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Oliveira, Fabrício Augusto Economia e Política das Finanças públicas no Brasil um guia de leitura Capitulo 1

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12 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
 
 
ESTADO E PRODUÇÃO DE BENS PÚBLICOS 
 
NO PENSAMENTO ECONÔMICO* 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 13 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Desde a sua formação, o Estado moderno não mais parou de crescer. Desfrutando de um 
poder absoluto nas suas fases iniciais, mas com acanhada estrutura material, institucional e 
financeira, evoluiu, nos períodos seguintes, para estender seu domínio e ampliar o controle 
sobre a sociedade civil em todos os campos da vida econômica e social, ao ser legitimado 
como instrumento de organização e de realização da humanidade e ao completar o 
processo de constituição de suas estruturas, com a profissionalização das forças armadas e 
o avanço da burocracia. 
 
 Tendo se tornado senhor da moeda e garantido o financiamento de suas atividades 
com a cobrança de impostos consentidos, ao ser legitimado politicamente, viu caírem as 
barreiras que ainda limitavam sua ação no campo econômico com a grande crise do 
sistema capitalista da década de 1930, quando as idéias keynesianas justificaram sua maior 
intervenção na economia para “salvar” o sistema da derrocada. De lá para cá, aumentou 
consideravelmente seu poder de extração de receitas da renda e da riqueza geradas nas 
economias em geral, as quais atingiram, em alguns casos, mais de 40% deste total, um 
nível impensável, quando, apesar de apoiado em um poder absoluto, de origem divina, 
engatinhava no processo de sua formação, limitado por condições financeiras, materiais e 
institucionais. 
 
 Apesar dessa trajetória, a importância e o papel que o Estado tem desempenhado 
para a reprodução do sistema econômico capitalista não conquistaram unanimidade no 
pensamento econômico. Vilão para alguns, à medida que, de sua ação, acredita-se, geram-
se ineficiências para o sistema econômico, o Estado deveria limitar-se, nessa visão, a 
desempenhar poucas atividades, apenas cuidando da ordem e da segurança interna e 
externa e protegendo os direitos da propriedade. Considerado, por outros, como 
indispensável para garantir as condições de reprodução do sistema e evitar o seu colapso, 
pelas contradições que este encerra, ao Estado, para cumprir sua sina e tornar vitorioso o 
capital, deveriam ser atribuídas bem mais atividades do que as preconizadas por seus 
oponentes. Em meio a este debate, onde ora predomina uma ou outra dessas posições sobre 
a dimensão e os papéis que lhe cabem, o fato é que o Estado não parou de avançar e de se 
consolidar como instrumento de organização da sociedade e de garantia da reprodução do 
sistema, criando as condições necessárias para tanto, mesmo quando retornaram 
revigoradas, nas últimas décadas do século XX, as vozes que se opõem à sua presença na 
economia. 
 
 Este capítulo é dedicado a analisar a evolução do papel do Estado ao longo das 
fases marcantes do desenvolvimento do capitalismo, bem como as mudanças que 
ocorreram em suas formas de atuação. Para tanto examina, na segunda seção, a evolução 
dessa forma de “enxergar” o Estado pelo pensamento econômico dominante, as revisões 
nele operadas à luz dessas transformações, bem como os argumentos teóricos utilizados 
para justificar o aumento ou redução de suas atividades. Na terceira apresenta, como 
contraponto a este pensamento, a visão marxista sobre o papel do Estado, que entende sua 
essência como elemento associado ao capital e seus movimentos pendulares como 
resultado da necessidade de dar respostas às demandas do sistema para garantir sua 
reprodução. Na quarta, faz um balanço “livre” dessas posições, procurando colher 
elementos que melhor permitam entender sua natureza, dinâmica e tendências. Na quinta, 
analisa, em linhas gerais, a evolução do Estado na economia brasileira, procurando 
 14 
apreender como os elementos dessas teorias influenciaram sua conformação, tamanho e 
natureza e refletiram-se nas suas estruturas de financiamento e de gastos. 
 
 Desvelar a essência do Estado, com essa leitura, é importante para o propósito 
deste trabalho que é o de identificar tanto os determinantes de seus gastos (e de seu 
crescimento) como as fontes de onde retira recursos para o seu financiamento, bem como a 
que situação pode conduzir este processo no estágio atual de desenvolvimento do 
capitalismo, em que sua forma de atuação se encontra sob forte questionamento pela teoria 
econômica dominante e pelo mundo dos negócios. 
 
 
2. A EVOLUÇÃO DO ESTADO NO CAPITALISMO E O PENSAMENTO 
ECONÕMICO DOMINANTE 
 
 O Estado cumpre na sociedade, desde a sua origem, determinados papéis que 
variam em função de sua inserção na realidade histórico-concreta. Para desempenhá-los 
precisa ele de dispor de um determinado montante de recursos que serão utilizados para o 
funcionamento da máquina pública, a manutenção das forças armadas, o pagamento de 
seus funcionários e para a realização de obras demandadas pela sociedade. A dimensão dos 
recursos de que necessita varia, assim, em função da dimensão e da amplitude do papel 
que desempenha nessa realidade. Papel que se amplia ou se estreita, à medida que se 
modificam as condições de reprodução do capital, as quais, por sua vez, refletem-se sobre 
a sua natureza e sobre a sua forma de atuação. 
 
 Segundo Musgrave & Musgrave (1980, Cap. 1), que atribuem grande importância 
às falhas do mercado para explicar sua forma de atuação, “…há explicações ideológicas, 
sociais e políticas [para justificar tanto os papéis que cumpre como o seu tamanho], mas o 
fato é que o mecanismo do sistema não pode desempenhar sozinho todas as funções 
econômicas. A atuação governamental é necessária para guiar, corrigir e suplementar este 
mecanismo em alguns aspectos, o que torna o tamanho apropriado do setor público uma 
questão técnica ao invés de uma questão ideológica.” 
 
 A posição desses autores representa a síntese de um período da história do 
capitalismo onde houve o predomínio de determinadas correntes teóricas sobre a 
importância do papel do Estado para corrigir essas falhas e para fortalecer e consolidar o 
sistema capitalista. Nessa perspectiva, ao Estado caberia desempenhar determinadas 
funções – alocativa, estabilizadora e distributiva -, indispensáveis para um eficiente 
funcionamento do sistema, as quais o mercado, pela sua natureza, não seria capaz de 
cumprir. 
 
 Nem sempre, entretanto, essas idéias prevaleceram ao mesmo tempo, assim como 
também nem sempre os papéis por ele desempenhados integraram o corpo teórico do 
pensamento dominante. Houve períodos na história do capitalismo em que o papel do 
Estado consistiu precipuamente em criar e garantir as condições para o triunfo do capital, 
ainda que isso implicasse restrições à sua liberdade. Em outros, quando muito se admitia o 
desempenho de sua função alocativa para prover a sociedade de bens que o mercado não 
seria capaz de produzir, deixando o capital livre das amarras que aparentemente prendiam 
seus movimentos ao Estado. Assim como houve períodos em que não somente essas 
funções foram ampliadas como também lhe foram conferidas atribuições de forte 
regulação da vida econômica para impedir que a concorrência intercapitalista conduzisse o 
 15 
sistema ao colapso. A partir da década de 1980, depois de um longo período de regulação e 
de ampliação dos papéis do Estado, ressurgiram, com força, as teses antiestado e anti-
regulamentação, sob o argumento de que sua intervenção provoca mais prejuízos para o 
sistema do que o mercado com suas falhas. Tese que não levou muito tempo para 
novamente ruir, diante dos estragos produzidos pelas políticas neoliberais e, 
posteriormente, com a crise financeira sistêmica provocada pela “bolha” das hipotecas nos 
EUA na segunda metade da primeira década do século XXI. 
 
 Desse breve relato, pode-se inferir que as funções do Estado tendem a se modificar 
historicamente.E, como num movimento pendular, fases de liberdade econômica tendem a 
se alternar com fases de maior regulação, modificando-se seus papéis. E mais: a 
legitimação de sua forma de atuação encontra, em cada um destes períodos, respaldo em 
um conjunto de explicações teóricas que a sustentam e justificam. Por isso, para entender 
as transformações qualitativas operadas em seu aparelho e nas suas formas de atuação, 
torna-se necessário acompanhar sua trajetória à luz das grandes mudanças ocorridas no 
modo de produção capitalista, desde o seu nascimento até os dias atuais, e analisar como o 
pensamento teórico dominante, que em alguns períodos condenou sua intervenção no 
campo econômico, em outros a justificou como necessária para revitalizar suas forças, 
utilizando os mesmos argumentos que antes combatera. 
 
2.1. O Estado e as fases de desenvolvimento do capitalismo 
 
 A análise feita em seguida sobre os papéis desempenhados pelo Estado e as 
transformações ocorridas em seu aparelho percorre quatro fases marcantes de 
desenvolvimento da sociedade capitalista: a) a do período conhecido como Mercantilismo, 
que corresponde ao momento em que se gestam as condições necessárias para a 
emergência do capitalismo; b) a do período do capitalismo concorrencial, onde 
predominam os ideais da doutrina liberal, da liberdade de escolha para o capital em 
oposição à forte regulação do período anterior; c) a do período do capitalismo monopolista, 
onde novamente o Estado é convocado para intervir e regular o funcionamento do sistema; 
e d) a do capitalismo mundializado (globalizado), onde retornam, com força, as idéias de 
desregulamentação e de maior liberdade para o capital. 
 
