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Copyright © 2020 by Paco Editorial Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. Revisão: Renata Moreno Capa: Matheus de Alexandro Imagem da Capa: Goodfreephotos.com Diagramação: Larissa Codogno Edição em Versão Impressa: 2020 Edição em Versão Digital: 2020 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M664 Mineração e Agrohidronegócio: efeitos no ambiente, trabalho e saúde/Patrícia Francisca de Matos; Marcelo Rodrigues Mendonça (org.) – 1. ed. – Jundiaí [SP]: Paco Editorial, 2020. Recurso digital Formato: ePub Requisitos do sistema: Multiplataforma ISBN 978-65-8778-240-9 1. Geografia 2. Mineração 3. Efeito Socioambiental I. Título. Livia Dias Vaz – Bibliotecária – CRB – 1681352 CDD: 338.2 Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes) Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes) Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes) Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes) Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes) Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes) Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes) Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes) Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes) Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes) Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes) Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes) Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes) Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes) Paco Editorial Av. Carlos Salles Bloch, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Salas 11, 12 e 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 Telefones: 55 11 4521.6315 atendimento@editorialpaco.com.br http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771296D1 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=S219507 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=N133032 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4784829U9 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4703614A6 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700965H9 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=P468677 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4707925D1 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4704828P6 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780765Z3 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4763549E2 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4737948P1 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4759425A1 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4730996E0 mailto:atendimento@editorialpaco.com.br%0D?subject=Livro%20Teoria%20da%20Hist%C3%B3ria%20-%20Paco%20Editorial www.pacoeditorial.com.br http://www.editorialpaco.com.br/ AGRADECIMENTOS Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e o programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás/Regional de Catalão, pelo incentivo ao desenvolvimento da pesquisa e sua divulgação. SUMÁRIO FOLHA DE ROSTO AGRADECIMENTOS APRESENTAÇÃO PARTE 1 Efeitos socioambientais da mineração CAPÍTULO 1 A dinâmica territorial da exploração mineral no Nordeste: apropriação privada do subsolo e degradação do trabalho, da saúde e da vida dos Camponeses-Garimpeiros do seridó (PB/RN) CAPÍTULO 2 A mineração de granito no Espírito Santo CAPÍTULO 3 Breves reflexões sobre a exploração mineral do Complexo de Catalão e Ouvidor/GO: conflitos, perspectivas e a Lógica da GEA CAPÍTULO 4 As vozes dissonantes da questão do Amianto: capital e estado versus movimentos sociais CAPÍTULO 5 Questão agrária e mineração: um estudo sobre a violação dos direitos territoriais em comunidades camponesas a partir da ação da mineradora Hydro-Alunorte em Barcarena/PA CAPÍTULO 6 Existências e (re)existências nas comunidades do entorno das mineradoras em Catalão/GO CAPÍTULO 7 Quem são os donos da vale? Ou a rolagem perpétua de capital na mineração CAPÍTULO 8 A lei de terras, de minas e de investimento estrangeiro e a territorialização dos megaprojetos de mineração em Moçambique: uma análise sobre o processo de expropriação das comunidades locais PARTE 2 Efeitos ambientais da mineração CAPÍTULO 9 Análises do discurso dos atores do agronegócio CAPÍTULO 10 O agrohidronegócio canavieiro em Goiás: há espaço para uma nova expansão? CAPÍTULO 11 As relações de trabalho e a precarização no setor sucroenergético em Ituiutaba/MG SOBRE OS AUTORES PÁGINA FINAL APRESENTAÇÃO Com a publicação do presente livro apresentamos resultados, discussões e reflexões de pesquisas que se encontram em andamento e outras concluídas. A obra busca contribuir para repensar, reavaliar e desvelar as atividades mineroquímicas e do agrohidronegócio no campo e na cidade, na tentativa de estabelecer elementos para um debate sobre os diversos conflitos que envolvem a relação capital × trabalho. Ainda que promova crescimento econômico, o setor mineroquímico e o agrohidronegócio estão entre as atividades que mais geram efeitos socioambientais devido ao modelo de exploração e apropriação dos recursos territoriais – como água, terra, subsolo –, em razão da lógica de reprodução do capital. A ideia da elaboração deste livro surgiu justamente no intuito de divulgar as pesquisas/reflexões sobre as diversas realidades nessa análise. A obra tem a contribuição de diversos pesquisadores, em uma perceptiva de mostrar os efeitos do capital da mineração e do agrohidronegócio em diferentes espacialidades e escalas. Este livro está dividido em duas partes principais, congregando ambas temáticas de pesquisas mais próximas entre si. Assim, a parte 1, “Efeitos socioambientais da mineração”, apresenta oito capítulos que discutem questões ligadas à exploração mineral e aos efeitos territoriais (ambientais, sociais, econômicos e culturais) no campo e na cidade. O primeiro capítulo discute a dinâmica territorial da exploração mineral seridoense tomando como base analítica os processos de apropriação privada do subsolo e a degradação do trabalho. No segundo, a discussão versa sobre a exploração de granito no Espírito Santo e as consequências no âmbito ambiental e social. Já o terceiro capítulo apresenta reflexões acerca da exploração do Complexo Mineral em Catalão e Ouvidor no estado de Goiás, e a necessidade de implementação de gestão mineral com foco na exploração calcada nos fundamentos da Geologia Econômica e Ambiental (GEA). O quarto capítulo faz um debate sobre a atuação dos sujeitos sociais envolvidos nos conflitos acerca da mineração do amianto, especialmente na cidade de Minaçu/GO. Assim, de um lado, os movimentos sociais que lutam pela eliminação da exploração do amianto no Brasil em função dos efeitos que causa sobre à saúde humana; de outro, o capital e o Estado atuando na produção do consenso e silêncio a partir do controle das instituições públicas e da sociedade civil. O quinto capítulo, intitulado “Questão agrária e mineração: um estudo sobre a violação dos direitos territoriais em comunidades camponesas a partir da ação da mineradora Hydro-Alunorte em Barcarena/PA”, mostra como a ação do capital agride os direitos territoriais das comunidades camponesas no entorno dos grandes projetos mínero-metalúrgicos na região. Um debate sobre existências e resistências nas comunidades do entorno das mineradoras em Catalão/GO é realizado no sexto capítulo. Em seguida, o sétimo capítulo traz uma breve discussão sobre quem são os acionistas da mineradora Vale. Encerrando a primeira parte, o oitavo capítulo apresenta uma