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[FICHAMENTO] MOORE JR, Barrington. Aspectos morais do crescimento econômico

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MOORE JR, Barrington. Aspectos morais do crescimento econômico: observações históricas sobre a moralidade dos negócios na Inglaterra. In: MOORE JR, Barrington. Aspectos morais do crescimento econômico e outros ensaios. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 11- 79.
Objetivo: “Descrever e explicar os códigos e os padrões do comportamento das lideranças do comércio e da indústria inglesa” de dois recortes: o mundo “pré-industrial” (dos séc. XIV ao XVII – “problemas morais nos negócios da Idade Média), mas sobretudo (ênfase do texto) no período da Revolução Industrial (1760-1860). (p. 11) -> Compreender as práticas da moralidade mercantil. “Primórdios do modo capitalista de pensar” (p. 33) também orientam a pesquisa, especialmente no que diz respeito a seleção de fontes.
· Medievo -> Revolução industrial: Compreender contrastes e continuidades dos problemas morais enfrentados pelos comerciantes ao longo dos dois recortes. + Disponibilidade de fontes (série de processos legais publicados na “Sociedade Selden”).
· Discussão em torno dos códigos morais. Condenam as ações que representam ameaça à ordem social e normalmente são carregadas com um fundo religioso tradicional. Crítica interna ao documento possibilita um horizonte de abordagens para, através dos códigos morais, apreendermos algo sobre os padrões de comportamento dos indivíduos de uma dada sociedade ... “O que um código proíbe são geralmente suas características mais reveladoras” (p. 15). Portanto, Moore Jr. enfatiza no ensaio os comportamentos tidos como ilegais pelos contemporâneos.
Os debates das restrições (formais e informais) do Institucionalismo. Códigos morais como restrições às ações individuais que permitem a interação social????
“Uma gigantesca transformação histórica que molda o contexto das mudanças e continuidade morais” (p. 13)
· O controle do trabalho no mundo pré-industrial e depois. Forma de se produzir riqueza no mundo pré-moderno: a partir da força, subjugação de um pelo outro (“predomínio do furto e da opressão”) => “expediente aristocrático-militar”
· A partir da Revolução Industrial surgiram novas formas de enriquecimento: A máquina e a mina de carvão (incremento tecnológico que permite aumento produtivo, algo raro no período anterior) e por meio dos “esforços coletivos” de alguns indivíduos (p. 14). O regime de trabalho assalariado: Nova forma de controle ou manifestação da liberdade/igualdade político-jurídica? Atenção para os embates entre os capitalistas, as velhas elites agrárias e o nascente operariado. => Para melhor entender o que Moore Jr. está propondo aqui, acredito que seja interessante fazer relação com seu clássico “As origens...”. O estabelecimento da modernização e industrialização (“utopia da classe burguesa”) esbarra em duas problemáticas: Elites agrário-feudais remanescentes (Processo de modernização conservadora no Japão e Alemanha) e as classes trabalhadoras (revoluções camponesas especialmente). 
· As respostas às transformações nos meios e formas de produção: Entre o “desdém pretensioso e os sonhos utópicos” e a permanência do formato “aristocrático-militar” (exemplo dos fascismos em meio ao séc. XX).
· Revolução Industrial em seu “ponto irreversível” (1850 na Inglaterra) “já havia aumentado o fornecimento de bens e serviços” a ponto de a disputa pela sua distribuição ter “deixado de ser a principal ameaça à estabilidade social” – Uma ética social em meio à paz. (Weber?) -> “triunfo que parecia ser evidente”
Antecedentes medievais
 
- Esforço de controle das atividades econômicas por meio de padrões éticos: As cortes “piepowder”, os “estatutos mercantis”, sobretudo as “assize” (no âmbito dessas cortes). [footnoteRef:1] Na Inglaterra o estabelecimento dessas cortes era feito pelo rei. [1: “Assize of Weights and Measures”. Tribunal que averiguaria os crimes envolvendo pesos e medidas no âmbito das trocas.] 
“Embora a Idade Média tenha assistido ao estabelecimento de cortes especiais e uma legislação especial para mercadores, a moralidade dos negócios permaneceu enraizada num amplo sistema moral e foi fortemente influenciada por alguma de suas ideias guias.” (p. 19) -> Honra/Vergonha pessoal. 
· Moore Jr. Aponta certa continuidade nisso para o mundo capitalista: “homens de negócio também tem um grande interesse pela sua reputação”.
· “Igreja foi a fonte da moralidade tradicional prevalecendo sobre os negócios enquanto as cortes seculares e reais aplicavam as sanções principais”
· Oferta de crédito e cobrança de débito configuraram os modos de “condução” dos negócios. Classificava-se como prudente/imprudente, aceitável/inaceitável. Era esta outra fonte de moralidade, que nascia a partir dos negócios desenvolvidos entre os mercadores, que, por sua vez, não deixava de ser influenciada pela primeira.
Moore Jr. conclui essas observações afirmando que “a moralidade dos negócios dos mercadores pré-industriais tinha sua direção desviada por meio das leis”. Para tal, recorre ao exemplo histórico das “condutas legais diante da aquisição de mercadorias roubadas”; pretende através desse exemplo mostrar as “influências das necessidades mercantis e dos julgamentos morais acima da lei” (p. 20).
· Influência da Igreja (ressaltava importância da boa-fé na troca) e necessidade dos senhores feudais (crescente importância das feiras e mercados como fonte de arrecadação) se aliaram aos esforços dos mercadores para, de forma suis generis, proteger o “comprador honesto”. Na Inglaterra isso se tornou um privilégio reconhecido pela legislação ordinária (p. 21).
*Atenção para o movimento indicado por Moore Jr. de expansão da proteção às vendas das feiras e dos mercados até as cidades e mais outros lugares onde se negociava (surgimento das lojas) => Conectar com Braudel (textos da disciplina).
