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Autor: Prof. Welliton Donizeti Popolim Colaboradoras: Profa. Monica Teixeira Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Microbiologia dos Alimentos Professor conteudista: Welliton Donizeti Popolim Nutricionista graduado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) em 1993. Mestre em 2004 e doutor em 2009 em Nutrição Humana Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades da Universidade de São Paulo (Pronut/USP). Especialização em Qualidade de Alimentos pelo Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos (CBES) em 2001. Especialista em Alimentação Coletiva pela Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) em 2006. LSM (Leadership Strategic Management) manager pela Keymind Liderança e Gestão em 2007. Professor titular da Universidade Paulista (UNIP) desde 2009. Professor convidado em cursos de extensão e pós-graduação de várias instituições de ensino desde 2000. Consultor e assessor em empresas do setor alimentício desde 1994. Revisor da Food Additives and Contaminants desde 2006, da Revista Nutrição Profissional desde 2007, da Revista Nutrire desde 2009, da Revista da Asbran (Rasbran) desde 2012, da Revista Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) desde 2016 e da Revista Journal of Health Sciences Institute (JHSI)/UNIP desde 2017. Destaque profissional na área de atuação Cadeia de Produção, Indústria e Comércio de Alimentos pelo Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região SP-MS (CRN-3) em 2018. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P829m Popolim, Welliton Donizeti. Microbiologia dos Alimentos / Welliton Donizeti Popolim. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 184 p., il. 1. Alimentação. 2. Deterioração. 3. Microbiologia. I. Título. CDU 576.8 U514.34 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Willians Calazans Jaci Albuquerque Sumário Microbiologia dos Alimentos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 CONCEITOS GERAIS SOBRE MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS ................................................... 11 1.1 Classificação e organização dos seres vivos .............................................................................. 11 1.2 História da microbiologia .................................................................................................................. 13 1.3 Microrganismos e sua importância............................................................................................... 15 1.4 Endósporos .............................................................................................................................................. 17 1.5 Coloração de Gram .............................................................................................................................. 18 2 RELAÇÃO ENTRE A MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS E O CONTROLE HIGIÊNICO SANITÁRIO ...................................................................................................................................... 19 2.1 Classificação dos microrganismos em microbiologia dos alimentos .............................. 20 2.2 Tipos de contaminação e os perigos nos alimentos .............................................................. 22 2.3 Medidas de controle ............................................................................................................................ 24 2.3.1 Controle do desenvolvimento microbiano em alimentos ...................................................... 25 2.3.2 Princípios do controle do desenvolvimento microbiano ........................................................ 27 2.4 Higienização ........................................................................................................................................... 28 2.5 Controle dos microrganismos pela ação dos agentes químicos ....................................... 29 2.5.1 Tipos de desinfetantes .......................................................................................................................... 30 2.6 Biofilmes .................................................................................................................................................. 34 2.7 Qualidade e bacteriologia da água ............................................................................................... 34 3 FATORES QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO DE MICRORGANISMOS EM ALIMENTOS .................................................................................................................................................... 36 3.1 Alimentos como substratos dos microrganismos ................................................................... 36 3.2 Fatores intrínsecos ............................................................................................................................... 36 3.2.1 Aa ou Aw .................................................................................................................................................... 37 3.2.2 pH (condições ácidas ou básicas) ..................................................................................................... 40 3.2.3 Eh e tensão de O2 ........................................................................................................................................................................................................................................44 3.2.4 Composição do alimento (nutrientes) ............................................................................................ 47 3.2.5 Constituintes antimicrobianos naturais ........................................................................................ 48 3.2.6 Estruturas biológicas ............................................................................................................................. 49 3.2.7 Microbiota do alimento (interação entre microrganismos) .................................................. 49 3.3 Extrínsecos .............................................................................................................................................. 49 3.3.1 Temperatura (T ºC versus tempo)...................................................................................................... 50 3.3.2 UR .................................................................................................................................................................. 54 3.3.3 Gases do meio (CO2, O2 e O2) .............................................................................................................. 54 3.3.4 Irradiação ...................................................................................................................................................55 3.3.5 Substâncias adicionadas ao alimento (aditivos) ........................................................................ 55 3.3.6 Meio de cultura ....................................................................................................................................... 56 3.4 Alimentos potencialmente perigosos .......................................................................................... 57 3.5 Teoria dos obstáculos de Leistner .................................................................................................. 58 3.6 Microbiologia preditiva ...................................................................................................................... 58 3.7 Crescimento das culturas bacterianas ......................................................................................... 59 3.8 Curva de crescimento ......................................................................................................................... 60 3.9 Métodos para quantificação/detecção do crescimento microbiano ............................... 62 3.9.1 Quantificação direta .............................................................................................................................. 62 3.9.2 Quantificação indireta .......................................................................................................................... 65 3.9.3 Métodos tradicionais ............................................................................................................................. 66 3.9.4 Métodos rápidos ..................................................................................................................................... 67 4 MICROBIOLOGIA DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS ................................................................................. 67 4.1 Avaliação da qualidade microbiológica dos alimentos ......................................................... 67 4.2 Definições de critérios microbiológicos ...................................................................................... 68 4.3 Critérios microbiológicos para alimentos ................................................................................... 68 4.4 Análises específicas para alimentos .............................................................................................. 69 4.5 Produtos alimentícios ......................................................................................................................... 70 4.6 Conservação dos alimentos ............................................................................................................. 73 4.6.1 Métodos de conservação dos alimentos ....................................................................................... 74 4.6.2 Uso de temperaturas altas .................................................................................................................. 