reflexão sobre os megaprojetos de mineração em Moçambique e as transformações sociais e territoriais nos territóriosocupados. A parte 2 deste livro é composta por três capítulos que discutem o agrohidronegócio. O primeiro apresenta o discurso que permeia os argumentos e justificativas da expansão do agronegócio no Brasil, desconsiderando as formas de apropriação das terras, dos recursos naturais e da força de trabalho. O segundo, “O agrohidronegócio canavieiro em Goiás: há espaço para uma nova expansão?”, discute a expansão do agrohidronegócio canavieiro em Goiás por meio da atuação do Estado mediante políticas governamentais, como a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Por fim, o terceiro capítulo mostra a precarização das relações de trabalho no setor sucroenérgetico no município de Ituiutaba, especialmente mostrando a superexploração do trabalho, condicionada às metas de produtividade, em que os trabalhadores que atuam no campo vivem a lógica de velhas formas de exploração. Assim, lançamos este livro enquanto uma construção coletiva, escritos por várias “mãos”, que não seguem necessariamente a mesma abordagem teórico-conceitual, dadas as especificidades das pesquisas realizadas. Esperamos compartilhar os resultados do conhecimento, pesquisa e dedicação de todos que contribuíram para a produção e materialização desta obra. Verão, 2020. PaPatrícia Francisca de Matos Marcelo Rodrigues Mendonça Os organizadores PARTE 1 - EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS DA MINERAÇÃO CAPI�TULO 1 A DINÂMICA TERRITORIAL DA EXPLORAÇÃO MINERAL NO NORDESTE: APROPRIAÇÃO PRIVADA DO SUBSOLO E DEGRADAÇÃO DO TRABALHO, DA SAÚDE E DA VIDA DOS CAMPONESES-GARIMPEIROS DO SERIDÓ (PB/RN) Caio Rodrigues María Franco García Introdução Nosso objetivo neste capitulo é apresentar alguns dos principais resultados e reflexões decorrentes da pesquisa de mestrado que desenvolvemos junto ao programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba entre os anos de 2017 e 2019. Assim, como em nossa dissertação de mestrado, cujo título coincide com o deste capítulo, interessa-nos apreender a dinâmica territorial da exploração mineral seridoense tomando como base analítica duas dimensões intimamente relacionadas: os processos de apropriação privada e monopolizada do subsolo, e a degradação do trabalho e, consequentemente, da saúde e da própria vida dos sujeitos que trabalham na porção paraibana do Seridó. Para darmos conta dos desafios impostos pela pesquisa, dividimos o presente texto em quatro momentos específicos, que, embora baseados na cronologia do nosso trabalho, inevitavelmente precisarão sintetizar, e, por vezes, até omitir determinadas dimensões de nossas reflexões, privilegiando algumas questões centrais de pesquisa. Assim sendo, esperamos que a leitura deste capítulo, de extrema importância para a divulgação de nosso estudo, possa ser um convite à leitura, na íntegra, de nossa dissertação de mestrado. O primeiro momento consiste em apresentar, com base no levantamento bibliográfico e documental referente à mineração seridoense, um breve histórico e panorâma da atividade na região, desde a primeira metade do século XX, até os dias atuais. No segundo momento, por sua vez, dedicamo-nos a apresentar os mecanismos empresariais de apropriação privada do subsolo nas porções paraibana e potiguar do Seridó que, conforme demonstramos com base em dados levantados junto à Agência Nacional de Mineração (ANM)1, tem como característica fundamental a monopolização e o controle territorial. Em seguida, num terceiro momento, apontaremos nossas reflexões acerca das marcas territoriais da exploração mineral na vida daqueles que, contraditoriamente, quanto mais produzem riquezas para outrem, mais miseráveis tornam suas próprias condições de saúde e vida. Nesse sentido, a partir dos resultados de um estudo de caso realizado junto às comunidades Quixaba e Timbaúba, ambas situadas na zona rural do município de Frei Martinho, localizado no Seridó Oriental paraibano, buscamos relacionar as leituras e discussões teóricas realizadas em torno do mundo do trabalho, da Geografia do Trabalho, e da degradação do trabalho propriamente dita, com os relatos das experiências laborais e de vida desses trabalhadores rurais, acessados por meio da realização de entrevistas em trabalhos de campo. Por fim, partindo da concepção de que os agravos à saúde humana conformam uma das dimensões mais aparentes e cruéis do que estamos entendendo como trabalho degradado/degradante, dedicamo-nos, em um último momento, a refletir sobre os vínculos estabelecidos entre o território, a exploração mineral e o adoecimento e morte de trabalhadores das comunidades rurais alvos desse estudo. A mineração seridoense: da primeira metade do século XX aos dias atuais De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1990), o Seridó é a região interestadual do Nordeste do país que compreende a porção centro-norte do estado da Paraíba e a porção centro-sul do estado do Rio Grande do Norte. Seus limites estendem-se por 32 municípios, que chegam a somar 11.296 km² de extensão territorial, dentre os quais 15 quinze deles situados em território paraibano2 e 17 sob os domínios territoriais do estado do Rio Grande do Norte3. No que diz respeito à mineração, alvo de nossa investigação, a maior parte do Seridó (PB/RN) está situada sob a Província Pegmatítica da Borborema, cuja área de abrangência estende-se, conforme Dantas (2000), por cerca de 6.000 km². As principais ocorrências minerais oriundas dessa província geológica são os pegmatitos, que incluem minerais como quartzo, mica, feldspato, caulim, tantalita/columbita, berilo, ambligonita, bismunita, scheelita, quartzito, granito, variedades de turmalina, água marinha, granada e minério de ouro, entre outros bens minerais abundantemente encontrados na região. Foi apenas na primeira metade do século XX, em decorrência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que a mineração passou a figurar em meio às atividades produtivas regionais, quando o subsolo seridoense tornou-se alvo de interesses estrangeiros pela primeira vez com a exploração do mineral mica, amplamente utilizado pela indústria elétrica estadunidense. Contudo, embora os primeiros registros da atividade no Seridó remontem aos primeiros anos do século XX, é somente na década de 1930 que a mineração passa a ocupar uma posição de destaque econômico regional. Isso acontece, mais uma vez, em virtude da crescente demanda ocasionada por outro conflito militar de escala global, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Dessa vez, os principais minerais procurados são a scheelita, tantalita e berilo, considerados estratégicos para a indústria bélica estadunidense (Andrade, 1987; Vasconcelos, 2006; R$, 2015; 2019; Rodrigues & Franco García, 2017). É em meio a esse contexto que identificamos as primeiras ações estatais em torno da mineração local, quando em 1934 o Governo brasileiro cria o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com sede no município paraibano de Campina Grande. A partir de então, o DNPM, em ação conjunta com o United States Geological Survey, passa a impor uma nova racionalidade ao processo produtivo, que desde seus primórdios passou a ser desenvolvido no espaço agrário, contando com a força de trabalho de um considerável contingente de trabalhadores rurais4 que utilizavam técnicas e ferramentas de trabalho extremamente rudimentares. Fato é que, desde então, até os dias atuais, é possível observar no mesmo espaço – e por vezes até no