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PRINCÍPIOS E CONCEITOS BÁSICOS DA GESTÃO SOCIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM apresentar o debate conceitual acerca da gestão social; identi�car a construção do conceito de gestão social e suas principais interlocuções; conhecer os princípios, os principais desa�os e as ferramentas para ação pro�ssional; instrumentalizar sobre os princípios e principais conceitos da gestão social; analisar os limites e desa�os da gestão social agregada ao Serviço Social; empregar os métodos e análises para a ação pro�ssional. A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Como mencionado na apresentação deste livro didático, neste primeiro capítulo abordaremos aspectos introdutórios e iniciais da gestão social, estudando, a priori, alguns princípios e conceitos básicos da gestão social para sedimentar nosso caminho em busca do conhecimento e quali�cação pro�ssional. Capítulo 1 Será fundamental compreender o campo em que estamos nos inserindo, observando a partir da produção de diversos autores como a temática da gestão social vem sendo tratada e discutida no meio acadêmico e pro�ssional. Para aproveitar nosso estudo, alguns objetivos foram traçados para guiar a leitura e compreensão geral do tema, como: conhecer o debate conceitual acerca do tema da gestão social, com isso, veremos que não há consenso no debate sobre uma de�nição rígida e fechada sobre o tema, mas há compreensões e entendimentos variados e plurais. Também nos interessa que você possa identi�car a construção do conceito “gestão social” e suas principais interlocuções, isso quer dizer que você poderá compreender e relacionar os usos da gestão social em diferentes contextos sociais e tempos históricos, em que o termo foi se modi�cando e se atualizando. Isso nos levará a conhecer e nos instrumentalizar a respeito dos princípios da gestão social. Neste percurso, é de fundamental importância saber e reconhecer que nem tudo são �ores, pois há desa�os e enfrentamentos que devem ser feitos para que a gestão social se converta em instrumento de modi�cação social, minimizando as desigualdades que assolam a nossa sociedade contemporânea. Por isso, deveremos saber como analisar os limites e desa�os da aplicação da gestão social, principalmente no âmbito do Serviço Social e na função pro�ssional do assistente social, que se espera que possam empregar os métodos e análises para sua prática social, para que seja propositiva, crítica e transformadora. Ao �nal deste capítulo, você terá adquirido competências e habilidades para re�etir e argumentar sobre a gestão social e também poderá construir sua própria compreensão do tema, não �cando restrito a uma abordagem teórico- metodológica de um único autor. Esses temas foram escolhidos com o intuito de ampliar sua visão sobre essa grande área que vem, cada vez mais, ganhando visibilidade e espaço no âmbito acadêmico e pro�ssional. 2 PRINCÍPIOS E CONCEITOS BÁSICOS DA GESTÃO SOCIAL Como já vimos até aqui, o nosso objetivo neste capítulo é conhecer e discutir sobre alguns princípios e conceitos básicos da gestão social. Para isso é fundamental que partamos da compreensão inicial do conceito de gestão social e quais são as suas implicações e maiores desa�os na atualidade. Para nós, é importante saber que o termo gestão social está ganhando visibilidade cada vez maior nos últimos anos, tanto no âmbito regional, nacional como internacional, entretanto, também é prudente avaliarmos que este têm sido produto de diversas interpretações, o que leva ao entendimento de que há falta de consenso dos estudiosos sobre uma conceitualização fechada e estrita do termo. Capítulo 1 Visto isso, vamos conhecer algumas das mais reconhecidas de�nições teóricas acerca do conceito de gestão social. A partir do extenso levantamento bibliográ�co realizado por Pimentel e Pimentel (2010), em sua revisão de literatura, foi possível chegar à de�nição, a partir de diversos autores de nove categorias centrais presentes no âmbito da gestão social, como ilustra o quadro a seguir, e destas categorias centrais a autora chegou à apresentação de sete princípios da gestão social, os quais iremos conhecer e analisar mais adiante. QUADRO 1 – CATEGORIAS CENTRAIS DA GESTÃO SOCIAL Objetivo Valor Racionalidade Esfera de atuação Protagonistas Comunicação Processo decisório Autonomia/poder Operacionalização FONTE: Pimentel e Pimentel (2010, p. 1) No âmbito da gestão social, França Filho (2008) a�rma que existe uma tendência de se pensar que este seja um termo autoexplicativo, ou seja, é uma gestão coligada ao social, porém, antes de pensar no seu objetivo, na direção que toma, é fundamental pensarmos por uma lente mais profunda e menos imediatista, isso quer dizer pensar o conceito como um processo. Para o autor, pensar a gestão social enquanto processo, pelos meios empregados no ato da gestão administrativa, nos convida a produzir a sua desconstrução, já que nos questiona: Qual gestão não é social? (FRANÇA FILHO, 2003). A re�exão do autor leva a pensar que na contemporaneidade não é possível imaginar nenhum tipo de gestão que não envolva pessoas, que não haja interação humana. Isso quer dizer que os meios devem inserir pessoas, mas a gestão social como meio não deve ser reduzida somente ao envolvimento de pessoas, pois sabemos que em maior ou menor nível toda gestão parte desse pressuposto. França Filho (2003) considera que a gestão das demandas e necessidades que envolvem o social sempre foi atribuição dos poderes públicos na modernidade, mas isso não signi�cou nunca que fosse exclusividade desses poderes. É nessa compreensão que o termo gestão social vai nos orientar, para além da ação do Estado, a gestão de demandas e necessidades sociais pode ser efetuada Capítulo 1 pela própria sociedade, por meio das suas variadas formas e instrumentos de autogestão, organização e, em especial, com o fenômeno associativo (FRANÇA FILHO, 2003). Assim, o mesmo autor vai considerar a gestão social, como pode ser visto na �gura a seguir, em dois aspectos: FIGURA 1 – DOIS NÍVEIS DE GESTÃO SOCIAL Adaptada de França Filho (2008) No que se refere ao nível de problemática da sociedade, ela está ligada à gestão de demandas e necessidades do social, assim, suscita a ideia de política social, que não deve ser equivocadamente confundida com a ideia de gestão pública, já que a �nalidade deve ser o coletivo, se sobrepor às necessidades e demandas do campo individual e pessoal. Sobre a modalidade especí�ca de gestão, a gestão social se conecta à forma de subordinar as lógicas instrumentais a outras lógicas sociais, políticas, culturais e ecológicas, ou seja, é preciso pensar de forma integral e conectada entre os diferentes aspectos que compõem a gestão social, como nos informa França Filho (2008). Ramos (1989) a�rma que o uso do termo gestão social se constitui em um recurso na tentativa de contrabalancear os excessos da lógica individualista pautada na racionalidade instrumental. Contudo, não se busca apagar ou substituir este enclave econômico tradicional. Ao que precisamos nos atentar é que, assim como a sociedade em geral, essa forma especí�ca de gestão se fundamenta em novas e outras formas de solidariedade, que os fundamentos remetem à discussão de bens públicos e das externalidades decorrentes de ações individuais e organizacionais, que afetam toda a coletividade. Pimentel e Pimentel (2010) nos lembram assertivamente que os princípios do Estado de bem-estar social, que geram e administram os benefícios sociais, são Capítulo 1 heranças dos movimentos sociais, ou seja, aqueles organizados pela sociedade civil. É por isso que o termo gestão social sugere que para além do Estado, a gestão social pode acontecer via sociedade civil organizada, por meio de diversas formas de auto-organização, como já nos ensinou França Filho (2008). A gestão social, para França Filho (2008), é uma gestão alternativa, um tipo ideal, que se distingue da gestão estratégica ouprivada e também se difere da gestão pública. Já que na gestão estratégica, a �nalidade econômico-mercantil da ação organizacional condiciona sua racionalidade, ou seja, está baseada em um cálculo utilitário dos limites e consequências. Por outro lado, a gestão pública será o modo de gestão híbrido praticado pelas instituições públicas no seio do Estado, em que o modelo de racionalidade também é o de cálculo utilitário de limites e consequências, porém existe uma diferença na aplicação desse modelo, já que a orientação principal desse tipo de organização é pautada no bem-estar do coletivo que constitui o Estado. É nessa construção que o autor supracitado defende a gestão social como modo de gestar próprio das organizações da sociedade civil, da esfera pública não pertencente ao Estado, que é, também, diferente do modo de gestão das iniciativas privadas e daquele utilizado pelo Estado, já que ambos estão fundamentados na racionalidade instrumental que dará o norte para cálculo utilitário das consequências (FRANÇA FILHO, 2008). Tenório (2008) é outro pensador contemporâneo importante para nossa compreensão sobre a gestão social, cuja obra e re�exão residem na construção de conceituação própria sobre a gestão social, fundamentada na noção de esfera pública que também pode ser aplicada a qualquer tipo de organização e em qualquer contexto, a partir de suas especi�cidades. Primeiramente, é importante delimitar a diferença que o autor estabelece entre as formas de gestão estratégica e social, na qual: a última se contrapõe à primeira na medida em que tenta substituir a gestão conhecida como tecno-burocrática, ou seja, aquela da combinação técnica e atribuição hierárquica e monológica por um gerenciamento que seja mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais (Tenório, 2008). Para Tenório (2008, p. 4), a gestão social é “processo gerencial decisório deliberativo que procura atender às necessidades de uma dada sociedade, região, território ou sistema social especí�co”. Tenório (2008) a�rma