Até aqui Moore Jr. fala sobre a figura dos mercadores viajantes (compra barato em um lugar para vender mais caro em outra localidade) – verdadeiros distribuidores. A partir da (p. 21) aborda o crescimento das cidades, sobretudo Londres, que viria a ser uma verdadeira metrópole entre os séculos XV e XVII, [footnoteRef:2] e o estabelecimento da vida mercantil nestas. Centros urbanos e proto-urbano: centro de produção e distribuição. Em Londres, também centro de administração e poder político. [2: Sobre a terminologia de metrópole e “metropolitano”, nota 9] 
· Elite mercantil (minoria de mercadores mais abastado) x Pequenos proprietários e seus dependentes => “linha de ruptura e conflito” daquela organização social (p. 22). Manutenção da lei e da ordem era interesse do que Moore Jr. chama de “elite mercantil”.
A partir deste ponto o autor pretende analisar a ética individual dos membros desta elite e, em seguida, sua “ética coletiva” (senso de responsabilidade para com a sociedade) -> Até que ponto esta ética observada diverge das normas éticas vigentes no seio da sociedade tardo-medieval britânica? (pergunta que ele quer responder)
· “Uma vez que uma cidade tenha desenvolvido indústrias que dependem de mercados distantes para o seu suprimento ou para a venda de seus produtos, os mercadores ascendem ao topo da pirâmide social e ganham importante papel na administração do governo e da cidade” (p. 22) -> Esta “elite mercantil” possui riqueza para contribuir com os impostos públicos.
· Pessoas melhores (mais abastadas e, portanto, mais respeitadas) eram “as mais honestas, as mais prudentes e as mais judiciosas”.
· Não se criou “orientação para o trabalho duro” (creio eu que muito pelo contrário), nem “restrições puritanas à diversão” por parte dessa elite mercantil, muito embora a esta última há ressalvas, a depender da estratificação social do sujeito.
“As atividades econômicas incluíam uma variedade de pecados” (p. 23): Fraudes nas medidas e pesos, descrição enganosa, comércio em feriados e a usura. 
· A imagem negativa acerca do mercador na literatura da época: conflito entre tradição religiosa e a agência mercantil. Moore Jr. aponta para o fato de que “algumas críticas à ‘moderna’ sociedade têm séculos de idade” (p. 25) ->“Atividade incansável e vigorosa ambição” como característica de um grupo (avareza, ambição e concentração na busca do dinheiro e do poder). Em contraposição à estas, se situa a percepção medievalesca sobre o pobre e a pobreza e a caridade. Como se explicava o enriquecimento de alguns indivíduos nesta sociedade? => Ponto de divergência entre a “ética mercantil” observada e as normas éticas vigentes.
Ética tradicional (virtude/bem público) x Ética moderna (prossecução dos objetivos individuais ou da família a partir de seus próprios esforços) 
*Mudança na própria concepção de “bem social” -> “No séc. XX as principais concepções do bem social tomam as formas do liberalismo, fascismo ou comunismo” (p. 25).
Tentativas de controle das atividades econômicas na medieval Londres (em favor dos consumidores – como forma de manutenção da ordem, evitando sublevações) e a tensão com o poder das guildas (corporações de ofício) nos nascentes centros urbanos.
· “Elite mercantil era governo” nas cidades, assim, atendiam aos seus próprios interesses (p. 28). Ressalta-se que nos processos nas cortes Moore Jr. chama atenção para o fato de que “as associações mercantis, na prática, se deixavam enquadrar pela lei que eles próprios escolhiam e que permitia favorecê-los à sua maneira” (p. 27).
· “A ética da honestidade nos negócios derrotou-se a si mesma porque fez crescer as oportunidades legais para sonegação”. Moore Jr. verifica, a partir especialmente de Thrupp, [footnoteRef:3] uma “corrupção moral” em especial nesse grupo que prefigura o que chamou de elite mercantil na Londres medieval. “Fraude comercial, interceptação dos suprimentos de alimentos a caminho do mercado, calúnia, quebra de juramento e a descortesia com os magistrados eram delitos difundidos” (p. 27-28). – Tudo isso quase sempre terminava nas próprias cortes dos comerciantes, com a influência de laços familiares, de compadrio entre os indivíduos dessa elite. [3: Sylvia L. Thrupp. “The Merchant class of Medieval London, 1300-1500.] 
Temas dos negócios medievais
- Uma “conduta” e suas “noções éticas”, referentes ao “mundo dos negócios” na Inglaterra medieval (3 pontos/assuntos principais enaltecidos por Moore Jr.).
· A cobrança de débitos (“primeira preocupação dos mercadores”) – pagar os débitos de alguém era uma obrigação moral
· Características da prudência e da obediência à autoridade eram a “personalidade moral ideal daquele tempo”. Aqui há uma crítica à tese weberiana do ascetismo puritano (e protestante), que teriam feito do trabalho um “mandamento religioso ou como resultado da salvação”.
· Moralidade dos negócios ressaltava m a “responsabilidade social dos negócios” (p. 30) => Normas reguladoras do mercado (que visavam o consumidor: boa qualidade do produto e abastecimento suficiente) em prol da manutenção da “paz social e ordem”. => A política não funcionava. Os monopólios das grandes corporações de ofício, que, além da produção e distribuição de bens, dominavam a política da cidade e, como já dito, os próprios tribunais de julgamento para crimes e fraudes, senão ao menos influenciavam.
“Portanto, a muito elogiada natureza “orgânica” e “cooperativa” da sociedade medieval, que pretensamente se compara tão favoravelmente com o capitalismo individualista e egoísta moderno, apresenta-se antes como uma fraude em ruínas” (p. 30). => Enxergo neste ponto já a crítica à Marx e ao marxismo (seção IV d’O Capital livro 1, “produção do mais valor relativo”). A produção tipicamente feudal das corporações de ofício, que caminham rumo à produção do mais-valor absoluto na produção artesanal/manufatureira em contraposição à maquinofatura e a possibilidade de extração do mais-valor relativo. Crítica à ideia de “divisão manufatureira do trabalho” .... “Tal divisão é apenas um método particular de produzir mais-valor relativo ou aumentar a autovalorização do capital a expensas dos trabalhadores. Ela não só desenvolve a força produtiva social do trabalho exclusivamente para o capitalista, como o faz por meio da mutilação do trabalhador individual” (O Capital, livro I, p. 438).