75 4.6.3 Uso de baixas temperaturas ............................................................................................................... 80 4.6.4 Dessecação/ressecamento ................................................................................................................... 81 4.6.5 Aditivos ....................................................................................................................................................... 81 4.6.6 Radiação ..................................................................................................................................................... 82 4.6.7 Filtração ...................................................................................................................................................... 82 4.6.8 Vibrações sônicas .................................................................................................................................... 82 4.6.9 Defumação ................................................................................................................................................ 82 Unidade II 5 DETERIORAÇÃO DE ALIMENTOS ................................................................................................................ 87 5.1 Modificação química causada pelos microrganismos ........................................................... 88 5.2 Microrganismos deterioradores em alimentos ......................................................................... 89 5.2.1 Psicrotróficos associados com a deterioração de alimentos refrigerados e congelados .............................................................................................................................. 90 5.3 Deterioração microbiana de alimentos enlatados/envasados ........................................... 92 6 UTILIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS NA ELABORAÇÃO DE ALIMENTOS ................................... 93 6.1 Microrganismos utilizados na produção de alimentos e enzimas ................................... 94 6.2 Produção de cultivos para fermentação de alimentos ......................................................... 94 6.3 Microrganismos utilizados e produtos obtidos no seu cultivo .......................................... 95 6.4 Produção de etanol ............................................................................................................................. 97 6.5 Produção de ácido acético ............................................................................................................... 97 6.6 Produção de ácido cítrico ................................................................................................................. 98 6.7 Produção de ácido láctico ................................................................................................................ 99 6.8 Produção de ácido glutâmico .......................................................................................................102 6.9 Bioconversões ou biotransformações ........................................................................................103 6.10 Fungos de interesse industrial ....................................................................................................103 7 INFECÇÕES E INTOXICAÇÕES ALIMENTARES ......................................................................................105 7.1 Doenças de origem alimentar .......................................................................................................107 7.1.1 Intoxicações ou toxinoses .................................................................................................................109 7.1.2 Infecções .................................................................................................................................................. 110 7.1.3 Toxinfecção alimentar..........................................................................................................................111 7.1.4 Infestações ................................................................................................................................................111 7.1.5 Intoxicação química .............................................................................................................................111 7.1.6 Caracterização da doença de origem alimentar ......................................................................112 7.2 Microrganismos indicadores ..........................................................................................................113 7.2.1 Coliformes ................................................................................................................................................114 7.2.2 Indicadores de poluição fecal .......................................................................................................... 115 7.2.3 Outros indicadores ............................................................................................................................... 116 7.2.4Indicadores de condições higiênicas do alimento ................................................................... 116 7.3 Microrganismos patogênicos de importância nos alimentos ..........................................117 7.3.1 Clostridium botulinum .......................................................................................................................117 7.3.2 Staphylococcus aureus ...................................................................................................................... 120 7.3.3 Salmonella sp. ....................................................................................................................................... 122 7.3.4 Bacillus cereus ....................................................................................................................................... 124 7.3.5 Clostridium perfringens .................................................................................................................... 125 7.3.6 Listeria monocytogenes .................................................................................................................... 126 7.3.7 Escherichia coli enteropatogênica ................................................................................................ 127 7.3.8 Campylobacter sp. ............................................................................................................................... 129 7.3.9 Vibrio sp. .................................................................................................................................................. 129 7.3.10 Protozooses ...........................................................................................................................................131 7.3.11 Fungos .................................................................................................................................................... 132 7.3.12 Vírus ........................................................................................................................................................ 134 7.4 Perigos químicos .................................................................................................................................140 7.5 Perigos físicos ......................................................................................................................................142 7.6 Definições importantes ....................................................................................................................143 8 AVALIAÇÃO DE SURTOS ..............................................................................................................................147 8.1 Surto de DTA.........................................................................................................................................148 8.1.1 Dados da ocorrência das DTA ......................................................................................................... 149 8.2 Investigação da doença de origem alimentar ........................................................................151 8.2.1 Razões para investigação das DTA .................................................................................................151 8.2.2 Etapas da investigação das DTA ..................................................................................................... 152 8.2.3 Necessidades para investigação de surtos de DTA ................................................................. 153 8.2.4 Etapas para diagnóstico do agente etiológico (perigo) e da falha técnica (ponto crítico) ............................................................................................................. 154 8.2.5 Investigação inicial das DTA ............................................................................................................ 154 8.2.6 Análise de surtos circunscritos de DTA ....................................................................................... 163 8.2.7 Análise de dados e registros de interesse .................................................................................. 164 8.2.8 Investigação no local ......................................................................................................................... 165 8.2.9 Coleta de amostras e dados laboratoriais .................................................................................. 166 8.2.10 Interpretação dos resultados ........................................................................................................ 