 Se é possível fazer uma analogia dessa evolução com as fases do desenvolvimento 
da vida humana, podemos identificar no mercantilismo a infância do capitalismo, o 
período em que, chegando a um mundo desconhecido e, às vezes hostil, o capital (ou a 
criança) precisa contar essencialmente com proteção para nele se situar e se instalar, o que 
encontra no Estado (ou no pai). No capitalismo concorrencial, a sua adolescência, período 
de rebeldia em que, se sentindo capaz de andar com suas próprias pernas, dispensa a tutela 
do pai (do Estado) e se aventura por caminhos ignotos, como dono do mundo. No 
capitalismo monopolista, a fase de maturidade, em que se retorna ao lar, reconhecendo a 
importância do pai (do Estado) para a travessia da longa jornada da vida com menores 
riscos e conflitos. No mundo globalizado, a terceira (ou quarta) idade, em que se 
mesclam sonhos juvenis de liberdade com a percepção dos sinais de outono, e, sentindo-se 
privado de limites, quer-se reviver projetos e ilusões que se mostraram inviáveis, em outros 
períodos, desprezando os riscos que isso representa. 
 
2.1.1. O Estado no Mercantilismo: a infância 
 
 16 
 A história da sociedade capitalista revela que as funções assumidas pelo Estado na 
economia expandiram-se consideravelmente a partir do século XX e, mais 
especificamente, das adversidades resultantes da crise de 1929, que induziram alguns 
governos a acionar a máquina pública, visando atenuar os efeitos deletérios engendrados 
sobre o nível de renda e de emprego da economia. Roosevelt nos EUA, ancorado no pacto 
social e democrático do "New Deal", e Hitler, na Alemanha, que atemorizou o mundo com 
os horrores do nazismo, constituem exemplos conspícuos da forma como o Estado, embora 
em direções distintas, entronizar-se-ia na vida econômica e social de forma crescente, 
antecipando, em alguns casos, as formulações keynesianas sobre o papel que lhe caberia 
desempenhar diante de situações de crise enfrentadas pelo sistema. 
 
 Antes da crise de 1929, em plena vigência da doutrina liberal, eram restritas as 
funções atribuídas ao Estado. Segundo preconizava essa doutrina, o Estado deveria evitar 
imiscuir-se na vida econômica, sob pena de reduzir a eficiência do sistema. Era 
imprescindível, nessa perspectiva, que os mecanismos de mercado operassem sem 
restrições, sendo o Estado visto como um mero agente consumidor improdutivo e, como 
conseqüência, a atividade governamental como um mal necessário. Em virtude disso, era-
lhe reservado o papel de guardião do sistema, o qual se restringia ao cumprimento das 
tarefas de mantenedor da ordem e da segurança do país, oferecendo e fornecendo serviços 
de defesa, justiça, diplomacia e algumas poucas obras públicas. 
 
 O arcabouço teórico que dava amparo à tese de que o Estado deveria ter uma 
atuação passiva na economia tinha suas raízes plantadas nas idéias liberais que se 
consolidaram no século XVIII e que representaram um libelo contra a doutrina 
mercantilista, que imperou durante o período que separa a Idade Média do liberalismo, e 
que demarca, historicamente, a época em que ocorre a acumulação primitiva do capital. 
Neste período, também conhecido como Mercantilismo, dado o predomínio do capital 
mercantil sobre o capital industrial, o Estado, ao contrário daquele que o sucederá, 
exerceria um papel tão amplo quanto agressivo na vida da sociedade. 
 
 Corresponde o Mercantilismo ao período em que se gestam as condições 
requeridas para o advento da sociedade capitalista. É, portanto, um período de transição, 
que retém elementos tanto do modo de produção anterior - o feudal - como do que estava 
para se instaurar - o capitalista. Mas para liquidar os resquícios do mundo medieval, que 
entravavam o desenvolvimento da produção, foi necessário romper com dogmas e crenças 
vigentes e quebrar a coluna dorsal das forças que se opunham às mudanças que abririam o 
caminho para colocar a produção da riqueza material e do enriquecimento como valor 
supremo do homem. 
 
 Não foi um processo simples, linear e nem coincidente, no tempo, nos países que o 
percorreram. Pelo contrário, foi um processo longo, que exigiu mudanças na visão 
predominante de mundo sobre o fim da vida social e do Estado, lutas contra as forças 
políticas que sustentavam e se beneficiavam do sistema dominante, e criação das 
condições econômicas e também de infra-estrutura necessárias para viabilizar a nova 
perspectiva de vida e de realização da humanidade que brota deste período. Para Denis 
(1974:98), com as idéias mercantilistas “... teremos, pela primeira vez, diante de nós, uma 
teoria da sociedade que se desenvolve essencialmente no âmbito da economia, dado que o 
fim da vida social [passa a ser] concebido com um fim econômico e que [...] os meios 
encarados para realizar esse fim são também econômicos.”. Condenado pela igreja, a busca 
 17 
pelo lucro oriundo das atividades comerciais e financeiras transforma-se, a partir deste 
período, em atividade indispensável para o homem alcançar a felicidade. 
 
 A construção da riqueza depende, contudo, nessa doutrina, da participação decisiva 
do Estado, o qual, por sua vez, necessita dessa mesma riqueza para seu fortalecimento. 
Para os mercantilistas, o enriquecimento de um país é dado pelo lucro do comércio e da 
indústria, que, para se materializar, depende do desenvolvimento das atividades 
exportadoras, com as quais se garante o fluxo e a abundância de metais (moeda) para a 
expansão dos empréstimos essenciais para o desenvolvimento. E é dessa mesma riqueza 
que se alimenta o Estado, de acordo com Denis (1974:107) para aumentar seu poder, dado 
que é dela que obtém receitas para formar exércitos e constituir tesouros de guerra. Os 
interesses dos mercadores – a busca pelo lucro – se confundem e se misturam, nessa visão, 
com os interesses do próprio Estado na busca por maior poder. 
 
 A criação das condições objetivas para a produção dessa riqueza dependia, 
também, da reunião crescente de homens no mercado de trabalho, da implementação de 
políticas específicas voltadas para o desenvolvimento do comércio e da manufatura, da 
integração do mercado nacional. Insuficientemente forte para comandar essas mudanças, aburguesia comercial alia-se e se apóia no Estado – e o instrumentaliza – para liquidar com 
o particularismo regional fundado na existência da economia natural e nas deficientes vias 
de comunicações e para garantir a delimitação das fronteiras nacionais, indispensável para 
a implementação dessas políticas. 
 
 Tarefa de tal envergadura, só poderia ser realizada por um Estado forte. É isso que 
explica porque as idéias mercantilistas, favoráveis ao fortalecimento do Estado, mantêm 
uma admirável coerência, uma unidade irrepreensível de pensamento, evidenciando-se em 
todas as obras de seus representantes. Não sem razão o Estado atua, nessa época, como o 
termômetro da sociedade, como o seu grande regulador, imiscuindo-se em áreas tão 
variadas quanto abrangentes, tais como as que se referem, inter alia, ao controle exercido 
sobre os salários, à promulgação de leis sobre o desemprego, à concessão de monopólios 
para a exploração de determinadas atividades, ao mesmo tempo em que é ele quem 
comanda as grandes conquistas coloniais. Nas palavras de Faoro (2000:70), nesse período, 
 
 “o Estado organiza o comércio, incrementa a indústria, assegura a 
apropriação da terra, determina salários, tudo para o enriquecimento da 
nação e o proveito do grupo que a dirige. O mercantilismo opera sob tal 
constelação, como agente unificatório e centralizador, versado contra o 
disperso e universal mundo da idade média. O Estado, desta forma elevado a 
uma posição prevalecente, ganha poder, internamente contra as instituições e 
classes particularistas, e, externamente, se estrutura como nação em 
confronto com outras nações. Do seu seio, mediante este estímulo, floresce o 
absolutismo, consagrado na razão do Estado.” 
 
 
 Com o fortalecimento do Estado, amplia-se o poder do monarca e, com a igreja 
minada em suas forças, transfere-se para ele o poder divino. De acordo com Denis 
(1974:99) “a nova filosofia política é oposta à concepção católica do Estado defendida na 
Idade Média, porque faz do Estado uma força autônoma e não uma realidade subordinada 
à igreja.” Nessa época, em que não havia separação entre a esfera pública e a esfera 
privada e o governante era identificado com o governo, Estado e rei se tornam absolutos. 
Fundado no poder divino, o rei dispõe de poderes ilimitados. Segundo Soboul (1981: 
Cap.2): “o rei é a fonte de toda a justiça; de toda a religião; de toda atividade 
 18 
administrativa; da guerra e da paz.” Estado e governante fundem-se, portanto, numa única 
entidade, ungida pelo poder divino. É isso que permite compreender a célebre síntese dessa 
situação feita por Luís XIV, rei da França entre 1661 e 1715, ao afirmar que “l’état c’est 
moi” (“O Estado sou eu”). 
 
 Este excessivo poder do Estado constituirá a razão que conduzirá ao seu 
enfraquecimento, ao despertar e impulsionar resistências à liberdade com que contava para 
cobrar tributos e contrair vultosos empréstimos para o financiamento de suas atividades e 
dos governantes, tornando-se, com isso, um crescente obstáculo para o desenvolvimento 
das atividades produtivas. As revoluções inglesa de 1648 e de 1688, assim como a 
revolução francesa de 1789, representam, na história, pontos culminantes das resistências 
que foram surgindo e crescentemente se opondo ao Estado absolutista, as quais, com sua 
derrocada, vão imprimir nova feição ao Estado, separando-o, definitivamente, da figura do 
governante e estabelecendo mecanismos de controle da sociedade sobre suas formas de 
atuação e de decisões tomadas sobre gastos e cobrança de tributos. As transformações que 
se operaram nas condições econômicas, políticas e intelectuais, neste longo período em 
que o Estado absolutista predominou, encontram-se na base que deu origem à nova 
concepção – e configuração – do Estado que brota no século XVIII. 
 