que o conceito de gestão social está ancorado em quatro pares de palavras-categorias, que são: Estado-sociedade; capital-trabalho; gestão estratégia e gestão social; e, por �m, cidadania deliberativa. Capítulo 1 Segundo Tenório (2008), a gestão estratégica atua determinada pelo mercado e guiada pela competição, na qual o outro deve ser eliminado e o lucro é o principal motivo. Por outro lado, a gestão social deve ser determinada pela solidariedade e guiada pela concordância, na qual o outro estará incluso e o motivo principal será a solidariedade. O autor considera também que o conceito de gestão social tem sido objeto de estudo e prática associado à gestão de políticas sociais, de organizações do terceiro setor, de combate à pobreza e até ambiental, do que à própria discussão e possibilidade de uma gestão democrática, participativa, seja a formulação de políticas públicas ou nas relações de caráter produtivo (TENÓRIO, 2008). A proposta central é a de que a “gestão social seja entendida como um processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação” (TENÓRIO, 2008, p. 39). Por isso, a gestão social será entendida como um espaço privilegiado de relações sociais onde todos possuem o direito à fala, sem nenhuma coerção. Desse modo, a noção de espaço privilegiado de fala dá ênfase à neutralidade ou mesmo ausência de coerção entre os atores envolvidos e nas condições de manifestação dos discursos. Por �m, concluindo o pensamento de Tenório (2006 apud PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 6): O conceito de gestão social não está atrelado às especi�cidades de políticas públicas direcionadas à questão de carência social ou gestão de organizações do terceiro setor, mas também, a identi�cá-lo como uma possibilidade de gestão democrática, onde o imperativo categórico não é apenas o eleitor ou contribuinte, mas sim o cidadão deliberativo. Não é só a economia de mercado, mas também a economia social; não é o cálculo utilitário, mas o consenso solidário; não é o assalariado como mercadoria, mas o trabalhador como sujeito. Até aqui, já pudemos ver as contribuições teóricas no campo da gestão social para França Filho (2008) e Tenório (2007), que convergem na ideia de que a gestão social está altamente conectada à ação e agência da sociedade civil e dos movimentos sociais organizados. Também é perceptível a delimitação das diferenças estabelecidas entre a gestão estratégica e a gestão social, que podem ser equiparadas a modos de gestão mecânicos e orgânicos, no qual ambos se fundamentam e convergem em princípios e objetivos distintos. Veremos, a partir de agora, a compreensão de gestão social para outros autores. Em princípio, veremos as construções teóricas de Gondim, Fischer e Melo (2006), que a�rmam categoricamente que a gestão social exige a articulação de liderança e management, e�cácia, e�ciência e efetividade social, sendo estas as principais Capítulo 1 categorias utilizadas pelos autores. Desse modo, de�ne-se como mediações sociais realizadas por indivíduos (gestores) e suas organizações. A gestão social, para as autoras supracitadas, vai se orientar por mudanças, seja de microunidades organizacionais, seja de organizações com alto grau de hibridização. Assim, em ambos os espaços, diversas formas de poder serão exercidas em diferentes níveis, em construções complexas de programas e ações de desenvolvimento que ocorrem em espaços, sejam virtuais ou territoriais (GONDIM; FISCHER; MELO, 2006 apud PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 6). Gondim, Fischer e Melo (2006) também colocarão em análise de comparação a gestão social e a gestão tradicional, que se apresentam como distintas entre a racionalidade instrumental e racionalidade substantiva. A primeira é de�nida como a que privilegia os meios que objetivam à acumulação, enquanto a segunda supõe a satisfação pessoal pautada em valores morais de bem comum, que gera impactos na autorrealização e na satisfação coletiva, como sinaliza a �gura a seguir. FIGURA 2 – GESTÃO TRADICIONAL E GESTÃO SOCIAL EM DEBATE Gondim, Fischer e Melo (2006, p. 7) Outra noção interessante apresentada pelas autoras é a de que o agir intersubjetivo deve superar o agir estratégico, na medida em que o agir intersubjetivo estabelece o diálogo e visa ao consenso, em dar voz a todos os atores sociais envolvidos, para garantir a cidadania deliberativa, enquanto que o agir estratégico tem como objetivo atender aos interesses privados estabelecidos. Capítulo 1 De acordo com as autoras supracitadas, a ação comunicativa está na base da gestão social, e se efetivaria na articulação de valores, na elaboração de normas e no questionamento por todos os autores que interagem socialmente (GONDIM; FISCHER; MELO, 2006). Sintetizando o pensamento de Gondim, Fischer e Melo (2006 apud PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 7), a respeito da gestão social: Um ato relacional capaz de dirigir e regular processos por meio da mobilização ampla de atores na tomada de decisão, que resulte em parcerias intra e interorganizacionais, valorizando as estruturas descentralizadas e participativas, tendo como norte o equilíbrio entre a racionalidade instrumental e a racionalidade substantiva para alcançar en�m um bem coletivamente planejado, viável e sustentável a médio e a longo prazo. A gestão social, portanto, é re�exo das práticas e do conhecimento construído por muitas disciplinas, delineando-se como uma proposta de natureza interdisciplinar. Assim, como as ações mobilizadoras partem de origens múltiplas e em diversas direções, as dimensões teórica e prática estarão emaranhadas e juntas. As autoras concluem com: “aprende-se com as práticas, e o conhecimento se organiza para iluminar as práticas” (GONDIM; FISCHER; MELO, 2006, p. 7). Em outra perspectiva, Carvalho (2001) de�ne a gestão social como a gestão de demandas e necessidades dos cidadãos. A autora a�rma também que a política social não é simplesmenteum canal dessas necessidades, mas age como respostas a elas, já que as políticas públicas são produzidas pelo Estado, apesar de nascerem pela sociedade civil organizada. Os movimentos sociais são, para Carvalho (2001), os atores que emergiram em contrapartida ao enfraquecimento do protagonismo da classe trabalhadora frente às transformações produtivas recentes, as que deslocam a sociedade civil a um papel central na de�nição da agenda política do Estado, o que promove o alargamento e revitalização da esfera pública. A partir do entendimento das resistências e ambiguidades, Carvalho (2001) a�rma que as organizações do terceiro setor possuem características que serão valorizadas pela gestão social. Por ser o terceiro setor elemento fundamental na discussão e entendimento sobre a gestão social, o teremos como objeto de estudo e aprofundamento no segundo capítulo do nosso livro didático. A Figura 3 ilustra alguns benefícios da gestão social, apontados pela autora, no terceiro setor. FIGURA 3 – BENEFÍCIOS DA GESTÃO SOCIAL NO TERCEIRO SETOR Capítulo 1 Direito social: repúdio ao clientelismo e a valorização de uma pedagogia emancipatória; Novo equilíbrio entre o focal e universal: busca respostas às demandas das minorias e às questões universais, como a luta contra a pobreza; Transparência nas decisões: nas ações públicas, na negociação e participação, a base ética advém da transparência; Avaliação: controle menos burocrático e mais e�ciente, e�caz e efetivo. Adaptada de Carvalho (2001) Nessa linha de pensamento, portanto, a gestão social está vinculada e amarada a parcerias entre Estado, sociedade civil e iniciativas privadas, além de um valor social amplamente fundamentado na solidariedade, com premissas e estratégias subjacentes a ela, que seriam, segundo Carvalho (2001 apud PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 8): De maneira geral, para Carvalho (2001), a gestão social deve ser estratégica em sua forma de operacionalizar suas ações, assim como informa Dowbor (1999a), ao considerar que as parcerias, redes e a descentralização são formas de operacionalizar a gestão social. O que nos instiga e nos leva a pensar novas formas de organização social, de relações entre o político, o social e o econômico, e, por �m, a desenvolver pesquisas interdisciplinares que ouça e dê voz a atores, sejam sociais, estatais como empresariais e comunitários (PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 8). A �m de sintetizar nossas ideias e todas as de�nições vistas, projetamos em um quadro para maior compreensão das principais categorias de análise que se enquadram na gestão estratégica e na gestão social, com o objetivo de compreender como as operam, a partir do que foi exposto dos autores até aqui. Capítulo 1 QUADRO 2 – COMPARAÇÃO DE GESTÃO ESTRATÉGICA E GESTÃO SOCIAL Categorias de análise Gestão estratégica Gestão Social Objetivo Lucro Interesse coletivo de caráter público Valor Competição Cooperação intra e interoganizacional Racionalidade Instrumental Comunicativa Protagonistas Mercado Sociedade Civil Organizada Comunicação Monológica, vertical, restritiva Dialógica, horizontal, irrestrita Processo decisório Centralizado Descentralizado/participativo Operacionalização Estratégica/�nanceira Social/qualitativa Esfera Privada Pública social Autonomia e poder Diferentes graus de coerção e submissão Não há coerção, iguais oportunidades de participação FONTE: Adaptado de Pimentel e Pimentel (2010, p. 8) Capítulo 1 Responder Com tudo que se viu até aqui, nos cabe concluir que a gestão social não é um conceito de�nido e fechado, mas sim um conceito em construção, além de ser uma área de atuação composta por diversos setores, como saúde, habitação, educação e segurança, também abarca inúmeras outras atividades, seja na forma de gerir indústrias, de pensar o desenvolvimento urbano e rural, como se relacionar com a natureza, como promover o comércio em nossas cidades, dentre outras. 