suas atividades. A organização também está dotada de um sistema de solução de controvérsias bem mais complexo que o existente no quadro organizacional do GATT. - ORGANIZAÇÕES REGIONAIS E SUPRANACIONAIS As organizações intergovernamentais regionais e sub-regionais compõem outro grupo importante de instituições internacionais. Tais instituições, da mesma forma que aquelas de caráter global, também são formadas por tratados constitutivos e têm atribuições especificadas pela respectiva carta instituidora. Tratam de problemas específicos das regiões a que pertencem, como política regional, integração cultural e econômica, bem como assuntos militares comuns etc. Algumas dessas organizações regionais, como veremos, gozam de poder supranacional, como é o caso da União Europeia. Outras apenas têm autoridade para formular recomendações de caráter obrigatório, bem como projetos de tratados. Muitas têm também autoridade para criar normas de direito internacional, contudo de forma um pouco mais limitada que as organizações internacionais de caráter global. Entre as organizações regionais de maior importância estão o Conselho da Europa (CE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Africana (UA), que era a antiga Organização para a Unidade Africana (OUA). Destas organizações regionais, a mais antiga é a OEA, cuja Carta foi assinada em Bogotá (Colômbia) em 30 de abril de 1948, por ocasião da IX Conferência Interamericana, tendo entrado em vigor em 13 de dezembro de 1951. Posteriormente, a Carta da OEA foi reformada pelos Protocolos de Buenos Aires, em 1967, de Cartagena das Índias, em 1985, de Washington, em 1992, e de Manágua, em 1993. Cada uma dessas organizações acima citadas pode estabelecer regras específicas de admissão de determinado Estado como membro. O Conselho da Europa, por exemplo, coloca como condição de ingresso estarem os Estados comprometidos com a noção jurídica de Estado de Direito e que garantam o gozo dos Direitos Humanos (art. 3º do seu Estatuto). Este dispositivo 16 impediu, por exemplo, que Portugal e Espanha ingressassem no Conselho da Europa enquanto não estabelecessem regimes democráticos. Quanto à OEA, atualmente está aberta a todos os Estados independentes do hemisfério. E a União Africana está aberta a qualquer “Estado africano soberano e independente”, nos termos do art. IV da sua Carta. Apesar de suas diferenças institucionais, os objetivos das três instituições regionais assinaladas é o de promover a cooperação regional, em diferentes áreas, entre os Estados que as compõem. Para tanto foram concluídos inúmeros tratados internacionais sob os auspícios de tais organizações levando-se em conta estes objetivos e finalidades de tais instituições. Não se pode deixar de levar em conta que uma das preocupações de tais organizações é, também, a promoção e proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, merece destaque, no âmbito da OEA, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também chamada de Pacto de San Jose da Costa Rica), firmada pelos Estados interamericanos em 1969. MERCOSUL - O processo de integração dos países do sul do Continente Americano teve o seu momento mais marcante com a conclusão do Tratado de Assunção, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, concluído em Assunção (Paraguai) em 26 de março de 1991. A estrutura formal do tratado não destoa dos demais acordos internacionais conhecidos, contendo um preâmbulo, o articulado (dispositivo) e as cláusulas finais. Referido tratado pode ser considerado o fundamento da estrutura do Mercosul, em que estão positivados os seus princípios elementares. O Tratado de Assunção teve como objetivo principal instituir um mercado comum entre os Estados-partes, como se percebe desde a leitura de seu Preâmbulo. Ali se lê que relativamente aos Estados-partes no acordo “a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social”, sendo que esse objetivo “deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio”. Para a instituição do tratado, levou-se também em conta “a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países”, reafirmando-se a vontade política de tais Estados “de deixar estabelecidasas bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados”. A estrutura institucional do Mercosul foi originalmente disciplinada no art. 9º do Tratado de Assunção, segundo o qual a administração e execução do tratado e dos acordos específicos e decisões que se adotem no quadro jurídico que o mesmo estabelece durante o período de transição estarão a cargo dos seguintes órgãos: a) Conselho do Mercado Comum; e b) Grupo Mercado Comum. Em 1994, com a celebração do Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul (Protocolo de Ouro Preto), ampliou a estrutura do Mercosul para seis órgãos. Nos termos do art. 1º do Protocolo esses órgãos são: 1) Conselho do Mercado Comum (CMC). O Conselho é o órgão superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr 17 a constituição final do mercado comum (art. 3º). É integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados- partes (art. 4º). Sua presidência é exercida por rotação dos Estados-partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses (art. 5º). Suas