- A partir daqui Moore Jr. se encaminha para o assunto referente às “passagens” para a Revolução Industrial, seu foco.
· A partir do séc. XVIII poder real inglês (“absolutismo”): “mais efetiva agência de retirada e cobrança de um excedente dos súditos” (p. 31). Onde ficava o “mundo dos negócios” aqui? -> “transações de reputação duvidosa e comportamento moralmente ambíguo floresceram”.
· Essas reclamações dos “descontentes” (os que não conseguem uma participação nos negócios – “não aproveitaram do sistema”) tem o que dizer quanto a formação e consolidação dessa moral (“indignação moral que indica normas identificáveis”)
· “Simbiose essencialmente parasitária entre negócio e monarquia” (p. 33). -> Melhor forma de se fazer negócios (ganhar dinheiro) era estando nos círculos da nobreza/monarquia. No séc. XVIII (Revolução Industrial) surgem meios melhores para se ganhar dinheiro.
A era dos funileiros ambulantes e dos inventores
- Há um foco dos estudos sobre a formação da sociedade industrial nos trabalhadores (daí dificuldade de encontrar fontes e estudos para o período da Revolução Industrial sobre os negociantes/capitalistas, mais especificamente, sobre como “sentiam e agiam”) (p. 34).
- Fontes e estudos usados por Moore Jr. -> Biografias de capitalistas, inquéritos parlamentares (uma série sobre trab. Infantil e outra sobre “questões econômicas gerais”), estudo sobre os “costumes capitalistas provinciais” (Leonore Davidoff e Catherine Hall, Family Fortunes: Men and Women of the English Middle Class [1780-1850]). (p. 33). 
- Crescimento do número de inventores-funileiros ambulantes: As marcas e patentes, uma questão moral. -> Ataque aos direitos de propriedade. O caso de Arkwright e Stubs.
· “Interesse público e nacional” (p. 37). – Argumentação de fundamento moral contra as patentes. 
· Haveria componente moral na finalidade de proteger patentes e marcas (meio)?
Moore Jr. argumenta que a busca pelo lucro (acumulação de capitais) não era um fim em si mesmo na atividade de Arkwright. O “retrato vívido” do capitalista construído por Marx e Weber – Aqui está um ponto central do texto, a crítica à perspectiva desses dois clássicos que tentaram decifrar a fundação da sociedade industrial. Crítica a racionalidade capitalista observada tanto em Marx, quanto em Weber. Hipótese/tese do texto 
- Relação entre “acumulação primitiva de capital” e imoralidade (p.39) no caso de Marx. -> “A busca insaciável pela acumulação por parte dos capitalistas proporcionou uma produção jamais vista”
- No caso de Weber, crítica à perspectiva do trabalho enquanto elemento de salvação, típica da doutrina protestante, da qual “herdaram” os capitalistas – Uma “versão deteriorada da predestinação calvinista”. (p.39)
· É possível “juntar” Marx e Weber nesse “balaio de gato”, dada suas alternativas (opções) teórico-metodológicas completamente distintas?
- Moore Jr. põe em xeque a existência desse “comportamento” pintado por ambos os autores. – “É desse jeito que os capitalistas, ou pelo menos um importante segmento deles realmente agem?” (p. 39).
- Daí, traz alguns casos para defender sua hipótese, apesar de ter encontrado “alguns preciosos indícios” desse comportamento indicado nos clássicos. [footnoteRef:4] [4: Olhar exemplo dado na página 40, citação de “Edgar Jones, A History of CKN, vol 1, Innovation and Enterprise (1759-1918)] 
· Exemplo de indivíduos que “foram árduos trabalhadores, porém seria impossível dizer que eles trabalharam por amor ao trabalho e produziram por amor à produção?”. Haveria uma motivação em comum (finalidade) frente ao trabalho (meio)?
· Moore Jr. está utilizando o exemplo desses agentes (os “inovadores” e “funileiros ambulantes”) para confrontar essa visão, a qual denomina tradicional. -> Há exagero na tese “marxista-weberiana”, apesar de ter um fundo de verdade. (p. 40).
- Após a abordagem acerca de uma “questão moral” dos “capitalistas dos primórdios”, que obtiveram à épocada Revolução Industrial “envergadura nacional”, Moore Jr. parte para a observação dos “capitalistas provinciais” (“classe média” para Davidoff e Hall / médios estratos que se consolidavam na sociedade burguesa britânica à época da Revolução Industrial) e seus objetivos. Estes, mais do que os últimos, segundo o autor, possibilitam comprovação de seu ponto (p. 40).
· Para os capitalistas provinciais as questões morais que justificariam suas entradas no “mundo dos negócios” (na “aventura capitalista, no empreendimento) iam de encontro à tradicional moral religiosa e para suprimir suas necessidades. – “O negócio existia por amor ao lar, à família” (p. 41). Tão logo atingiam esses objetivos poderiam se “aposentar” – Forte influência do estudo de Davidoff e Hall. – “Nesses círculos sóbrios, suspeitava-se profundamente dos fundamentos morais da perseguição ao lucro a qualquer preço” (p. 41)
· Ordem moral do lar (patriarcalismo?) x mundo amoral (do mercado) => Clássica visão da Inglaterra vitoriana (Estado da “polícia moral”).
· O “moralmente aceito” cada vez mais se conecta a -> Trabalho árduo e Dedicação aos negócios. – Diferença da “ordem pré-industrial”, na qual era importante a “renda independente” e o trabalho manual mal visto. Em fins do século XVIII isto havia mudado... Para Moore Jr., concordando com Davidoff e Hall, essa mudança era de ordem religiosa, em grande medida – “salvação, era então proclamado, foi a marca do status de pertencer ‘a sociedade educada’” (p. 42) -> Moore Jr. se aproxima aqui de Weber, ao observar a mudança das normas de comportamento aceitáveis (éthos) na sociedade inglesa de meados do séc. XVIII a partir de um estímulo de orientação religiosa (uma ética fundamentada por uma transformação na moral tradicional religiosa/cristã).