1) Como você de�niria gestão social? Por isso, depois dessa revisão de literatura sobre o tema, vamos nos deter a conhecer e construir uma linha de interpretação com os princípios que norteiam e constroem a gestão social, a partir das categorias identi�cadas por Pimentel e Pimentel e expostas no início do texto e elencadas no Quadro 1, bem como pensar e analisar alguns aspectos que são considerados essenciais nesta área temática. A nossa intenção aqui é conhecer os princípios que a gestão social possui e assim construir as nossas próprias interpretações a respeito do tema. Referente ao objetivo, que é uma das primeiras e principais características da gestão social, vimos que o debate sobre ele permeou as diversas abordagens que conhecemos e se apresentam de diferentes formas para os autores abordados. Para França Filho (2008), a natureza do objetivo, o bem privado ou público, é que vai diferenciar a gestão social da gestão estratégica. Para o autor, trata-se de uma diferença de princípio, que não considera desvios. A gestão social busca preencher o espaço entre as alternativas de lucro, conhecidas e utilizadas pelas organizações privadas, daquelas de interesse público, representadas pela institucionalidade do Estado. Capítulo 1 É assim que a gestão social se presta ao objetivo de servir o interesse coletivo, público, diferenciando-se das outras formas de gestão não apenas pelo foco no coletivo, mas também por não se vincular aos aparelhos, mecanismos e instrumentos institucionais do Estado, ou seja, ela serve para a sua autorrealização. Sintetizando o pensamento, a gestão social apresenta como objetivo geral satisfazer aos interesses coletivos de caráter autorrealizado. O eixo axiológico, ou seja, do valor, é subjacente aos objetivos que vimos. Com isso, a gestão social parte de novas formas de solidariedade e proximidade, simbólicas e físicas, com elementos centrais e estruturadores de seu raio de ação coletiva. Do mesmo modo, as formas de solidariedade da gestão social serão contrárias às que dão fundamento as da iniciativa privada e da gestão pública do aparelho estatal. É importante ressaltar que sempre que lidamos com classi�cações precisamos re�etir que elas não podem ser arbitrárias e inquestionáveis, ou seja, não podemos a�rmar que todos os tipos de gestão social ou estratégica serão completamente contrários e opostos, é evidente que pode haver con�uências e semelhanças em suas abordagens, a depender dos contextos avaliados. Por isso, reforçamos a necessidade da análise especí�ca do contexto e de suas variáveis. Nas análises empreendidas por Durkheim (2002), o sociólogo busca esclarecer que a existência de determinada sociedade, assim como a ideia de coesão social, se baseia no grau de consenso estabelecido entre os integrantes dessa sociedade. Esse consenso entre os indivíduos sociais é nomeado de solidariedade. Neste ínterim, em que de�ne os tipos de solidariedades, orgânica e mecânica, o autor aponta que quanto maior a divisão e especialização do trabalho, maior será o nível de solidariedade, sendo que a solidariedade mecânica representa aquela referente a pouca ou nenhuma reciprocidade entre os atores sociais envolvidos – proprietários e bens –, enquanto que a solidariedade do tipo orgânica é associada a maior nível de reciprocidade entre os atores sociais – densidade moral e material. Pimentel e Pimentel (2010) nos lembram que “nas sociedades contemporâneas, as organizações públicas possuem um valor normativo porque impõem padrões que são mecanicamente associados à estrutura burocrática estatal, ou seja, que implica uma rígida divisão do trabalho nos órgãos” (PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 9). Já as organizações privadas operam de modo a promover alta divisão do trabalho, por isso mesmo, alto grau de dependência entre seus membros, ainda que estes recorram aos mecanismos coercitivos para fazer e�ciente o funcionamento da divisão. Contudo, nas organizações da sociedade civil podemos ver a densidade moral e material, na qual a gestão social pode atingir seu auge, já que inserida na esfera públicae utilizando pouca ou nenhuma forma de coerção, faz com que as ações Capítulo 1 sociais se pautem em maior vínculo de reciprocidade e complementaridade, mais uma vez, com o objetivo de atingir o bem comum ou interesses do coletivo em questão. Assim, “o segundo princípio assentado na nossa construção é o da orientação de valor da gestão social, que é o interesse público comum” (PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 10). A racionalidade constitui o terceiro princípio a ser considerado no âmbito da gestão social. França Filho (2008) considera este elemento como problemáticas próprias da sociedade e da gestão, da sociedade, porque a gestão social seria a gestão das demandas e necessidades do social, como já vimos anteriormente. Reforçando, Carvalho (2001) a�rma que a gestão social é a gestão de demandas e necessidades dos cidadãos. Porém, a autora não deixa de pontuar uma inquietação com a forma com que essa gestão das demandas acontece. Quanto à problemática no elemento da gestão, o que inquieta é a subordinação de lógicas instrumentais a outras de ordem social. Autores têm se preocupado com os processos, os meios pelos quais se resulta a tomada de decisões, que para Carvalho (2001) devem advir de parcerias intra e interorganizacionais. Isso nos faz observar de que tipo de racionalidade se pauta a condução das ações organizacionais. A questão será abordada por Fischer et al. (2006) a partir da racionalidade que a gestão assume. Lembrando que enquanto a gestão estratégica privilegia a racionalidade instrumental, a gestão social se pautará na racionalidade substantiva. Assim, se considera que o agir substantivo supera o estratégico, já que o primeiro visa à tomada da decisão pelo diálogo, oferecendo oportunidade de fala a todos os envolvidos, constituindo a cidadania deliberativa. Tenório (2008) argumenta ainda que a gestão social deve subordinar a lógica instrumental de gestão a um processo decisório deliberativo, que seja dialógico, enquanto busca atender às necessidades e demandas sociais. Assim, o autor dirige para o processo decisório o status de legitimação ou não legitimação da racionalidade intrínseca à gestão social. Essa racionalidade, portanto, seria a comunicativa, pois é a condição mais adequada para se tratar das questões da esfera pública em um Estado democrático. Isso nos leva à conclusão de que a gestão social necessita de parâmetros, que devem ser base para análise e avaliação do grau de satisfação dos objetivos propostos, da melhor maneira possível e com retorno do público-alvo atendido. Dowbor (1999a) reforça este debate ao sinalizar que a gestão social é uma forma de fazer, e pode estar presente como dimensão de outras atividades, o que pode levar à extração de indícios de que a e�cácia, efetividade e e�ciência da gestão não podem e não devem ser suprimidos, mas é fundamental que o processo seja participativo, democrático, dialógico e inclusivo. O terceiro princípio da gestão social, portanto, nos leva a entender a subordinação da lógica instrumental ao Capítulo 1 processo decisório deliberativo, para a busca de satisfazer às necessidades do sistema social em questão. Dando seguimento à construção do raciocínio sobre os princípios da gestão social, o protagonismo é uma categoria muito importante, já que a própria sociedade tem esse papel. Ou seja, a sociedade é o ator social central dessa forma de gestão, que deve e se dá pela e para a sociedade. Com isso, não é o objetivo a exclusão do Estado ou do setor privado como gestores sociais, mas sim a inclusão da sociedade e das diversas formas de organização. França Filho (2008), mais uma vez, nos auxilia na compreensão de que a gestão de demandas e necessidades do social pode ocorrer por meio da própria sociedade, através de processos auto-organizativos. Orienta-se para ampliação e articulação das forças, não �cando restrito ao poder estatal, mas que sejam geridas por diferentes sujeitos sociais. Tenório (2008) vai considerar a necessidade do gerenciamento participativo, dialógico, no qual todos têm direito à fala sem nenhuma coerção, com isso existe a possibilidade de inversão do protagonismo histórico do Estado na relação Estado- sociedade e de construção de parcerias entre a sociedade civil organizada, setores privados e o Estado. Carvalho (2003) inova ao defender uma pedagogia emancipatória, que é aquela que potencializa talentos, desenvolve a autonomia e fortalece vínculos relacionais que asseguram a inclusão social. Portanto, “o princípio quarto vai de�nir que a gestão social tem na sociedade civil organizada o seu protagonista, mas deve envolver diversos atores sociais, organizacionais e institucionais de um dado espaço” (PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 11). De acordo com o tipo de gestão abordada, os processos de comunicação tendem a se diferenciar, por isso, o quinto princípio assentado em nossa construção é o da comunicação, elemento fundamental para o sucesso especialmente da gestão social, como veremos. A comunicação é tão importante para gestão que ela é reconhecida como um dos sustentos para a diversidade de tipos de gestão, já que elas apresentam maior ou menor possibilidade de participação dos atores envolvidos, conduzindo a mais ou menos poder de ação social nos enclaves em que está inscrito. Sabemos que as formas de comunicação estratégica e pública estatal tendem a ser monológicas e verticalizadas, ou seja, com hierarquia marcada entre os atores envolvidos. Enquanto que na gestão social, a forma de comunicação tende a ser dialógica e horizontalizada, na qual se guiam as bases da racionalidade comunicativa na gestão social, como descrevem Pimentel e Pimentel (2010). Capítulo 1 De modo geral, podemos inferir que a gestão social é o único modo de gestão onde o processo de comunicação ocorreria, de fato, de forma dialógica com participação efetiva de diferentes atores sociais no processo de comunicação. Para além, o processo dialógico pressupõe igualmente o amplo direito à fala, sem coerção ou restrição, o