2.1.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial: a adolescência 
 
Enquanto o sistema capitalista avançava na construção de suas bases, a existência de um 
Estado forte, com grande poder regulatório e intervencionista na vida social e econômica 
do país, revelou-se altamente funcional para os objetivos da burguesia nascente. À medida, 
entretanto, que o capitalismo sentiu-se suficientemente confiante para andar com os seus 
próprios pés, dispensou essa tutela, apontando-a como contrária aos seus interesses e à sua 
indispensável liberdade para garantir mais rapidamente, em escala crescente, a sua 
reprodução. Com essa mudança, a liberdade de que desfrutava o Executivo, na figura do 
monarca, para impor sua vontade, viu-se enfraquecida e sua atuação limitada a poucas 
atividades. O avanço das idéias que se opunham ao absolutismo, associado ao surgimento 
das explicações mecânicas do mundo combinaram-se para dar lugar à construção das bases 
da teoria econômica, onde ao Estado estaria reservado papel importante, mas 
complementar às forças endógenas de reprodução do sistema. 
 
 No plano político, as obras de Hobbes, Locke e Montesquieu reforçaram a 
importância do Estado na organização da sociedade, mas separando-o do governante, ao 
descartarem o direito divino que mantinha estes elos e criarem meios para proteger a 
sociedade civil do poder arbitrário do soberano. Da obra de Montesquieu, O espírito das 
leis, sairia a fórmula que asseguraria o triunfo definitivo do Estado, mas representaria, ao 
mesmo tempo, um antídoto contra o seu poder absoluto, ao dividir e distribuir sua 
soberania entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (Cf. van Creveld, 2004:cap. 3). 
Com a separação Estado/governante, a esfera pública desprendeu-se da esfera privada, 
surgindo, para a sociedade, instrumentos e canais para influenciar e controlar a tomada de 
decisões do Estado. Legitimado politicamente, este, em que pese ter sua atuação cerceada 
no campo econômico, neste período, estendeu e ampliou rapidamente seu domínio e 
controle sobre a sociedade civil em diversos campos, como os da segurança, oferta de 
determinados serviços e regulamentação de várias atividades. A constituição de sua 
ossatura material e o crescimento da burocracia, juntamente com a profissionalização das 
forças armadas à sua disposição, garantiriam a firmeza desta trajetória. Segundo Creveld 
(2004:369-370), que resume bem essa trajetória, o Estado 
 19 
 
“Quando viu a luz do dia pela primeira vez, era relativamente 
pequeno e fraco, a ponto de alguns governantes 
megalomaníacos o olharem de cima e afirmar que era idêntico à 
sua própria pessoa. De então em diante, foi crescendo 
incessantemente. A cada estágio, destacava-se da sociedade 
civil e se elevava acima dela. Ao fazê-lo, encomendava mapas e 
usava-os para fazer declarações políticas sobre si mesmo; 
aumentou os impostos e, o que talvez seja mais importante, 
concentrou-os em suas mãos. Para completar seu predomínio, 
criou forças policiais e de segurança, prisões, forças armadas e 
órgãos especializados, responsáveis pela supervisão da 
educação e do bem estar social...”. 
 
 
 Por outro lado, à medida que o comércio e a indústria se desenvolviam, 
fortalecendo econômica e financeiramente a burguesia, mais esta passava a prescindir 
do apoio do Estado para ultimar seus objetivos. Com a realidade objetiva se 
transformando, novas idéias sobre o comportamento dos fenômenos da natureza foram 
surgindo. As explicações mecânicas do mundo defendidas por Galileu, Descartes e 
Locke desmontam a idéia aristotélica da imutabilidade do ser, ao demonstrarem, nas 
palavras de Denis (1975:140) que “os movimentos [...] não se devem explicar pela 
natureza ou pelas qualidades dos seres, mas como efeitos de certos choques ou de 
impulsões comunicados do exterior às coisas”, método que tornaria possível prever um 
grande número de fenômenos, por meio de fórmulas matemáticas relacionando suas 
causas e efeitos. Foi com esse avanço da ciência que se abriu a possibilidade, que teve 
como precursores, na economia, os pensadoresda escola conhecida como fisiocracia, de 
se aplicar aos fatos humanos os métodos da física. Existiria, nessa perspectiva, uma 
“ordem natural”, que regula os movimentos dos seres, sendo possível compreendê-los 
por meio da investigação de suas relações de causa e efeitos, apesar de seu controle 
direto não estar ao alcance do homem. 
 
 Apoiados nessa visão, os economistas clássicos (Smith, Ricardo, Mill) 
procuraram compreender o funcionamento do organismo econômico, como se esse 
fosse governado por “leis naturais”, as quais, se não subvertidas por fatores externos, 
seriam capazes de garantir a eficiência do sistema. Na imagem celebrizada por Smith 
existiria uma "mão invisível" que se encarregaria de promover a melhor alocação de 
recursos da economia e de conduzi-la para um ponto de equilíbrio “natural”, desde que 
assegurada a liberdade também “natural” do comércio (a concorrência) e se mantivesse 
o Estado – uma força externa a este organismo – à distância deste mundo. Neste caso, 
dispondo cada um de “liberdade” para escolher e decidir sobre suas atividades e 
negócios e de realizar livremente trocas no mercado, mecanismo que corrigiria falhas e 
desvios cometidos pelos agentes econômicos nas suas decisões de produção, consumo, 
trabalho etc. – seriam alcançadas a eficiência e a felicidade individual, traduzindo-se em 
benefícios para toda sociedade. O mercado disporia, nessa perspectiva, de mecanismos 
estabilizadores automáticos, por meio da concorrência, capazes de corrigir seus 
desequilíbrios e garantir eficiência se não sofresse interferências externas. 
 
 Em suas obras, portanto, as variáveis econômicas apresentam-se como dotadas 
de valores da natureza – valor natural do trabalho, taxa natural de juros, equilíbrio 
natural da economia -, cujo curso poderia, contudo, conhecer desvios de suas 
“tendências naturais” em decorrência de fricções e entrechoques provocados por 
 20 
problemas surgidos no curso da acumulação, caso, por exemplo, dos efeitos provocados 
por uma situação de escassez ou abundância da força de trabalho sobre os salários e 
sobre os lucros. Por isso, a preocupação dos economistas clássicos será a de investigar 
as leis que determinam a distribuição da renda entre as classes da sociedade envolvidas 
no processo de produção – trabalhadores, capitalistas e proprietários de terra – e sua 
influência/efeitos sobre o processo de acumulação de longo prazo. 
 
 Todos os seus esforços são voltados, diante disso, para identificar a fonte de 
valor das mercadorias e as leis que determinam sua distribuição entre os salários, os 
lucros e a renda da terra, bem como os fatores que a modificam, durante o processo de 
crescimento, provocando desvios de sua “tendência natural”, com prejuízos para a 
acumulação. Mas, apesar dessas inevitáveis fricções, se o Estado não se imiscuísse neste 
processo, o organismo econômico, por meio de suas leis naturais, seria capaz de corrigir 
esses desvios e recolocar a economia em sua trajetória natural. Era, para o que nos 
interessa, a senha para se pôr cobro à sua liberdade de intervir na vida econômica, tão 
defendida pelos mercantilistas. 
 
 Este edifício da economia, no qual não havia lugar para o Estado, recebeu 
contribuições de vários autores em sua construção. Comandado por uma “mão 
invisível”, ou por leis naturais, o sistema contaria com mecanismos estabilizadores 
automáticos que garantiriam uma situação permanente de equilíbrio. Neste sistema, não 
havia lugar para a ociosidade do capital e nem crises gerais, já que a Lei de Say, 
também incorporada ao modelo teórico de Ricardo, assegurava que toda produção 
encontraria mercado; a flexibilidade dos preços, salários e taxas de juros, bem como a 
ausência do Estado no interior deste organismo, garantiam a correção de eventuais 
desvios da trajetória de equilíbrio da economia; e a igualação da taxa de lucro, 
determinada pela concorrência, aparecia resolvendo, por sua vez, os conflitos entre os 
distintos tipos e dimensões do capital (industrial, agrícola, financeiro etc.) e garantindo 
a reprodução do sistema. Apesar das inevitáveis fricções que poderiam surgir, mantida a 
liberdade de cada um de buscar seu interesse pessoal, essa seria o motor (a força, ou 
alavanca) que movimentaria a roda da produção da felicidade geral, beneficiando a 
sociedade como um todo. 
 
 É importante fazer uma distinção sobre o conceito de eficiência utilizado por essa 
escola da economia, denominada clássica, pois este conhecerá modificação substantiva nas 
escolas que surgirão nos períodos seguintes, conhecidas como neoclássica e novo-clássica. 
 
 Como mostra Ramalho Jr. (2006), o conceito de eficiência, na escola clássica, é 
resultado “... da liberdade de ação que possui o indivíduo de poder escolher e se dedicar à 
atividade em que apresenta maior habilidade e produtividade.” É essa lógica que encontra 
no mercado (a mão invisível de Smith) os elementos para a correção de erros de avaliação 
e de desvios cometidos pelos agentes econômicos, o que garante eficiência máxima para o 
sistema, traduzindo-se em benefícios para o conjunto da sociedade. 
 
2.1.2.1. Abrindo uma exceção para o Estado em nome da eficiência: os bens públicos 
 
 Na construção deste edifício, percebeu-se, contudo, que nem tudo poderia ser 
produzido e ofertado pelo mercado, já que este não era capaz de captar e transmitir, para 
certos tipos de bens, os sinais dos consumidores para o sistema produtivo, o que, se não 
corrigido, geraria ineficiência para o sistema como um todo. Era o caso, por exemplo, de 
 21 
alguns bens e serviços que apresentavam características distintas dos que são produzidos 
pelo setor privado, por não serem divisíveis para o consumo individual e, por essa razão, 
não serem capazes de fornecer os elementos para o cálculo de custos, preços e volume 
produzido necessários para a determinação da taxa de lucro, motor primus do sistema. 
 