· A partir daqui (e da formação desses estratos médios [“classes médias”] dos quais Davidoff e Hall falam sobre) um filho de um simples artesão poderia galgar posições, a partir de seu trabalho, antes ocupada apenas pela nobreza cavalheiresca e proprietários de terra. -> “um homem identificava-se com o que fazia em vez de em termos de parentesco ou lealdades religiosas” (p. 42)
· Probidade moral e financeira estavam imbricadas -> Importância da reputação (e, sobretudo, das relações/vínculos pessoais) para os indivíduos de negócio – especialmente para ter acesso ao crédito. (p. 43) (certa continuidade do universo medieval para o mundo dos negócios capitalista, como apontado na p. 19).
Enriquecer (e falir – sinal de desvio moral) neste mundo passam a se relacionar diretamente com a condição moral daqueles indivíduos. Exceto quando aquele enriquecimento se entrelaçava ao chamado “ganho maldito”, ou se desperdiçado num consumo vicioso (p. 46).
· No início do XIX, ocorre esta imbricação das “redes religiosas e as redes dos negócios”, num contexto no qual um “código moral frequentemente se impõe sobre as outras pessoas pela necessidade de lutar contra terceiros com códigos concorrentes” (p. 46) -> Um determinado grupo nesta “luta” cria sua própria identificação moral ao passo que se distingue dos demais. As tais “classes médias inglesas aguçaram sua notada distância dos despreocupados, gente bem-nascida (aristocracia agrária/feudal) e da classe trabalhadora irresponsável e supersticiosa (camponeses e operários)”.
Esse código moral (e os controles por ele impostos) enalteceram essas classes médias (burguesia?), “dando um sentido de superioridade sobre o restante da sociedade inglesa” (p. 46).
*Moore Jr. nota que por vezes no curso do XIX as distâncias entre essa elite burguesa (e também as tais “classes médias”) e a antiga nobreza agrária proprietária de terras (os bem-nascidos) tornaram-se menores quando estes se sentiram ameaçados pela sublevação dos trabalhadores. Termina pontuando que esta hostilidade com os últimos perdura até hoje. -> Ressalto aqui as Revoluções de 1848 como um ápice, ponto de virada que delimita temporalmente muito bem isso.
· “Os controles reprimiam as tentações no interesse do trabalho econômico e na busca da salvação”. Um “ancestral moral e emocional” desses controles parece, para Moore Jr., ter sido o ascetismo cristão (p. 46). -> Uma retomada a Weber? Apesar de sua crítica a uma ideia exacerbada de racionalização do mundo.
A moralidade capitalista e os trabalhadores
- “Controles morais inferiores, ou mais grosseiramente, moral inferior, constituíam, é lógico, a maior imputação que muitos capitalistas do início dirigiam contra os trabalhadores daqueles dias. Porém, havia muito mais do que essa acusação bem conhecida na visão dos capitalistas sobre suas obrigações morais – ou falta delas – com os trabalhadores.” (p. 47). 
Aqui Moore Jr. observará como os capitalistas “se sentiam e se comportavam” diante dos trabalhadores entre os anos da Revolução Industrial. Ou seja, está tratando das relações entre os capitalistas e seus trabalhadores, com enfoque claro na atuação dos capitalistas diante das adversidades que tiveram de lidar. Há de se atentar para o fato de que Moore Jr. está utilizando os mesmos exemplos que utiliza anteriormente (p. 39) de trajetórias pessoais de capitalistas que escapam (escaparam) das análises convencionais às quais carrega tom crítico em seu texto. -> Peter Stubs, Richard Arkwright, Samuel Oldknow, Matthew Boulton e James Watt, e os relatos de Andrew Ure e Alfred Kidd. [footnoteRef:5] [5: Andrew Ure, The Philosophy of Manufacturers (1835) e Alfred Kidd, The History of the Factory Movement: From the Year 1802 to the Enactement of the Tem Hours Bill in 1847 (1857). São duas fontes muito utilizadas por Moore Jr. no intento de destacar a moralidade, assim como os graus de determinabilidade desta sobre suas condutas.] 
· Para tocar a fábrica o capitalista deveria: Recrutar, reter e disciplinar trabalhadores. Esta última consistia em “erradicar práticas do trabalho pré-industrial e tornar o comportamento do trabalhador adequado à máquina, à sua coerência e precisão” (p. 47). Weber em “A Gênese...”: Passagem do mundo da imprecisão para o mundo da precisão capitalista.
· Obrigações do capitalista para com seus trabalhadores (e suas famílias), pensadas de maneira patriarcais e paternalistas. -> “Bem-estar material, moral e social”. Essas obrigações iam além do contrato social, este que já ia além dele mesmo e começava a ser pensado de forma que atendesse essas obrigações.
O contrato salarial não era puramente econômico. Também estavam ali imbricadas questões sociais e morais.
· Tensão entre tais obrigações do capitalista e a possibilidade de se livrar destas e ampliar sua lucratividade ofertando salários tão baixos quanto pudesse (a partir da demanda e oferta por trabalho = “salário puro”). Justamente essa tensão fez com que as ideias e comportamento capitalistas se alterassem no decorrer da Revolução. -> “Respeitabilidade individual dos empregadores e a responsabilidade coletiva da sociedade com o bem-estar da força de trabalho começou a fazer o caminho de volta à respeitabilidade intelectual” (p. 48).
· Havia um interesse dos capitalistas em não manter os níveis salariais nos seus níveis “puros”, “a partir do alcance de suas conclusões lógicas” (p. 48). Não era interessante (moral, mas, sobretudo, economicamente) para o capitalista que seu empregador adoecesse, não conseguisse se manter, caísse em vícios, morresse, etc. Capitalista = Indivíduo prático. -> Em Marx, o salário inclui o tempo de trabalho necessário para a reprodução daquela força de trabalho...