mesmo empreendimento! – a coexistência de uma mineração industrial, dotada de certos recursos e tecnologia, e uma mineração artesanal, com pouco o nenhum acesso a maquinário (Andrade, 1987; Rodrigues, 2015; 2019, Rodrigues & Franco García, 2017; Vasconcelos, 2006). A partir da década de 1950, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente queda dos preços internacionais de bens minerais considerados estratégicos para a indústria bélica mundial, a mineração seridoense enfrentou a sua primeira crise produtiva, voltando a apresentar maiores sinais de dinamismo apenas duasdécadas mais tarde, quando uma série de fatores nas escalas regional, nacional e internacional favoreceu a retomada das ações públicas federais e estaduais. Nesse cenário, no fim da década de 1970, os governos dos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte instituíram seus primeiros programas de formação de cooperativas de garimpeiros, deixando a cargo de suas companhias estatais – a Companhia de Desenvolvimento de Recursos Minerais do Rio Grande do Norte (CDM-RN) e a Companhia de Recursos Minerais da Paraíba (CDRM-PB) – a possível resolução do que concebiam como um dos maiores problemas do setor mineral regional: a informalidade do trabalho (Andrade, 1987; Forte, 1994; Vasconcelos, 2006). Todavia, apesar das políticas de formalização da atividade, as primeiras experiências cooperativistas no Seridó (PB/RN) não lograram êxito. Ao fracasso do cooperativismo mineral regional naquele momento, Forte (1994) atribuiu: a ação vertical e paternalista do Estado em relação às cooperativas e aos próprios cooperados, por um lado; e a ausência de políticas públicas referentes à educação dos trabalhadores acerca do sistema de produção cooperativista, por outro.5 Em termos gerais, analisando a dinâmica regional das últimas décadas do século XX, é possível afirmar que o Seridó iniciava uma de suas piores crises produtivas, com rebatimentos diretos à mineração. Contudo, desde a primeira década do novo milênio, conforme Vasconcelos (2006) e Rodrigues (2015), o Seridó passa a experenciar uma terceira fase de expansão da mineração, motivada por fatores que vão desde a escala regional às escalas nacional e internacional, tais como: (a) a retomada das ações públicas federais com a elaboração e vigência do Plano Nacional de Mineração (PNM-2030); (b) o papel decisivo dos Brics na Divisão Internacional do Trabalho; (c) a ampliação do consumo de bens minerais no país, impulsionada pelas políticas de construção, infraestrutura e habitação promovidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); (d) a elevação dos preços dos bens minerais no mercado internacional; (e) e a própria retomada dos poderes públicos estaduais no direcionamento de ações impulsionadoras de seus respectivos setores minerais. Nesse sentido, conferimos especial destaque à retomada das ações públicas federais e estaduais no direcionamento de políticas voltadas à formalização do trabalho na exploração mineral por meio de uma espécie de “segunda onda cooperativista”, que atinge em cheio o universo da mineração seridoense. Sob o discurso de melhorar as condições de trabalho e acesso à renda dos trabalhadores garimpeiros, realizar a exploração mineral sem grandes danos ao meio ambiente, eliminar o atravessador e arrecadar os impostos referentes aos bens minerais explorados nos municípios da porção paraibana do Seridó, surgem na região, entre os anos de 2005 e 2011, seis cooperativas de garimpeiros: (a) a Coomipel (Pedra Lavrada); (b) a Coogarimpo (Nova Palmeira); (c) a Coopervárzea (Várzea); (d) a Cooperjunco (Junco do Seridó); (e) a Coopermineral (Frei Martinho); (f) e a Coopicuí (Picuí). Contudo, apesar dos programas de formalização da atividade, o cooperativismo mineral seridoense, mais uma vez, não tem sido capaz de tornar as condições de trabalho e acesso ao subsolo e renda muito diferentes das condições do garimpeiro informal. São vários os limites e gargalos, que passam desde o já citado acesso limitado ao subsolo6, ao fato de que, não raramente, algumas dessas cooperativas, assim como na primeira onda cooperativista da região investigada por Forte (1994), funcionam, na prática, como verdadeiras microempresas geridas por uma diretoria que nunca trabalhou diretamente na exploração de bens minerais. Fato é que, uma vez que o acesso ao subsolo seridoense por parte das cooperativas de mineradores se dá de forma extremamente limitada, e tendo em vista que os trabalhadores garimpeiros seguem, na maioria dos casos, desenvolvendo a exploração mineral basicamente nos mesmos moldes em que fariam no âmbito das relações informais de trabalho, a superação da figura do atravessador, peça-chave na trama da apropriação privada dos bens minerais da porção paraibana do Seridó, nos parece uma realidade impensável. Esse contexto reforça nossa crença em uma hipótese bastante provável de que, conforme nos informaram diversos interlocutores de pesquisa, haja uma possível relação de exploração ilegal do subsolo seridoense manifesta no saqueio de bens minerais extraídos da porção paraibana do Seridó e posteriormente registrados - para todos os fins fiscais - por empresas de exploração e beneficiamento de bens minerais situadas no estado do Rio Grande do Norte como se fossem de procedência do subsolo potiguar. Elementos que fortalecem essa conjectura serão expostos a seguir no subtítulo que dedicamos à apresentação dos resultados de pesquisa referentes às formas e mecanismos da apropriação privada do subsolo no Seridó. A apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense Conforme visto anteriormente, desde os seus primórdios na primeira metade do século XX, a exploração mineral no Seridó é realizada por trabalhadores camponeses em áreas de exploração mineral localizadas em propriedades rurais. Não bastasse isso para caracterizar a mineração seridoense como uma atividade eminentemente agrária, é possível observar ainda que a principal forma de acesso ao subsolo pelo trabalhador garimpeiro informal se dá por meio da incorporação de relações de produção próprias do universo da agricultura, como o arrendamento7, conforme revela o trecho de entrevista a seguir: E você na terra dele pagava uma porcentagem, né? 10%, né? De garimpo... de minério extraído. [...] É por porcentagem, sabe? O cara trabalha, digamos, aqui na minha terra, num garimpo, numa banqueta como é conhecida aqui8 [...] Aí, então, se produzir algum minério, ele me paga 10% daquela produção, sabe? (Em entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018) No que diz respeito à comercialização dos bens minerais advindos do trabalho informal, de acordo com nossas observações empíricas e os próprios relatos de trabalhadores garimpeiros da região, existem três caminhos possíveis: (a) a comercialização nas feiras, que acontecem paralelamente às feiras de produtos agrícolas; (b) a comercialização via atravessador, que em determinados casos é o próprio proprietário da terra; (c) a comercialização direta com as empresas de exploração e beneficiamento de minerais atuantes na região, conforme revela o relato do trabalhador entrevistado na comunidade Quixaba: A Armil, ela comprava. Ainda compra, que ela sempre vai comprar. Feldspato, a albita... Ruim era só o pagamento deles, né? Levava e pagava com 2 meses, com 3 meses. Era assim, agora eu nem sei como é que está mais. [...] Vinha pegar aqui. É, no caminhão deles, mesmo. (Em entrevista realizada na Comunidade Quixaba em 09/05/2018) Dentre as formas de comercialização possíveis, certamente