 Essenciais para sua eficiência, a responsabilidade pela produção destes bens de 
consumo coletivo – chamados modernamente de bens públicos – passou a ser atribuída ao 
Estado, com o seu financiamento sendo garantido pela cobrança de impostos gerais. A 
condição para que isso fosse possível, era a de que o Estado não deveria incorrer em déficit 
orçamentário, operando, portanto, com contas equilibradas, um dos pilares que sustentava 
a visão de equilíbrio geral do sistema. Da construção da teoria econômica, apoiada nos 
ideais do liberalismo, derivou-se, assim, uma função específica para o Estado, mais 
modernamente conhecida como função alocativa, justificada pela existência de falhas 
apresentadas pelo mercado na produção de bens e serviços de consumo coletivo. Pelo que 
representa na trajetória do Estado, convém explicitar melhor o seu significado, bem como 
as diferenças e características do que aqui chamamos de bens públicos e bens privados. 1 
 
 A função alocativa atribuída ao Estado surgiu, neste novo corpo teórico, como 
resultado do reconhecimento da incapacidade do mercado de suprir a sociedade de bens e 
serviços de consumo coletivo, tais como os conhecemos na atualidade: defesa e segurança 
públicas, iluminação de ruas e avenidas, proteção ambiental, etc. Isso porque, como o 
consumo desses bens e serviços por determinado(s) indivíduo(s) não obedece ao princípio 
da exclusão - um princípio que assegura o acesso ao mercado somente para aqueles que 
dispõem de recursos para adquirir determinado produto - por se caracterizar como um 
consumo não-rival - seu consumo por um ou mais indivíduos não reduz a sua quantidade 
para o consumo de outros - não há meios de o mercado estabelecer/definir seu preço, 
tornando-se, portanto, inviável sua produção pelo setor privado. Como se tratam, 
entretanto, de bens e serviços indispensáveis para a sociedade, cabe ao Estado destinar 
recursos de seu orçamento para produzi-los e satisfazer sua demanda. 
 
 São estesdenominados bens públicos, os quais não permitem, por apresentarem 
essas características, a mensuração da quantidade consumida e, consequentemente, dos 
benefícios com eles recebidos pelo indivíduo - problematizando o estabelecimento da 
contribuição a ser cobrada pelo poder público -, à medida que os consumidores não se 
sentem propensos a revelar a sua escala de preferência por estes bens e serviços. 
 
 Contrariamente, os bens privados se caracterizam por sua divisibilidade, por 
serem bens de consumo-rival, à medida que alcançam preços de mercado, e por estarem 
sujeitos ao princípio da exclusão. Os economistas da escola clássica e, posteriormente, os 
da neoclássica, convictos, de acordo com os pressupostos teóricos da livre concorrência, 
das virtudes auto-reguladoras do mercado, concordavam que, somente no caso de ausência 
de sinais para ele emitidos, caso característico dos bens públicos, estaria justificada a 
interferência do Estado para garantir sua oferta e, com isso, aumentar a eficiência do 
sistema. 
 
1 Deve-se chamar a atenção para o fato de que não foram os economistas da escola clássica que 
desenvolveram estes conceitos e estabeleceram princípios para diferenciar bens públicos de bens 
privados. Embora a eles se refiram, foram os economistas da chamada “Síntese Neoclássica” – uma 
combinação de teoria keynesiana com teoria neoclássica renovada, de acordo com Osdchaya (1974:289) - 
que reuniram em torno de três funções – alocativa, distributiva e estabilizadora – as ações desenvolvidas 
pelo Estado, para avaliá-los em termos de eficiência e desenvolveram princípios de distinção entre estes 
bens, à luz dos mecanismos do mercado e de equilíbrio do sistema. 
 22 
 
 De acordo com essa visão, apoiada, portanto, na crença de que leis naturais 
governavam o organismo econômico (a "mão invisível" de Smith), qualquer interferência 
"externa" a esse mundo seria capaz de provocar fricções e de reduzir a eficiência do 
sistema. E, como se considerava o Estado uma força externa, à medida que este não surgira 
com a sociedade, mas em determinado estágio de seu desenvolvimento, sua presença na 
vida econômica era vista como uma barreira que impedia a sociedade de alcançar essa 
eficiência. Isto porque, ainda de acordo com essa argumentação, desde que cada indivíduo 
tenha liberdade de escolher as atividades de seu interesse e em que apresente condições de 
obter maiores ganhos, o resultado final deste processo seria, no conjunto, benéfico para 
toda a sociedade. Por isso, o Estado deveria manter-se à margem do sistema econômico, 
sem nele intervir e restringir-se a garantir a defesa e a segurança do país. Essa constituiria a 
época de ouro do laissez faire, quando se acreditava, como o Dr. Pangloss, de Voltaire, 
que tudo corria pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. 
 
2.1.2.2. A eficiência em xeque e a escola neoclássica: novos rumos teóricos 
 
 Muito cedo, entretanto, os alicerces do liberalismo começaram a sofrer abalos. O 
progresso industrial representado pela Revolução Industrial ocorrida na Grã-Bretanha no 
século XVIII trouxe, como conseqüência, um aumento tão acentuado da pobreza que 
crianças e mulheres terminaram sendo lançadas no mercado, trabalhando em condições 
desumanas, para complementar a renda familiar. O progresso evidenciava, assim, a falácia 
da premissa liberal: a de que a busca da felicidade e do bem-estar individual resultaria na 
felicidade geral. Pelo contrário, assistia-se à confirmação da teoria da seleção natural, que 
assegurava aos ricos e poderosos tornarem-se ainda mais ricos e os pobres ainda mais 
pobres. Rosseau foi um dos poucos pensadores da escola liberal que desvelaria esse 
fenômeno e mostraria a importância da intervenção do Estado na vida econômica e social 
para reduzir as desigualdades existentes. Foram, entretanto, as idéias socialistas, que 
encontraram um campo fértil para desnudar, primeiramente, de forma assistemática, e, 
mais tarde, cientificamente estruturadas, a essência do capitalismo e para pôr a descoberto 
o papel que o Estado desempenhava numa sociedade de classes: o de servir de instrumento 
para a classe dominante. 
 
Contra essas vozes que ganhavam, pouco a pouco, maior orquestração, 
surgiriam, por volta de 1870, trabalhos de três autores, os quais, embora defendendo, 
como a economia clássica inglesa, as vantagens do liberalismo econômico, afastavam-se 
de suas principais bases teóricas que tinham no trabalho (na força de trabalho) a fonte 
de criação de valor, ao enfatizarem apenas o valor da utilidade das mercadorias na sua 
determinação. Com isso, a discussão do preço deixou de estar subordinada a 
preocupações com o valor “natural” a longo prazo, que marcaram a obra dos 
economistas clássicos, e a questão da distribuição dos rendimentos ganhou outra 
explicação. 
 
Walras, Jevons e Menger, considerados os fundadores da teoria neoclássica, 
apoiados no principio marginal, desenvolveriam, aparentemente sem se conhecerem, a 
idéia de ser o produto gerado resultado da participação e combinação dos fatores de 
produção trabalho-capital-terra, valendo-se da tese de Say sobre a origem/fonte dos 
rendimentos. E, apoiados naquele princípio, de que a distribuição destes rendimentos 
entre esses fatores de produção seria determinada pela contribuição marginal 
(produtividade marginal, um conceito posteriormente trabalhado e refinado por J.B. 
 23 
Clark) que cada um dava ao processo, avalizada pelo mercado, de acordo com a 
utilidade do produto. Substituíram, com isso, a preocupação dos clássicos em investigar 
o valor natural das mercadorias no longo prazo, bem como a leis de sua distribuição 
entre lucros, salários e rendas, e suas implicações para o crescimento econômico, para a 
investigação do processo de alocação de recursos feitas pelas unidades econômicas que 
tomavam essas decisões – famílias e firmas – que encontravam, no mercado, os 
mecanismos de sua correção, por meio dos preços determinados pela oferta e procura, 
para garantir a máxima eficiência do sistema. 
 
Colocados no mesmo pé-de-igualdade pela teoria, os conflitos de classes 
desapareceram e, com a distribuição de seus rendimentos sendo determinados pela 
utilidade do produto e pela produtividade marginal dos fatores de produção, erigiu-se 
uma estrutura teórica em que o mercado, funcionando sem a interferência do Estado, 
seria capaz de garantir a reprodução harmônica do sistema. 
 
No mundo surgido da escola neoclássica, que contou com a contribuição de 
vários outros autores (Marshall, Wicksell, Böhm-Baverk, Fisher), ergueu-se, assim, um 
mundo econômico perfeito, governado por leis naturais e pela concorrência: constituído, 
de um lado, de uma multidão de pequenas empresas concorrendo entre si, essas não 
dispunham de poder para determinar as condições de oferta, o preço do produto e a taxa 
de lucro de suas atividades; contando, de outro, com consumidores soberanos, 
indivíduos racionais, egoístas em busca da maximização de suas rendas e utilidades, os 
quais, dispondo de todas as informações de mercado, participavam da determinação dos 
preços, das quantidades demandadas e do nível de produção requerido, por meio da 
manifestação de suas preferências, garantia-se que o sistema operasse com o máximo de 
eficiência. 
 
 É interessante ressaltar como se modifica, com essa escola, apoiada na perspectiva 
utilitarista, o conceito de eficiência e as relações entre os fatores de produção. Nela, e nas 
que a sucederam no pensamento dominante, os conceitos de racionalidade e eficiência 
passam a ser associadas à perspectiva utilitarista em que cada agente busca a maximização 
de suas utilidades de uso (consumo e fatores de produção), com base em pressupostos 
dados, deslocando-se e modificando o enfoque analítico utilizado pelos economistas 
clássicos. O mercado continua sendo o campo (o guia) de convergência das decisões dos 
agentes econômicose de sinalizador dos ajustes e correções necessárias para a máxima 
eficiência alocativa, condicionada, contudo, à restrição orçamentária de cada agente que 
dele participa. Mas o que determina essa capacidade orçamentária que este utiliza para 
maximizar suas utilidades (consumo de produtos, lucros etc.)? 
 