166 8.2.11 O que fazer com os dados de DTA? ............................................................................................ 167 9 APRESENTAÇÃO “Não há qualquer campo do saber humano, seja na indústria, na agricultura, no preparo de alimentos, em conexão com problemas de habitação ou de vestuário, na preservação da saúde humana ou de animais e no combate às doenças, em que o microrganismo não desempenhe um papel importante e, às vezes, dominante”, já apontava Selman A. Waksman em 1942 (apud OS PEQUENOS..., s.d.). De lá para cá, a microbiologia, particularmente a de alimentos, adquiriu mais importância ainda. A microbiologia é o ramo da biologia que estuda os seres microscópicos e suas atividades, ou seja, é a área da ciência que se dedica ao estudo dos microrganismos, um vasto e diverso grupo de organismos unicelulares de dimensões reduzidas, que podem ser encontrados como células isoladas ou agrupados em diferentes arranjos (cadeias ou massas), sendo que as células, mesmo estando associadas, exibem um caráter fisiológico independente. Dessa forma, a microbiologia dos alimentos aborda os aspectos direcionados ao alimento, ou seja, estuda todos os microrganismos que contaminam o alimento e também aqueles que são importantes na sua produção e na de bebidas. A microbiologia dos alimentos é a parte da microbiologia que trata dos processos em que os microrganismos influenciam nas características dos produtos de consumo alimentício humano ou animal. Por consequência, engloba aspectos da ecologia microbiana e de biotecnologia para a produção. Está, de modo geral, relacionada a três aspectos fundamentais, que são a preservação dos alimentos pelo emprego de microrganismos, a detecção e prevenção de intoxicações e infecções produzidas pela ação de microrganismos em alimentos e o controle da transmissão de doenças pelos alimentos. O homem e os microrganismos têm muito em comum no que se refere às suas exigências nutricionais. Ambos dependem basicamente das proteínas e dos hidratos de carbono, que, somados às gorduras, compõem os principais produtos alimentícios. Além da água e temperatura apropriadas. Mas para que esse conhecimento é importante? Veja: convivemos com os microrganismos, somos afetados por alguns deles, alguns competem os alimentos conosco, outros são usados para a produção de alimentos; para entendermos a aplicação de determinadas tecnologias usadas na conservação de alimentos, para a segurança da saúde do que é consumido, para cuidar da higiene dos alimentos, para compreender a maioria das tecnologias de conservação dos alimentos, para usar de forma adequada a tecnologia de conservação dos alimentos, para cuidar e manter a saúde do consumidor, para controle dos riscos representados pelos perigos microbiológicos. Ou seja, dominar os princípios da microbiologia dos alimentos garantirá um diferencial importante na atuação profissional na cadeia produtiva de alimentos. O estudo desta disciplina, assim como outras, não é exclusivo do profissional da área da saúde, mas também abrange outras áreas que trabalham diretamente com o controle e a garantia da qualidade dos alimentos e, neste caso, sua segurança. 10 INTRODUÇÃO Para melhor compreensão e entendimento, primeiramente serão abordados os conceitos gerais sobre microbiologia dos alimentos; a relação entre a microbiologia dos alimentos e o controle higiênicoe sanitário; os fatores que interferem no crescimento de microrganismos em alimentos; e a microbiologia de produtos alimentícios. E, por fim, serão abordadas a deterioração de alimentos; a utilização de microrganismos na elaboração de alimentos; as infecções e intoxicações alimentares; e a avaliação de surtos. Aproveite, portanto, para se aprofundar no conhecimento dos microrganismos e sua relação com os alimentos. Esse conhecimento será essencial para entender uma série de aspectos envolvidos na gestão da segurança dos alimentos. 11 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Unidade I 1 CONCEITOS GERAIS SOBRE MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 1.1 Classificação e organização dos seres vivos É importante lembrar a classificação e a organização dos seres vivos, proposta pelo zoólogo Robert H. Whittaker, em 1969, que tem como base a maneira como os seres vivos obtêm alimento, o número de células que possuem e a organização celular. E verificar, assim, que os microrganismos se posicionam nos reinos monera (bactérias), protista (protozoários e algas unicelulares) e fungi (fungos). Autótrofos Plantas Fungos Animais Protistas Moneras Pluricelulares Unicelulares Eu ca rio nt es Pr oc ar io nt es Heterótrofos Reino plantae Reino animalia Reino fungi Reino protista Reino monera A) B) Figura 1 – Classificação e organização dos seres vivos Contudo, a partir de 1977, com os estudos de Carl R. Woese, passaram a existir três domínios: Archaea, Bacteria e Eukarya. Nos dois primeiros são distribuídos os procariotas (bactérias, protozoários e algas unicelulares), e no outro estão todos os eucariotas (fungos, plantas e animais). Os vírus não se encaixam em nenhum dos reinos por serem acelulares. 12 Unidade I Bacteria Aquifex Thermotoga Bacteroides Cytophaga Planctomycetes Cianobactéria Proteobacteria Spirochaetes Gram-positiva Bactéria verde filamentosa Archaea Pyrodictium Thermoproteus T. celer Methanococcus Methanobacterium Methanosarcina Halófilos Eukarya Entamoeba Myxomycota Animales Fungi Plantas Ciliophora Flagelados Trichomonas Microsporidia Diplomonadida Ancestral comum Figura 2 – Árvore filogenética da vida O que diferencia a célula procariótica da eucariótica é a existência da carioteca na segunda. O envoltório nuclear, também conhecido como invólucro nuclear, envelope nuclear, carioteca, cariomembrana ou membrana nuclear, é uma estrutura que envolve o núcleo (ácido desoxirribonucleico [DNA]) das células eucarióticas, separando-o do citosol ou citoplasma. A) Cápsula Pili Flagelo bacteriano Nucleoide Parede celular Citoplasma Ribossomos Plasmídeos Membrana plasmática 13 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS B) Mitocôndria Membrana plasmática Citoesqueleto Centrossomo Lisossomo Retículo endoplasmático liso Vacúolo Hialoplasma Vesículas de Golgi Aparato de Golgi Cromatina Nucléolo Núcleo Retículo endoplasmático rugoso Ribossomos Figura 3 – A) Célula procariótica; B) célula eucariótica animal No final da década de 1990, Thomas Cavalier-Smith propôs outra classificação integrando os reinos e os domínios. Saiba mais Conheça mais sobre microbiologia básica: CARVALHO, I. T. Microbiologia básica. Recife: EDUFRPE, 2010a. Disponível em: http://pronatec.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2013/06/ Microbiologia_Basica.pdf. Acesso em: 7 out. 2019. 1.2 História da microbiologia Os principais aspectos históricos que envolvem o surgimento da microbiologia geral, bem como sua interface com a microbiologia dos alimentos são: • Egípcios: protegiam tumbas com esporos de Aspergillus. • Bíblia: descrição da lepra (Livro dos Números – 1000 a.C.) e proibição do consumo de certas carnes (Deuteronômio – 600 a.C.). 14 Unidade I • Grécia (400 a.C.): Tucídides verificou que os pacientes que sobreviviam à praga ficavam protegidos e podiam cuidar dos doentes. • China (50 a.C.): uso de sandálias mofadas para controle de infecções bacterianas nos pés. • Roma (100 d.C.): Varro propôs que “diminutas criaturas” entravam no corpo e causavam doenças. • Leeuwenhoek (1673): considerado o fundador da microbiologia; observou e descreveu os microrganismos (“animálculos”), após inventar o microscópio. • Teoria da geração espontânea: até metade do século XIX muitos cientistas e filósofos acreditavam que algumas formas de vida podiam aparecer espontaneamente da matéria morta (hipótese da geração espontânea). • Rudolf Virchow (1858): desafia a geração espontânea com o conceito da biogênese – células vivas podem surgir somente a partir de células vivas. • Louis Pasteur (1861): colocou fim aos argumentos sobre geração espontânea com uma série de experimentos que demonstraram que os microrganismos estavam presentes no ar e podiam contaminar soluções estéreis, embora o próprio ar por si não criasse micróbios. Originava-se a teoria microbiana das doenças, com a descoberta de agentes etiológicos de doenças e a demonstração do papel da imunidade para a prevenção e cura destas (vacina antirrábica). Seus estudos permitiram também desenvolver o processo de pasteurização, já usado naquela época na produção de vinhos franceses. • Robert Koch (1880): estabelece os postulados que relacionam um microrganismo específico a uma doença específica. Nos primórdios da história da humanidade, a alimentação era baseada nos abundantes recursos da natureza. Mas, por conta da necessidade de alimentar mais pessoas e das mudanças na organização social, o homem passou a plantar, criar animais e produzir seus alimentos em escala cada vez maior. E, com o surgimento dos alimentos preparados, as doenças surgiram (e se intensificaram), sendo transmitidas devido à deterioração (conservação inadequada) e a outros aspectos relacionados à higiene e manipulação dos alimentos. Tanto que, já na Idade Média, observa-se, por exemplo, a morte por ergotismo (intoxicação aguda por ingestão de cereais contaminados por fungos). A importância da limpeza e da higiene na produção dos alimentos foi reconhecida somente no século XIII. Um dos pais da microbiologia, Louis Pasteur, teorizou, no final do século XIX, a importância dos microrganismos. A partir de então, a microbiologia e a microbiologia dos alimentos evoluíram bastante, apresentando novas teorias e, com uma grande quantidade de descobertas, mudaram a nossa percepção sobre os microrganismos e sua importância para a sobrevivência dos seres vivos no planeta. 