a que mais chamou a nossa atenção é a última, em que, dispensando a própria atuação de atravessadores, a empresa Armil Mineração do Nordeste Ltda. estaria comprando – e buscando em transporte própio – bens minerais extraídos na Paraíba por trabalhadores informais, possivelmente registrando a procedência desses bens minerais como se fosse oriunda de subsolo potiguar9, realizando o pagamento direto aos trabalhadores em até noventa dias. Pistas dessa possível relação de exploração ilegal de bens minerais do subsolo paraibano são observadas nas tabelas 1 e 2, referentes à arrecadação da CFEM10 dos principais municípios produtores do Seridó paraibano e potiguar: Município 2014 (R$) 2015 (R$) 2016 (R$) 2017 (R$) 2018 (R$) Frei Martinho 1.030,80 1.644,92 1.398,55 - 2.513,43 Junco do Seridó 77.000,83 96.326,92 83.656,16 84.598,41 113.309,07 Nova Palmeira 1.531,82 1.046,94 2.654,17 6,63 1.239,07 Pedra Lavrada 100.464,32 107.707,16 110.979,31 94.702,34 130.083,36 Picuí 39.176,41 22.611,02 4.160,76 12.309,35 18.747,19 Várzea 85,10 285,07 - - - Tabela 1.Arrecadação da CFEM dos principais municípios produtores do Seridó Paraibano (2014-2018) Fonte: ANM, 2019. Adaptado por: Rodrigues, 2019 Município 2014 (R$) 2015 (R$) 2016 (R$) 2017 (R$) 2018 (R$) Currais Novos 526.022,27 391.733,86 438.617,78 343.280,32 479,942,34 Equador 195.773,62 225.848,32 201.189,06 199.036,21 187.003,10 Parelhas 145.634,96 213.161,92 212.536,86 231.161,43 127.999,72 Tabela 2. Arrecadação da CFEM dos principais municípios produtores do Seridó Potiguar (2014-2018) Fonte: DNPM, 2019. Adaptado por: Rodrigues, 2019. Analisando os dados das tabelas acima, vemos a irrisória arrecadação da CFEM dos municípios paraibanos de Frei Martinho, Nova Palmeira, Picuí e Várzea, quando comparadas aos municípios potiguares de Currais Novos, Equador e Parelhas. Por outro lado, as melhores condições de arrecadação da CFEM dos municípios paraibanos de Pedra Lavrada e Junco do Seridó justificam-se, por um lado, pela presença da empresa Elizabeth Produtos Cerâmicos Ltda. em Pedra Lavrada e, por outro lado, pela presença de uma quantidade considerável de empresas de exploração e beneficiamento de caulim em Junco do Seridó, que, em ambos os casos, registram os bens minerais comercializados em seus respectivos municípios de atuação11. Nesse sentido, nossos estudos revelam que, a partir da compra de bens minerais explorados por trabalhadores informais em lavras de exploração mineral clandestinas, as empresas de exploração e beneficiamento atuantes na região não apenas garantem uma maior lucratividade, visto que não assumem nenhum tipo de responsabilidade trabalhista e/ou ambiental, senão impõem um considerável controle territorial, manifesto na monopolização direta do subsolo, a partir do registro de áreas junto à ANM, ou indireta, a partir das possíveis – e bem prováveis – práticas ilegais de saqueio do subsolo na porção paraibana do Seridó. Ao apontarmos que a apropriação privada do subsolo no Seridó tem como características fundamentais o controle e a monopolização territorial, faz-se importante frisar que afirmamos isso com base na análise crítica dos dados dos processos minerários – levantados juntos à ANM – referentes à região. Esses dados, uma vez sistematizados, tornaram-se a base para elaboração da cartografia da apropriação privada e monopolizada do subsolo do Seridó (PB/RN) que pode ser consultada no segundo capítulo de nossa dissertação de mestrado. Limitamos-nos a expor aqui apenas alguns dados referentes ao que estamos nos referindo como a “apropriação privada e monopolizada” do subsolo no Seridó. Nessa perspectiva, apresentamos os dados da Tabela 3, abaixo, referentes às cinco maiores empresas em área do subsolo no Seridó (PB/RN) de acordo com a ANM12. Seridó Paraibano Seridó Potiguar Empresa Área Empresa Área Cascar Brasil Mineração Ltda 48.840 hectares Cascar Brasil Mineração Ltda 41.651 hectares Casa Grande Mineração Ltda 20.081 hectares Bp Brazil Projects Empreendimentos Minerais Ltda Epp 20.429 hectares Mineração Florentino Ltda 13.479 hectares C. Fernando R. da Paz e Cia Ltda 20.061 hectares Borborema Mineração Ltda 12.383 hectares Casa Grande Mineração Ltda 18.130 hectares Elizabeth Produtos Cerâmicos Ltda 11.620 hectares Arthur Pedro da Silva Costa 18.129 hectares Tabela 3. Principais empresas em área do subsolo de acordo com os processos minerários da região do Seridó (PB/RN) Fonte: ANM, 2018. Elaborado por: Caio Rodrigues, 2019. Em relação às principais empresas atuantes na região do Seridó, destacamos: (a) a Cascar Brasil Mineração Ltda., subsidiária do grupo empresarial australiano Crusader Resourcers, primeiro lugar em área nos processos minerários da região, o equivalente a 90.491 hectares do subsolo13; (b) a Casa Grande Mineração Ltda., empresa do grupo Armil Mineração do Nordeste Ltda.14, com sede em Parelhas/RN, que ocupa, respectivamente, a 2ª e 4ª colocação em área do subsolo em processos minerários no Seridó paraibano e potiguar, totalizando 38.211 hectares; (c) e a Elizabeth Produtos Cerâmicos Ltda., que, embora ocupe apenas a 5ª colocação em área de subsolo nos processos minerários do Seridó paraibano, o equivalente a 11.620 hectares, tem reconhecida também a sua ação no litoral sul do estado da Paraíba, onde, conforme estudos de Lourenço & Moreira (2018), está envolvida em um conflito territorial decorrente do seu avanço sobre áreas do assentamento rural João Gomes, em Alhandra/PB. Em síntese, quando indicamos que a apropriação privada do subsolo seridoense é, também, monopolizada, estamos diante de dados da ANM que apontam que: as dez maiores empresas em área do subsolo na porção paraibana do Seridó ocupam cerca de 40% de toda a “área minerável”15 ou cerca de 35% da área total do Seridó paraibano; e as dez maiores empresas em área do subsolo na porção potiguar do Seridó ocupam cerca de 38% de toda a “área minerável” ou cerca de 30% da área total do Seridó potiguar. Fato é que na outra ponta desses mecanismos de controle territorial e dos processos de apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense estão os trabalhadores da mineração, sobre quem recaem os primeiros efeitos da exploração mineral, manifestos na degradação do trabalho, da saúde e da própria vida, como veremos de agora em diante a partir do estudo de caso realizado junto às comunidades rurais Quixaba e Timbaúba, no município de Frei Martinho. A degradação do trabalho em Frei Martinho/PB: a mineração nas comunidades rurais Quixaba e Timbaúba De acordo com o IBGE16, o município de Frei Martinho possui pouco menos de 245 km² de extensão territorial e está localizado na microrregião do Seridó Oriental paraibano, estando a pouco mais de 140 km de distância da cidade de Campina Grande. A população freimartinhense está estimada em cerca de 2.989 habitantes (IBGE, 2019), dos quais cerca de 62% vivem na sede municipal, e os demais 38% habitam a zona rural (IBGE, 2010). No universo dos 38% da população rural de Frei Martinho estão os habitantes das comunidades Quixaba e Timbaúba, alvo de nosso estudo de caso sobre os efeitos da mineração expressos na degradação do trabalho, da saúde e da própria vida dos camponeses-garimpeiros seridoenses. Conforme apontam os estudos de Brito (1997) e os registros da professora “Zefinha”17, o cotidiano da comunidade Quixaba baseava-se, até os fins da década de 1930, na produção camponesa de autoconsumo. Com a descoberta da tantalita na região, em 1937, o garimpo passou a formar, junto à agricultura camponesa e à criação de animais, uma espécie de