que não é visto com facilidade nas outras formas de gestão já discutidas aqui, muito em função da concentração do poder em pequenos grupos, ou pessoas, que tende a diminuir a in�uência dos demais grupos nos processos de gestão e decisão e, principalmente, do uso e distribuição de recursos. Com isso, concluímos que “o quinto princípio da gestão social está no seu caráter de gestão participativa, dialógica e consensual” (PIMENTEL; PIMENTEL, 2010, p. 12). O sexto princípio da gestão social que iremos conhecer é o do processo decisório. Já vimos que na gestão estratégica ele é centralizado na �gura daquele que detém os meios de produção ou daquela pessoa designada por ele para gerir. Nesse contexto, ela obedece a uma hierarquia, na qual quanto mais alto o nível mais será o poder de decisão e autoridade empreendido, e do mesmo modo, quanto mais baixo o nível hierárquico, a autoridade decisória será menor. Pimentel e Pimentel (2010) contextualizam que na década de 1990, a gestão pública do Brasil passou por processos de reforma administrativa, importante situá-los que o responsável por administrar os processos de reforma estatal foi o presidente, à época, Fernando Henrique Cardoso, que administrou o país entre 1995-2002. Nessa reforma, foi proposta uma Nova Gestão Pública que propôs signi�cativa mudança de perspectiva sobre a maneira de alcançar resultados positivos na esfera federativa, com isso, uma das principais medidas assumidas pela reforma foi a descentralização política e administrativa, que consistiu na delegação da autoridade decisória nos níveis locais e regionais. Por outro lado, na gestão social, o processo decisório se expressa como descentralizado com a participação e diálogo sem coerção, o que contribui para a construção do consenso coletivo. Conforme Tenório (2008 apud PIMENTEL; PIMENTEL, 2010 p. 12), “a verdade só existe se todos os participantes da ação social admitem sua validade, verdade é a promessa de consenso racional ou, a verdade não é uma relação entre o indivíduoe sua percepção de mundo, mas um acordo alcançado por meio de discussão crítica, da apreciação intersubjetiva”. Quando se trata de todos os participantes da ação social, pode se adicionar outro elemento característico do processo decisório da gestão social, que seja, a participação. É Tenório (2008) quem dá ênfase a ela ao apontar que se almeja que a gestão social seja praticada em um processo intersubjetivo e dialógico, os princípios de inclusão e do pluralismo devem orientar as ações e práticas de gestão. Sintetizando o pensamento com apoio de Fischer et al. (2006), a gestão social é um ato relacional capaz de dirigir e regular processos por meio de mobilização ampla Capítulo 1 de atores na tomada de decisão, que resulte em parcerias intra e interorganizacionais, de modo que valorize as estruturas descentralizadas e participativas. Por isso, podemos concluir que no sexto princípio, a gestão social se efetiva a partir da deliberação coletiva alcançada pelo consenso gerado por meio da argumentação livre. Chegamos ao �m, com a apresentação do sétimo princípio pensado para a gestão social que estamos estudando neste capítulo. O princípio da operacionalização será, então, utilizado como estrutura da gestão social, já que é ponto fundamental para que, de fato, as propostas saiam do campo do planejamento e se convertam em ações materiais ou simbólicas. A gestão estratégica utiliza indicadores �nanceiros para medir se os rumos e objetivos esperados pela gestão estão sendo seguidos e alcançados, é assim que determinados indicadores �nanceiros são determinantes para avaliar a qualidade da gestão em andamento. A gestão pública, por exemplo, no período da Nova Gestão Pública, passou a ser estratégica, já que havia objetivos a serem alcançados, prazos a serem cumpridos e medidas de controle dos resultados obtidos, contudo, com a diferença de que na gestão social, os objetivos não são estritamente �nanceiros, mas sim social, com foco da gestão nos indicadores sociais. Como já mencionado, Carvalho (2001) considera que a gestão social deve ser estratégica, na medida em que deve ser e�ciente, e�caz e efetiva. E mais, acredita que as formas de operacionalizar a gestão social podem passar por parcerias e convênios entre Estado e sociedade civil organizada, com os pressupostos da participação ativo e diálogo profundo. Assim, outro elemento importante para pensar a operacionalização da gestão social são as parcerias entre diferentes setores. França Filho (2008) sugere que a gestão das demandas sociais pode ser realizada além do Estado, pela própria sociedade, por meio de várias formas de auto-organização. Assim como con�rma Tenório (2008), todos os agentes sociais envolvidos são capazes de pensar e produzir conhecimento, por isso, devem fazer parte dos diálogos e dos processos decisórios na gestão social. Nesta compreensão, a aproximação entre autoridades públicas (Estado) e a população (Sociedade civil) se con�gura como uma premissa para o desenvolvimento através de decisões deliberativas. França Filho (2008) e Tenório (2008) a�rmam, ainda, que a maior e�ciência dos governos está associada a transformações na dinâmica de gestão e no fortalecimento de práticas mais participativas. A intersetorialidade, assim como as parcerias, se constitui como uma forma de operacionalizar a gestão social e, de acordo com Fischer et al. (2006), não deve ser resumida apenas às práticas, mas se estendem aos conhecimentos, construídos por muitas disciplinas, de forma multiparadigmática e interdisciplinar. Assim como Capítulo 1 a�rmou Dowbor (1999a), as novas formas de pensar a organização social podem partir da relação entre o político, o social e o econômico, assim como no desenvolvimento de pesquisas de caráter interdisciplinar. Sintetizando, o princípio da operacionalização se propõe a pensar que as parcerias e redes intersetoriais, tanto práticas quanto teóricas são formas de pensar e de operacionalizar a gestão social de forma muito bené�ca e e�ciente. A seguir, para melhor compreensão e apreensão do conteúdo visto até aqui, elaboramos um quadro esquemático para relembrar os sete princípios da gestão social que aprendemos: QUADRO 3 – SÍNTESE GERAL DOS PRINCÍPIOS DA GESTÃO SOCIAL Princípio De�nição P1 Objetivo A gestão social tem como objetivo geral satisfazer aos interesses coletivos, de caráter público autorrealizado. P2 Valor A orientação de valor da gestão social é o interesse público comum. P3 Racionalidade A gestão social nos leva a entender a subordinação da lógica instrumental ao processo decisório deliberativo, para a busca de satisfazer às necessidades do sistema social em questão. P4 Protagonismo A gestão social tem na sociedade civil organizada o seu protagonista, mas deve envolver diversos atores sociais, organizacionais e institucionais de um dado espaço. P5 Comunicação A gestão social deve ter seu caráter de gestão participativa, dialógica e consensual. Capítulo 1 P6 Processo deliberativo A gestão social se efetiva a partir da deliberação coletiva alcançada pelo consenso gerado por meio da argumentação livre. P7 Operacionalização As parcerias e redes intersetoriais, tanto práticas quanto teóricas são formas de pensar e de operacionalizar a gestão social de forma bené�ca e e�ciente. FONTE: O autor A partir do exposto nesta primeira parte do nosso capítulo, de maneira introdutória pudemos identi�car os sete princípios designados como alicerces do conceito de gestão social, por isso a nossa intenção além de contribuir para sistematização do conceito é de compreender o campo de atuação, possibilidades e limites desta área, pensando na sua aplicação pro�ssional. Também é relevante mencionar que a delimitação que impomos aqui pode causar limites para o raio de ações práticas da gestão social, ao passo que acreditamos que esses limites são superados na medida em que a profundidade de análise dada nesse texto, em termos de compreensão e de análise dos princípios citados, nos permite a sua aplicação em diversas áreas, levando em consideração as suas especi�cidades e objetividades. De forma derradeira, se é o termo gestão social uma construção teórica contemporânea, e por isso, ainda apresenta inconsistências e a necessidade de de�nições mais sólidas, ele também nos leva a admitir e valorizar a sua diversidade e adequabilidade, levando em consideração o contexto em que será empregado. Assista ao vídeo a seguir para contextualizar os nossos estudos com uma entrevista realizada com o professor França Filho. Título: Diálogos: Gestão social: sociedade e democracia. Canal UnBTV. Link: https://www.youtube.com. 2.1 DESAFIOS DA GESTÃO SOCIAL NO SERVIÇO SOCIAL Capítulo 1 https://www.youtube.com/watch?v=C8v0SKCHG-E A gestão social promove grandes desa�os que envolvem articulação da garantia de direitos, ampliação das noções de desenvolvimento social, re�exões críticas sobre o papel do Estado, e mais, a busca de um paradigma de gestão que seja justa e coerente com seus anseios. De forma breve, já podemos sinalizar que a gestão social se depara com diversos desa�os, que são também muito complexos, considerando que os modelos de gestão adotados ao longo do tempo têm sido vistos, cada vez mais, como insu�cientes para solucionar questões com alta complexidade, próprias da sociedade contemporânea. Outro ponto fundamental a ser abordado em nossa re�exão sobre os desa�os da gestão social é que o ideal construído sobre um modelo de gestão democrática e participativa tenciona o lugar de hegemonia da gestão estratégica no Brasil, o que produz tensão e representa a potencialização entre democracia e processo de gestão e�caz. De acordo com Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015), a gestão social no âmbito do setor público, estatal ou privado está envolvida em diversas situações complexas que incidem na necessidade de envolvimento de diversos setores para que haja atendimento satisfatório das necessidades da sociedade civil. Necessidades estas, entre outras, que a partir da promulgaçãoda Constituição Federal de 1988 são reconhecidas como direitos fundamentais. FIGURA 4 – CORRELAÇÃO DE SETORES DA GESTÃO SOCIAL Capítulo 1 O autor Considerando que a década de 1980 foi um marco sócio-histórico para o fomento das experiências de gestão social no país é importante contextualizar quais as modi�cações político-econômicas e culturais foram estabelecidas com a promulgação da carta constituinte. Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, foi instituído um processo de democratização da sociedade, a necessidade da reforma do Estado, bem como o ressurgimento de uma sociedade civil com ênfase na ampliação da democracia. Se tomarmos como referência Arretche (1999), podemos a�rmar que a constituinte marca a criação de um novo arranjo federativo institucionalizado, caracterizado pela descentralização de um conjunto de novas atribuições para a União, Estados e Municípios e a ampliação da democracia, para além da democracia representativa, assinalada pela inserção da participação da sociedade no processo de gestão das políticas públicas, através dos conselhos gestores, orçamentos participativos, conferências, dentre outras formas democráticas de participação. Do mesmo modo, foram instituídos no país os direitos sociais presentes na Seguridade Social (saúde, assistência social e previdência), assim como a educação, segurança alimentar e habitação. A partir da Constituição Cidadã, os novos direitos sociais garantidos foram os que dizem respeito à assistência social e segurança alimentar, a partir dos anos 2000, a Capítulo 1 habitação foi incluída neste rol. Saúde e educação também são adotadas como direitos sociais, reconhecidamente são as necessidades da população. Como já vimos na introdução deste capítulo, a gestão social tem sido de�nida e caracterizada por diversos autores, alguns pensando especi�camente na garantia de direitos dos cidadãos. É assim que re�ete Kauchakje (2007 apud GONÇALVES; KAUCHAKJE; MOREIRA, 2015, p. 4) ao se referir à gestão social como “gestão de ações sociais públicas para o atendimento de necessidades e demandas dos cidadãos, no sentido de garantir seus direitos por meio de políticas, projetos, programas e serviços sociais”. A autora a�rma que as políticas públicas darão garantia dos direitos, já que estas são instrumentos de ação do governo a serem desenvolvidas em programas e serviços que forem do interesse social. Autores consideram que a gestão social, no Brasil, se estrutura em um processo complexo, devido à assimetria dela frente às políticas econômicas adotadas. Kliksberg (1996), por exemplo, a�rma que dentro do setor público, a gestão social tende a ser um setor fraco, porque não possui in�uência limitada diante de grandes decisões, haja vista que sua situação na hierarquia diante dos outros setores é baixa, e também, não é raro que seja um setor privado de decisões fundamentais do governo, principalmente no que se refere às políticas econômicas. Para ele, a marginalização da política e da gestão social se responsabiliza, em certo nível, pela reprodução e intensi�cação dos problemas sociais já presentes. Koga (2003) concorda a�rmando que este tratamento subalterno dado ao âmbito das políticas sociais públicas no Brasil tem produzido crescente mercantilização dos serviços entendidos como básicos que devem ser servidos à população. Para Dowbor (1999a), os padrões de gestão existentes e herdados não conseguem dar base instrumental à gestão social, uma vez que estes possuem sólidas raízes industriais e se baseiam em experiências empresariais, do mesmo modo que os padrões existentes da gestão pública, até hoje conhecidos e experimentados, não abrangem todas as necessidades reais para uma gestão social que alcance todas as necessidades da população. Autores como Kliksberg (1998) defendem que é necessário e desejável que a gestão social construa a sua própria agenda de gerenciamento, já que esta área possui características próprias singulares, como: múltiplos personagens institucionais, a necessidade de articulação de redes, a imprevisibilidade das ações que devem ser manejadas e resolvidas, a imprescindível necessidade de participação buscando seus efeitos positivos, emergência do respeito pelas culturas e diversidades locais, assim como atenção aos fatores demográ�cos, políticos e sociais presentes. Capítulo 1 É neste caminho que Dowbor (1999b) e Koga (2003) alertam que a complexidade se estende, uma vez que a gestão social se constitui como uma nova área de interesse do mercado, na qual o fundamento e objetivo é o lucro, que é caracterizada por Dowbor (1999b) como “uma mina de ouro” e por Koga (2003) como “processo de mercantilização”, referindo-se aos serviços públicos. Essas questões são pertinentes para nos posicionarmos no debate que pensa o papel do Estado na gestão do social. É por isso que dedicamos uma seção deste capítulo para pensar e discutir a gestão social com os seus desa�os, já que ela precisa envolver, de certo ponto, a articulação de variados elementos como: a garantia de direitos por meio de políticas públicas; ampliar a noção de desenvolvimento social; pensar o papel do Estado e a procura de uma forma organizacional ou um paradigma de gestão que respeite a nova condição dada para a seara social e, por conseguinte, pensar e respeitar as suas características especí�cas. No que se refere ao Brasil, especi�camente, há também questões que se cruzam e são importantes serem pensadas para nosso estudo, por exemplo, a nossa vasta área territorial, as desigualdades presentes em cada região; a pluralidade cultural; o crescimento acelerado em determinadas capitais e cidades, a concentração de renda e disparidade entre as regiões, bem como as crises geradas pelo processo de desenvolvimento a qual fomos submetidos, é claro que neste aspecto, pensar o passado e a própria formação do nosso país se faz necessário para a�nar mais nossa compreensão como tal questões se apresentam agora. Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015), por exemplo, nos lembram de alguns episódios marcantes da nossa história recente, como a conhecida crise da dívida externa do �nal da década de 1970; a crise do Plano Collor nos anos 1990, que bloqueou os ativos �nanceiros gerando muitos impactos na produção nacional; o desequilíbrio das contas públicas e o crescimento do endividamento público; di�culdade nas exportações; a chamada crise cambial do �nal da década de 1990; os extensos e complexos acordos com o Fundo Monetário Internacional etc. A crise sanitária internacional do ano de 2020, causada pelo novo Coronavírus (Covid-19), também pode entrar na re�exão como um dos episódios que impactou profundamente a economia, bem como outras áreas da nossa administração pública. É importante citar que, no Brasil, o período da década de 1990 foi marcado pela adesão do ideário Neoliberal mudando a lógica econômica, política, social e cultural do país de forma signi�cativa. O neoliberalismo surge como uma estratégia de superação da crise do capitalismo dos anos de 1970 e que, no Brasil, diante das particularidades, adentrou em �nais de 1980 e início dos anos de 1990. Para Alves (2016, p. 102): Capítulo 1 [...] a função histórica do neoliberalismo foi integrar o Brasil no movimento hegemônico do capitalismo no mercado mundial – capital predominantemente �nanceiro – que naquele momento, após débâcle (fracasso) do leste Europeu (1989) e URSS (1991), impulsionou, no plano mundial, a globalização como espírito da época histórica (zeitgeist), transformando o mundo a sua imagem e semelhança. Portanto, o período da década de 1990 e a passagem do século como momento especial de adoção de um modelo econômico de caráter neoliberal, marcado por ações de privatizações, liberalização do comércio nacional e internacional, desregulamentação que gerou aumento da competitividade e anulação de decretos e leis que limitavam e restringiam alguns setores, levou ao monopólio e controle dos preços por estas. O mesmo período é de�nido como oscilatório nas atividadesprodutivas, que levou ao extenso desemprego, bem como às ocupações precárias e não regulamentadas, ou seja, a um processo de ressigni�cação dos agregados sociais, que limitados às atividades rurais se aplicaram na realidade urbana das cidades. Ademais, as ações do Estado, especialmente na década de 1990, são marcadas por crise �scal, privatizações, crise política, e outras que contribuíram, sem dúvida, para reprodução e extensão das desigualdades sociais, o que gerou acúmulo nas demandas de atendimento social e assistencial que se adensa e complexi�ca, cada vez mais. Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015) informam que atualmente há uma retomada da importância do Estado, no que se refere à regulação e atendimento ao mercado, assim como há fortalecimento de programas sociais ligados à transferência de renda. Para autores como Neri (2007), o período de 2001 a 2005 pode ser compreendido como uma fase de redução das desigualdades, em que houve considerável redução da pobreza. Para o autor, tal processo se deu muito por conta da redução das desigualdades, aliado ao crescimento econômico veri�cado. Segundo o autor supracitado, a combinação de fatores políticos, econômicos e sociais ligados ao papel do Estado, assim como a estabilidade da moeda nacional causada pelo Plano Real, que ocasionou o controle da in�ação, possibilitou planejamento e controle sobre o orçamento nacional; aliado, ainda, ao processo de distribuição de renda nos anos analisados, que gerou queda de 0,2% comparado ao ganho de 4%, veri�cados no aumento de ganho dos mais pobres (NERI, 2007). Arbix (2007) apresenta o dado de que no ano de 2006 pode-se apurar o nível mais baixo de desigualdade de renda nos últimos 30 anos. Em terceiro lugar, o autor aponta para os investimentos em políticas sociais de distribuição de renda, como demonstra a �gura a seguir. FIGURA 5 – PROCESSO DE REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES Capítulo 1 Adaptada de Neri (2007) No período analisado é importante pontuar que o Governo Federal, período de transferência de poder executivo nacional de Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002) para Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), construiu e implantou diversos programas de transferência de renda, como, por exemplo, o bolsa-alimentação, o bolsa-escola, o auxílio gás, cartão alimentação, ligados a diversos Ministérios, que logo depois, em 2004, foram uni�cados no Programa Bolsa Família, que buscou aprofundar a forma de atuação para atender integral e sistemicamente à população nacional. Como a�rma Santos e Nunes (2013), estamos em um momento com muitas transformações no cenário atual que vivemos, as crises econômicas, �nanceira, política, sanitária e social, vistas no mundo globalizado, no qual o sistema capitalista demonstra suas fragilidades e limites se apresentam fortemente com a privatização de diversos setores públicos, delegando estes cuidados ao setor privado, o que acarreta grandes mudanças na diminuição do chamado bem-estar social, aumentando consideravelmente os níveis de desemprego, com trabalhos precários, perda do poder de compra, aumento das desigualdades, entre outros, e marcam o período que atravessamos desde o �nal da década de 2010. As crises instaladas no campo econômico e social reverberam o aparecimento de novas formas de pobreza e ainda com a busca de formas sustentáveis para as organizações sociais com a retração do poder e intervenção do Estado. Neste contexto, perante todas essas crises, a re�exão sobre alternativas de desenvolvimento sustentável, tanto do âmbito �nanceiro como social, se tornou uma das maiores e mais urgentes preocupações dos nossos tempos. É importante situá-lo que, diante da implementação das ideias neoliberais no país, os processos de gestão social também passam a ser constituídos por uma dualidade de desa�os, uma vez que o país passou a vivenciar dois projetos em disputa: o projeto democrático-popular instituído pela constituição de 1988 (que contribuiu para o fomento de políticas sociais, processos de descentralização que Capítulo 1 direcionam para uma maior participação dos poderes e da sociedade civil, o que fomentou campos de possibilidade para experiências de gestão social); e o projeto Neoliberal (que prevê a minimização do papel do Estado e práticas de gestão pautadas no gerencialismo, direcionando processos de privatizações, transferência de responsabilidade para o terceiro setor, �exibilizações das relações trabalhistas e minimização de direitos sociais historicamente conquistados, e, consequentemente, inviabilizando as respostas às expressões das questões sociais presentes no país). Essa dimensão contraditória, própria da sociabilidade capitalista, impõe limites aos processos de gestão social no país e aos pro�ssionais que ocupam esses espaços de atuação, executando dimensões fundamentais de planejamento, execução e avaliação de políticas, programas e projetos sociais. Conforme Santos e Nunes (2013), é nesse contexto que a gestão social busca o desenvolvimento de práticas mais gestionárias e de infraestrutura, e como novo campo de atuação do Serviço Social é importante re�etir, de forma crítica e propositiva, os desa�os de fomentar práticas efetivas de gestão social. Santos e Nunes (2013), por sua vez, sinalizam alguns desses desa�os, como veremos a seguir. Um primeiro aspecto a ser abordado diz respeito à dimensão das políticas públicas, especi�camente, no que se refere à universalidade dos direitos adquiridos, na continuidade de prestação de serviços de ação social e também no nível os serviços de ação social de caráter privado e não universais. Em um segundo ponto, os autores assinalam a dimensão do pensamento social, no qual o pensamento neoliberal manifestado nas políticas públicas prolifera e tende a ser acompanhado de racionalização, instabilidade e imprevisibilidade do mundo atual com reforço da subjetividade e do intuitivo em função das investigações sociais sólidas e com caráter reformador da gestão social (SANTOS; NUNES, 2013). A concepção de cidadania ativa se coloca como terceiro elemento desa�ante para a gestão social, já que ela é capaz de lidar com diferentes contextos sociais na atual conjuntura que vivemos. Assim, veri�ca-se que a fragilidade do cidadão é também a fragilidade do Serviço Social. É por isso que as dimensões da gestão social, aliadas aos valores individuais e aos valores do coletivo exigem do gestor social a apreensão de fundamentos teóricos e metodológicos sólidos, capazes de lidar com diferentes contextos e situações, assentados em modelos de organização de prática pro�ssional com perspectiva de intervenção social. Por �m, se demanda desta forma pensar a gestão social como um projeto pro�ssional que alia condições societárias e técnicas técnico-operativas. Isto é, competências e habilidades que proponham, orientem e trabalhem em função da Capítulo 1 mudança social, o que implica o exercício de ir além de rotinas pro�ssionais e de instrumentos metodológicos padronizados, que contribuam para a construção e solidi�cação da justiça social e a contínua diminuição da precariedade social, internacionalmente instalada, principalmente na América Latina. Podemos perceber que este movimento compreende um complexo entendimento analítico e crítico das novas teorias sociais, bem como da concepção ampla de gestão social, como uma nova forma de intervenção social. Dando mais elementos para nossa discussão é importante pensarmos a questão da subordinação de políticas sociais ao monopólio de poder das políticas econômicas. Essa dicotomia tem urgência em ser pensada e resolvida, já que, como a�rma Conh (1998), é nesse imbróglio que surge a necessidade e a urgência dos debates sobre desenvolvimento sustentável, pensando especialmente no desenvolvimento em nível local, considerando o contexto e os aspectos particulares de cada demanda. É no mesmo campo de re�exão que a autora supracitada a�rma que o Brasil não é um país pobre, mas um país injusto, porque mantém a reprodução de inúmeras desigualdades (CONH, 1998). Domesmo modo, por ser um país de dimensões geográ�ca e populacional, muito altas, deixa ainda mais complexos estes processos de gestão, especialmente da gestão social, dada às diferenças regionais existentes. É neste sentido que ressaltamos que a gestão social está frente a diferentes e complexos desa�os e enfrentamentos, por isso, retomaremos os modelos de gestão adotados por longo período e que têm se mostrado, cada vez mais, insu�cientes e improdutivos diante das particularidades e complexidades da sociedade atual. Além de tudo que foi mencionado até aqui, considerando como desa�os e enfrentamentos estruturais e sistêmicos para a gestão social, iremos pontuar a partir de agora alguns desa�os no âmbito da aplicação deste tipo de gestão, aqueles vistos como técnicos já na sua utilização. O primeiro desa�o pontual que podemos colocar é o da operacionalização, ainda que o tema tenha sido pouco abordado e despertado pouco interesse no âmbito acadêmico, tanto nas escolas quando nas produções literárias que ainda são escassas, sobretudo no que se refere aos trabalhos que lidam com conhecimento mais aplicado e técnico do assunto, ele nos desperta muitas questões sobre sua aplicabilidade e sua signi�cância para a gestão social. De acordo com França Filho (2003), são praticamente inexistentes os enfoques do tema, assim como as metodologias da gestão social estão ainda em momento de Capítulo 1 elaboração e construção, produto da ação de grupos que empreendem a práxis neste âmbito e buscam re�etir permanentemente as ações e suas experiências. O autor ainda re�ete que diante da escassez de referenciais teóricos e metodológicos vistos, e pela falta de articulação política com outros grupos, muitas iniciativas permanecem reproduzindo as lógicas gerenciais de empresas, reduzindo os conteúdos da ação e organização a atributos meramente técnicos (FRANÇA FILHO, 2003). Com isso, os resultados são, em geral, desastrosos, ligados à perda do sentido de seus projetos iniciais e aumentando a distância dos princípios da gestão social. Santos e Nunes (2013), em referência a Parton (2000), defendem a compreensão de novos paradigmas emergentes no Serviço Social e, de maneira ampla, nas Ciências Humanas e Sociais, que permitem uma abordagem pragmática, metodológica e prática do Serviço Social, diferenciando esta nova abordagem daquelas práticas conhecidas como tradicionais. Os autores elaboraram um quadro de comparação entre as abordagens, que veremos a seguir. QUADRO 4 – ABORDAGEM TRADICIONAL E NOVAS ABORDAGENS NA GESTÃO SOCIAL Abordagem tradicional Novas Abordagens Diálogos para explanação; Diálogos cooperativos; Procura da função do problema; Aceitar e validar as experiências pessoais; Procura das causas; Técnico e cliente são parceiros no processo; Focalização na história; Assumir as mudanças; De�nição de diagnóstico, categorização e caracterização; Diálogos para as mudanças e para a diferença; Capítulo 1 Encorajamento da de�nição da situação- problema ou de patologia; Procurar exceções e acontecimentos únicos; De�nição e compreensão dos “insights” e compreensão; Procurar competências e presumir habilidades; Procura de culpas; Procurar competências noutros contextos; Atribuições de características de personalidade; De�nir objetivos e resultados; O técnico acredita que o cliente tem di�culdade em cooperar; De�nir responsabilidades; O técnico é especializado, o cliente é não especializado. Apoiar movimentos de responsabilidade do sujeito. FONTE: Adaptado de Santos e Nunes (2013) Sabe-se que quando descaracterizamos o conteúdo de uma ação, a sua �nalidade acaba por se perder nesse movimento. Então, a lógica de instrumentalização do social caminha para servir e alimentar um novo nicho do mercado que é conformado por agências não governamentais e grupos de consultores que pouco se preocupam e se engajam em uma postura ética e compromissada com o coletivo, o que reduz a e�cácia da resolução de problemas e con�itos em médio e longo prazo. 