· O “sistema de relações do trabalho” de Arkwright (o funileiro-inventor da tecelagem mecanizada) -> A Revolução Industrial não se tratava puramente de uma revolução tecnológica, talvez (muito) mais importante que isso fosse a revolução na organização do trabalho (Cooperatividade).
Arkwright misturava “autoridade rígida” (disciplinar envolvia autoridade) com altos salários (necessidade de atrair trabalhadores que dominavam a técnica – “artífices qualificados” eram tidos como “folgados e dispersivos” – numa sociedade na qual o “trabalho da fábrica” representavaperda de prestígio – acredito eu que, principalmente, para estes “artesãos” locais). Além disso, pagava-se por peça. *A título de curiosidade coloquei esta argumentação de Moore Jr. aqui, uma vez que Marx argumenta no 19º capítulo d’O Capital que “salário à peça não é mais do que forma transformada do salário por tempo, assim como o salário por tempo é forma transformada do valor ou preço da força de trabalho”. Aparentemente, há uma vantagem nessa forma-salário, apenas aparentemente.
· Relação moralidade do capitalista – disciplina interna de sua fábrica: Importância da moralidade cristã (Moore Jr. chama atenção para os dogmas, e a ideia de salvação) entre os empregados para “harmonia” na produção e lucro – Referência à Andrew Ure.
· Peter Stubs (da patente de limas) e uma relação, apesar de assalariada, que cria dependência direta com seus funcionários, a partir de relações de empréstimo, que faziam com que o trabalhador entrasse constantemente em dívida com ele (espécie de servidão por contrato?). Apesar de degradante para os funcionários, tornava-se mais custoso para Stubs também, segundo Moore Jr. (p. 51-52).
· Samuel Oldknow e a ideia de empregador “patriarca”. Mão de obra comum nas fábricas têxteis, mulheres e crianças eram a força de trabalho preferencialmente contratada por Oldknow. Segundo Moore Jr. Oldknow ao recriar a disciplina em sua fábrica atuava o papel de um “pai”, “estimulando um comportamento socialmente desejável” (p. 53).
Aqui aparecem questões latentes nessa relação entre capitalistas e seus empregados: a “degradação”, “comportamento anti-social”, desemprego. Oldknow tentava empregar os maridos e pais das mulheres e crianças que empregava (buscando evitando uma situação de dependência de homens dentro de casa do trabalho de sua mulher e seus filhos), contudo era uma solução inviável economicamente – criar empregos para os quais não há demanda.
“Esse problema, por outro lado, tinha de ser resolvido ou no sistema capitalista ou no sistema socialista” -> Socialismo utópico, os owenistas, o que viria a ser o fabianismo em fins de século XIX.
· Boulton e Watt, uma relação “menos rígida” com funcionários “altamente qualificados” para produzir as máquinas de vapor para bombeamento das minas de carvão. -> Desenvolvimento do controle estatístico dos funcionários a partir de um “ambiente informal que permitia à gerência obter um conhecimento bem preciso do desempenho de cada operário” (p. 54).
· O exemplo da GKN (fábricas de ferro e mineração) destoa dos demais: “ausência de uma relação paternalista”, era uma relação austera, que formou a “primeira greve da história das empresas” em 1810 ao diminuir os salários dos trabalhadores em meio à um aumento no preço do trigo. -> Greve que serviu de exemplo para movimentos de trabalhadores ao longo de todo o século.
A partir do exemplo da GKN, no qual a ideia de confronto apareceu mais latente que nos demais na argumentação de Moore Jr., o autor quis demonstrar um caso em que “durante as primeiras décadas do século XIX, os dirigentes foram inflexíveis sobre a necessidade de levar vantagem sobre seus competidores e recusar aceitar a responsabilidade pela saúde de seus empregados” (p.55). Essa responsabilidade, especialmente pela saúde dos funcionários só veio após uma série de calamidades sociais (surtos de cólera)
Este último fato demonstrou para Moore Jr que “condições objetivas poderiam compelir os capitalistas dos primeiros tempos a aceitar responsabilidades pelo bem-estar de seus trabalhadores” -> quer indicar por meio dessa prova que -> “Abdicar dessa responsabilidade por amor ao lucro sob a bandeira do individualismo capitalista era pouco mais que uma aberração” (p. 56). Retomada das críticas a uma “exacerbada racionalidade”, especialmente à Marx, a partir da ideia do lucro como fim em ele mesmo. Essa argumentação também retoma o início dessa parte do texto, a ideia de que estes capitalistas poderiam (e o faziam) aprender com a experiência (p. 48).
- Para observar como os “capitalistas viam os trabalhadores”, assim como “os padrões morais que eles utilizavam ao avaliar e explicar seu próprio comportamento e o de seus trabalhadores”, Moore Jr. parte para outra fonte além das “histórias das firmas individuais”, dois inquéritos parlamentares (um de 1816 investigando trabalho infantil e outro de 1833 investigando questões mais gerais da política econômica). Nessas fontes é possível “ouvir os líderes empresariais de então explicando e justificando suas políticas diante do comitê parlamentar” (p. 48).
A respeito do documento de 1816, Moore Jr. aponta ...
· Naturalização do trabalho infantil numa sociedade em que todos precisam “ganhar a vida” com o seu próprio trabalho – Até seria bom que pudessem estar ao invés de trabalhando brincando e aprendendo, contudo, seria impossível (argumentação de Wedgwood reproduzida por Moore Jr.). A saída para tal contradição restaria na liberdade individual (aqui encontra-se um dos precedentes para o capitalismo, a liberdade jurídico-política, afinal de contas, o indivíduo aceita o contrato salarial por livre e espontânea vontade)
Alusão à Smith: “o mercado transforma o comportamento egoísta em soluções socialmente desejáveis” (p. 57).
· Decreto de limitação de horas para o regime de trabalho de crianças lido como “restrição ao direito de nascer inglês – controle dos pais sobre a criança”. Esta argumentação reproduzida por Moore Jr. (de Sidgewick) alude ao fato da necessidade da “prole” para aumentar os “rendimentos na fábrica” (Penso eu que para manutenção da família também, motivos de sobrevivência – aumento da renda familiar) e da “boa vontade geral das crianças”. -> O trabalho infantil também disciplina e “mantém no bom caminho” (p. 58-59).