 A resposta da teoria é óbvia: considerando a utilidade dos fatores de produção (a 
produtividade, neste caso) para a geração da riqueza social, é a contribuição marginal que 
cada um agrega ao produto obtido que determina essa capacidade (a sua remuneração), 
variando essa, portanto, em função de sua eficiência. Dessa forma, quanto menos eficiente 
o agente, menores os recursos com que contará para satisfazer o princípio de sua 
racionalidade maximizadora. Quanto mais eficiente, maior sua contribuição e, portanto, 
maior a sua capacidade orçamentária para essa finalidade. Uma espécie de “vale quanto 
pesa”, sem possibilidades de correção das desigualdades existentes, já que a teoria não leva 
em conta a questão distributiva e opera, em sua lógica de maximização das utilidades, com 
o pressuposto de uma estrutura de distribuição de renda dada. 
 
 24 
Com o objetivo de conferir às ciências econômicas o status de ciência exata e, de 
acordo com Barber (1974:191) “refinar suas descobertas sob a forma de proposições 
matemáticas”, os economistas neoclássicos procuraram, através da construção de 
modelos de equilíbrio geral, definir o ponto em que o sistema estaria operando numa 
situação de máxima eficiência. A solução dessa questão terminou sendo encontrada por 
Vilfredo Pareto, um economista italiano, que a divulgou em seu trabalho intitulado 
“Manual de Economia Política”, publicado em 1907 (Denis, 1974:550-4) 
 
De acordo com a solução de Pareto, considera-se que a economia atinge a 
máxima eficiência, quando modificações em dada alocação de recursos não se revelam 
capazes de melhorar o nível de bem-estar de um indivíduo sem prejudicar o de outro. 
Em linguagem matemática, diz-se que esta solução é representada pelo ponto em que a 
taxa marginal de substituição de um bem por outro se iguala à taxa marginal de 
possibilidades da produção, indicando que as decisões de escolhas dos agentes 
econômicos – unidades familiares, produtivas etc. – atingiram a máxima eficiência, 
valendo o mesmo argumento para as decisões tomadas em relação às possibilidades de 
combinações possíveis entre lazer, trabalho, poupança, consumo corrente etc. Em 
homenagem ao autor, essa situação de equilíbrio passou a ser conhecida, na literatura 
econômica, como caracterizando uma situação de “Pareto eficiente” ou de “ótimo de 
Pareto”. 
 
O rigor formal pareceu dar, ao modelo, um aspecto de cientificidade que ia 
muito além da realidade dos fatos e contextos históricos, mas garantiu seu sucesso por 
muito tempo e encantou – e ainda encanta – muitos economistas. Com ele, as classes 
sociais saíram de cena, os conflitos desapareceram e a sociedade foi transformada na 
soma de indivíduos, os quais, agindo de forma egoísta e racional, eram capazes não 
somente de assegurar sua felicidade pessoal, mas também de contribuir para o bem-estar 
coletivo, ao mesmo tempo em que o sistema econômico, governado por “leis naturais” 
se encontrava protegido de crises, desemprego, desigualdades e instabilidade. 
 
Neste mundo panglossiano, só não existia lugar para o Estado. Nele, o 
liberalismo se mantinha de pé para garantir sua harmonia, e ao Estado continuava sendo 
recomendado manter-se à distância do que ocorria na esfera da produção e restringir-se 
a garantir a ordem e a segurança do país. Na realidade, entretanto, como resultado do 
intenso processo de concentração e centralização do capital verificado no final do século 
XIX, apenas na teoria o Estado vinha mantendo-se à margem do sistema. 
 
2.1.3. O Estado no Capitalismo Monopolista: a maturidade 
 
 Em que pese a teoria, a verdade é que o Estado vinha conhecendo rápidas e 
profundas transformações. A monopolização crescente do capital, que teve início na última 
quadra do século XIX, colocou a necessidade cada vez maior da intervenção do Estado 
nesse processo. Isso, por várias razões. Em primeiro lugar, por ter se tornado 
imprescindível sua ação para assegurar mercados externos para a crescente produção 
resultante dos países que se industrializaram nesse período - França, Alemanha etc. - e que 
disputavam acirradamente a "partilha" do mundo. Era a época do imperialismo 
"confessado", que acabou desaguando na Primeira Guerra Mundial, com o Estado 
desempenhando papel fundamental nessa disputa. 
 
 25 
 Em segundo, porque se os próprios mecanismos de mercado asseguravam, no 
capitalismo concorrencial, a solução dos conflitos através da igualação da taxa de lucros, o 
mesmo não ocorreria no capitalismo monopolista que se instaura. À medida que a 
atomização cedia espaço às grandes empresas oligopólicas, em condições de impor/ditar 
seus preços e de assegurar suas fatias de mercado, o mecanismo que antes se incumbia de 
tornar em soma zero as diferenças entre os distintos capitais, perde fôlego, vindo à tona sua 
grande heterogeneidade e seus conflitos, como vai deixar claro sobre essa questão, como 
se verá ainda neste capítulo, a teoria marxista do Estado. 
 
 Diante desses conflitos, tornou-se evidente a importância do Estado, como força 
externa ao sistema, para organizar e soldar, por meio da política econômica, os distintos 
interesses do capital, atuando como árbitro deste processo para garantir a reprodução do 
sistema. Para desempenhar este papel deveria este contar com uma relativa autonomia, e 
se integrar crescentemente, ao mesmo tempo, ao processo de reprodução econômica, 
penetrando em áreas que, apesar de indispensáveis ao processo de acumulação, não 
interessavam ao setor privado assumir, especialmente as que dizem respeito à infra-
estrutura econômica e ao capital social básico (as chamadas “externalidades” econômicas 
tão necessárias ao sistema). 
 
 Essa mudança no aparelho do Estado, embora não problematizado no corpo teórico 
do pensamento dominante, acarretaria, com a transposição destes conflitos para dentro de 
seu aparelho, uma série de implicações para a reprodução do sistema, principalmente no 
tocante à luta que passaria a ser travada entre os distintos capitais para deter sua 
hegemonia e influenciar a condução e o conteúdo da política econômica. Neste contexto, o 
Estado se tornaria o responsável pela organização das relações mantidas entre as classes 
sociais e suas frações, as quais determinariam, por meio de um equilíbrio de compromissos 
entre elas estabelecido, avalizado pelo Estado, a condução da política econômica em geral. 
Para o pensamento econômico dominante, que não consegue perceber essa mudança 
qualitativa em seu papel, e continua a depositar fé na força dos mecanismos de mercado, 
toda e qualquer intervenção do Estado na economia continuava sendo vista apenas como 
heresia. 
 
 Somente com os desdobramentos da crise de 1929, que provocou quedas 
acentuadas nos níveis de renda e de emprego da economia capitalista em geral, é que serão 
dadas as condições objetivas para que se justifique, nos campos teórico e prático do 
pensamento econômico dominante, a intervenção do Estado na economia. Tarefa que 
coube a John Maynard Keynes desenvolver com brilhantismo em seu trabalho lapidar 
sobre o emprego, o juro e a moeda, de 1936. 
 
 Embora as idéias de Keynes não captem essa politização do Estado, são elas as 
responsáveis – ou as que lhe fornecem o arcabouço teórico e a caixa de ferramentas a ser 
usada para essa finalidade, através dos instrumentos de política econômica – para justificar 
sua intervenção na economia, visando salvar o capitalismo. Foi a partir de sua germinação 
e sua difusão que se ampliaram suas tarefas, e deram sustentação teórica ao surgimento do 
Estado do bem-estar nas economias desenvolvidas(ou o Estado Providência) e ao Estado 
com maior presença na vida econômica nos países de industrialização retardatária, 
ancorados em doutrinas teóricas que, tendo como referencial de análise a matriz 
keynesiana, caso, por exemplo, da Comissão de Estudos Econômicos para a América 
Latina (CEPAL), deram origem ao desenho de Estados com forte conteúdo 
desenvolvimentista. 
 26 
 
 Keynes foi, no mínimo, um economista instigante. Integrante dos quadros da escola 
neoclássica rompeu com suas premissas teóricas quando suas recomendações e a fé que 
aquela depositava no mercado revelaram-se incapazes de retirar o capitalismo da crise em 
que mergulhou na década de 1930. Não hesitou, para isso, em desmontar os principais 
pilares em que essa se assentava, como a Lei dos Mercados de Say, a concepção 
walrasiana sobre o mercado de trabalho e o mito do orçamento equilibrado, e propor 
mudanças no papel do Estado para salvar o regime da empresa privada, com o abandono 
do laissez-faire integral. Oponente das idéias de Marx sobre o socialismo, apoiou-se em 
algumas de suas teses para explicar as crises do capitalismo2, embora modificando 
conceitos e significados, e, com sua contribuição teórica, deu origem a um Estado 
reformado, vital para sustentar o curso da acumulação e para acomodar, por meio do 
avanço do welfare state, as tensões sociais que poderiam colocar em risco sua reprodução. 
Abriria de vez, com isso, as portas para o maior avanço do Estado no domínio econômico. 
 
 Sua obra "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, vinda a lume em 
1936, estabelecerá os contornos teóricos definitivos e desvelará a importância dos 
investimentos públicos para atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para viabilizar 
uma política de pleno emprego. A obra de Keynes representaria, assim, um verdadeiro 
libelo contra a ortodoxia imperante, a qual garantia que os ajustes do sistema ocorriam de 
forma automática, com a economia tendendo para um único ponto de equilíbrio possível, 
sob a condição de que não houvesse entraves à livre flutuação da taxa de juros, do nível de 
salários e dos preços. 
 