1) Elabore um esquema com os principais desa�os da gestão social no Serviço Social apontados nesta seção, de modo a sistematizar as principais ideias apresentadas. Use a criatividade! Capítulo 1 Responder Se como a�rmou França Filho (2003), que a gestão social é um conceito ainda em construção, algumas preocupações e princípios, comuns na ação da maioria dos grupos, como a ética de conduta, valorização da transparência da gestão dos recursos, a ênfase na democratização das decisões e relações na organização nos levam em direção a uma nova cultura política que se dissemina por meio desses tipos de práticas e dessa noção essencial. A adoção dessas medidas e precauções representa signi�cativa mudança, já que as organizações que atuam no meio social ainda são muito marcadas por práticas de poder, fruto de uma tradição clientelista e personalista. Para França Filho (2003), esse aspecto é outro desa�o muito forte e presente na execução da gestão social. Estes são os dois maiores e mais signi�cativos desa�os impostos para a gestão social na sociedade atual. Sintetizando o pensamento até aqui, temos, de um lado, a emergência de construção de uma estrutura sólida de metodologias que preencham os requisitos básicos de uma gestão que seja integralmente comprometida com o social. É evidente que isso não implica que se descarte absolutamente o aparato de conhecimento técnico já existente e desenvolvido pelas ciências da administração que se orientam em base gerencialista e corporativa. De outro viés temos a necessidade premente de superar a cultura política tradicional presente no mundo das organizações sociais e, ainda, empreender parcerias efetivas e e�cientes entre poder público e sociedade civil organizada que reconheçam e estimulem o potencial dos grupos envolvidos, para além de uma atitude super�cial de instrumentalização da ação. É producente re�etir e reconhecer que a gestão social se refere ao planejamento e construção de algo no espaço público, seja societário ou estatal ou em algo que os correlacione, �rmando uma parceria e articulação entre sociedade e Estado. Desse Capítulo 1 modo, o aspecto político tem alta relevância neste entendimento, que permite não reduzi-la à esfera de ação e controle governamental. A gestão social, em si, nos encaminha as ações político-sociais das organizações, seja para atuarem ou agirem nos espaços públicos. Assim, compreendemos que não há possibilidade de reduzir o político ao governamental, o mesmo se veri�ca para a dimensão econômica, que não deve ser reduzida e submetida ao elemento mercadológico. Isso não apenas devido à �nalidade não lucrativa de empreendimentos sociais, mas pela própria essência dos recursos que são mobilizados pelas organizações como fonte de sustentabilidade. A tendência de apostar em dinâmicas e lógicas que transpassam os limites das ações instrumentais que o mercado dita no processo de se inverter a lógica de relação entre o social e econômico, na qual o �nanceiro deixa de ser a �nalidade e prioridade, acrescenta-se a importância do aspecto político. Por isso, a gestão social apresenta forte vocação para rede�nir os padrões estabelecidos tradicionalmente entre política e economia, em uma perspectiva de reconciliação entre os dois campos tão fundamentais e necessários na sociedade atual. Com a �nalidade de cooperação, o aspecto econômico se transforma em meio para adquirir todos os outros objetivos, como sociais, culturais, políticos e ambientais, ou seja, além da capacidade de transformar os objetivos e colocá-los em união, este é um pensamento que pode gerar novos caminhos metodológicos de execução da gestão social, levando a uma nova cultura cidadã democrática nas organizações. 2.2 GESTÃO SOCIAL: UMA QUESTÃO EM DEBATE Para continuar nossa busca pelo conhecimento e re�exões na grande área da gestão social, é importante saber que iremos voltar e avançar no debate algumas vezes, já que a discussão perpassa por diferentes níveis de compreensão e de retenção das discussõescolocadas. Nesta seara é importante iniciarmos entendendo e reforçando que a gestão social não é um conceito fechado e imutável em si. Como nova forma de gestão pensando no social, ela está em constante construção e também faz parte de disputas de poder sobre sua atuação no campo público e privado. Sendo assim, vamos relembrar que a gestão social se de�ne por uma perspectiva crítica e de ruptura com os modos de pensar que são dominantes na sociedade, na qual constrói caminhos de uma razão insurgente em face da ordem social capitalista. Desse modo, fala-se de buscar alternativas humanizantes e justas na gestão da vida no seu âmbito social, em um campo que se afasta e que se opõe aos projetos conservadores e totalitários, mas se aproxima de um projeto societário apoiado em valores consensuais e democráticos. Capítulo 1 Como vimos anteriormente, a gestão social possui diversas interpretações e de�nições, não sendo necessário adotar apenas uma, mas sim analisarmos quais são as suas con�uências e diálogos interessantes para nossa construção do conhecimento. Vamos apresentar mais uma de�nição, conceitualizada por Maia (2005 apud SILVA, 2013, p. 214), em que nos mostra: Compreendemos a gestão social como um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário emancipatório e transformador. É fundada nos valores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do enfrentamento às expressões da questão social, da garantia de direitos humanos universais e da a�rmação dos interesses e espaços públicos como padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em pacto democrático, nos âmbitos local, nacional e mundial; entre os agentes das esferas da sociedade civil, política e da econômica, com efetiva participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de distribuição das riquezas e do poder. Estes referenciais apontam a práxis da gestão social, enquanto mediação para a cidadania, que se contrapõe à perspectiva instrumental e mercantil que vem sendo dada a este tema. Na implantação do projeto neoliberal do capitalismo, a gestão social passa a ser enfatizada em um contexto histórico particular de implantação da estratégia neoliberal em todo o mundo, aprofundado a partir das diretrizes do Fundo Monetário Internacional – FMI – e do Banco Mundial. Especialmente no Brasil, a gestão social, utilizada na interpretação e na compreensão do chamado terceiro setor, ao voluntariado, às organizações da sociedade civil e ao próprio mercado passa a ganhar força na reforma neoliberal, em que se preconiza a redução do papel social do Estado e o fomento ao mercado globalizado. Qual sua opinião sobre o papel do Estado na administração das políticas sociais? Dentro desse campo foram adotadas medidas que abrangeram parcerias com a sociedade civil, com transferência de responsabilidades do Estado para agentes do mercado ou da sociedade e privatizações, como pôde ser visto com várias empresas antes estatais que passaram a ser de regime jurídico e administrativo misto, como a Petrobrás e o Banco do Brasil. É assim que foi se impondo o conceito de público, mas não estritamente estatal. Autores como Maia (2005) e Silva (2013) defendem a compreensão de uma esfera pública que não seja sinônimo de estatal, mas que busca ampliar o próprio Capítulo 1 entendimento de esfera pública. Por isso, trata-se de dar sentido público – de todos – às causas e lutas do social, de pensar a própria sociedade em seu âmbito coletivo, comunitário, com o maior nível de humanidade. Assim, converge no pensamento de entender as riquezas existentes como bens comuns, de todos, assim como o exercício de poder e a responsabilidade de zelar pelos bens que deveria ser de todos. É neste sentido que Maia (2005) e Silva (2013) defendem a concepção ampliada e abrangente do sentido público, para além da esfera estatal pensada em suas limitações. Contudo, sem deixar de analisar criticamente, é preciso ter atenção e cuidado para que a visão do público, como não necessariamente estatal, possibilite a liberação ou desobrigação da responsabilidade efetiva do Estado frente às políticas públicas e sociais, no enfrentamento às desigualdades. França Filho (2003), por exemplo, ensina que a expressão gestão social tem sido utilizada, nos últimos anos, como forma de identi�car as mais variadas práticas sociais de diferentes atores, não apenas governamentais, mas também de organizações não governamentais – ONGs – associações, fundações e outras iniciativas que partem do setor privado e que utilizam das noções de cidadania corporativa ou do grande tema da responsabilidade social das empresas. Que tal pesquisar sobre empresas privadas que aplicam o conceito de cidadania corporativa ou responsabilidade social publicamente? França Filho (2003) continua a�rmando que a emergência do uso do termo nas pautas do debate público e midiático pode indicar duas tendências. A primeira apontada é a da banalização do termo, ou seja, como esse termo tem sido invocado nas mais diversas interpretações e necessidade de maior solidi�cação conceitual. A crítica do pesquisador incide em que o universo das práticas sociais ganha um novo contorno para ilustrá-las, assim, tudo que não é gestão tradicional, passa então a ser pintado como gestão social. A segunda tendência apontada por França Filho (2003) é a re�exão sobre a maior visibilidade do termo que está ligado à própria ascensão e destaque das discussões sobre o terceiro setor, que demonstra o papel das organizações privadas que atuam com objetivos públicos. Desse modo, gestão social e terceiro setor passam a indicar novas formas de padrões das relações entre o Estado e a sociedade, como instrumento de confronto às problemáticas atuais presentes na sociedade. Capítulo 1 Mesmo que consiga sistematizar as tendências em torno do conceito de gestão social, França Filho (2003) lamenta que ainda que haja maior evidência do termo, gestão social, ele não está acompanhado de maior rigor e cuidado em seu tratamento, o