15 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 1.3 Microrganismos e sua importância Os microrganismos são organismos vivos muito pequenos para serem vistos a olho nu. Somente com o auxílio de microscópio. O grupo, de forma geral, inclui as bactérias, os fungos (leveduras e bolores), as algas microscópicas e os protozoários. Os vírus e os príons (entidades acelulares) não são seres vivos, mas são estudados na microbiologia para fins didáticos. São uma exceção, pois não possuem vida própria, ou seja, só crescem quando estão dentro da célula do organismo do homem ou dos animais. O homem adquire esses microrganismos por meio da ingestão da água ou alimentos contaminados e também pelo ar ou junto a pessoas doentes, pelo contato direto ou pela manipulação de alimentos. E é importante destacar que não se multiplicam em alimentos, somente os contaminam. As bactérias e os fungos já possuem vida própria e podem, portanto, multiplicar-se no alimento, com produção, por exemplo, de toxinas. A) B) C) D) Figura 4 – A) Bactéria (Escherichia coli); B) fungo (levedura); C) protozoário (Ameba aderida à parede intestinal); D) vírus E por que os microrganismos são tão importantes? Porque são responsáveis pela manutenção da vida na Terra. Por um lado, são agentes causadores de doenças e infecções, mesmo representando uma porcentagem muito pequena (em torno de 1%). E, por outro lado, são importantes para o balanço dos organismos vivos e produtos químicos no nosso 16 Unidade I ambiente, já que fazem parte da cadeia alimentar, decompõem resíduos (com consequenteciclagem dos elementos), participam dos ciclos biogeoquímicos, da fotossíntese, da síntese de vitaminas e da digestão, além de serem essenciais na ecologia ambiental. Dessa forma, estudar os microrganismos se justifica, pois são importantes para os animais, as plantas e a saúde do homem, são fonte de alimento e importantes na produção de alimentos e na reciclagem de resíduos, são úteis na produção de antibióticos, vitaminas e inúmeras outras substâncias, e na aplicação da engenharia genética, tecnologia de DNA recombinante, terapia gênica. E muito mais. Veja que interessante! Há muitos microrganismos na superfície do nosso corpo? Peito Axilas Umbigo Dobra do braço Entre as sobrancelhas Canal auditivo externo Dobra do nariz Narinas Costas Frente Antebraço Palma da mão Espaço interdigital Dobra da virilha Espaço entre os dedosSola do pé Atrás do joelho Nádega Região do cóccix Costas Região da nuca Atrás da orelha Números aproximados de espécies de microrganismos Pele colonizada Os 20 pontos do corpo humano ricos em bactérias Proliferam-se em ambiente oleoso Proliferam-se em ambiente seco Proliferam-se em ambiente úmido 25 17 31 33 23 39 27 23 40 39 27 28 18 18 19 23 35 36 18 15 Figura 5 – Número aproximado de espécies de bactérias em áreas da pele humana 17 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Estima-se que o corpo humano tenha mais de 10 trilhões de células e que somente o intestino possua mais de 100 trilhões de bactérias. Já nos alimentos, fazendo uma analogia com a população mundial, que, atualmente, é de cerca de 7,7 bilhões de pessoas, ou seja, 7.700.000.000, um único pote de iogurte pode conter cerca de 22 vezes esse número, ou seja, mais de 170.000.000.000 de organismos vivos, no caso, bactérias. Lembrete Os microrganismos encontram-se nos mais diversos locais, propriedade que é chamada de ubiquidade. Habitam os diversos ecossistemas, ou seja, fazem parte da microbiota do corpo humano, dos animais e das plantas. Entre eles são estabelecidas relações de parasitismo, mutualismo e comensalismo. Muitos microrganismos são considerados patógenos causadores de doenças e de deterioração nos alimentos. 1.4 Endósporos São células especializadas de repouso, altamente resistentes à dessecação, ao calor e agentes químicos. Não são todas as bactérias que apresentam formação de esporos. Por causa da produção de esporos, a célula pode estar na forma vegetativa (não esporulada, vida normal) ou na forma esporulada (dormência, resistência). O processo de formação do endósporo pode ser subdividido em duas fases: • Esporulação ou esporogênese: formação de endósporos dentro de uma célula. • Germinação: ativada pela lesão física ou química ao revestimento do endósporo com liberação de enzimas e rompimento das camadas externas com entrada de água, dando reinício ao metabolismo. 18 Unidade I Membrana citoplasmática Parede celular DNA torna-se mais denso DNA Formações do foresporo (engolfamento) Membrana interna do esporo Exospório Córtex Camada que origina a parede celular Aparecimento do exospório Incorporação de Ca+2 ao esporo Formação de capa Exosporio Córtex Capa Membrana interna DNA RNA Ribossomos Camada que origina a parede celular Lise da célula mãe e liberação do esporo Maturação do esporo – desenvolvimento da resitência ao calor e aos agentes químicos Membrana externa do esporo Estágio 0 Célula vegetativa Estágio VII Esporo Estágio I Invaginações da membrana para divisão do material genético Estágio II Estágio VI Estágio V Estágio VI Estágio III Figura 6 – Transformação da célula vegetativa em esporo 1.5 Coloração de Gram É uma técnica que diferencia as bactérias em dois grandes grupos (gram-positivas, que coram em roxo, e gram-negativas, que ficam rosa). Ela permite verificar as características morfológicas e estruturais das células bacterianas. As bactérias, em geral, são divididas nesses dois grupos, em função de sua capacidade de reter ou perder o corante primário (cristal violeta) após descoloração com álcool. Verifica-se ainda o formato da célula ao microscópio. As gram-negativas têm uma membrana externa além da membrana plasmática, que não permite a entrada do corante roxo. 19 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS A) 1 Preparação de um esfregaço 2 Fixação pelo calor e coloração 3 Microscopia Secar ao arEspalhar a cultura em uma camada fina, sobre a lâmina Passar a lâmina sobre a chama, para fixar pelo calor Cobrir a lâmina com o corante; lavar e secar Pingar uma gota de óleo sobre a lâmina; examinar com a lente objetiva de 100× Lâmina Óleo 100 100 ×× B) ResultadoProcedimento 1. Cobrir o esfregaço fixado pelo calor com cristal violeta, por 1 minuto 2. Adicionar a solução de iodo, por 1 minuto 3. Descorar rapidamente com álcool - cerca de 20 segundos 4. Coloração de contraste com safranina por 1-2 minutos Todas as células coram-se em roxo Todas as células permanecem roxas As células gram-positivas coram-se em roxo; as células gram-negativas apresentam-se incolores As células gram-positivas (G+) coram-se em roxo; células gram-negativas (G—) coram-se em róseas a vermelhas G+ G— Figura 7 – Técnica da coloração de Gram: A) preparo da lâmina para observação ao microscópio; B) coloração Saiba mais Conheça mais sobre a coloração de Gram: BRASIL. Ministério da Saúde. Técnica de coloração de Gram. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/115_03gram.pdf. Acesso em: 4 out. 2019. 2 RELAÇÃO ENTRE A MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS E O CONTROLE HIGIÊNICO SANITÁRIO Podemos estabelecer os seguintes objetivos da microbiologia em relação à segurança dos alimentos: • Identificar a causa, o fator de risco e a fonte da doença. 20 Unidade I • Indicar intervenções, ou ações corretivas, de forma a prevenir que outras pessoas adoeçam. • Avaliar as estratégias e recomendações existentes para a prevenção de casos e surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTA), por meio do controle de perigos. • Gerar mais conhecimento sobre as implicações dos agentes de DTA com relação à saúde pública e à do consumidor, além de outros fatores legítimos. 2.1 Classificação dos microrganismos em microbiologia dos alimentos Os microrganismos podem ser classificados em grupos distintos de acordo com a interação existente com o alimento em: • Grupo daqueles que causam alterações benéficas, considerados produtores de alimentos: — São aqueles que modificam as características originais do alimento e o transformam em um novo alimento. — Os microrganismos são intencionalmente adicionados aos alimentos para que determinadas reações químicas sejam realizadas. Nesse grupo estão todos os microrganismos utilizados na fabricação de alimentos fermentados, como queijos, bebidas lácteas fermentadas, cervejas, vinhos, pães, picles, chucrute, azeitonas, entre outros. • Grupo daqueles que causam alterações químicas prejudiciais (deterioradores): — Causam a deterioração do alimento. — A deterioração resulta em alteração de cor, odor, textura e aspecto do alimento. — As alterações são consequência da atividade metabólica natural dos microrganismos que utilizam o alimento como fonte de nutrientes e energia. • Grupo dos que causam prejuízo à saúde, considerados os patogênicos. Incluem os microrganismos indicadores da fonte de contaminações, sejam de origem fecal, do manipulador ou do ambiente. Podem ser usados para avaliação da efetividade de procedimentos e processos, como limpeza e desinfecção e pasteurização. Em relação a esse grupo, a caracterização das DTA depende de fatores inerentes ao alimento, do microrganismo patogênico em questão e do indivíduo afetado. 