reuniões, coordenadas pelos Ministros das Relações Exteriores, devem realizar-se pelo menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados-partes (arts. 6º e 7º). São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum (art. 8º): a) velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; b) formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum; c) exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul; d) negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais; e) manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum; f) criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas; g) criar órgãos que estime pertinentes, assim como modificá- los ou extingui-los; h) esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões; i) designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; j) adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária; e l) homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum. O Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante Decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados-partes (art. 9º). 2) Grupo Mercado Comum (GMC). Este é o órgão executivo do Mercosul (art. 10). É integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais, sempre com a coordenação dos Ministérios das Relações Exteriores (art. 11). 3) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM). Trata-se do órgão encarregado de assistir o Grupo Mercado Comum. A ele compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países (art. 16). Integram-na quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado-parte, sendo coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores (art. 17). Suas reuniões têm lugar pelo menos uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo Grupo Mercado Comum ou por qualquer dos Estados- partes (art. 18). 4) Parlamento do Mercosul (Parlasul). Originariamente, nos termos do Protocolo de Ouro Preto, havia uma a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) como órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-partes do Mercosul (art. 22). Tal Comissão tinha por função, entre outras, encaminhar, por intermédio do Grupo Mercado Comum, recomendações ao Conselho do Mercado Comum. Em 15 de dezembro de 2004 tomou-se, porém, a decisão de criar um Parlamento do Mercosul, tal como previsto no regulamento da citada Comissão. Após a vigência do Protocolo que instituiu o Parlamento do Mercosul, adotado em 9 de dezembro de 2005, a Comissão Parlamentar Conjunta passou a não mais integrar a estrutura institucional do bloco, dando lugar ao atual Parlasul (art. 1º do Protocolo). São propósitos do Parlamento: representar os povos do Mercosul, respeitando sua pluralidade ideológica e política; assumir a promoção e defesa permanente da democracia, da liberdade e da paz; promover o desenvolvimento sustentável da região com justiça social e respeito à diversidade cultural de suas populações; garantir a participação dos atores da sociedade civil no processo de integração; estimular a formação de uma consciência coletiva de valores cidadãos e comunitários para a integração; contribuir para consolidar a integração latino-americana mediante o aprofundamento e ampliação do Mercosul; e promover a solidariedade e a cooperação regional e internacional (art. 2º do Protocolo. 18 5) Foro Consultivo Econômico-Social (FCES). Este é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais, estando integrado por igual número de representantes de cada Estado-parte (art. 28 do Protocolo de Ouro Preto). O Foro tem função consultiva e se manifesta mediante Recomendações no Grupo Mercado Comum (art. 29). Suas funções não destoam da desempenhada pelo Comitê Econômico e Social da União Europeia. 6) Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Trata-se do órgão de apoio operacional do Mercosul, responsável pela prestação de serviço aos demais órgãos do Mercosul, tendo sua sede na cidade de Montevidéu, no Uruguai. No que tange à solução de controvérsias no Mercosul, cabe destacar que, com a assinatura do Protocolo de Olivos (de 18 de fevereiro de 2002) foi criada uma instância decisória permanente – o Tribunal Permanente de Revisão, cuja natureza é a de tribunal arbitral – com competência para decidir sobre a interpretação, aplicação e cumprimento das normas jurídicas do processo de integração (art. 1º do Protocolo). O Tribunal é composto por um membro titular e um suplente de cada um dos Estados-partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela). A competência contenciosa do Tribunal pode ser originária ou servir como instância recursal sobre questões decididas pelos Tribunais Arbitrais Ad Hoc (arts. 23 e 17); é também possível provocar o TPR no que tange à emissão de Opiniões Consultivas (art. 3º). Na sistemática atual do TPR, não se admite a provocação por particulares, os quais apenas pela via indireta – ou seja, pela representação diplomática – podem se fazer presentes diante do Tribunal. Destaque-se que, no ano de 2010, o Parlamento do Mercosul aprovou o Projeto de Norma (Decisão CMC) nº 02/10, por meio do qual se pretendia estabelecer uma Corte de Justiça do Mercosul, o qual foi levado à consideração e aprovação do Conselho do