 Keynes, contrariamente, demonstraria a possibilidade de a economia estar em 
equilíbrio sem que, necessariamente, este nível correspondesse ao de pleno emprego dos 
fatores produtivos. Para ele, este nível constituía um caso particular da teoria, mas não 
podia ser tratado como regra geral. A economia poderia muito bem estar em equilíbrio, 
mas se defrontar com insuficiência de demanda agregada para atingir o nível ótimo de 
plena utilização dos fatores produtivos ou, reversamente, apresentar excesso de demanda 
sobre a capacidade produtiva, padecendo de pressões inflacionárias. Qualquer que fosse a 
situação, o Estado repontava, em seu arcabouço teórico, como o elemento capacitado para 
atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para corrigir as fortes desigualdades do 
sistema, através do manejo da demanda agregada. Se houvesse insuficiência de demanda, 
deveria ele atuar como seu criador, seja aumentando seus gastos, seja reduzindo as 
imposições tributárias sobre a sociedade ou mesmo fazendo uma combinação de ambos 
instrumentos. Com isso expandiria, via multiplicador, os níveis de investimento, de renda e 
de emprego da economia. Se a situação, por outro lado, fosse de excesso de demanda, o 
caminho percorrido deveria ser o da direção oposta. 
 
2.1.3.1. Ampliando os papéis do Estado: as funções distributiva e estabilizadora 
 
 Com as formulações keynesianas, o Estado foi colocado no centro do palco e 
assumiu uma importância capital para longevizar a vida do sistema. Embora tenha havido 
muita resistência, no início, às idéias de Keynes, elas acabariam por prevalecer, 
 
2 Essa interpretação se encontra em Denis, para quem a explicação de Keynes das crises de superprodução 
se aproxima muito da marxista, ao atribuir à insuficiência do investimento a causa de depressão, partindo 
de conceitos como o de custo de produção dos bens produzidos no ano (de equipamentos e de consumo) 
que equivale “... ao valor da produção nacional líquida, no sentido marxista, i.é, à soma dos salários e da 
mais valia.” (Denis, 1974:696-8) 
 27 
especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, e o Estado moderno incorporaria novas 
funções e atribuições, aumentando o seu grau de intervenção na economia. De um Estado 
teoricamente passivo e improdutivo transformar-se-ia num Estado fortemente 
intervencionista, indispensável para a vitalidade e estabilidade do sistema. Além das 
restritas funções que vinha desempenhando - regulatória, garantidor da defesa e segurança, 
alocativa - passaria ele, nessa nova perspectiva teórica, a desempenhar o importante papel 
de mantenedor da estabilidade econômica e de agente responsável pela implementação de 
políticas de conteúdo redistributivista, que passaram a ser consideradas necessárias para 
garantir a reprodução do sistema no longo prazo. Alguns esclarecimentos devem ser feitos 
sobre essas novas funções a ele atribuídas como resultado do reconhecimento de que o 
mercado apresentava mais falhas do que era capaz de supor a teoria dominante. 
 
 Da mesma forma que a função alocativa, a distributiva decorre do reconhecimento 
de ser o mercado incapaz de conduzir a sociedade a uma estrutura de distribuição de renda 
que seja considerada justa ou eqüitativa. Isso porque, como o ponto de partida não é o 
mesmo para todos, quer interclasses - trabalho e capital, por exemplo - quer intraclasses - 
há o pequeno, o médio e o grande capital; o trabalho qualificado, semiqualificado e não-
qualificado; etc. - deixar que os mecanismos de mercado presidam livremente a questão 
distributiva implica correr os riscos de se conduzir o sistema a tamanha desigualdade, que 
esta, ao se tornar intolerável para as camadas mais pobres, coloque em perigo a sua 
reprodução. Foi para corrigir essas falhas do mercado que se passou a atribuir ao Estado, 
ainda que isso significasse reduzir a eficiência do sistema, o papel de intervir para 
melhorar a estrutura da distribuição da renda e da riqueza, especialmente através do 
manejo dos instrumentos de política fiscal. 
 
 Ganhou importância, nessa perspectiva, a provisão pelo Estado dos chamados bens 
semipúblicos também conhecidos como bens meritórios (merits goods). Diferentemente 
dos bem públicos puros, os bens semipúblicos apresentam características semelhantes aos 
bens privados, como as de serem divisíveis para o consumo individual, obedecerem ao 
princípio da exclusão e tratarem-se de consumo rival. É o caso, por exemplo, dos serviços 
de saúde, educação, saneamento, por exemplo. 
 
 Sua importância para a sociedade – e também pelas externalidades que gera para o 
próprio sistema econômico -, bem como a necessidade de se garantir o acesso ao seu 
consumo aos cidadãos que não dispõem de poder de compra para adquiri-los, aumentou 
consideravelmente a sua provisão pelo Estado, especialmente a partir das idéias 
keynesianas e da importância assumida por políticas redistributivas com a constituição do 
welfare state. 
 
 O maior cuidado com os efeitos redistributivos também pelo lado da tributação 
ganhou também maior importância na política fiscal a partir dessa visão. Exemplos como o 
do Imposto de Renda Negativo para garantir níveis mínimos de rendimentos para as 
famílias que se situam abaixo da linha de pobreza, combinados com estruturas de impostos 
efetivamente progressivos, especialmente em se tratando dos impostos diretos, ou com 
regressividade atenuada no caso dos indiretos, passaram a inscrever-se entre essas 
preocupações de tornar o Estado um agente minimizador das desigualdades existentes e de 
garantir maior coesão social. O importante a reter dessa discussão, é que essa função só 
ganharia maior espaço entre as políticas públicas, com a revolução keynesiana, uma vez 
que, para os economistas clássicos e neoclássicos, comovisto anteriormente, políticas 
dessa natureza implicavam redução de eficiência do sistema. 
 28 
 
 Já a função estabilizadora, que só entrou efetivamente em cena a partir das idéias 
keynesianas, justifica-se, segundo Musgrave & Musgrave (1980:11), pelo reconhecimento 
também de não serem “... o pleno emprego e a estabilidade de preços (...) resultados 
automáticos do funcionamento do sistema de mercado [e exigirem, por essa razão] uma 
orientação por parte da política implementada pelo setor público. Na ausência dessa 
política orientadora, a economia tende a estar sujeita a flutuações significativas e/ou passar 
por períodos de desemprego ou inflação". 
 
 Para atenuar essas flutuações e possibilitar à economia caminhar ou retornar, 
sempre que dela desviada, à trajetória onde se combinam os objetivos de pleno emprego 
dos fatores produtivos e de estabilidade monetária, o Estado deve utilizar a sua "caixa de 
ferramentas" - instrumentos fiscais, monetários, etc. - para materializá-los. Na ausência de 
estabilizadores automáticos do mercado, a ação do Estado, especialmente através do 
manejo da política fiscal, passaria a ser vista como decisiva tanto para a criação de 
demanda efetiva necessária para a economia retomar sua expansão - e reduzir/absorver o 
desemprego - como para desaquecer a atividade produtiva e desacelerar o crescimento do 
nível de preços e ainda para conciliar os objetivos domésticos com aqueles vinculados ao 
comércio internacional e à balança de pagamentos. 
 
 A necessidade de construção/consolidação do Estado do bem-estar no mundo 
capitalista, muito como resultado da crise e dos problemas políticos e sociais engendrados 
pela depressão da década de 1930, ganhou maior força com o temor, encerrada a Segunda 
Guerra Mundial, de que o comunismo soviético poderia, aproveitando-se das precárias 
condições sociais em que se encontrava uma Europa em ruínas, se alastrar pela região. 
Para enfrentar esse desafio, o Plano Marshall implementado pelos Estados Unidos, bem 
como a importância de políticas compensatórias implementadas pelos Estados nacionais 
encontraram justificativa, inclusive, no campo ideológico, reforçando o papel do Estado 
como agente indispensável para manter a coesão social. 
 
 O Estado que brotou do pensamento keynesiano serviu de modelo para o restante 
do mundo capitalista, mas assumiu, em outros países e regiões, formas e características 
distintas das que apresentou no mundo desenvolvido, variando a intensidade dos seus 
graus de intervenção na atividade econômica. Especificamente, na América Latina, 
influenciou a formulação das idéias cepalinas sobre o papel nuclear que o Estado deveria 
desempenhar para garantir a industrialização da região, diante da fraqueza financeira da 
burguesia, atuando como agente estruturante e organizador deste processo, o que deu 
origem ao que se conhece na literatura do pensamento da CEPAL como “Estado 
desenvolvimentista”3, o qual, no caso do Brasil, tornou-se o principal agente das 
transformações de sua economia entre os anos 1930 e 1980, como se verá na análise da 
experiência brasileira na parte final deste capítulo. 
 
 De qualquer modo, à medida que se foi confirmando essa importância do Estado 
para a economia e para o sistema, foi crescente, no mundo capitalista, sua participação na 
geração da renda e do emprego. A tabela 1.1 retrata bem essa realidade sobre a 
importância assumida pelo Estado na vida econômica de um conjunto de países 
desenvolvidos selecionados. Como se percebe, de uma participação em torno de 10% do 
PIB/PNB em 1880 - à exceção da França onde esse nível atinge 15% - o Estado vê 
 
3 Para entendimento da teoria da CEPAL, consultar os trabalhos de Cardoso de Mello (1998 ) e da 
CEPAL (1951) sobre seus fundamentos. 
 29 
aumentado continuamente seu peso na economia, o qual se acentua a partir da crise de 
1929, vindo a responder por níveis equivalentes ou superiores à metade de sua geração em 
1985 - é o caso da Alemanha, Inglaterra, França e Suécia - ou em torno de 1/3 de seu 
produto, como se observa para os EUA e Japão. 
 
