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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Saúde da Criança II NEFROPEDIATRIA Síndrome Nefrótica: Introdução: A síndrome nefrótica caracteriza-se clinicamente por edema de intensidade variável, proteinúria maciça/nefrótica (≥ 40 mg/m2/hora em crianças), hipoalbuminemia (albumina sérica ≤ 2,5 g/dL em crianças), hiperlipidemia e lipidúria. A síndrome nefrótica apresenta evolução prolongada, com alto índice de recorrências, podendo estar associada a infecções intercorrentes e/ou a reações alérgicas. As recorrências da síndrome nefrótica podem estender-se até a idade adulta em 42% dos pacientes. A síndrome nefrótica caracteriza-se por aumento da permeabilidade da membrana basal glomerular, resultando no desenvolvimento de proteinúria. A síndrome nefrótica, na maioria das vezes, aparece como manifestação de doenças glomerulares primárias ou idiopáticas e, menos comumente, como manifestação de lesões glomerulares secundárias a doenças sistêmicas. A principal causa de síndrome nefrótica primária em crianças é a glomerulopatia por lesão mínima, correspondendo a aproximadamente 85% dos casos, seguida da glomeruloesclerose segmentar e focal. A síndrome nefrótica acomete 1 a cada 6.000 crianças e, na maioria das vezes, a causa é primária ou idiopática. Em crianças, a síndrome nefrótica é mais frequente na faixa etária de 2-6 anos de idade, sendo mais comum no sexo masculino. Na adolescência, a prevalência da síndrome nefrótica tende a ser equivalente em ambos os sexos. A incidência da síndrome nefrótica em crianças tem se mantido estável nas últimas décadas, embora a incidência de glomeruloesclerose segmentar e focal esteja aumentando. A etnia influencia no prognóstico e na resposta ao tratamento da síndrome nefrótica (negros tendem a ser mais corticorresistentes que brancos, por exemplo). Etiologia: A síndrome nefrótica pode ser classificada, quanto à etiologia, em: - Primária: → Glomerulopatia por lesão mínima (85% dos casos). → Glomeruloesclerose segmentar e focal (10% dos casos). → Proliferação mesangial (5% dos casos). - Secundária: → Infecções: HIV, sífilis, HBV, HCV, CMV, mononucleose, toxoplasmose, malária, Streptococcus β-hemolítico do grupo A, endocardite infecciosa. → Doenças sistêmicas: LES, artrite reumatoide, amiloidose, anemia falciforme, Granulomatose de Wegener, Púrpura de Henoch-Schönlein. → Neoplasias: leucemia, linfoma. → Drogas: captopril, AINES, etc. → Outros: picada de abelha. A síndrome nefrótica primária ou idiopática representa aproximadamente 80% dos casos de síndrome nefrótica e a síndrome nefrótica secundária corresponde a aproximadamente 20% dos casos de síndrome nefrótica. A síndrome nefrótica congênita manifesta-se em crianças < 1 ano de idade, podendo ser primária ou secundária, e geralmente associa-se a mutações genéticas. Apresentação Clínica: As principais manifestações clínicas da síndrome nefrótica são edema generalizado, edema periorbital e oligúria. A perda de líquidos para o terceiro espaço, devido ao edema, pode cursar com hipotensão arterial e dispneia, devido ao derrame pleural. Além disso, há diminuição da concentração sérica de albumina e aumento da concentração sérica de lipídios. A síndrome nefrótica também caracteriza-se por hipercoagulabilidade devido ao aumento da produção hepática de fatores de coagulação e à perda renal de antitrombina III, podendo resultar em fenômenos tromboembólicos. Os pacientes com síndrome nefrótica também são mais 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 vulneráveis a infecções (ex. peritonite), causadas principalmente por Streptococcus pneumoniae e bacilos gram-negativos. A peritonite bacteriana espontânea desenvolve-se a partir da translocação de bactérias do trato gastrointestinal para o líquido pleural, que geralmente apresenta-se aumentado de volume (ascite), devido à perda de líquido para o terceiro espaço. Diagnóstico: Na investigação diagnóstica da síndrome nefrótica, apesar de serem pouco frequentes em crianças, as causas secundárias, como doenças sistêmicas, infecções, neoplasias e uso de drogas, devem ser excluídas. O diagnóstico de síndrome nefrótica baseia-se na presença concomitante dos seguintes critérios laboratoriais: - Proteinúria maciça: 40 mg/m2/hora ou