· A questão da insalubridade da fábrica – calor, longas horas de trabalho, etc. Esses males eram conhecidos – Havia virado “sensatez habitual” já no início de XIX. (p. 58)
· Apesar disso, a competitividade não permitia que fosse feito algo a partir da atuação individual dos capitalistas – havia de ser lei (o “custo social” valesse para todos na mesma medida). Trabalho infantil, no final das contas, era um “mal inevitável”.
- Acerca do documento de 1833 (Relatório sobre Indústria, Comércio e Navegação da Comissão Especial do Parlamento), 
· O que mais importa para Moore Jr. neste inquérito é que ele se apresenta como uma “fonte das ideias dos empregadores expressas em suas próprias palavras, sobre o que faz as engrenagens da indústria funcionarem, e, mais especificamente, acerca do papel e interrelação de lucros e salários” (p. 59). Moore Jr. compreende que esses depoimentos são de “empregadores com substancial experiência prática e uma sensível carga de paixão moral” – experiência prática e sensações morais que dão sentido ao mundo em que eles estão inseridos. -> Existência de “bons e maus lucros e salários” e suas justificativas.
*Interessantíssimo o fato de Moore Jr. reconhecer uma persistência de “ecos da ortodoxia predominante” nos argumentos desse inquérito.
· O documento, além disso, está localizado no tempo no período em que a sociedade capitalista especificamente “tornou-se possível” (p. 60). Um ano depois da “Reforma de 1832”, que representou uma expansão de privilégios aos capitalistas. Formalizações política do capitalismo e da nova organização do trabalho, em torno das fábricas.
· Há uma evidente distinção moral no argumento de que há lucros saudáveis e outros não (primeiro argumento, do banqueiro Lewis Lloyd). São mau hábito os lucros especulativos, que, dá a entender no correr do texto, tomam vez nos negócios de forma vultosa em contextos específicos (incerteza/crises?), é o caso da guerra entre Inglaterra e França citado por Lloyd. Se os lucros especulativos são “maus-lucros”, os lucros provenientes do comércio não são férteis como outrora, tornaram-se pequenos. => A indústria, por um outro lado, um “grande sistema organizativo e a proporção adequada de habilidade e critério são agora necessários e invariavelmente bem-sucedidos” (p. 60).
· Moore Jr.defende em sua argumentação que essa perspectiva em torno do “bom-lucro” e da lógica capitalista e obtenção de lucros instalada na mentalidade dos capitalistas no XIX não era algo de um racionalismo puramente egoísta. “O individualismo econômico, operando através do mercado, parecia a tais empregadores a melhor maneira de produzir e distribuir quantidades suficientes de bens e serviços”. -> Aqui voltamos ao argumento smitheano de que egoísmo se transforma em virtude/”bem-social”. 
Cita mais uma argumentação para denotar este aspecto (de George W. Norman): “o bem da nação como um todo exige que não haja obstáculo algum para que as necessidades mínimas sejam atendidas e que o ônus público seja reduzido ao ponto mais baixo possível” (p. 60-61).
Não faz sentido prático (ainda) nesta sociedade a ideia de limitação ou taxação dos lucros por “amor ao bem público” (p. 61). -> Está evidente que a maior obtenção de lucros se tornaria um fim moral para atingir esse bem-estar geral. (aqui para mim é a expressão da argumentação de Smith, apesar de ser um universo distinto do que o teórico clássico observou, e os prognósticos pouco felizes sobre a industrialização e a ascensão do capitalismo de David Ricardo se tornarem mais e mais evidentes).
· Agora, teorizações sobre o salário (a partir da p. 61). Duas coisas afetam os salários, o que ajuda a transformá-los em “maus-salários” (argumento de fabricante de serras de aço – Samuel Jackson): 1) “articulação entre trabalhadores para puxar os salários para cima”; 2) “competição externa que puxa para baixo o padrão de vida dos ingleses, trazendo-o para o nível dos europeus continentais” (Conflitos com França?). A extensão do argumento de Jackson é curiosíssima, salários excessivamente altos ocasionam em desemprego. Moore Jr. denomina essa uma teoria dos salários “da subsistência”. –> Era a busca por um salário justo, não abaixo do nível de subsistência, contudo, não muito elevado com a possibilidade de causar “intemperança” e futuro desemprego. (Interessante que o argumento da intemperança nos remete novamente à ideia paternalista do empregador, este deve se preocupar com o que seu empregado consumirá, logo), 
Moore Jr. demonstra como esse argumento não se concretizava de modo algum, era um ideal que não se alcançava. Chama atenção para a “grande fome de 1840”, e uma melhor definição de subsistência (e mesmo capacidade de tratar do assunto) se iniciam apenas por volta de meados do século. (p. 62) (Década de 1840 não é um “ponto de virada” nas relações operários/trabalhadores por acaso – Revoluções de 1848, nas palavras de Marx surge uma nova classe disposta a transformação social, como em outros tempos havia sido a burguesia).
· Além das discussões sobre subsistência, há uma relação nos argumentos entre oferta de mão de obra e salários. Argumento do banqueiro Lloyd de que um influxo de trabalhadores irlandeses poderia ter produzido “salários mais justos” em Lancashire, de seu ponto de vista como empregador, é claro. (p. 62). Este argumento parece lógico dentro das leis de mercado, atende ao preceito básico, a lei de Say.
· Além destas últimas duas relações (que definiam os salários), existia uma terceira, o preço de mercado para o qual o capitalista produzia. Se caía o preço do produto vendido, por conseguinte tenderiam a cair os salários. (p. 63). -> Lembremos aqui do caso do dono das fábricas de ferro e de mineração da seção anterior, que diminuiu os salários diante do aumento do trigo, sua ação está delimitada por este conceito “básico”.