21 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Contaminação Perigos: biológicos-físicos-químicos Alimentos favoráveis Multiplicação Tempo - Temperatura pH - Aa Sobrevivência Cocção inadequada Indivíduos suscetíveis Figura 8 – Caracterização das DTATodas as classes de microrganismos devem ser controladas nos alimentos com a finalidade de saúde (patogênicos), qualidade, identidade e prazo de validade (deteriorantes), atendimento à legislação específica (indicadores de higiene, de processamento e patógenos) e de produção (úteis). Os microrganismos podem chegar ao alimento por diferentes vias, dependendo das condições de higiene, armazenamento, manipulação e distribuição. As bactérias, os bolores e as leveduras são os microrganismos de maior destaque como agentes potenciais de deterioração e como eventuais patógenos ao homem. Na grande maioria das situações, as bactérias são os microrganismos numericamente predominantes nos alimentos, principalmente por apresentarem um tempo de geração bastante reduzido, serem capazes de utilizar uma diversidade de substratos e apresentarem ampla variação de comportamento dos diferentes gêneros diante de fatores ambientais. Pode-se avaliar microbiologicamente um alimento sob diferentes diretrizes: • Aspectos higiênicos: são as determinações microbianas que permitem avaliar a higiene de um produto, no que se refere à aplicação de boas práticas em toda sua cadeia de produção e exposição ao consumo. Baseia-se em determinações analíticas de contagem total de bactérias (mesófilos e/ou termófilos e/ou psicrotróficos), contagem de fungos (bolores e leveduras). • Presença de indicadores fecais: avalia a qualidade e a presença de contaminação fecal, direta ou indireta. Esse grupo de indicadores é composto por coliformes a 45 ºC, E. coli e o Clostridium perfringens. • Indicadores de processamento e/ou manipulação: pertencem a esses indicadores vários grupos de microrganismos, na dependência do produto e seu respectivo processamento. • Indicadores de risco: são microrganismos que podem produzir toxina no produto, como a enterotoxina estafilocócica, ou causar uma toxinfecção (Bacillus cereus, Clostridium perfringens) ou uma infecção (Salmonella). 22 Unidade I • Toxinas biológicas: essa avaliação compreende toxinas de várias origens. • Aspectos sanitários/microrganismos patogênicos: os possíveis patógenos presentes nos alimentos são bactérias, vírus e parasitos. • Microrganismos úteis: são usados nos processos de transformação de matérias-primas em produtos alimentícios. São microrganismos controlados, cujo metabolismo sobre os componentes da matéria-prima em questão dá como resultado final um metabólito não tóxico, porém alimentício. São usados para a fermentação de massa de pão e similares, fabricação de cerveja, iogurte, queijos e de outros produtos designados de fermentação. 2.2 Tipos de contaminação e os perigos nos alimentos A contaminação é a introdução ou ocorrência de um contaminante em um alimento ou no ambiente de um alimento. Fato ou ato de introdução de um contaminante. Níveis não permitidos ou tolerados de um contaminante. Contaminante é qualquer agente biológico ou químico ou físico, matéria estranha ou substância, não adicionado intencionalmente ao alimento e que pode comprometer sua segurança ou qualidade (adequação) ao consumo. Exemplos bastante característicos de contaminantes biológicos ou microbiológicos são microrganismos de um determinado nicho que têm acesso ao alimento, como os de origem fecal (Escherichia coli), os que estão na pele (Staphylococcus aureus), os que estão no solo (Bacillus cereus) e os que são marinhos (Vibrio parahaemolyticus). A contaminação microbiológica é avaliada, sobretudo, por grupos ou gêneros e espécies de bactérias indicadoras selecionadas (coliformes ambientais e de origem fecal, S. aureus e outros). Os microrganismos deteriorantes e indicadores, fragmentos de madeira ou plástico no alimento, fragmentos de insetos em níveis não tolerados, substâncias químicas tóxicas ou capazes de causar doenças são outros exemplos de perigos. As culturas starter, haste de picolé e pirulito, peças (brinquedos) em doces, quando indicadas na embalagem, e a própria embalagem, não são consideradas contaminantes. Em torno de 200 doenças podem ser veiculadas ao homem pelos alimentos. Os agentes etiológicos (perigos) podem ser, portanto, bactérias, fungos, vírus, parasitos, agentes químicos e substâncias tóxicas de origem animal e vegetal, que se relacionam com toda a cadeia produtiva de alimentos. 23 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Cadeia alimentar Matéria-prima e insumos alimentares Transporte Processamento Transporte de alimentos Armazenagem de alimentos Transporte Comercialização Perigos Químicos, físicos, biológicos Transporte Consumo Perda de qualidade nutricional, toxinfecções alimentares agudas, crônicas, óbitos Figura 9 – Contaminação dos alimentos na cadeia produtiva Em alimentos, são considerados perigos, então, os agentes de natureza biológica, química ou física no ou sobre o alimento, ou uma condição deste, com potencial para causar um efeito adverso à saúde do consumidor. É essencial a compreensão de que, para alimentos, os perigos referem-se somente às condições e/ou aos contaminantes que podem causar mal-estar ou dano ao consumidor por meio de uma lesão ou doenças. Os perigos em alimentos são controlados pelo sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC) e pelos seus pré-requisitos, ou seja, as boas práticas de fabricação e manipulação (BPFM). Os perigos são classificados em biológicos, químicos e físicos. Os perigos biológicos incluem bactérias, fungos, vírus e parasitos. As bactérias patogênicas e/ou suas toxinas causam a maioria dos surtos em casos de DTA conhecidos. Esses microrganismos podem ser encontrados em várias quantidades em alimentos crus. Condições de estocagem e/ou manipulação imprópria desses alimentos contribuem para um aumento significativo desse número. Alimentos processados, por exemplo, os que sofrem cocção, podem ser recontaminados (contaminação cruzada) com microrganismos patogênicos que alcançam rapidamente um número preocupante se a temperatura de estocagem for favorável à sua multiplicação. Os perigos químicos são contaminantes de natureza química, resíduo ou produtos de degradação em níveis inaceitáveis nos alimentos. Exemplos: produtos de limpeza, toxinas naturais, toxinas fúngicas (micotoxinas), metabólitos tóxicos de origem microbiana (histamina), pesticidas, herbicidas, contaminantes inorgânicos tóxicos, antibióticos, anabolizantes, aditivos e coadjuvantes alimentares tóxicos, lubrificantes, tintas, desinfetantes. Os perigos físicos são contaminantes de origem física, como corpos estranhos em níveis e dimensões inaceitáveis. São representados por objetos estranhos ou matérias estranhas que são capazes de causar 24 Unidade I danos ao consumidor (ferimento de boca, quebra de dente e outros). Exemplos: vidros, metais, madeira, plásticos provenientes de envoltórios das embalagens, pedaço de papel, pedaço de osso etc., que podem representar riscos à vida. Os perigos físicos, assim como os biológicos e os químicos, podem contaminar o alimento em qualquer fase de sua produção. É importante salientar que qualquer substância estranha pode ser um perigo para a saúde se vier a produzir dano ao consumidor. Existem inúmeras fontes (origem e procedência) de contaminantes em alimentos. A seguir listamos algumas delas: • Produção primária (plantações, criação de animais terrestres e aquáticos, extração de produtos vegetais e animais), por conta de inadequações das áreas físicas e água com contaminantes biológicos. • Manejo sanitário e alimentar dos criatórios, por causa de contaminantes, como a Salmonella sp. • Transporte e distribuição, como consequência de contaminação e desenvolvimento de microrganismos. • Armazenamento (ensilagem de grãos, conservação de outros produtos de origem animal e vegetal), em razão de micotoxinas, histamina em pescados e peixes. • Processos de transformação (etapas, áreas físicas, água, equipamentos, fluxo de etapas, processos, embalagens, conservação, distribuição e transporte, entreoutros), em virtude de sobrevivência, introdução e desenvolvimento de contaminantes microbianos. • Manuseio e manipulação, devido a contaminantes microbianos, como o S. aureus. • Preparo, conservação e distribuição final para o consumo, por conta de sobrevivência, introdução e multiplicação de contaminantes microbianos. De forma geral, então, as principais fontes de contaminação são solo e água, plantas, utensílios, trato intestinal, manipuladores de alimentos, ração animal, pele e pelo de animais, ar e pó. A contaminação dos alimentos pode afetar sua segurança, provocar rejeição de produtos pelo consumidor e deve ser uma preocupação constante dos produtores, distribuidores e consumidores. 2.3 Medidas de controle A higiene dos alimentos compreende todas as condições e medidas necessárias para garantir a segurança e a adequação do alimento em todas as etapas da cadeia produtiva. E a segurança dos alimentos, particularmente, é a garantia de que o alimento não causará dano à saúde do consumidor, quando preparado e consumido de acordo com sua intenção de uso. 25 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 2.3.1 Controle do desenvolvimento microbiano em alimentos Esse controle de microrganismos é possível pela ação de agentes físicos (calor seco ou úmido, pasteurização, filtração, baixas temperaturas, ressecamento, pressão osmótica, radiação e químicos, que possuem propriedades de matar a célula microbiana ou de impedir sua reprodução). Esterilização Ocorre a destruição de todas as formas de vida microbiana, incluindo os endósporos (formas mais resistentes). O método mais comum é o aquecimento. Na esterilização comercial, o tratamento de calor é suficiente para matar os endósporos do Clostridium botulinum nos alimentos enlatados. Desinfecção Processo que promove inibição, morte ou remoção de vários microrganismos patogênicos e saprófitos, sem eliminar todas as formas de vida, ou seja, somente a destruição dos patógenos vegetativos e não dos endósporos. Pode ser realizada pelos seguintes métodos: substâncias químicas, radiação ultravioleta (UV), água fervente e vapor. A desinfecção se caracteriza pela utilização de desinfetantes (produtos químicos) para tratar uma superfície ou