tripé sustentáculo da reprodução social familiar dos agora camponeses-garimpeiros da comunidade Quixaba, o mesmo acontecia, no mesmo momento, em sua comunidade irmã, Timbaúba18. Fato é que, desde os primórdios da exploração mineral nas comunidades Timbaúba e Quixaba, até então, a depender das condições morfoclimáticas regionais, o trabalho assumiu um caráter móvel e sazonal, evidenciado na plasticidade do trabalho, revelada em território seridoense por meio do movimento devir de ser “ora camponês, ora trabalhador rural assalariado, ora garimpeiro autônomo/informal”. Nesse sentido, conforme Thomaz Jr (2012, p. 9): O movimento territorial de classe da classe trabalhadora é, pois, a expressão geográfica da plasticidade do trabalho, conceito, aliás, que nos tem permitido entender as (re)existências e (des)realizações das diferentes formas e manifestações dos homens e mulheres que trabalham. É, pois, o movimento territorial de classe, o entendimento das implicações e dinâmicas das contradições imanentes à relação capital x trabalho, com a amplitude das diferentes expressões que marcam a territorialidade da plasticidade do trabalho. Pistas do movimento territorial do trabalho, da diversidade de experiências laborais e da constante (des)realização do trabalho – e, por consequência, dos sujeitos que trabalham – podem ser evidenciadas no seguinte trecho de entrevista realizada junto a um dos trabalhadores camponeses-garimpeiros da comunidade Timbaúba: R.A: Meu pai sempre trabalhoucom fazenda, era vaqueiro. Aí, depois de vaqueiro, aí ficou nas fazendas, até se aposentar. Aí criou a família, a gente começou a crescer, foi aumentando os tempos das secas e aí a gente virou faisqueiro19, né, como chama catador de minério. Começamos a trabalhar. [...] Aí seguimos trabalhando, trabalhei por muito tempo. Aí foi o tempo que eu “passei a de maior”, foi o tempo que o minério desvalorizou, aí eu mesmo voltei a trabalhar de vaqueiro. [...] Trabalhei muitos anos de vaqueiro. [...] Dessas fazendas, aprendi até um pouco de veterinário. Aí acabou o preço do minério [...] aí eu fui embora pra Goiás, pra lá morei por sete anos. [...] Em Goiás trabalhava em hortaliças mesmo, também. [...] Aí voltei pra cá, foi o tempo da mulher aposentar. Aí voltei, fiquei por aqui. Fiquei indo pra parte de sacaria, quando terminava, vinha embora. [...] Comecei na colheita de soja. Eram noventa dias que eu passava lá, 120 dias na colheita, aí voltava pra cá de novo. (Em entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018) De vaqueiro a faisqueiro no Seridó, a trabalhador assalariado rural no plantio de hortaliças e na colheita de soja no interior de Goiás, o relato do trabalhador, que identificamos aqui como “R.A” – a fim de garantir seu completo anonimato –, traduz a penosa realidade da constante (des)realização e mobilidade do trabalho vivenciada pelos trabalhadores camponeses-garimpeiros da porção paraibana do Seridó. Realidade que, conforme o trecho do relato a seguir, inicia-se de maneira bastante precoce: C.B: Eu lembro que eu, com idade de 5, 6 anos já ia pra o alto20 “mais” a minha mãe catava uns “berilozinho” pequenininho assim, ia botando dentro de um caneco de óleo, e quando enchia aquele caneco a gente sabia que era um quilo. Vinha pra casa, vendia e comprava a rapadura, uma farinha, um feijão e comia. [...] [Com] 5, 6 anos os meninos aqui já foram trabalhar. (Em entrevista realizada na Comunidade Quixaba em 09/05/2018) O relato acima evidencia uma das três formas de exploração mineral desenvolvidas no Seridó paraibano. Trata-se da “cata” ou “catagem” de minérios, como comumente chamam os trabalhadores camponeses- garimpeiros. Esse modelo de exploração mineral consiste em, literalmente, catar minerais na superfície das lavras de exploração mineral, sendo até pouco tempo atrás a porta de entrada das crianças no universo da mineração seridoense21. Se a “mineração de cata superficial de minérios” representava até pouco tempo atrás a inserção do trabalho infantil na mineração seridoense, a “mineração nos córregos e riachos” absorveu durante muito tempo a força de trabalho feminino, duplamente explorado nas esferas produtiva e reprodutiva. Conforme a sua própria tipificação sugere, trata-se de um tipo de garimpagem desenvolvida em açudes e córregos a partir da utilização de ferramentas como a bateia, a “caixa”22, a tela e a pá, além de, ocasionalmente, serem utilizados motores a óleo para o trabalho com a água juntamente à “corrida”23. A Figura 1, mais adiante, ilustra algumas das ferramentas de trabalho utilizadas por essa forma de exploração mineral. Por outro lado, na “mineração nos altos e banquetas”, uma terceira forma de exploração mineral desenvolvida na região, uma vez que é necessário um grande dispêndio de força física, praticamente não é possível observar o trabalho de mulheres garimpeiras. As principais ferramentas de trabalho utilizadas são geralmente bastante rudimentares, e por vezes adaptadas do trabalho na agricultura, destacam-se: a marreta, a picareta/chibanca, o pixote, o aço e o carro de mão; guinchos artesanais movidos a óleo ou a força mecânica humana; e, em alguns casos, compressores de ar. Destaca-se, também, nesse modelo de exploração mineral, a utilização de explosivos, que, conforme veremos mais adiante, não raramente resultam em graves acidentes de trabalho que podem causar mutilações, surdez, cegueira e a própria morte desses trabalhadores garimpeiros. Figura 1. Ferramentas de trabalho utilizadas na mineração em Frei Martinho e Picuí (2012-2018) Fonte: Trabalhos de Campo Realizados entre 2012 e 2018. De forma sintética, uma vez que não pretendemos aprofundar aqui questões de cunho teórico-metodológico, e reiterando nosso anseio de que este capítulo seja um convite à leitura de nossa dissertação de mestrado, precisamos pontuar da forma mais breve e direta possível o que estamos entendendo como degradação do trabalho. Trata-se, pois, de um fenômeno global emergente da subordinação do trabalho concreto, ontologia do ser social – e suas mediações primárias – aos imperativos do trabalho abstrato/alienado – e suas mediações secundárias –, que, em última instância, desumanizam os sujeitos que trabalham. Partindo dessa perspectiva teórica, podemos afirmar categoricamente que todo e qualquer trabalho desenvolvido sob os imperativos da acumulação capitalista, voltado fundamentalmente à reprodução cada vez mais ampliada do capital, é, em maior ou menor grau, trabalho degradado (Antunes, 1999; Heck, 2002; Heck & Thomaz Jr, 2016; Marx, 2017; Mészáros, 2002; Perpetua, 2016; Thomaz Jr, 2011;2012). Nesse sentido, ao abordar brevemente o ato de garimpar e suas especificidades de acordo com as diferentes formas de exploração mineral, objetivamos revelar algumas das marcas territoriais da mineração seridoense que, ao nosso ver, se constituem enquanto manifestações da degradação do trabalho, expressas, como vimos: (a) no trabalho infantil, que negou o acesso à educação a toda uma geração de trabalhadores garimpeiros; (b) na dupla exploração do trabalho feminino entre as esferas produtiva e reprodutiva; (c) e na condição de informalidade do trabalho que, ao assentar os sujeitos à margem dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, representa a porta de entrada para uma série de outras determinações degradantes ao trabalho e à própria vida, determinações essas que serão evidenciadas a seguir. Do ato ao efeito de garimpar: crônica de uma morte anunciada Destarte, passaremos “do ato de garimpar, ao efeito de garimpar”, ou, em