relação proteína/creatinina em amostra isolada de urina > 20. - Hipoalbuminemia: albumina sérica < 2,5 g/dL. - Hiperlipidemia: hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. A creatinina e as proteínas do sistema complemento (C3 e C4) geralmente estão normais em crianças com síndrome nefrótica. Complicações: As principais complicações associadas à síndrome nefrótica são: - Agudas: aumento do risco de infecções bacterianas, fenômenos tromboembólicos e peritonite bacteriana espontânea. - Crônicas: alterações de crescimento e desenvolvimento, devido à proteinúria maciça e à hipoalbuminemia, e alterações cardiometabólicas, devido à hiperlipidemia. - Impacto emocional e social à criança e à família. Tratamento: Os objetivos do tratamento da síndrome nefrótica são: - Remissão da proteinúria o mais rápido possível. - Prevenção das recorrências de síndrome nefrótica. - Tratar durante o menor tempo possível, de forma a minimizar os efeitos adversos das drogas. As medidas gerais recomendadas para o tratamento da síndrome nefrótica são: - Dieta hipossódica associada à restrição hídrica. - Dieta hipocalórica para prevenção de sobrepeso/obesidade associada à corticoterapia. - Evitar repouso prolongado, devido ao risco de tromboembolismo venoso. - Uso de diuréticos, mas com cuidado pois os diuréticos podem causar hipovolemia e IRA. - Reposição de albumina nos casos de hipovolemia e/ou edema refratário ao tratamento. - Uso de antibióticos quando houver infecção bacteriana secundária. - Vacinação para pneumococo e varicela. As medidas específicas recomendadas para o tratamento da síndrome nefrótica são: - Uso de corticoides: → A corticoterapia induz a remissão da proteinúria em aproximadamente 90% dos casos. → A corticoterapia representa a primeira linha de tratamento da síndrome nefrótica em crianças. → A resposta ao tratamento com corticoides representa o melhor indicador prognóstico a longo prazo da função renal. → Recomenda-se o uso de prednisona em dose terapêutica por 4-6 semanas e, se houver remissão clínica da síndrome nefrótica, a dose de prednisona passa a ser administrada em dias alternados, havendo redução progressiva da dose. A corticoterapia tem duração total de aproximadamente 3-7 meses. - Uso de imunossupressores em casos selecionados. Resposta Terapêutica: A síndrome nefrótica pode ser classificada quanto à resposta ao tratamento com corticoides em: 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Corticossensível: remissão clínica induzida exclusivamente por tratamento com corticoides. - Corticodependente: 2 recidivas clínicas consecutivas durante tratamento com corticoide ou até 14 dias após sua suspensão. - Corticorresistente: ausência de remissão clínica após 4 semanas de tratamento com 60 mg/m2/dia de prednisona, podendo ser precoce ou tardia. Biópsia Renal: A biópsia renal deve ser realizada antes do tratamento da síndrome nefrótica nos seguintes casos: - Idade de início em crianças < 6 meses de vida. - Hematúria macroscópica. - Hematúria microscópica associada à HAS persistente. - Consumo de proteínas do complemento. - Insuficiência renal não causada por hipovolemia. A biópsia renal pode ser realizada antes do tratamento da síndrome nefrótica nos seguintes casos: - Idade de início em crianças entre 6 e 12 meses de vida. - HAS persistente. - Idade de início em crianças > 12 anos. A biópsia renal pode ser realizada após o tratamento da síndrome nefrótica nos seguintes casos: - Corticorresistência. - Recorrências frequentes de síndrome nefrótica antes do uso de imunossupressores,como ciclosporina. Síndrome Nefrítica: Introdução: A síndrome nefrítica caracteriza-se clinicamente por hematúria, presença de cilindros hemáticos no EQU, oligúria, proteinúria subnefrótica (< 40 mg/m2/hora em crianças), edema e HAS. Há várias causas de síndrome nefrítica, entretanto a causa mais comum em crianças é a glomerulonefrite pós-estreptocócica. A glomerulonefrite pós-estreptocócica desenvolve-se 7-14 dias após quadro de infecção por Streptococcus β-hemolítico do grupo A, geralmente faringoamigdalite. A lesão glomerular pós-infecciosa deve-se à deposição de imunocomplexos formados por anticorpos anti-estreptocócicos, sendo o principal deles a antiestreptolisina O (ASLO), nos glomérulos renais, resultando em ativação