· Era senso comum (entre os patrões e trabalhadores) que o salário fugia ao controle de qualquer indivíduo, funcionava tal qual as leis do movimento (física newtoniana – a ideia de gravidade – e sua relação com a teoria da “mão invisível”) 
Neste ponto Moore Jr. remonta a Marx: “Era este mesmo mecanismo social, como Marx salientou, que superou tantas renitentes e ‘inevitáveis’ fontes da miséria humana”. -> “Os capitalistas foram os grandes criadores do mercado moderno (especialmente os ingleses). Como, então, puderam formar uma ideia própria de sua criação?” (p. 63)
· Havia ainda reminiscências do passado que eram impasses para o estabelecimento total da noção de “mercado competitivo com livre entrada e saída de compradores e vendedores”. – E ainda há, apesar de um avanço no século XX (época em que escrevia o texto)! (p. 63-64) Afinal de contas, a hostilidade a plena competição é de fato uma reminiscência, uma vez que persiste? (ele mesmo se pergunta) -> Os capitalistas procuram a maior estabilidade para tomarem seus negócios. Há algo de Fragoso aqui... Sinteticamente falando, a culpa está numa elite retrógrada (argumento conservador????)
“Competição como uma ameaça imoral” era como os primeiros capitalistas pareciam enxergar. Moore Jr. lembra dos inventores e sua briga pela manutenção das patentes, com a tentativa de manter um lucro a partir da monopolização (p. 65).
· A chave de mudança no raiar do século XIX (“por volta de 1816”) – economia clássica. Esta “reversão” da competição ao livre mercado parece confusa e, no fundo, faz-se “ilusão”. (p. 66) -> Ao passo que os empregadores temiam e fugiam da competição (atitude que remonta ao “mercantilismo”), enfatizavam que esta era virtuosa (ambiente no qual o indivíduo pode enfim enriquecer a partir de seu próprio trabalho, pois é livre) e deveria guiar o comportamento e trabalho dos empregados, assim como dos pequenos empresários!!!!
· “Os atores do palco não são indivíduos atomizados, mas grupos de interesse debilmente organizados” (p. 66) -> O documento de 1833 demonstra muito da experiência individual dos capitalistas e nada sobre aquele universo pintado pela economia política.
O relato do “austero fiandeiro de algodão escocês” tem muito a nos dizer, “personalidade individual e dedicação ao trabalho, tão louvados, não levarão ninguém a lugar nenhum, se o mercado se recusa a comprar suas mercadorias” (p. 67) -> Se não há valor de mercado, é descartável, o mercado impõe limites! (Marx “todinho”).
“Algumas passagens [do inquérito de 1833] nos levam à suspeita de que para um bom número de negociantes o funcionamento da economia e especialmente o estabelecimento de preços era tão obscuro, arbitrário e misterioso como o funcionamento da bolsa de valores parece hoje ao pequeno investidor” (p. 67).
· “Clareza e realismo” nas explicações acerca dos salários x imprecisão e obscuridade de outros preços (presente no argumento de William Matthews). “Em boas situações, o trabalhador tenta participar dos lucros dos patrões pela obtenção de aumento salarial” – em contraposição aos momentos ruins, que o empregador reduz os salários (p. 67). -> Moore Jr. aponta para uma ausência de juízo moral na argumentação. “Decréscimo na ênfase da moralidade significa uma brusca mudança da opinião pública instruída” (visível nas ciências sociais que serão reconhecidas ao longo do XIX) – No entanto, “a moralidade ainda dominava discussão de questões políticas” – Destaque às Corn Laws e reformas do direito pelo voto. (p. 68).
· A distinção entre o lar (“base da virtude e da pureza, bem como abrigo contra as pressões do mundo exterior”) e o mercado (“lugar do mal”). (p. 68) – Divisão tipicamente Vitoriana – teria permitido, segundo Moore Jr., certo “relaxamento” nos padrões éticos das negociações. Contudo, a força do protestantismo dissidente na Inglaterra “ajudou a prevenir o florescimento da espécie americana de materialismo e sua adoração pela riqueza”. -> Hipótese de que existiu nos EUA o florescimento de um mercado mais predatório e mais “amoral”. 
Haveria, entre os homens de negócio ingleses ainda no século XIX certas cautelas quanto ao enriquecimento e aos grandes lucros... À vista disso, surge um “policiamento dos mercados”, feito principalmente por religiosos (pastores) (p. 69). Atenção à nota 38, tal “medo do lucro” vigoraria até o início do século XX. Curiosa a perspectiva “Durante esta década (1901), pela primeira e única vez tornou-se possível para muitos capitalistas tirar proveito das suas riquezassem os cutucões da consciência e sem os murmúrios ameaçadores vindos de baixo. Talvez nenhuma classe social dominante tenha trabalhado tão duro e tão longamente para um período tão curto de tranquilidade”.
Mais uma vez aqui a moralidade que surge em meio ao crescimento econômico e industrialização britânica no século XIX parece ser um freio ao surgimento de capitalistas tão aclimatados ao universo da racionalização e busca indiscriminada pelo lucro. (p. 69) -> Seriam estas construções das restrições que permitiriam a vida social neste novo universo que se cria no XIX?
· Para finalizar esta seção, Moore Jr. aponta que o sucesso nos mercados ainda não determinava exclusivamente o status do indivíduo (p. 70). -> Mais que o sucesso como o capitalista prático do mercado, eram importantes e necessárias as virtudes da “cultura” e da “inteligência”. Interessante notar que este era o universo de surgimento das disciplinas como nós conhecemos, formalização e distinção das ciências na academia. 
Desonestidade, continuidade e mudança – Uma conclusão e síntese das ideias gerais
- “Que mudanças e continuidades vemos no estilo de vida dos líderes comerciais durante a Idade Média e dos líderes comerciais e industriais da Revolução Industrial?” (p. 70)
· Fraude, a mais óbvia continuidade. No medievo eram o roubo, não pagamento de débitos, trapaça nos pesos e medidas, descrição enganosa, má qualidade das mercadorias. -> Há permanência em todas, apesar de óbvias mudanças. Porém nesse caso mudança é “adicional” (exemplo: desenvolvimento financeiro técnico para evitar fraudes, o que, por sua vez, faz com que se criem novas modalidades de fraude) (p. 70). 