outras palavras, do ato do trabalho na mineração às consequências últimas do trabalho na mineração. Depararemo-nos, de agora em diante, com a mais nefasta marca territorial do labor na exploração mineral seridoense, expressão máxima da degradação do trabalho: a degradação da saúde e da própria vida. Ao posicionarmo-nos dessa forma, alinhamo- nos a Heck & Thomaz Jr (2016, p. 71), admitindo a extrema importância em incluir na agenda de pesquisa em Geografia a temática da saúde do trabalhador, no âmbito da dinâmica territorial do trabalho, para retirar da invisibilidade social as doenças relacionadas ao trabalho. Entendendo também que, no ambiente da (des)realização do trabalho, uma das expressões mais dramáticas encontra-se no campo dos agravos à saúde dos trabalhadores de inúmeras inserções laborais. Assim sendo, evidenciamos a importância analítica de, em meio à nossa investigação em torno da degradação do trabalho, apreender a conexão existente entre os movimentos do trabalho, da apropriação da natureza e da saúde humana e ambiental (Thomaz Jr, 2011). Nesse sentido, sem perder de vista que o fenômeno da degradação do trabalho deve ser entendido para além dos agravos à saúde do trabalhador (Perpetua, 2016), apresentamos provas de que há uma íntima relação entre os vínculos territoriais da mineração seridoense e o adoecimento e morte de trabalhadores camponeses-garimpeiros. Assim, uma vez defrontados com a inexistência de dados públicos referentes às condições de saúde dos trabalhadores garimpeiros no município de Frei Martinho, e contando com o apoio de nossos interlocutores de pesquisa24, realizamos, em maio de 2019, nossa última incursão em campo, dedicada única e exclusivamente ao levantamento de documentos médicos (dados qualitativos) que pudessem nos servir enquanto comprovação objetiva de que o trabalho na mineração seridoense adoece e mata. O Quadro 1, a seguir, sintetiza as informações referentes a todos esses documentos/dadoslevantados em trabalho de campo, que, embora não possam compor este capítulo – em virtude da quantidade de páginas que seriam necessárias dedicar a isso – , encontram-se divididos entre o último capítulo e os anexos de nossa dissertação de mestrado. Identificação do Trabalhador Agrávos a Saúde Tipo de documento/dado Condição atual do trabalhador F.B Hérnia de disco; Dor lombar 01 Raio-X; 01 Ressonância magnética Em tratamento E.F Hérnia de disco; Dor lombar 01 Ressonância magnética Em tratamento C.B Hérnia de disco; Dor lombar 01 Prontuário médico; 01 Ressonância magnética Em tratamento H.B Dor lombar 01 Prontuário médico Em tratamento A.S Hérnia de disco; Dor lombar 02 Atestados médicos; 01 Ressonância magnética; 01 Atestado Médico do INSS; 01 Registro de trabalho Em tratamento Identificação do Trabalhador Agrávos a Saúde Tipo de documento/dado Condição atual do trabalhador F.A Silicose 01 Teste de função pulmonar; 01 Raio-X Em tratamento J.D Silicose 02 Resumos de alta; 02 Laudos médicos; 01 Raio-X Em tratamento F.N Silicose 01 Resumo de alta; 01 Tomografia; 01 Prontuário médico; 01 Certidão de óbito Falecido A.L Silicose 02 Prontuários médicos Falecido J.N Silicose 01 Prontuário médico Falecido Quadro 1. Quadro síntese dos dados qualitativos referentes à saúde do trabalhador garimpeiro levantados em trabalho de campo em Frei Martinho (2019) Fonte: Trabalho de campo realizado em maio de 2019, Frei Martinho/PB. Org: Caio Rodrigues, 2019. Conforme é possível observar no quadro acima, identificamos basicamente dois tipos de doenças ocupacionais que atingem os trabalhadores camponeses-garimpeiros das comunidades Quixaba e Timbaúba25: (a) dores lombares, na coluna e/ou hérnia de disco, diretamente relacionadas com o grande dispêndio de força física necessário ao trabalho na exploração de bens minerais; (b) e a silicose, pneumoconiose adquirida por meio da exposição contínua à inalação da poeira de sílica, doença de evolução progressiva e irreversível (sem cura), comumente relacionada à causa óbito de trabalhadores garimpeiros. No que diz respeito às dores de coluna, dores lombares e ocorrências de hérnia de disco, embora não se constituam como um agravo à saúde diretamente relacionado à morte dos trabalhadores da mineração, conforme dados levantados em estágios anteriores de pesquisa, representam a maior queixa entre os camponeses-garimpeiros da comunidade Quixaba, atingindo cerca de 67% dos trabalhadores entrevistados até aquele momento (Rodrigues, 2015; Rodrigues & Franco García, 2017). Em relação à silicose, conforme é possível observar no Quadro 1, dentre as cinco ocorrências comprováveis por meio do acesso a documentos médicos, três são referentes a trabalhadores que acabaram chegando a óbito. O relato a seguir, de entrevista realizada junto a um trabalhador da comunidade Timbaúba, revela com a maior naturalidade possível a ocorrência de mortes decorrentes de silicose na região: E.F: Eu usava uma máscara, capacete, botina, sempre eu usava uma máscara, uma camisa no rosto, cobrindo, pra não entrar poeira no nariz. Principalmente quando estava furando com o compressor. E tinha um rapaz que furava, eu cheguei lá um dia, ele dentro da poeira, furando. Eu digo: “rapaz, arrume uma máscara pra você usar”, ele disse: «meu pulmão é de ferro», eu digo: “ferro enferruja”. E morreu, já. Ele já morreu. Morreu com problema da doença do garimpo. (Em entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018) Ademais, conforme o relato a seguir, de um dos trabalhadores entrevistados na comunidade Timbaúba, a inserção do compressor26, por volta da década de 1980, embora tenha tornado o trabalho mais produtivo e menos penoso fisicamente, trouxe sérias consequências à saúde dos trabalhadores camponeses-garimpeiros do Seridó paraibano: J.B: Compressor tem uma coisa: os que mexeram com compressor já morreram quase todos. Quem não morreu está pra isso. (trecho inaudível) come o pulmão do cara do pó da pedra, sabe? Tá em canto abafado, furando, uma poeira desgraçada daquela, né? Aí respira. Aquele pó entra todo, né? Sem nenhuma proteção. Aí já morreu até um genro meu, nisso aí. Tinha 40 anos. (Em entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018) Somado às ocorrências de problemas de coluna, dores lombares, hérnia de disco e silicose, estão alguns corriqueiros acidentes de trabalho, decorrentes principalmente de desabamentos nas galerias subterrâneas – banquetas – e da má utilização de explosivos, que, quando não levam o trabalhador a óbito, podem causar mutilações, surdez e/ou cegueira, conforme relata a seguir o trabalhador entrevistado na comunidade Quixaba: F.B: Meu pai sofreu um acidente [...] ele ficou em coma 30 dias em Picuí. Explosivo, detonou um fogo, ele queimou um monte de fogo lá e não demorava muito tempo, né? Quando passou 15 minutos, ele achou que (trecho inaudível). Ele desceu pra ver, que ele tinha esse costume de descer com a poeira com tudo, ele não se importava, né? Aí quando chegou lá que foi olhar, um fogo, na hora que ele pegou, o fogo detonou, pegou no rosto dele e jogou ele na barreira. [...] Aí perdeu a visão, um olho vazou na hora, ele ficou só com um. Via pouco por um, mas trabalhou até adoecer da silicose. (Em entrevista realizada na comunidade Quixaba no dia 09/05/2018). Embora não tenhamos tido acesso a nenhum documento médico referente a acidentes de trabalho na mineração, praticamente todos os trabalhadores entrevistados tiveram notícias ou presenciaram acidentes de trabalho como o relatado acima. Acidentes que, quando não deixaram vítimas fatais, acarretaram graves