do sistema complemento, inflamação e consequente lesão glomerular. A glomerulonefrite pós-estreptocócica geralmente apresenta curso clínico autolimitado com duração de 2-3 semanas. Entretanto, se houver dúvida diagnóstica ou se houver piora da função renal do paciente, deve-se realizar biópsia renal e iniciar a administração de corticoides (manejo semelhante ao da síndrome nefrótica). Apresentação Clínica: A síndrome nefrítica manifesta-se clinicamente por hematúria macroscópica, geralmente associada a graus variáveis de aumento da creatinina sérica, edema e HAS. No EQU, além da hematúria macroscópica, pode haver presença de cilindros hemáticos, entretanto sua ausência não exclui o diagnóstico de síndrome nefrítica. O edema manifesta-se em face, região periorbital e extremidades, sendo causado por diminuição da função renal (oligúria). O edema e a hipervolemia podem causar HAS que, quando presente, pode cursar com cefaleia. A febre não é comum na síndrome nefrítica. A proteinúria geralmente está presente apenas nas formas mais graves de síndrome nefrítica, podendo associar-se à anasarca devido à significativa redução da função renal. Tratamento: O tratamento da glomerulonefrite pós- estreptocócica baseia-se em suporte, pois o curso clínico é autolimitado e a resolução do quadro é espontânea. A antibioticoterapia está indicada apenas se ainda houver infecção estreptocócica ativa. Para o manejo do edema e da HAS resultantes de piora da função renal, recomenda-se redução da ingestão de sal, uso de diuréticos e/ou de 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 outros anti-hipertensivos. Nos casos graves de glomerulonefrite pós-estreptocócica com piora significativa da função renal, pode-se administrar corticoides e/ou realizar diálise. A hematúria microscópica pode persistir por até 18 meses após a resolução da síndrome nefrítica. Aproximadamente 85% das crianças recuperam-se completamente após o quadro de glomerulonefrite pós- estreptocócica. Insuficiência Renal Aguda: Introdução: A insuficiência renal aguda (IRA) é definida como a diminuição abrupta da função renal, resultando em perda do equilíbrio hidroeletrolítico e do equilíbrio ácido-básico. A IRA caracteriza-se por aumento da creatinina sérica (redução da TFG estimada) e diminuição do débito urinário (oligoanúria). A oligúria, definida como débito urinário < 0,5-1,0 mL/kg/hora em crianças, está presente na maioria dos pacientes com IRA. Etiologia: A insuficiência renal aguda pode ser classificada, quanto à etiologia, em: - Pré-Renal: → Causada por hipoperfusão renal. → Hipovolemia (desidratação, hemorragias, queimaduras, uso de diuréticos, diabetes insipidus, etc). → Diminuição do volume sanguíneo circulante (insuficiência cardíaca, choque, hipoalbuminemia devido à cirrose hepática ou à síndrome nefrótica, etc). - Renal Intrínseca: → Causada por lesão do parênquima renal. → Doenças glomerulares: glomerulonefrites agudas; a glomerulonefrite pós-infecciosa representa causa comum de IRA em crianças. → Doenças tubulointersticiais: necrose tubular aguda (NTA) resultante de isquemia renal ou de lesão tubular aguda causada por substâncias nefrotóxicas (ácido úrico, mioglobina, antibióticos, AINES, contraste iodado, etc); todas as causas de IRA pré- renal podem evoluir para NTA se não tratadas. → Doenças vasculares: trombose de artéria ou de veia renal, vasculite, síndrome hemolítico-urêmica (SHU), etc. - Pós-Renal: → Causada por obstrução do trato urinário unilateral ou bilateral. → A principal causa de IRA pós-renal em recém-nascidos é a válvula de uretra posterior. Apresentação Clínica: As principais manifestações clínicas associadas à IRA são: - Diarreia, vômitos e hemorragias com choque hipovolêmico sugerem IRA pré- renal. - Sepse sugere IRA renal intrínseca. - Disenteria, oligoanúria, anemia e plaquetopenia sugerem síndrome hemolítico-urêmica (SHU). - Faringoamigdalite, impetigo e/ou outras infecções pós-estreptocócicas 10-14 dias antes sugerem glomerulonefrite pós- estreptocócica. - Oligoanúria em recém-nascidos sugere malformações do trato urinário e IRA pós- renal. - Em pacientes hospitalizados, a principal causa de IRA é a necrose tubular aguda (NTA) resultante de isquemia e/ou de uso de drogas nefrotóxicas. - Alterações da coagulação e lesão articular (artrite) sugerem vasculites sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), resultando em IRA renal intrínseca. Diagnóstico: O diagnóstico de IRA baseia-se na presença de aumento da creatinina sérica (diminuição da TFG estimada) e de redução do débito urinário (oligoanúria). Na investigação diagnóstica de IRA, pode-se realizar os seguintes exames complementares: - Creatinina. - Ureia. - EQU: ausência de hematúria e/ou proteinúria sugere IRA pré-renal; presença de cilindros de células epiteliais sugere NTA (IRA renal intrínseca); presença de 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 hematúria, cilindros hemáticos e proteinúria sugere glomerulonefrite aguda (IRA renal intrínseca). - Sódio urinário: aumentado na IRA renal intrínseca e reduzido na IRA pré-renal. - Osmolaridade urinária: aumentada na IRA pré-renal e reduzida na IRA renal intrínseca. - Hemograma: anemia e plaquetopenia sugerem síndrome hemolítico-urêmica (SHU), eosinofilia sugere nefrite intersticial. - Ecografia/ultrassonografia de rins e vias urinárias: a presença de diminuição do tamanho renal sugere insuficiência renal crônica agudizada; a presença de obstrução do trato urinário por cálculos (litíase) indica IRA pós-renal. - Biópsia renal: realizada quando há dúvida diagnóstico mesmo após a realização de exames complementares não invasivos. Outros achados laboratoriais que frequentemente estão presentes na IRA são hipercalemia e acidose metabólica. Tratamento: O tratamento da insuficiência renal aguda baseia-se na correção da causa da IRA quando identificada. Além disso, indica-se medidas de suporte, como correção do desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico, tratamento da hipervolemia, suspensão do uso de drogas nefrotóxicas, ajuste de doses de drogas para a função renal e terapia de substituição renal (diálise), quando houver indicação. As principais indicações de diálise são: - Hipervolemia refratária ao tratamento com diuréticos em altas doses. - Hipercalemia refratária ao tratamento. - Acidose metabólica grave refratária ao tratamento. - Sinais e/ou sintomas urêmicos. - Intoxicação por droga dialisável. Infecção do Trato Urinário (ITU): Introdução: A infecção do trato urinário (ITU) representa a segunda infecção bacteriana mais comum na infância. A ITU em crianças pode evoluir para complicações irreversíveis, como cicatrizes renais, HAS e insuficiência renal. A ITU não diagnosticada pode cursar com baixo ganho de peso e de estatura em crianças, especialmente quando a ITU é recorrente. Em crianças < 2 anos, a ITU é mais frequente em meninos do que em meninas. Em crianças > 2 anos, a ITU é mais frequente em meninas, devido ao menor comprimento da uretra, facilitando a invasão por microrganismos. A prevalência geral de ITU emcrianças > 2 anos de idade é de aproximadamente 7,8%. Etiologia: O agente etiológico mais comum de ITU em crianças é a Escherichia coli. Outros microrganismos que também podem causar ITU são Klebsiella, Proteus, Enterococcus e enterobactérias. A ITU causada por vírus ou fungos é rara. Fatores de Risco: Os principais fatores de risco para ITU na infância são: - Idade (meninos < 1 ano e meninas < 4 anos). - Sexo feminino. - Raça branca. - Constipação intestinal funcional. - Incontinência e retenção urinária. - Malformação e/ou obstrução do trato urinário. - Manipulação do trato urinário, cateterização de vias urinárias (ex. sondagem vesical). - Refluxo vesicoureteral. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de cicatriz/lesão renal resultante de ITU são: - Atraso no início do tratamento. - Idade < 2 anos. - ITU de repetição. - Constipação intestinal funcional. - Refluxo vesicoureteral. - Malformações obstrutivas do trato urinário. 