 
 
Tabela 1.1 
Participação da Despesa Governamental no PIB ou no PNB 
(em %) 
Países Ano 
1880 1929 1960 1985 
França 15,0 19,0 35,0 52,0 
Alemanha 10,0 31,0 32,0 47,0 
Japão 11,0 19,0 18,0 33,0 
Suécia 6,0 8.0 31,0 65,0 
Inglaterra 10,0 24,0 32,0 48,0 
EUA 8,0 10,0 28,0 37,0 
Fonte: Banco Mundial: Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial, 1991, p.158 
 
 
 
2.1.3.4. A reação a Keynes (e ao Estado keynesiano) pela ortodoxia 
 
Se na vida real as idéias de Keynes deram vida pró-ativa a um Estado renovado, necessário 
para corrigir desequilíbrios e atenuar as flutuações cíclicas do sistema, e à política fiscal 
um papel nuclear entre os instrumentos de política econômica para ultimar estes objetivos, 
no plano teórico, a ortodoxia, após absorver o golpe desferido pela revolução keynesiana 
em seus pressupostos, voltaria à carga, com armas renovadas, visando fornecer explicações 
para a inflação dos anos 1960 e desmontar a visão positiva que predominava sobre a ação e 
intervenção do Estado na economia. 
 
 Neste contexto surgiu nessa época, em oposição à visão de Keynes, para quem a 
inflação é um fenômeno decorrente do excesso de demanda, a teoria monetarista, a qual, 
apoiada em modelos de expectativas inflacionárias, concluía serem inócuas as políticas 
fiscais expansionistas voltadas para os objetivos de ampliação da renda e do emprego e 
responsáveis pela aceleração do nível de preços e, portanto, pela instabilidade do sistema 
econômico. 
 
Essa teoria tomou como ponto de partida para explicar a manutenção da taxa de 
inflação a partir do modelo das expectativas, a curva de Phillips, assim conhecida em 
homenagem ao trabalho empírico que foi desenvolvido por A.W. Phillips sobre a evolução 
do desemprego e da taxa de variação dos salários nominais na Inglaterra entre 1862 e 
1957, no qual constatou a existência de uma relação inversa entre essas duas variáveis. 
Dois anos mais tarde, em 1960, R.G. Lipsey teorizou a curva de Phillips e formalizou a 
existência deste trade-off entre inflação crônica e desemprego, reforçando a tese de que 
taxas de desemprego menores podiam ser obtidas por meio de políticas expansionistas, 
mas produzindo inflação dos salários nominais e, por extensão, dos preços em geral. Era o 
que o pensamento ortodoxo necessitava para assestar suas baterias contra o pensamento 
keynesiano. 
 
 30 
 No final da década de 1960, Edmund Phelps e Milton Friedman introduziram os 
salários reais neste modelo em substituição aos salários nominais, justificando essa 
mudança como um erro que identificaram na teoria original, e concluíram que o dilema 
não era exatamente entre inflação e desemprego, mas entre desemprego e inflação acima 
das expectativas dos agentes econômicos. Esse desvio, que poderia ser causado por uma 
espécie de ilusão monetária dos trabalhadores sobre o valor dos salários, como reflexo da 
expansão da atividade produtiva, seria responsável por uma pressão “temporária” exercida 
sobre a “taxa natural de desemprego” – uma das hipóteses com que opera essa escola para 
explicar o funcionamento do sistema econômico -, à qual se retornaria depois das 
inevitáveis correções que seriam feitas no nível de expectativas pelos agentes econômicos, 
abortando-se a expansão econômica que deu início a este processo. Para melhor entender 
esses argumentos, é preciso esclarecer a visão dessa corrente sobre o funcionamento do 
sistema econômico e também como se formam as expectativas inflacionárias desses 
agentes. 
 
 Para essa teoria, assim como para a escola neoclássica, como visto anteriormente, o 
mundo econômico funciona de forma harmoniosa, com os mecanismos de mercado 
garantindo a plena utilização dos fatores produtivos e a inexistência de desemprego de 
caráter involuntário. A acomodação do sistema aosmovimentos cíclicos da economia é 
garantida por uma “taxa natural de desemprego”, hipótese central em seu corpo teórico, 
que varia para cada economia e em cada contexto histórico. Admite-se, apenas, a 
existência do desemprego voluntário e friccional. O primeiro revela uma situação em que o 
trabalhador não se dispõe a trabalhar pelo salário vigente no mercado, preferindo manter-se 
ocioso. O segundo, um período de transição em que o trabalhador fica momentaneamente 
desempregado enquanto não encontra trabalho em outra empresa. Como naquela escola, 
tudo se assemelha a uma ficção, sem correspondência no mundo real. 
 
 A diferença é que, para essa teoria, os agentes econômicos formam expectativas 
sobre a taxa de inflação, porque essa terá influência sobre o salário real. São dois os 
elementos que consideram neste processo de formação das expectativas: a) previsão da 
taxa de inflação do período seguinte, com base na média das taxas de inflação dos períodos 
anteriores; b) como podem ocorrer os desvios mencionados, adiciona-se, a essa previsão, 
uma fração de correção proporcional ao erro de expectativa do período anterior. Os agentes 
econômicos fazem, portanto, uma adaptação das expectativas, que formaram sobre a 
inflação, procurando corrigir o erro que cometeram ou que foram induzidos a cometer pelo 
comportamento da economia real. Mas como se explica esse erro? 
 
 Quando o governo resolve promover uma política expansionista, a oferta de moeda 
aumenta e também a demanda por bens e serviços. Esse aumento leva as empresas a 
expandirem a sua produção (a oferta de produtos), demandando mais trabalho, o que eleva 
os salários nominais (e também os salários reais por algum tempo). Essa elevação motiva 
os trabalhadores ociosos (os do desemprego voluntário) a ingressarem no mercado, já que 
os salários se tornam mais atraentes. Acontece que os preços também se elevam até mesmo 
como resultado do aumento dos salários nominais (um importante componente dos custos 
de produção), provocando uma queda nos salários reais. Diante disso, os trabalhadores 
reduzem a oferta de trabalho (retornam à ociosidade, que se torna mais vantajosa) e a 
economia retorna ao seu estado natural de equilíbrio do emprego. Mas a inflação adicional 
que foi gerada por este movimento (inócuo) permanece e será transmitida para os períodos 
seguintes, porque será incorporada aos cálculos de previsão da inflação futura feita pelos 
agentes econômicos, garantindo-se, portanto, sua aceleração. 
 31 
 
 As condições e recomendações práticas dessa teoria para a política econômica (para a 
ação do Estado) não podem ser mais claras: i) políticas econômicas expansionistas alteram 
e afetam, no curto prazo, a economia real e mudam o curso da “taxa natural de 
desemprego”, induzindo os agentes econômicos a cometerem erros de avaliação, diante da 
elevação dos salários; ii) no longo prazo, quando esses erros são corrigidos, por um 
processo de ajustamento das expectativas, retorna-se às condições de equilíbrio da 
economia (e do mercado trabalho), abortando-se a expansão econômica produzida por este 
movimento; iii) apesar de inócuo, no longo prazo, para a ampliação da renda e do 
emprego, este movimento deixa seqüelas para o quadro macroeconômico, já que a inflação 
se acelera nos períodos seguintes, pois seu aumento no ano, e também a fração do erro das 
expectativas incorporam-se ao cálculo das previsões feitas pelos agentes econômicos sobre 
a inflação futura; iv) neste caso, recomenda-se ao governo evitar a aventura de incorrer 
em déficit público para implementar políticas expansionistas e manter um rígido controle 
sobre a oferta de moeda, pois, ao fim e ao cabo, é esta que explica e sanciona, no longo 
prazo, o fenômeno inflacionário. 
 
 Apesar de racionais, os agentes econômicos de Friedman estão sujeitos – ou 
serem induzidos pela ação nefasta da política econômica – a incorrerem em erros 
sistemáticos de previsão sobre a inflação, por serem afetados pelo fenômeno da ilusão 
monetária. É essa ilusão que permite a geração de efeitos das políticas expansionistas 
no curto prazo, embora esses se esfumem no longo prazo, quando os agentes, através de 
um processo de aprendizado e de adaptação, acertarem suas expectativas. 
 
 Apesar dessa nova teoria, a supremacia da teoria keynesiana vis-à-vis a ortodoxia 
se prolongaria até o início da década de 1970, sustentando, com a implementação de suas 
políticas, o longo e vigoroso ciclo de crescimento conhecido pelo capitalismo no período 
pós Segunda Guerra Mundial. Somente quando essas políticas começaram a se mostrar 
inadequadas para combater um renitente processo inflacionário combinado com o processo 
de estagnação e de crise que se abateu sobre a economia mundial nessa época, perderam 
força. Independente das causas que estavam na raiz da reversão deste ciclo, o agravamento 
da crise nos anos seguintes, diante, inter alia, da crise do dólar, da desestruturação do 
sistema monetário e da crise do petróleo, deu ao pensamento ortodoxo os argumentos que 
esse necessitava para retornar à cena e apontar o Estado como o grande responsável pelos 
desequilíbrios do sistema provocados pelos crescentes déficits e elevados níveis de 
endividamento em que este, de um modo geral, mergulhou. 
 
2.1.4. O Estado no Capitalismo Mundializado: a terceira (ou quarta) idade 
 
 A crise em que a teoria keynesiana mergulhou na década de 1970 em face da incapacidade 
de seus instrumentos de darem respostas à perversa combinação de um processo recessivo 
com inflação em alta, abriu espaços para o ressurgimento das idéias liberais, que passaram 
a atribuir ao tamanho do Estado na economia e à sua ineficiência na gestão de atividades 
consideradas afeitas ao setor privado, as causas primárias da crise, na forma dos 
gigantescos déficits públicos que passaram a ser gerados pelos países do mundo capitalista. 
Com a memória dos efeitos da Grande Depressão dos anos 30 tendo praticamente se 
apagado, graças ao longo ciclo de desenvolvimento do capitalismo iniciado após a 
Segunda Grande Guerra, para o que fora decisiva a intervenção estatal, essas idéias 
frutificaram revigoradas. 
 