George Hudson capitalista ligado a ferrovias – uma caricatura da fraude britânica -> caso típico de especulação e fraudes nos livros contábeis da empresa. Moore Jr. aponta que os EUA talvez tenham apresentado um “campo de tentações e oportunidades muito mais amplo e rico que a Grã-Bretanha”, talvez por isso tenham tido mais “barões de fraude” bem-sucedidos (p. 72).
· O caso da decadência de Hudson é tomado por Moore Jr. como um, no qual, incrivelmente, “as instituições democráticas e capitalistas funcionaram exitosamente, a fim de pôr a nu ação nefasta de um homem que chegou a gozar de um status social bastante elevado” (p. 74). -> Caso de acionistas que demonstraram desconfianças de um grande empreendedor capitalista.
· O papel da fraude na China, Rússia e Alemanha – Onde política e doutrinas contrárias a modernização e indústria, foi através da fraude que esses “portadores da modernização” se tornaram palatáveis às classes dominantes (p. 74). -> “Origens sociais,..”.
· Apesar dos pesares, Moore Jr. destaca que o combate a fraude aparentemente dota-se cada vez mais de uma racionalidade e justiça, quando pensado historicamente, e se comparado às “compurgações” e demais testemunhos medievais. (p. 75) -> Racionalização da justiça. “A necessidade do homem de negócios de uma justiça rápida aceitável” (precisa).
· Quanto ao “tipo ideal do homem de negócios” e como estes devem se comportar (e se comportavam) e sentir... Moore Jr. vê bastante similitudes entre aquele mercador medieval, o pioneiro capitalista da Revolução Industrial e o moderno capitalista oitocentista. “Similaridade surpreendente, uma vez que a Revolução Industrial foi uma das maiores transformações da história humana”, contudo, “pode ser menos surpreendente se um dos grandes agentes de mudança permanece basicamente igual”. (p. 76).
Perspectiva de que as mudanças aconteceram (e muito), contudo, a classe que promoveu tais mudanças não se modifica (ou pouco se modificou). Pelo contrário, se lembrarmos bem, esta última inclusive se aliou, ao longo do XIX, com a antiga aristocracia com a qual rivalizava em meio às ameaças transformadoras de uma nova classe. 
O controle de mercados era a lógica dos governos das cidades medievais (uma tentativa de manutenção da estabilidade social) -> Aquela elite mercantil conseguia, através das corporações de ofício, estabelecer o preço dos gêneros de subsistência, assim como de certa forma controlavam os tribunais que deveriam vistoriar os próprios negociantes. -> Dessa forma, uma guilda poderosa conseguia fugir dessas tentativas de controle. (p. 76)
· As “restrições medievais sobre o mercado” estavam desaparecendo na R.I., contudo a competitividade entre empreendimentos continuou parecendo imoral àquele grupo de “capitalistas dos primórdios”, apesar de disso, estes insistiam no individualismo competitivo quando o assunto dizia respeito à seus trabalhadores empregados. (p. 77)
· “Os capitalistas do século XIX nunca sequer chegaram nem perto da abolição da política social medieval”. -> Relação patriarcal para com seus funcionários e suas famílias / Reação dos trabalhadores frente aos malhes que a industrialização “representava” para eles. -> “Política social medieval” em frente a isso “reapareceu com uma nova roupagem, para enfrentar os problemas de uma nova era”. (p. 77)
· Conforme mostrado pelos aspectos morais das agências dos capitalistas no XIX, a figura do capitalista pintado por Marx e Weber (“workaholic monomaníaco”) representa uma simplificação da imagem real do capitalista moderno (novos capitalistas – chama a atenção Moore Jr., ou seja, os capitalistas do XIX, especialmente aquelas “classes médias”).
· A figura do “funileiro-ambulante”, dos que “buscavam uma modesta abastança” (pensando na família, etc.) são estudos de caso que destoam do que a sociologia clássica insistiu em apontar. Segundo Moore Jr., a exceção de seu ensaio é o único “empresário fanfarrão” observado por ele, o trapaceiro George Hudson. 
· A permanência dos “aspectos morais” dos negócios é verificada a partir da observação de que o fracasso nos negócios é uma falha moral (assim como o sucesso, quase sempre se configura como o inverso) – mas não é o caso de a atividade mercantil ser “algo próximo a um serviço abençoado e mora prestado à humanidade” (Aqui se faz presente àquela crítica a Weber e sua ideia de ética protestante). -> Moore Jr. aponta para a hipótese de que nos EUA esta noção possa ter se desenvolvido de forma mais plena. – Na Inglaterra os negócios se conectaram à lógica da “amoralidade” (em contraposição à moralidade vitoriana do lar), o que teria “atrapalhado” a consolidação dessa ideia. (p. 78)
· A vigia de funcionários religiosos (especialmente os pastores) – estes “percorriam um longo caminho para revelar e extirpar a desonestidade que poderia levar ao fracasso nos negócios” (p. 78). -> A “figura do infamante espião comunista-fascista no coração do liberalismo” oitocentista.
· Por meio deste último ponto (e acredito que também pela ideia dos maiores capitalistas de que a competitividade do mercado era amoral, exposta ao longo do texto), o autor argumenta que “o aparato para o controle dos impulsos nos círculos mercantis torna-se, no século XIX, muito mais extenso e punitivo do que na Idade Média” (p. 78-79)!!!!
· Conclui que, “por esta razão, em parte, a adoção triunfante da respeitabilidade conquistou um apreciável segmento dos trabalhadores urbanos, assim como um grande setor dos bem-nascidos da aristocracia”. -> a ideia de “progresso moral” se une à ideia clássica de “progresso” presente no processo da Revolução Industrial. -> Acredito que aqui se faça bastante presente uma análise nas entrelinhas do “período vitoriano”: de como que essa moralidade afeta toda a sociedade (“ingleses e inglesas de todas as classes sociais”). (p. 79)

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