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Apresentação Clínica: Em crianças < 2 anos de idade, as manifestações clínicas de ITU são inespecíficas. Os principais sinais e sintomas são: - Febre alta. - Irritabilidade. - Recusa alimentar. - Perda de peso. - Dor ou desconforto em região suprapúbica. A presença de febre em crianças com história de ITU prévia, mesmo que apresentem infecção de outro foco, indica a necessidade de realizar EQU e urocultura, pois a ITU está associada em aproximadamente 3% dos casos. Em crianças > 2 anos de idade, os principais sinais e sintomas de ITU são: - Febre e dor abdominal (crianças em idade pré-escolar). - Dor lombar e/ou suprapúbica (crianças em idade escolar). A presença de febre e calafrios sugere pielonefrite aguda. - Sintomas urinários: disúria, polaciúria, urgência miccional, incontinência urinária diurna e/ou noturna em crianças previamente continentes, com ou sem febre baixa. - A presença de hematúria é incomum. Diagnóstico: O diagnóstico de ITU baseia-se em urocultura, cujo resultado demora entre 24 e 72 horas. Em crianças que apresentam adequado controle esfincteriano, a coleta de urina é realizada a partir do jato médio de urina. O método padrão-ouro para a coleta de urina é a punção suprapúbica. Outra possibilidade para a coleta de urina é a sondagem vesical que, entretanto, associa-se a maior risco de resultado falso-positivo. O saco coletor de urina deve ser evitado devido às altas taxas de resultados falso-positivos (até 85%). Em pacientes febris com história de ITU prévia, é obrigatória a realização de EQU e urocultura para excluir a possibilidade de recorrência. A presença de esterase leucocitária na fita teste é sugestiva, mas não determinante, de ITU. A presença de nitrito positivo no EQU é altamente específica para ITU, entretanto a sua ausência não exclui o diagnóstico de ITU. A análise microscópica da urina identifica a presença de bacteriúria, cujos valores que indicam bacteriúria significativa variam quanto ao método de coleta da urina: - Jato médio: > 100.000 UFC/mL. - Sonda vesical: > 10.000-50.000 UFC/mL. - Punção suprapúbica: presença de qualquer microrganismo na amostra de urina. A cultura de urina é o método padrão-ouro para o diagnóstico de ITU, devendo ser realizado mesmo quando a fita-teste e a microscopia são negativas para a presença de microrganismos na urina em pacientes com alta suspeita de ITU. Os exames de imagem devem ser realizados em todos os pacientes com ITU febril, para investigar a possibilidade de pielonefrite. Os objetivos dos exames de imagem são investigar a presença de refluxo vesicoureteral, malformações e obstruções do trato urinário e/ou complicações da ITU, como abcesso perirrenal. O exame de imagem de primeira escolha para o diagnóstico de ITU é a ultrassonografia de rins e vias urinárias. Outros exames de imagem que podem ser realizados para a avaliação diagnóstica de ITU em crianças são cintilografia renal e uretrocistografia miccional. Tratamento: O tratamento inicial da ITU febril baseia-se sempre em antibioticoterapia empírica, visto que a demora para o início do tratamento (para aguardar o resultado da urocultura e do antibiograma) associa-se a aumento do risco de cicatriz renal. Após o resultado da urocultura e do antibiograma, deve-se avaliar a necessidade de substituição do esquema de antibioticoterapia. A antibioticoterapia deve ser administrada preferencialmente por via oral e a duração do tratamento deve ser de 7-10 dias. O tratamento de ITU em recém-nascidos deve ser sempre realizado em ambiente intra- hospitalar devido ao risco aumentado de sepse em crianças nesta faixa etária. 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Em crianças < 1 mês de vida (neonatos) ou em crianças > 1 mês de vida com queda do estado geral, comorbidades ou que não aceitam medicação por via oral, recomenda- se internação hospitalar e antibioticoterapia EV. O tratamento inicial da ITU não febril baseia- se em: - Nitrofurantoína. - Ácido Nalidíxico. - Sulfametoxazol + Trimetoprim. - Cefalexina. O tratamento inicial da ITU febril baseia-se em: - Crianças com condições de realizar antibioticoterapia VO: cefuroxima VO. - Crianças sem condições de realizar antibioticoterapia VO: cefuroxima EV ou aminoglicosídeo EV. O tratamento inicial da ITU em neonatos, cujos principais agentes etiológicos são Escherichia coli, Klebsiella sp., Proteus sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginosa e Morganella morganii, baseia-se em antibioticoterapia empírica com ampicilina + gentamicina. Prevenção: A antibioticoprofilaxia geralmente é indicada apenas para crianças que apresentam refluxo vesicoureteral, malformações do trato urinário, bexiga neurogênica, ITU recorrente e/ou associada à urolitíase e imunodeficiências. Os antibióticos mais utilizados para profilaxia de