 32 
 A nova concepção teórica sobre o papel negativo do Estado ganhou força com o 
avanço da Terceira Revolução Industrial e do processo de globalização, os quais, pelas 
suas características, exigiam compromissos com a abertura da economia, o aumento da 
concorrência e da eficiência produtiva e com a desregulamentação dos mercados 
financeiros e de produtos, o que implicava retirar, novamente, o Estado da vida econômica 
por sua ação ser considerada prejudicial para seu funcionamento. No mundo globalizado 
(mundializado), em que se restringem os espaços de atuação do Estado, surgem, em 
diversos campos, várias contribuições teóricas, contrapondo-se ao pensamento keynesiano, 
para dar sustentação à nova investida contra suas ações. 
 
 Um apanhado dessas posições de que se valeram – e continuam se valendo – a 
forças antiestado, é feito em seguida, dando-se maior ênfase às análises e recomendações 
da Teoria da Escolha Pública, que considera o Estado apresentando mais falhas do que o 
mercado, devido às imperfeições do mundo político. Embora não se enquadre na visão 
neoliberal, que forneceu munição para o retorno, com sucesso, dessas forças, a Teoria da 
Regulação é também apresentada, à medida que adiciona elementos que questionam sua 
ação enquanto agente que, “em tese”, deveria estar voltado para defender e promover o 
interesse público. 
 
a) A Teoria da Regulação 
 
No campo institucional, a Teoria da Regulação de Stigler (1971), Posner (1974) e 
Peltzman (1976), de que a regulação, ao contrário do que se acreditava, não favorece o 
interesse público, mas protege os interesses da indústria e setores regulados, colocou em 
xeque o papel intervencionista do Estado. Tal situação seria resultadode uma relação 
promíscua estabelecida entre reguladores, em busca de apoio político, e setores regulados, 
visando protegerem-se da concorrência de outras firmas e obterem melhores vantagens 
econômicas, por meio de regras de entrada no mercado e estabelecimento mais favorável 
de preços para o seu conjunto, o que se traduziria em perda de bem-estar social não 
somente pelos custos envolvidos neste processo (custos das agências reguladoras, dos 
lobbies etc.), mas também pelos prejuízos e distorções provocados pela ausência de 
concorrência. 
 
 Nos EUA, a década de 1970, quando esses trabalhos foram publicados, foi 
marcada, de um lado, por um amplo processo de desregulamentação, especialmente em 
setores da atividade produtiva (setores de transportes, telefonia, petróleo, gás natural), 
movimento que pareceu representar a negação – ou seguir a recomendação – da Teoria 
da Regulação, como anotam Mattos et. al. na Introdução do livro que organizaram 
sobre o tema (Mattos et. al., 2004:16). De outro, várias agências de regulação foram 
criadas em outras áreas, como na dos direitos dos consumidores, ambientais, 
trabalhistas, da saúde e do bem-estar social. Tais movimentos contraditórios para a 
Teoria da Regulação conduziram à sua revisão e refinamento de seus pressupostos por 
Peltzman, em 1989 (Peltzman, 1989), que conclui não existir um “único interesse 
econômico que captura o ente regulatório” e que se deve “encará-la como fruto de uma 
política de coalizões, na qual os políticos tenderão a maximizar suas vantagens por meio 
da distribuição a diferentes grupos de interesse envolvidos no jogo regulatório.” (Mattos 
et. al., 2004:16) 
 
 Desenvolvimentos ulteriores dessa temática, reconhecendo a importância da 
regulação em áreas importantes para a sociedade (principalmente na de direitos sociais), 
 33 
cuidaram de sugerir meios de aperfeiçoamento para o funcionamento dessas agências 
em nome da eficiência e da legitimidade e aumento de seu controle pelo Executivo, 
Legislativo e Judiciário, visando evitar os riscos e impedir sua captura pelos agentes 
regulados (Mattos et. al., 2004:18). Em suma, uma espécie de reinvenção do Estado em 
que a preocupação com a eficiência remete ao redesenho das instituições e ao 
fortalecimento dos mecanismos de controle nos processos de sua interação com a 
sociedade. 
 
b) A Teoria das Expectativas Racionais 
 
No campo da macroeconomia, os teóricos da escola novo-clássica de R. Lucas, T. 
Sargent e N. Wallace (Rego et. al., 1986:37) acrescentaram mais argumentos para 
condenar a intervenção do Estado na economia, na linha anteriormente desenvolvida 
pela teoria monetarista (a das expectativas adaptativas), mas corrigindo os erros 
sistemáticos de previsão da inflação que os agentes econômicos da última cometiam 
provocados pela ilusão monetária. 
 
 Os teóricos da chamada escola novo-clássica adotam, como a escola 
monetarista, o pressuposto de uma “taxa natural de desemprego”. Para eles, também o 
processo inflacionário é um fenômeno essencialmente monetário, mas, ao contrário dos 
teóricos daquela escola negam, mesmo no curto prazo, quaisquer efeitos de aumentos na 
oferta de moeda sobre as variáveis reais da economia, como no nível de renda e 
emprego, restringindo seus impactos apenas ao aumento de preços, ou seja, à geração de 
inflação. Descartam, para isso, a hipótese de formação de expectativas adaptativas, 
resultado da ilusão monetária dos agentes econômicos, e introduzem, no modelo, 
agentes que não se deixam enganar por esse fenômeno (ou se isso ocorre, conseguem 
corrigir rapidamente seus erros, evitando que eles se repitam), sendo capazes, portanto, 
de formar expectativas de forma racional, e, com isso, neutralizar a ação nefasta do 
governo (do Estado) na implementação de políticas expansionistas. Como isso se torna 
possível? 
 
Os agentes deste modelo são mais ágeis e atualizados do que o das expectativas 
adaptativas: não se guiam por informações do passado, mas do presente (da atualidade) 
para a formação de expectativas nem repetem os erros que cometem, procurando 
corrigi-los quando atualizam as informações. Os erros tendem a ocorrer não pelas 
fraquezas da condição humana (são racionais), mas pela existência de informações 
incompletas ou imperfeitas (caso de choques não antecipados, como os de decisões não 
divulgadas sobre a implementação de políticas expansionistas tomadas pelo governo, 
por exemplo), o que pode produzir, momentaneamente, desvios da economia de sua 
posição de equilíbrio. Atualizadas as informações, os agentes rapidamente corrigem 
suas expectativas, neutralizando a ação do governo e garantindo a convergência entre a 
inflação esperada e a efetiva e a taxa de desemprego efetivo e a taxa de equilíbrio. 
Como bem anota Carvalho (2001:216) sobre essa questão: 
 
 “Não importa aos teóricos novo-clássicos se, de fato, os agentes 
conhecem a teoria econômica que, segundo eles, é capaz de 
explicar os fenômenos reais. O que importa é que os agentes 
agem como se soubessem de tal teoria. Por exemplo, para se 
saber o dia em que é seguro levar o guarda-chuva para o 
trabalho não é necessário conhecer os avançados modelos de 
previsão meteorológicos. O mesmo pode ser dito em relação à 
economia. Não é necessário conhecer a teoria quantitativa da 
 34 
moeda para se saber que um aumento de um estoque de moeda 
provoca inflação. Basta reagir elevando os preços e os salários 
todas as vezes que o governo inflar a economia com moeda.” 
 
 Apesar das diferenças entre os modelos das expectativas adaptativas e racionais 
sobre o comportamento dos agentes econômicos neste processo, os resultados a que 
chegam sobre o papel do Estado neste processo são os mesmos: concluindo pela 
neutralidade da política monetária no longo prazo em relação às variáveis reais da 
economia, recomendam que o governo não deve lançar-se na aventura de incorrer em 
déficits públicos e utilizar-se da ampliação da oferta de moeda visando estimular o 
crescimento da economia, visto que isso apenas se traduziria em aumento da inflação e 
da instabilidade do sistema, sem resultados práticos para os objetivos de aumento da 
renda e do emprego. 
 
c) A Teoria da Escolha Pública 
 
 Para essa escola de pensamento, que se apóia nas mesmas premissas teóricas dos 
neoclássicos, mas modifica radicalmente sua posição em relação ao Estado, este é sempre 
sinônimo de ineficiência para o sistema, mesmo quando sua atuação visa apenas corrigir 
eventuais falhas do mercado. De acordo com este argumento, se o mercado pode, de fato, 
apresentar falhas – o que no pensamento neoclássico e keynesiano justifica a intervenção 
pública – a ação estatal voltada para corrigi-las – ou mesmo a simples possibilidade de 
fazê-lo –, pode revelar-se ainda mais danosa para a eficiência do sistema. Assim, como 
também apresenta falhas, que podem ser mais prejudiciais que as derivadas do 
funcionamento do mercado, a intervenção do Estado passaria a ser condenada por essa 
escola, justificando as proposta de esvaziamento de suas funções e de sua redução à 
condição de Estado mínimo, através da implementação de políticas de desregulamentação, 
privatização das empresas estatais, encolhimento/extinção do welfare-state etc. É 
importante conhecer suas bases teóricas e a linha de argumentos que a conduz a tais 
conclusões e propostas. 
 
 Conhecida como Escolha Pública (Public Choice), essa escola de pensamento 
adota o mesmo método de análise utilizado pela teoria econômica convencional, que 
considera, como hipótese de trabalho, o homem um animal egoísta, racional e 
maximizador de utilidades, mas dela diverge no que diz respeito à sua aceitação de 
considerar a intervenção do Estado necessária para corrigir/atenuar as chamadas falhas do 
mercado e, com isso, garantir maior eficiência para o sistema capitalista. Para isso, procura 
entender as escolhas orçamentárias como orientadas

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