substância inerte. Já na antissepsia, o tratamento é em tecido vivo. Os antissépticos costumam ser menos tóxicos que os desinfetantes. Modificações da desinfecção: • Degerminação: remoção mecânica dos microrganismos, em vez da morte, em uma área limitada, eliminando somente os microrganismos e não os endósporos, como acontece quando a pele é esfregada com álcool após a limpeza. • Sanitização: processo que leva à redução dos microrganismos, a níveis seguros, de acordo com os padrões de saúde pública (elimina 99,9% das formas vegetativas). Exemplo: lavagem de copos, talheres e louças com alta temperatura ou com a aplicação de desinfetante químico. Quando os microrganismos chegam aos alimentos, se as condições são favoráveis, iniciam sua multiplicação e seu crescimento, passando por uma série de fases sucessivas. O bem-estar da humanidade depende, em grande parte, da capacidade do homem em controlar a população dos microrganismos, visando prevenir a transmissão de doenças, evitar a decomposição de alimentos e a contaminação da água e do ambiente. Em microbiologia, o termo crescimento refere-se a um aumento do número de células e não ao aumento das dimensões celulares. Ou seja, o crescimento microbiano está associado ao crescimento de uma população de células (uma célula dará origem a duas ao fim de um certo tempo – tempo de geração ou de duplicação). É de todo interesse na conservação de alimentos prolongar ao máximo a fase de latência (fase lag ou de adaptação do microrganismo). Esse objetivo pode ser alcançado de várias maneiras: 26 Unidade I • Procurando fazer com que o menor número possível de microrganismos alcance o alimento, isto é, reduzindo o grau de contaminação, pois quanto menos microrganismos existirem, menor será a fase de latência. • Criando condições ambientais desfavoráveis (umidade, pH, temperatura, presença de inibidores). Quanto maior o número de condições desfavoráveis, mais tardará o início do crescimento microbiano. • Aplicando certos tratamentos diretamente sobre os microrganismos. Dessa forma, as medidas mais comuns para o controle das DTA são: • Bom cozimento do alimento. • Resfriamento dos alimentos em pequenas quantidades e rapidamente. • Desinfecção dos equipamentos e utensílios. • Não emprego de água do mar para limpeza de equipamento ou para lavagem dos alimentos crus. • Higiene pessoal. • Preparação higiênica dos alimentos. • Prevenção contra moscas e roedores. • Tratamento dos manipuladores com doenças respiratórias ou lesões cutâneas. Tanto que as tecnologias e os processos de preparação de alimentos podem ser classificadas como as que tornam o alimento seguro (eliminam, reduzem, controlam os perigos); controlam contaminantes, ou seja, previnem a introdução e o desenvolvimento de microrganismos ou a produção de toxinas; e previnem (re)contaminação. São muito baseadas em controle da temperatura, da Aa, do pH, do potencial redox ou de oxirredução (Eh), agentes antimicrobianos etc. As ações dos agentes de controle microbiano podem ser resumidas da seguinte forma: • Alterações da permeabilidade da membrana plasmática: a membrana plasmática está localizada imediatamente no interior da parede celular. Ela regula ativamente a passagem de nutrientes para o interior da célula e a eliminação de dejetos desta. Sua lesão (por agentes químicos e antibióticos) causa o vazamento do conteúdo celular no meio. • Danos às proteínas e aos ácidos nucleicos: as enzimas são vitais para o desenvolvimento celular, sendo que ligações covalentes e pontes de hidrogênio são rompidas por certos produtos químicos e calor. O DNA e o ácido ribonucleico (RNA) (fontes de informação genética) são lesionados por calor, radiação ou substâncias químicas, letais para a célula. 27 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Observação Conheça os termos relacionados ao efeito que determinadas ações ou substâncias têm sobre os microrganismos: Sufixo cida: nome dos tratamentos que causam a morte direta dos microrganismos = germicida, fungicida. Sufixo stático/stase: inibem o crescimento e a multiplicação = bacteriostase. Sepse: termo grego = estragado/podre (indica contaminação). Asséptico = sem contaminação. Fungicida/bactericida: quando um determinado produto exerce uma ação específica sobre determinado grupo de microrganismos. Fungistático/bacteriostático: devem ser usados apenas quando eles inibem as atividades vitais de determinado microrganismo, sem matá-lo. 2.3.2 Princípios do controle do desenvolvimento microbiano Há uma série de princípios que norteiam a conservação dos alimentos, particularmente em produção de refeições. A seguir listamos dez deles: • Reconhecendo a qualidade e o frescor do alimento: características próprias de um alimento, como cor e textura de carnes e pescados, frescor de frutas e vegetais, ausência de umidade e bolor em grãos e farinhas (ausência de alterações) etc. • Mantendo o alimento na temperatura adequada: resfriado, refrigerado, congelado, temperatura ambiente. • Selecionando e escolhendo. • Pré-preparando: dessalgando, lavando frutas e verduras, descascando, picando, moendo, salgando, temperando. • Cozendo: importante a forma de aplicação do calor (direto no bico da chama, forno convencional, placa de troca de calor, vapor etc.). • Preparo final: acondicionamento, adição de produtos crus, embalamento etc. 28 Unidade I • Mantendo o alimento pronto: estável em temperatura ambiente, refrigerado, congelado, a quente. • Distribuindo: transporte e exposição. • Reaquecendo ou preparo final de produtos pré-processados: em temperatura suficiente. • Servindo. Já os fatores que influenciam o tratamento microbiano são os seguintes: • Tamanho da população: quanto maior a população microbiana,maior o tempo de tratamento. • Natureza da população: os endósporos são mais resistentes, enquanto as células jovens são mais suscetíveis do que aquelas na fase estacionária. • Concentração do agente: quanto mais concentrado o agente, maior a eficiência, com exceção do álcool (ou seja, o álcool 70% é mais eficiente que o álcool 92% ou 96%). • Tempo de exposição: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tempo mínimo de exposição é de 30 minutos (a probabilidade de haver sobreviventes é de 1 em 106 indivíduos). • Temperatura: as temperaturas mais altas são mais eficientes no tratamento. A cada 1 ºC, observa-se aumento de 10 vezes na eficiência, o que potencializa o controle e, em conjunto com o agente, pode diminuir sua concentração. • Condições ambientais: a presença de material orgânico inibe a ação dos antimicrobianos químicos. E o pH ácido potencializa o resultado pela ação do calor. 2.4 Higienização A higienização é um processo realizado, obrigatoriamente, em duas etapas: • Limpeza: remoção de resíduos orgânicos e minerais, aderidos às superfícies, constituídos, principalmente, por proteínas, gorduras e sais minerais. • Sanificação ou desinfecção: eliminação dos microrganismos patogênicos e redução do número de saprófitos ou alteradores a um nível seguro. A limpeza reduz a carga microbiana das superfícies, mas não a nível satisfatório, como a desinfecção. Mas seu efeito só será observado mediante a realização da limpeza, ou seja, a desinfecção só pode ser realizada após a limpeza, nunca o contrário. Os principais resíduos orgânicos são as gorduras e as proteínas. Para removê-los são necessárias transformações químicas específicas como saponificação (formação de sabão – solúvel em água) e/ou 29 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS emulsificação (mudança de polarização – tornando-a solúvel), no caso das gorduras, e solubilização para as proteínas. Para a remoção dos resíduos minerais são empregados agentes complexantes e aplicação de soluções ácidas. Quadro 1 – Características dos resíduos orgânicos Resíduo Solubilidade Remoção Alteração pelo calor Carboidratos Solúveis em água Fácil Caramelização Gorduras Insolúveis em água Solúveis em alcalinos Solúveis por tensoativos Difícil Polimerização Proteínas Insolúveis em águaSolúveis em alcalinos e ácidos Difícil Desnaturação Sais minerais monovalentes (sódio e potássio) Solúveis em água Solúveis em ácidos Fácil Incrustações Sais minerais polivalentes (cálcio e magnésio) Insolúveis em água Solúveis em ácidos Difícil Incrustações Fonte: Andrade (2008, p. 188); Bastos (2008, p. 47). 2.5 Controle dos microrganismos pela ação dos agentes químicos Os agentes químicos são usados para controlar o crescimento de microrganismos em tecidos vivos e objetos inanimados. Dificilmente se atinge a esterilidade (muitos desinfetantes não reduzem a população microbiana e nem removem as formas vegetativas dos patógenos). Os quimioterápicos são substâncias que interferem na grande maioria dos casos, em determinadas vias metabólicas, isto é, a ação dos agentes quimioterápicos se restringe às células de microrganismos que possuem a via metabólica sensível. Podem ser microbicidas, que determinam a morte dos microrganismos, ou microbiostáticos, que apenas impedem sua proliferação. Os agentes químicos devem possuir as seguintes características: • Alta toxicidade para os microrganismos. • Solubilidade em água. • Estabilidade elevada. • Inocuidade para o homem e os animais. • Ausência de afinidade por matéria orgânica estranha. 30 Unidade I • Capacidade de penetração. • Não corrosibilidade. • Atividade antimicrobiana ampla (patógenos, indicadores e deteriorantes). • Destruição dos microrganismos em vez de inibição. • Não modificação de odor e sabor do alimento ou bebida. Os desinfetantes são substâncias que agem diretamente sobre as estruturas microbianas, causando a morte dos microrganismos. Não matam necessariamente todos os microrganismos, mas diminuem o número de tal forma que os indesejáveis não representam mais um risco para o processo. 