ITU em crianças são: - Nitrofurantoína. - Sulfametoxazol + Trimetoprim. - Cefalexina. Além da antibioticoprofilaxia indicada para casos selecionados, a prevenção de ITU também pode ser realizada por meio de incentivo ao aleitamento materno e de circuncisão em meninos com ITU recorrente, visto que o prepúcio pode atuar como reservatório de bactérias causadoras de ITU. Hematúria: A hematúria é definida como a presença de sangue na urina, podendo ser macroscópica ou microscópica. A presença de urina de coloração avermelhada mas com hemoglobina não reagente exclui a possibilidade de hematúria. A presença de urina de coloração avermelhada com hemoglobina reagente confirma o diagnóstico de hematúria, podendo ser resultante de hemoglobinúria (hemólise) ou de mioglobinúria (rabdomiólise). A presença de hematúria dolorosa em crianças indica a necessidade de investigar ITU e/ou lesão direta ao trato urinário (ex. litíase urinária). A presença de sangue vermelho-vivo ou de coágulos na urina associa-se a doenças hemorrágicas, traumas ou malformações arteriovenosas. A presença de massas abdominais palpáveis sugere a presença de obstrução do trato urinário, de doença renal policística ou de tumores renais e/ou perirrenais. A presença de hematúria assintomática sugere múltiplas etiologias diferentes, inclusive de glomerulopatia, que caracteriza- se por hematúria associada a dismorfismo eritrocitário. As principais causas de hematúria macroscópica na infância são: - ITU. - Irritação do meato uretral. - Trauma de vias urinárias. 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Nefrolitíase. - Anemia falciforme e traço falciforme. - Coagulopatias. - Tumor de Wilms. - Hemangioma. - Pós-atividade física. As principais causas de hematúria microscópica na infância são: - Hipercalciúria. - Glomerulonefrite pós-infecciosa. - Nefropatia por IgA. - Hematúria familiar benigna. - Síndrome de Quebra-Nozes. - Síndrome de Alport. Síndrome Hemolítico-Urêmica(SHU): A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) é uma coagulopatia de consumo que caracteriza-se por presença de anemia hemolítica microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal aguda simultaneamente. A SHU representa a causa glomerular/vascular mais comum de insuficiência renal aguda em crianças. A SHU apresenta-se de forma semelhante à púrpura trombocitopênica trombótica quanto ao tipo de lesão arteriolar renal e aos achados laboratoriais. Em aproximadamente 90% dos casos, a SHU é precedida por quadro de gastroenterite aguda infecciosa. A mortalidade da doença em crianças é de aproximadamente 5-20%. O quadro clínico clássico da SHU caracteriza-se por febre, dor abdominal, diarreia, vômitos por 3 dias, seguida de diarreia sanguinolenta por 3 dias e, após 5- 10 dias, início de quadro de palidez cutânea, fadiga/fraqueza, letargia, irritabilidade e oligúria, com achados laboratoriais de anemia hemolítica, trombocitopenia e aumento de creatinina sérica. O tratamento da síndrome hemolítico- urêmica (SHU) baseia-se em medidas de suporte, como correção do desequilíbrio hidroeletrolítico, tratamento da hipervolemia, tratamento da HAS, correção da anemia e terapia de substituição renal (diálise), quando houver indicação. Nefrolitíase: As principais causas de nefrolitíase em crianças são: - Erros inatos do metabolismo, que resultam na formação de cálculos renais. - Hipercalciúria. - Espinha bífida com paralisia de membros inferiores, que cursa com imobilização prolongada e aumento da reabsorção de cálcio dos ossos com consequente formação de cálculos renais. - Medicamentos. O exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico de nefrolitíase é a TC de abdômen e pelve, que é capaz de identificar o número de cálculos renais, sua localização e a presença de lesão renal (ex. hidronefrose). Outras alternativas ao uso da TC, que apresentam menor acurácia para o diagnóstico de nefrolitíase, são a ultrassonografia de rins e vias urinárias e a radiografia de abdômen. O tratamento da nefrolitíase baseia-se em hidratação e em correção da causa de base da nefrolitíase. A remoção cirúrgica dos cálculos ou a litotripsia deve ser realizada apenas nos casos de obstrução do trato urinário, dor grave intratável e/ou ITU crônica.
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