que é considerado um desvio de sua própria função. As considerações do autor a respeito do termo �cam evidentes na Figura 6. FIGURA 6 – TENDÊNCIAS ATUAIS SOBRE A GESTÃO SOCIAL Adaptada de França Filho (2003) Continuando as re�exões, França Filho (2003) re�ete que: Se toda gestão, atualmente, é social, o que esperar de uma noção que assim se formula como – gestão social? Para além da necessidade de desconstrução, o termo nos convida também para apreensão de sua complexidade. Com isso, há a proposta de uma interpretação do conceito que absorva a dimensão do processo, ou seja, como a gestão opera suas ações, e a dimensão de sua �nalidade, ou seja, quais são os objetivos de uma gestão social. É nesta seara que se faz necessário considerar dois níveis de análise ou de percepção da gestão social: em um lado, o que a vê como uma questão da sociedade, e de outro, como uma modalidade especí�ca de gestão. Entendemos ser pertinente abordar em uma seção deste capítulo a dimensão da gestão social ser uma questão em debate, porque diversos autores já vêm pontuando isso. O que nos interessa aqui é apresentar a você, pós-graduando, o campo de debate sobre o tema e como ele é visto e compreendido por estudiosos, pesquisadores e pro�ssionais da área, pois aumentando seu campo de visão do tema, aumentará sua capacidade crítica de debater e construir as suas próprias concepções sobre o tema e suas especi�cidades a partir da sua necessidade. A gestão social, então, na atualidade é um recurso conceitual polissêmico, ou seja, possui várias conceitualizações e interpretações. É nesse sentido que a diversidade Capítulo 1 1. crescimento inteligente, para desenvolver economia baseada no conhecimento e na inovação; 2. crescimento sustentável, para promover economia mais e�ciente em relação à utilização de recursos ecológicos e mais competitivos; 3. crescimento inclusivo, para promover economia com níveis elevados de emprego, que garanta a coesão territorial e social.de noções, atribuições e contextos onde ele poderá ser aplicado nos direciona para re�etir sobre a di�culdade que pesquisadores da área têm enfrentado para encontrar um signi�cado que expresse toda a potencialidade do termo e que seja aceito e respeitado, no nível acadêmico e no nível pro�ssional. França Filho (2003) continua nos ensinando que tal di�culdade existe por conta da condição social atual que vivemos, bem como pelo que já foi apresentado no crescente interesse pelo ramo do terceiro setor, e sua implicação na organização socioeconômica de muitos países ocidentais. É nesta compreensão que a dimensão econômica do terceiro setor chama a atenção e se apresenta com um recurso muito importante a ser explorado, ou ainda, na produção de alternativas socioeconômicas inovadoras que revalorizam o potencial dos agentes sem �ns lucrativos na construção e oferta de bens e serviços que são direcionados ao bem comum e à reconstituição e solidi�cação da coesão social. França Filho (2003) nos traz o exemplo da urgência de criação de novas vagas de empregos para suprir a alta demanda de pessoas desempregadas, assim como de outros grupos de pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade, que se tornou um elemento básico na avaliação de políticas públicas, que demonstram a importância social e econômica do terceiro setor para sanar problemas sociais e econômicos urgentes. Essa preocupação também tem sido reconhecida e implementada em âmbito internacional, tendo em vista que, na Estratégia Europeia de Emprego, a agenda política da Comissão Europeia (2020) prioriza diretrizes para atingir a renovação social e econômica, por meio de três prioridades de�nidas que se reforçam de forma mútua. Descreveremos a seguir, as três necessidades, nos apoiando nas re�exões apontadas por Santos, Albuquerque e Almeida (2012): Faz-se necessário, para nossa compreensão, a partir do que foi a�rmado por Maia (2005), entender que as relações entre Intervenção social e Gestão Social assumem nova con�guração, sendo, assim, utilizados por autores como dois conceitos distintos, produtos do movimento contraditório de projetos sociais que caminham entre o desenvolvimento do capital e o da cidadania. Capítulo 1 É importante essa sinalização, já que a utilização e apropriação do termo Gestão Social está ligada, especialmente, ao campo de intervenção pro�ssional do Serviço Social, ligado aos aspectos estruturantes e funcionais da pro�ssão, mais ainda ao nível da gestão de equipamentos, com caráter organizacional e funcionalista que caminha por entre questões administrativas, alocadas em um campo de atuação institucional que obedece às lógicas de e�ciência que reproduzem os mecanismos da busca social e do mercado econômico. Maia (2005) nos ensina ainda que à Gestão social se atribuiu características já vistas na Administração Social, o que também incorre em um importante desa�o de interpretação, ou seja, a necessidade de distinção das duas sendas de atuação, já que se tem visto que elas ainda são utilizadas no âmbito do Serviço Social como se fossem idênticas e atuassem de forma igual. Para Nunes (2014), ainda que as práticas da gestão social e da administração social partilhem aspectos comuns, eles possuem características próprias que os diferem ao nível de estratégias e �nalidades da intervenção e atuação social. Conti (2010) a�rma que no âmbito da globalização devemos pensar o neoliberalismo para avaliar a Gestão Social, e traz Dowbor (1999b) para o debate que realiza críticas ao modelo neoliberal de organização econômica e social que vigora desde a década de 1980 como pensamento único de gestão. O mesmo autor explica que, segundo dados da Organização das Nações Unidas – ONU – o neoliberalismo trouxe crescente desigualdade para os cidadãos não apenas dos países chamados de terceiro mundo, mas para os ricos também. Globalização é um conceito desenvolvido a partir da década de 1980 para designar os processos de intensa integração econômica e política internacional, fortemente marcado pelo avanço nos sistemas de transporte e comunicação. De acordo com Dowbor (1999b), não é possível justi�car a ideia de que a sociedade esteja à margem do setor produtivo. O social se tornou importante fonte de lucros, seja pelo �orescimento da indústria cultural, dos serviços privados de saúde e pela vasta gama de empresas terceirizadas que possuem diversos objetos de consumo dos setores emergentes da sociedade. Conti (2010) a�rma que com a propulsão do que foi chamado de capitalismo criativo e da necessidade de informação para a expansão dos negócios, o Capítulo 1 investimento social deixa de ser algo supér�uo e eventual para ser encarado como meio e objetivo da vida coletiva. O chamado terceiro setor pode representar uma nova forma de conectar a sociedade ao Estado e às empresas privadas, com o objetivo de proporcionar ao cidadão um lugar de maior protagonismo no circuito de gestão. Desse modo, há de se superar as medidas consideradas paliativas do neoliberalismo, visando que a administração pública seja mais democrática e justa. É neste sentido que a área social deve ser gerida como bem público e, de preferência, contar com forte participação, seja local e regional na formulação e viabilização das ações públicas. Assim, a descentralização pode trazer resultados satisfatórios com a demanda de que as redes formadas pelas ações sociais sejam de caráter multidisciplinar e abertas à participação de diversos setores organizados da sociedade civil. Conti (2010), em referência a Carvalho (2001), dialoga que a partir da questão da descentralização e da gestão compartilhada existem aspectos fundamentais, que são: FIGURA 7 – ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA GESTÃO COMPARTILHADA Adaptada de Conti (2010) O primeiro passo prevê a ênfase na ação local, pois acredita-se que o processo de globalização reforçou a importância relativa dos lugares como mobilizadores políticos e econômicos. No segundo aspecto, da articulação e complementariedade entre as diferentes esferas do governo, compreende-se que os atores globais e locais passam a ter extrema importância na gestão social. Capítulo 1 No que se refere ao processo de gestão em rede, a sua importância se dá na construção de vínculos democráticos e horizontais com diversos setores da sociedade. Por �m, a �exibilização dos programas e serviços tem como �nalidade dar melhor atendimento às demandas especializadas de cada contexto em que a gestão social atue. Conti (2010) orienta que esse processo deve ocorrer em um cenário com pouca burocratização e com transparência nas decisões, de modo que possa preservar o princípio da subsidiariedade, que defende que as questões sociais ou políticas de uma sociedade devem ser resolvidas no plano local mais imediato que seja capaz de resolvê-las, bem como deve preservar a ética e o pluralismo como princípios fundantes da ação pública. É assim que a gestão social moderna deve ser capaz de ultrapassar o enfoque limitadamente focalista e mercantil do neoliberalismo, para articular um ponto em comum que seja criativo entre o universalismo necessário para o desenvolvimento de base democrática e a especialização necessária para a e�ciência das políticas públicas. E no mesmo campo de discussão sobre a gestão descentralizada, Tenório (2007, p. 89) contribui com o pensamento de que “entendemos a gestão social como processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação”, isso quer dizer que é necessário que haja um processo de construção democrática baseada no diálogo entre os envolvidos entre a ação e o Estado. Em outra perspectiva, Singer (1999) compreende a gestão social sob a dicotomia capital versus trabalho. Para o autor, o desa�o da gestão social está, principalmente, em organizar o maior número de excluídos para que conjuntamente possam ter acesso a recursos econômicos, e mais, ter apoio para gerar trabalho e renda. É nesse seio que a gestão social é caracterizada quando a ação individual não
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