sequelas para a saúde e a própria vida dos garimpeiros acidentados. O que constitui um grave problema, visto que a imensa maioria desses trabalhadores desenvolve o trabalho de exploração de bens minerais no contexto do universo informal das relações de trabalho completamente desprotegidos em termos de seguridade social. Partindo do pressuposto de que há uma estreita relação do trabalho com a saúde e a própria vida, conforme expõe Antunes (1999) ao afirmar que uma vida dotada de sentido no trabalho pressupõe uma vida com sentido no trabalho, e, igualmente, uma vida sem sentido no trabalho impõe uma vida sem sentido fora dele, destacamos os agravos à saúde, expressos nas dores lombares, problemas de coluna, hérnia de disco, silicose e acidentes de trabalho – além da própria morte – decorrentes dos diferentes processos de trabalho enfrentados diariamente por esses trabalhadores na luta cotidiana pelo pão, como o efeito mais cruel da exploração mineral regional, manifestação máxima da degradação do trabalho em território seridoense. Considerações finais Desde os seus primórdios, nos primeiros anos do século XX, a mineração no Seridó constituiu-se como uma prática espacial eminentemente agrária, realizada por trabalhadores camponeses, com ferramentas de trabalho adaptadas do trabalho nos roçados, em propriedades rurais. Dessa forma, não é exagero algum afirmar que, à medida que a região descobria a mineração, os camponeses seridoenses passaram a descobrir, de igual forma, o ser garimpeiro, ou ainda mais que isso, o ser camponês-garimpeiro. Seja em função das condições morfoclimáticas regionais, seja em virtude dos períodos de baixa nos preços dos bens minerais explorados na região, a classe trabalhadora rural do Seridó passou a vivenciar as mais diversas experiências de (des)realização laboral e humana, expressas territorialmente no constante movimento das identidades laborais que evidenciam a plasticidade do trabalho no campo seridoense: ora camponês, ora trabalhador assalariado rural, ora garimpeiro informal. Nesse sentido, os vínculos territoriais do garimpo, em princípio radicalmente opostos às práticas espaciais da produção camponesa, passaram a coexistir, desde então, nos mesmos lugares nas comunidades rurais freimartinhenses Quixaba e Timbaúba, de tal modo e em tais condições, que a exploração mineral passou a incorporar relaçõesde produção próprias do trabalho na agricultura, como é o caso do “arrendamento do subsolo”, principal forma de acesso ao subsolo por parte dos trabalhadores garimpeiros informais da região. Em consequência disso, entre os fins dos anos 2000 e início da década de 2010, com o discurso de estabelecer maior controle territorial sobre o subsolo, o Estado, em suas escalas nacional e estadual, passou a direcionar ações públicas voltadas ao combate à informalidade do trabalho na mineração, o que aconteceu por meio do investimento e incentivo à organização do trabalho dos garimpeiros seridoenses em cooperativas. Nesse contexto, são criadas, nos municípios paraibanos de Frei Martinho, Picuí, Nova Palmeira, Pedra Lavrada, Junco do Seridó e Várzea, seis cooperativas de garimpeiros/mineradores, que, conforme temos evidenciado até então, não têm sido exitosas em tornar as condições de acesso ao subsolo diferentes daquelas do trabalho informal, tampouco têm conseguido tornar as condições de trabalho e acesso à renda dos cooperados consideravelmente diferentes das do garimpeiro informal. É, pois, apoiada sob a informalidade do trabalho – que exime as empresas de qualquer responsabilidade social/trabalhista – , atrelada à existência de garimpos clandestinos – que exime as empresas de qualquer tipo de preocupação ambiental –, que a trama empresarial de apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense garante, por um lado, uma maior lucratividade, e impõe, por outro lado, um intenso controle do território. Na outra ponta dos processos de apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense temos a degradação do trabalho, da saúde e da própria vida do trabalhador camponês-garimpeiro, manifestas na informalidade do trabalho; na dupla exploração do trabalho feminino nas esferas produtiva e reprodutiva; no trabalho infantil que relega o acesso à educação a um segundo plano; nos agravos à saúde do trabalhador; e, em última instância, na própria morte, ora decorrente dos graves e recorrentes acidentes de trabalho, ora enquanto um resultado da mais cruel doença ocupacional do garimpo: a silicose. Fato é que, observando a dinâmica territorial da exploração mineral do Seridó (PB/RN) nos últimos anos, evidenciamos que o fenômeno da degradação do trabalho, da saúde e da própria vida, é, ao mesmo tempo, um processo, meio pelo qual a apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense é possível; e fim, produto e efeito último dessa trama perversa que se manifesta no adoecimento e na morte dos sujeitos que trabalham. Referências ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste. Recife: Editora UFPE, 1998. ANDRADE, Manuel Correia de. Mineração no Nordeste: depoimentos e experiências. Brasília: CNPq, Assessoria Editorial e Divulgação Científica, 1987. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho – Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. AZEVEDO, Francisco Fransualdo de. Seridó Potiguar: Dinâmina Socioespacial e Organização do Espaço Agrário Regional. Uberlândia: Composer, 2005. BRASIL. 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Trata-se de dados referentes aos diversos estágios dos processos minerários ativos nas porções paraibana e potiguar do Seridó, oriundos da base de dados do Sigmine, sistema de informações geográficas da Agência Nacional de Mineração (ANM). Disponível em: http://bit.ly/2wiFaph. Acesso em: jul. 2018. 2. Baraúna, Cubati, Frei Martinho, Juazeirinho, Nova Palmeira, Pedra Lavrada, Picuí, Seridó e Tenório, no Seridó Oriental paraibano; Junco do Seridó, Salgadinho, Santa Luzia, São José do Sabugi, São Mamede e Várzea, no Seridó Ocidental paraibano. 3. Acari, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Equador, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Parelhas, Santana do Seridó e São José do Seridó, no Seridó Oriental potiguar; Caicó, Ipueira, Jardim de Piranhas, São Fernando, São João do Sabugi, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas, no Seridó Ocidental potiguar. 4. Durante a Segunda Guerra Mundial, a mina Brejuí, maior mina de exploração de scheelita da América Latina, chegou a reunir cerca de 3.000 trabalhadores, a imensa maioria composta por trabalhadores rurais (Andrade, 1987). 5. Questões que, de acordo com Forte (1994), se desdobraram em uma série de contradições como: (a) uma considerável quantidade de sócios não garimpeiros; (b) a presença/permanência de membros da CDM-RN nas diretoriasdas cooperativas; (c) a incapacidade de eliminar os atravessadores; (d) a existência de cooperativas que, na prática, funcionavam como microempresas, onde predominava o trabalho assalariado de garimpeiros não sócios; e) e a indiscriminada presença de trabalho infantil em áreas de exploração mineral. http://bit.ly/2wiFaph 6. De acordo com dados de 2018 da ANM, apenas a Coomipel (Pedra Lavrada) e a Cooperjunco (Junco do Seridó) têm acesso garantido ao subsolo. 7. Que leva em consideração apenas a propriedade da terra, ignorando a posse do subsolo. 8. Termo utilizado pelos trabalhadores garimpeiros do Seridó em referência ao interior das galerias das minas. 