2.5.1 Tipos de desinfetantes 1) Compostos orgânicos, como fenol (ácido carbólico) e compostos fenólicos, álcoois, compostos de amônio quaternário Os compostos fenólicos contêm uma molécula de fenol quimicamente alterada para reduzir suas qualidades irritantes e aumentar sua atividade antibacteriana em combinação com o sabão ou detergente (bisfenol, hexaclorofeno). Lesam a membrana plasmática, inativam as enzimas e desnaturam as proteínas. Os álcoois matam efetivamente as bactérias e os fungos, mas não os endósporos e os vírus não envelopados. Os mais utilizados são o etanol (70%) e o isopropanol. Têm como vantagem agir e depois evaporar sem deixar resíduo. Têm como mecanismos de ação desnaturação das proteínas, rompimento da membrana e dissolução de muitos lipídios. Exemplo de aplicação Sabe como fazer o álcool 70%? Partiremos do álcool 96º GL (Gay Lussac), densidade vol/vol, que corresponde a 92,8 INPM (Instituto Nacional de Pesos e Medidas), que é a relação peso/volume. Logo, 100 mL de álcool é constituído de 938 mL de álcool e 62 mL de água. Com isso, podemos fazer a seguinte relação: 1000 mL ............ 92,8% X ...................... 70% 31 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS X = 754,31 mL de álcool 1000 – 754,31 = 245,69 755 mL de álcool + 245 mL de água equivalem ao álcool a 70%. O álcool diluído a 70% permite um maior tempo de contato com o microrganismo e, por isso, possui maior poder bactericida. 2) Halogênios Particularmente o iodo (I2) e o cloro (Cl2), por serem agentes antimicrobianos mais efetivos. Tanto que o I2 é efetivo contra todos os tipos de bactérias, muitos endósporos, vários fungos e alguns vírus. O I2 se combina ao aminoácido tirosina, um componente de muitas enzimas e outras proteínas celulares, inibindo a função proteica. Também oxida os grupos sulfidrila (-SH) de certos aminoácidos que são importantes para manter a estrutura das proteínas. O Cl2, como gás ou em combinação com outras substâncias químicas, possui ação germicida causada pelo ácido hipocloroso (HCIO). É um forte oxidante que impede o funcionamento de boa parte do sistema enzimático celular. Os compostos clorados são muito usados porque têm atividade sobre todas as bactérias patogênicas. Têm ação rápida, mas são corrosivos, instáveis e irritantes. Os compostos iodados são complexos de iodo e surfactante não iônico, pH baixo. Têm amplo espectro e atuam bem em temperatura baixa e morna, mas são corrosivos e com odor pungente. Exemplo de aplicação Sabe calcular as partes por milhão (ppm) de cloro? Se a água sanitária possui 2,5% de cloro ativo, é o mesmo que 2,5 g/100 mL ou 25 g/1000 mL (1 L) ou 25.000 ppm ou 25.000 mg/1 L ou 25 mg/1 mL. Se desejarmos fazer uma diluição a 200 ppm (200 g/mL) e já sabemos que cada 1 mL corresponde a 25 mg de cloro, devemos utilizar 8 mL de água sanitária. Veja: 1 mL – 25 mg de cloro ativo X – 200 mg 32 Unidade I X = 8 mL de água sanitária 8 mL + 992 mL de água O cloro comercial possui 10% de cloro ativo = 100 mg/1 mL. Se desejarmos uma diluição de 200 ppm, teremos que utilizar 2 mL de cloro comercial. 100 mg – 1 mL 200 mg – X = 2 mL de cloro comercial + 998 mL de água 3) Metais pesados (prata, mercúrio, cobre e zinco) e seus compostos Bastante utilizados como germicidas ou antissépticos. O mecanismo de ação ocorre quando os íons de metal se combinam com os grupos sulfidrilas nas proteínas celulares e ocorre a desnaturação. 4) Outros, como peroxigênios, quimioesterilizantes gasosos, agentes de superfície, biguanidas e antibióticos Biguanidas A clorexidina é frequentemente utilizada no controle microbiano de pele e mucosas. É efetiva para a maioria das bactérias vegetativas e fungos, mas não é esporicida. Os únicos vírus afetados são alguns tipos envelopados. O efeito bactericida está relacionado à lesão que esse reagente causa à membrana plasmática. Agentes de superfícieOs agentes de superfície (tensoativos ou surfactantes) podem reduzir a tensão superficial entre as moléculas de um líquido. Os principais agentes são: • Sabões e detergentes aniônicos: remoção mecânica dos microrganismos por meio de escovação/esfregação. São utilizados para degerminação da pele e remoção de resíduos. • Detergentes ácido-aniônicos: apesar da incerteza quanto à sua ação, podem envolver a inativação ou a ruptura das enzimas. Têm amplo espectro de atividade; atóxicos, não corrosivos e de ação rápida, são utilizados na sanitização em indústrias de processamento de laticínios e alimentos. • Detergentes catiônicos (compostos de amônio quaternário): inibição de enzimas, desnaturação das proteínas e ruptura das membranas plasmáticas. São bactericidas, bacteriostáticos, fungicidas e viricidas contra vírus envelopados. São usados como antisséptico para pele, instrumentos e objetos de borracha. 33 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Ácidos orgânicos Inibição metabólica, afetando principalmente os bolores; ação não relacionada à sua acidez. Amplamente usados para controlar bolores e algumas bactérias em alimentos e cosméticos. Aldeídos Desnaturação das proteínas. São usados para a desinfecção de equipamentos médicos. O glutaraldeído é menos irritante que o formaldeído. Esterilizantes gasosos Desnaturação das proteínas. O óxido de etileno é o de uso mais comum. É um excelente agente esterilizante, especialmente para objetos que seriam danificados pelo calor. Perogênios Oxidação. O ozônio é amplamente usado como suplemento para a cloração. O peróxido de hidrogênio é um antisséptico fraco, mas um bom desinfetante. São usados em superfícies contaminadas, e em alguns ferimentos profundos, em que são muito efetivos contra os anaeróbios sensíveis ao oxigênio. Antibióticos O controle microbiano é feito pela ingestão ou pela aplicação superficial. Alguns antibióticos são utilizados para controle de produtos (bacteriocina). Exemplos: • Nisina: adicionada ao queijo para inibir o crescimento de certas bactérias da deterioração, formadoras de endósporos. • Natamicina: antibiótico antifúngico aprovado para uso em alimentos, principalmente para queijo. Quadro 2 – Ação de alguns desinfetantes sobre os microrganismos Desinfetante Bactérias Fungos e leveduras Esporos bact. VírusGram+ Gram- Hipoclorito de sódio +++ +++ ++- ++- ++- Dióxido de cloro +++ +++ ++- ++- ++- Cloraminas orgânicas +++ +++ ++- ++- ++- Iodóforos +++ +++ ++- +-- +-- Amônia quaternária +++ +-- +++ --- +-- Ácido peracético +++ +++ +++ +++ +++ Peróxido de hidrogênio +++ ++- ++- +++ ++- Legenda: eficaz (+++), moderadamente eficaz (++-), baixa eficácia (+--), ineficaz (---). Fonte: Andrade (2008, p. 206); Bastos (2008, p. 56). 34 Unidade I 2.6 Biofilmes Alguns microrganismos secretam polissacarídeos, que combinam com água e com sais criando biofilmes sobre a superfície. Os biofilmes são difíceis de remover. Esse problema é importante para o setor industrial de alimentos, e parece não ser para as residências e cozinhas industriais. Mas eles são formados sobre qualquer superfície, inclusive as de aço inoxidável. A) Destacamento de células Coagregação Maturação do biofilmeColonização da superfície (adesão irreversível) Adesão inicial reversível B) Figura 10 – A) Mecanismo de formação do biofilme; B) bactéria aderida ao aço inoxidável, mostrando a presença de exopolissacarídeo 2.7 Qualidade e bacteriologia da água A água de beber e aquela usada para fins industriais podem proceder ou não da mesma origem. Devem cumprir as normas de saúde pública (não devem conter bactérias coliformes, em número de contaminação de águas residuais). No caso da água para indústria, deve ainda obedecer a outros requisitos, dependendo do alimento produzido. Determinadas águas que são consideradas potáveis não são adequadas para usar em certos alimentos: • Na fabricação de manteiga e requeijão, é inadequado o uso de água que contenha microrganismos psicrófilos como Pseudomonas ou Alcaligenes, pela sua capacidade de atividade lipolítica, podendo originar produtos de oxidação. • Água dura não deve ser empregada na fabricação de cerveja e envasados de leguminosas, pois causam odores anormais por conta de ferro e manganês. • O crescimento mucoso de bactérias férricas causa problemas nas indústrias. Os resíduos das fábricas de produtos alimentícios contêm ordinariamente uma grande variedade de produtos orgânicos, uns facilmente oxidáveis, e outros complexos e de difícil decomposição. A concentração de matéria orgânica é expressa em termos de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), que é a quantidade de O2 utilizado pelos microrganismos aeróbios e compostos redutores na estabilização da matéria decomposta durante um tempo determinado a uma certa temperatura. Normalmente se utiliza um período de 5 dias a 20 ºC e o resultado se expressa em DBO de 5 dias. 35 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Saiba mais Acesse o site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde e do Portal da Legislação do Planalto e mantenha-se atualizado em relação à legislação sanitária para a água: saude.gov.br portal.anvisa.gov.br www4.planalto.gov.br/legislacao Confira também os seguintes documentos: BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC n. 274, de 22 de setembro de 2005. Regulamento técnico para águas envasadas e gelo. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/394219/ RDC_274_2005.pdf/19d98e61-fa3b-41df-9342-67e0167bf550. Acesso em: 22 out. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC n. 275, de 22 de setembro de 2005. Regulamento técnico de características microbiológicas para água mineral natural e água natural. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://bvsms. saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2005/rdc0275_22_09_2005.html. Acesso em: 22 out. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução RDC n. 173, de 13 de setembro de 2006. Regulamento técnico de boas práticas para industrialização e comercialização de água mineral natural e de água natural. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/ rdc0173_13_09_2006.html. Acesso em: 22 out. 2019. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto-lei n. 7.841, de 8 de agosto de 1945. Código de Águas Minerais. Brasília, 1945. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/ Del7841.htm. Acesso em: 7 out. 2019. 36 Unidade I 3 FATORES QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO DE MICRORGANISMOS EM ALIMENTOS A capacidade de sobrevivência dos microrganismos que estão presentes em um alimento depende de uma série de fatores. Entre eles estão aqueles relacionados às características próprias do alimento (fatores intrínsecos) e os relacionados ao ambiente em que o alimento se encontra (fatores extrínsecos). De forma geral, fatores que regulam o crescimento microbiano são associações, efeitos das condições ambientais, propriedade física do alimento, propriedade química do alimento, disponibilidade de oxigênio e temperatura versus tempo. 3.1 Alimentos como substratos dos microrganismos Todos os alimentos apresentam uma microbiota natural extremamente variável, concentrada principalmente na região superficial, embora os tecidos internos possam, eventualmente, apresentar formas microbianas viáveis, o que se relaciona com os fatores intrínsecos. Ao lado da microbiota natural, nas diversas etapas que levam à obtenção de produtos processados, os alimentos estão sujeitos à contaminação por diferentes microrganismos, provenientes, por exemplo, de manipulação inadequada, contato com equipamentos, superfícies e utensílios, e pela atmosfera ambiental, o que se relaciona com os fatores extrínsecos. A definição das espéciesou grupos de microrganismos predominantes no alimento irá depender, fundamentalmente, das características inerentes a esse alimento – fatores intrínsecos dos alimentos –, bem como das condições ambientais prevalentes – fatores extrínsecos. O conhecimento dos fatores (intrínsecos e extrínsecos) que favorecem ou inibem a multiplicação dos microrganismos é essencial para compreender os princípios básicos que regem tanto a alteração como a conservação dos alimentos. 3.2 Fatores intrínsecos São fatores inerentes ao alimento: • potencial hidrogeniônico (pH) – condições ácidas ou básicas; • atividade de água (Aa) ou water activity (Aw); • Eh; • nutrientes (composição do alimento); • constituintes antimicrobianos; • estruturas biológicas; • microbiota. 37 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 3.2.1 Aa ou Aw A água/umidade nos alimentos pode ser classificada em água de hidratação ou ligada, água absorvida ou capilar e água livre. Água de hidratação ou ligada Fortemente ligada ao substrato, não é fácil de ser eliminada. Não é congelável e não está disponível para os microrganismos nem como solvente em reações químicas e enzimáticas. Está envolvida quimicamente com outras substâncias, dificilmente é determinada pelos métodos de umidade. Água absorvida ou capilar Conhecida como umidade adsorvida, que é a água localizada no interior do alimento, presente nas superfícies de macromoléculas, como amido, pectina, celulose e proteína, ligadas por forças de Van der Waals e pontes de hidrogênio, e que não combina com outros elementos quimicamente. Também funciona como solvente e influencia o crescimento dos microrganismos. Água livre Também conhecida como umidade de superfície, geralmente está presente na superfície externa do alimento e entre os espaços e os poros do material. Funciona como agente dispersante para substâncias coloidais e como solvente em compostos cristalinos. Essa água é facilmente evaporada, é congelável, funciona como solvente e está disponível para o crescimento dos microrganismos. Ela é fracamente ligada ao substrato e entre si. Os microrganismos necessitam de água para sua sobrevivência. O crescimento e o metabolismo microbiano exigem a presença de água numa forma disponível e a Aa é um índice dessa disponibilidade para utilização em reações químicas e crescimento microbiano. Ou seja, é o conteúdo de água livre do alimento, sendo esta a forma ideal de água utilizada pelos microrganismos. O valor absoluto de Aa fornece uma indicação segura do teor de água livre do alimento. As bactérias são usualmente mais exigentes quanto à disponibilidade de água livre, seguida das leveduras e dos bolores. Algumas espécies de bolores destacam-se pela elevada tolerância à baixa Aa. Moléculas de água ligadas quimicamente Moléculas de água livre Água total Figura 11 – Água total, água livre e água ligada 38 Unidade I A Aa é expressa pela fórmula: Aa = P1 / Po Sendo: P1 a pressão de vapor-d’água da solução (alimento); e Po a pressão de vapor do solvente puro (água) na mesma temperatura. Quadro 3 – Valores mínimos de Aa que permitem a multiplicação de microrganismos Grupo de microrganismos Valor mínimo de Aa Maioria das bactérias 0,88-0,91 Maioria das leveduras 0,88 Maioria dos bolores 0,80 Bactérias halofílicas (sal) 0,75 Bolores xerotolerantes (seco) 0,71 Bolores xerófilos e leveduras osmófilas (açúcar) 0,60-0,62 Adaptado de: Bertin e Mendes (2011); Franco e Landgraf (2008); Senac (2001); Senai (2000). As principais faixas de Aa são: • Aa = 1: significa água pura, não há nutrientes. • Aa = 0,999: já existe um mínimo de nutrientes. • Aa = 0,60: não existe água livre que favoreça o metabolismo das bactérias, mas certos fungos podem reproduzir-se. Quadro 4 – Valores de Aa de alguns alimentos e a multiplicação dos microrganismos Aa Alimentos Microrganismos 0,98-0,99 Carnes e pescados frescos, frutas e hortaliças frescas, leite e a maioria das bebidas lácteas, hortaliças enlatadas em salmoura, frutas enlatadas em pouca concentração de açúcar Salmonella, Campylobacter, Yersinia, E. coli, Shigella, Clostridium, S. aureus, B. cereus 0,93-0,97 Leite evaporado, carne curada, carne e peixe levemente salgados, linguiça cozida, massa de tomate, queijo submetido a tratamento industrial (queijo processado), embutidos e fermentados (não dessecados), frutas enlatadas em alta concentração de açúcar, sucos de frutas S. aureus, V. parahemolyticus, os outros citados acima crescem lentamente ou param sua reprodução 0,85-0,92 Leite condensado, queijo cheddar maturado, linguiça fermentada, carne seca, presunto cru e bacon, embutidos secos e fermentados, produtos de confeitaria S. aureus, mas sem produção de enterotoxina. Bolores micotoxigênicos 0,60-0,84 Farinhas, cereais, nozes, frutas secas, vegetais secos, leite e ovos em pó, gelatinas e geleias, compotas, melaço, goiabada, coco ralado, peixes muito salgados, alguns queijos maturados, alimentos levemente úmidos Não há crescimento de bactérias patogênicas < 0,60 Confeitos e doces, vegetais fermentados, chocolate, mel, macarrão seco, biscoitos e batata frita, pastelaria, bolachas cream cracker, ovos e hortaliças desidratados, leite em pó Não há crescimento microbiano, mas permanecem viáveis Adaptado de: Bertin e Mendes (2011); Andrade (2008); Bastos (2008); Franco e Landgraf (2008); Senac (2001); Senai (2000). 39 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Pressão osmótica A adição de solutos a um líquido puro irá causar uma redução na pressão de vapor da solução e consequentemente diminuir a Aa. Sendo 1 o valor de Aa obtido na água pura, os valores de Aa oscilarão entre 0 e 1. Exemplos: • Se a Aa for 0,995: meio com 0,88% de NaCl, 8,52% de sacarose e 4,45% de glicose. • Se a Aa for 0,860: meio com 18,18% de NaCl, 68,60% de sacarose e 58,45% de glicose. Os fatores no alimento capazes de reduzir a pressão de vapor da água e, consequentemente, a Aa são, principalmente, adsorção de moléculas de água em superfície, forças capilares, formação de soluções com diferentes solutos, formação de coloides hidrófilos e presença de água de cristalização ou hidratação. Exemplo: glicerol, que diminui a Aa, utilizado em meios de cultivo para inibir o crescimento de microrganismos muito sensíveis à Aa, como as bactérias (a maioria não cresce com Aa inferior a 0,91). Os microrganismos retiram a maioria dos nutrientes solúveis da água, tanto que seu conteúdo celular é composto de 80% a 90% de água. Em ambientes com menor concentração de água, os microrganismos desenvolvem mecanismos para obter água por meio do aumento da concentração de solutos internos, seja pelo bombeamento de íons para o interior celular ou pela síntese de solutos orgânicos (açúcares, álcoois ou aminoácidos). A pressão osmótica se observa com a retirada de H2O dentro da célula: • Reação hipertônica: perda de H2O do meio intracelular para o extracelular, através da membrana plasmática (meio com concentração de sais). • Plasmólise: diminuição da membrana plasmática da célula devido à perda de H2O por osmose, como ocorre em alimentos com alta concentração de sal ou açúcar (peixe salgado, mel, leite condensado). Solução isotônica A = B Solução hipertônica A < B A Célula bacteriana | B Meio em que ela se encontra Solução hipotônica A > B Célula microbiana em equilíbrio com o meio Célula microbiana com concentração de soluto menor que o meio Célula microbiana com concentração de soluto maior que o meio Figura 12 – Efeito da pressão osmótica sobre a célula microbiana 40 Unidade I Os microrganismos podem ser divididos em: • Não halófilos: não necessitam de sal e não toleram a presença no meio. • Halotolerantes: não necessitam de sal, mas toleram a presença no meio. • Halófilos: necessitam de sal em uma concentração moderada. • Halófilos extremos: necessitam de sal em altas concentrações. Os microrganismos resistentes à baixa Aa são os osmofílicos (ambientes com elevada concentração
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