Mercado Comum na sua XLV reunião, ocorrida em Foz do Iguaçu em 16 de dezembro de 2010. O Projeto visava criar um tribunal jurisdicional – à diferença do TPR, cuja natureza é de tribunal arbitral – independente e essencial à garantia da interpretação e aplicação uniformes do Direito do Mercosul, a fim de consolidar o fortalecimento jurídico e institucional do processo de integração. O Projeto, contudo, foi arquivado e jamais considerado, não obstante ter sido apresentado pelo órgão com maior legitimidade democrática dentro do bloco. A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) nasceu em decorrência do Tratado firmado em Brasília, em 23 de maio de 2008, pelas repúblicas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, constituindo-se em “umaorganização dotada de personalidade jurídica internacional” (art. 1º).166 Entrou em vigor em 11 de março de 2011. A sede da organização está em Quito (Equador), onde funciona a Secretaria-Geral; seu Parlamento localiza-se em Cochabamba (Bolívia) e a sede de seu Banco em Caracas (Venezuela). Destaque-se que o desenho institucional da Unasul está fortemente marcado por traços da política exterior brasileira, responsável por influenciar a formação da organização desde a origem, em especial no que tange à esperança de torná-la uma potência tanto regional como global.168 Assim, crê-se que o Brasil há de ter um papel de liderança política dentro da Unasul, sem abandonar a cordialidade que a política externa brasileira sempre teve para com os vizinhos da América do Sul. 19 A Unasul tem como objetivo geral construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados (art. 2º). Os seus objetivos específicos vêm enumerados no art. 3º do Tratado, que conta com vinte e uma alíneas. Destaque-se que a Unasul goza no território de cada um dos Estados-membros dos privilégios e imunidades necessários para a realização de seus propósitos. Da mesma forma, os representantes dos Estados-membros e os funcionários internacionais da Unasul gozam dos privilégios e imunidades necessários para desempenhar com independência suas funções relacionadas ao Tratado (art. 22). OEA – A Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização internacional regional, cujo tratado institutivo foi assinado em Bogotá, Colômbia, em 30 de abril de 1948, tendo entrado em vigor internacional em 13 de dezembro de 1951, quando foi depositado o seu 14º instrumento de ratificação. Juntamente com a Carta da OEA, foram assinados, naquela ocasião, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, o Convênio Econômico de Bogotá e a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, sendo que os dois últimos acabaram não vingando por falta das ratificações necessárias para a sua entrada em vigor. A Carta da Organização dos Estados Americanos é um tratado internacional multilateral aberto instituidor de organização internacional. Trata-se também de tratado constitutivo de uma organização regional, de conformidade com o art. 52, § 1º, da Carta da ONU, segundo o qual: “Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas”. Os 21 Estados fundadores, que participaram da criação da OEA em 1948 são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. E os novos Estados posteriormente incorporados à Carta, entre 1967 e 1990, foram: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Saint Kitts e Nevis, Suriname e Trinidad e Tobago, perfazendo atualmente 35 Estados. O princípio geral instituído pela Carta é o de que todos os Estados americanos são juridicamente iguais, desfrutam de iguais direitos e de igual capacidade para exercê-los, e têm deveres iguais, sendo que os direitos de cada um não dependem do poder de que dispõem para assegurar o seu exercício, mas sim do simples fato da sua existência como personalidade jurídica internacional (art. 10). Nos termos do art. 21 da Carta, o território de um Estado é inviolável, não podendo ser objeto de ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo, embora de maneira temporária. Também não se reconhecerão as aquisições territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por qualquer outro meio de coação. 20 Consideram-se meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais, nos termos do art. 25 da Carta da OEA, a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes. A Carta assevera, ainda, que quando entre dois ou mais Estados americanos surgir uma controvérsia que, na opinião de um deles, não possa ser resolvida pelos meios diplomáticos comuns, as partes deverão convir em qualquer outro processo pacífico que lhes permita chegar a uma solução (art. 26). Os Estados Americanos podem escolher o sistema de solução de controvérsias da Carta das Nações Unidas, depois de não terem obtido resultado satisfatório de acordo com o sistema adotado pela OEA. É por meio dos seus órgãos que a OEA desempenha as funções a ela inerentes, estabelecidas pelo seu tratado constitutivo, sendo eles os seguintes: a Assembleia-Geral; a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; os Conselhos; a Comissão Jurídica Interamericana; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e a Secretaria-Geral.
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