9. Esse tipo de prática já foi alvo de investigação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) na região. Durante as investigações da “Operação Sete Chaves”, foi identificada a exploração ilegal de turmalina Paraíba no distrito de São José da Batalha, no município de Salgadinho, Seridó paraibano. A gema, explorada ilegalmente em território paraibano, era levada para ser registrada no município de Parelhas, Seridó potiguar, onde uma empresa envolvida no esquema tinha permissões de lavrar e registrar a procedência do mineral. 10. É a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Trata-se, conforme informações levantadas junto ao portal do DNPM (hoje ANM) de Pernambuco, de uma “contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios”. As arrecadações são distribuídas da seguinte forma: (a) 12% para a União (ANM, Ibama); (b) 23% para o estado onde a substância mineral for extraída e; (c) 65% para o município produtor. Mais informações, disponíveis em: http://bit.ly/32Gcsel. Acesso em: jul. 2018. 11. O que não elimina a possibilidade de haver explorações ou compras ilegais de bens minerais nesses municípios, apenas registra-se a procedência dos minerais em seu estado de origem. Em última instância, sequer há garantias de que esses bens minerais sejam todos oriundos do subsolo desses municípios. 12. Utilizamos aqui a soma dos dados referentes a todas as fases dos processos minerários ativos na região. 13. Focada na produção de minério de ouro, a empresa deve iniciar em breve as operações de seu “Projeto Borborema”, que contará com uma área de 490 hectares, localizada no município potiguar de Currais Novos, destinada ao beneficiamento de ouro, com capacidade inicial de cerca de dois milhões de toneladas por ano, advindas, a princípio, de três lavras de exploração mineral que, somadas, chegam a 29,07 km² de área. 14. Com projetos de exploração mineral nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, é considerada a maior empresa em capacidade de beneficiamento de minerais não metálicos do Brasil, com capacidade produtiva superior a cinquenta mil toneladas por mês. Empresa que, de acordo com relatos de trabalhadores de Frei Martinho, estaria comprando feldspato explorado na Paraíba por garimpei 15. Como “área minerável” referimo-nos a toda a área com processos minerários registrados junto à ANM. 16. Informações disponíveis em: http://bit.ly/2PztyFj. Acesso em: jul. 2018. http://bit.ly/32Gcsel http://bit.ly/2PztyFj 17. Pedagoga, ex-garimpeira e residente na comunidade Quixaba. Os registros da professora “Zefinha” têm como fonte entrevistas realizadas junto aos moradores mais antigos da comunidade. 18. Conforme relatado pelos trabalhadores camponeses-garimpeiros residentes em ambas comunidades rurais, a comunidade Quixaba é originária de um desmembramento da comunidade Timbaúba. 19. Faisqueiro, assim como maloqueiro, são terminologias diferentes para se referir ao trabalhador garimpeiro. 20. Denominação que os garimpeiros dão às lavras de exploração mineral, visto que geralmente encontram-se em áreas de altitude mais elevada. 21. Ainda que nos últimos anos o trabalho infantil na mineração seridoense tenha se tornado praticamente extinto, por uma série de razões que vão desde a um melhor acesso à educação até a existência de programas sociais de acesso à renda, ele constituiu uma das mais notáveis marcas territoriais da mineração no seridoense do século XX. 22. Instrumento de trabalho artesanal amplamente utilizado na pequena mineração seridoense. Trata-se de uma caixa de madeira propositadamente inclinada, com uma espécie de tela na parte superior. O trabalho “virando caixa” envolve três trabalhadores ou trabalhadoras: o/a primeiro/a é responsável por “alimentar” a tela da caixa com terra; o/a segundo/a assume a função de jogar a água na tela e; o/a terceiro/a tem como função, retirar o minério (no caso do Seridó, a tantalita) que, por ser mais pesado, desce. 23. Tem a mesma função que a caixa, porém, trata-se de uma espécie de maquinário, igualmente rudimentar, que funciona com o auxílio de um motor que bombeia a água. 24. Sobretudo os próprios trabalhadores camponeses-garimpeiros, familiares de trabalhadores acometidos por doenças ocupacionais do garimpo e membros da própria Secretaria de Saúde do município de Frei Martinho. 25. Há, ainda, entre os relatos dos camponeses-garimpeiros das comunidades Quixaba e Timbaúba, referências à insolação, que, embora seja uma realidade entre os trabalhadores da mineração, pode também ser associada à exposição solar durante o trabalho na agricultura. De todo modo, é preciso reconhecer que não encontramos nenhum documento médico que comprovasse as ocorrências citadas pelos trabalhadores entrevistados. 26. Maquinário comumente utilizado por trabalhadores camponeses-garimpeiros seridoenses em substituição ao trabalho manual com a picareta/chibanca e a marreta. CAPI�TULO 2 A MINERAÇÃO DE GRANITO NO ESPÍRITO SANTO Aloisio Souza da Silva Introdução No Brasil, a apropriação do subsolo pelo capital privado, sob aval do Estado, é uma das principais características da atividade mineradora, que, por sua vez, estabelece conflitos com o interesse nacional na efetivação da soberania, com os povos e comunidades nas áreas impactadas direta ou indiretamente pela mineração. Conflitua também com a própria dinâmica geológica em seus ciclos naturais, pois é destruído em alguns anos o que a natureza formou em milhões. As disputas e estratégias de apropriação das riquezas presentes no subsolo muitas vezes divergem, mas às vezes convergem dos interesses dos proprietários da superfície. Nas últimas décadas temos vivenciado ofensivas do capital sobre as comunidades tradicionais em várias escalas e formas de atuação, provocando profundas transformações no espaço agrário. Dentre elas, a atividade mineradora tem se destacado em algumas regiões brasileiras como elemento conflitante entre lógicas antagônicas de propriedade, ocupação da terra, formas de uso e objetivos sociais. Conflito que se estabelece entre comunidades impactadas pela atividade mineradora que se coloca como interessada nas riquezas naturais dispostas no subsolo. A economia minerária é uma das faces do desenvolvimento do modo capitalista de produção que adota os princípios e regras gerais do capitalismo globalizado, mundializado, neoliberalizado, em que a acumulação por exploração, expropriação ou espoliação se dá um diferentes escalas, colocando o lucro acima de todas as necessidades humanas, e os recursos naturais, como solo, água, minerais, atmosfera, transformam-se em mercadorias27. O neoliberalismo tem sido uma espécie de releitura atualizada do liberalismo a partir das concepções econômicas neoclássicas. Trata-se, pois de uma determinada visão social do capitalismo a partir da ótica dos capitalistas, portanto, da burguesia. Assim, tornou-se um conjunto de ideias capitalistas de políticas e economia fundadas principalmente na não participação do Estado na economia e, na liberalização total do comércio (mercado livre) em nível mundial. Enfim, defende a livre circulação de capitais internacionais, abertura das economias nacionais para a entrada de multinacionais, a implantação de ações que impeçam o protecionismo econômico, adoção de política de privatização de empresasestatais, etc. Entre a mídia econômica capitalista mundial nasceu como releitura das transformações que o capitalismo passou no final do Século XX e da crise do socialismo no leste europeu, a utilização dos termos “global” e “globalization”. Eles não foram formulados a partir de uma reflexão intelectual voltada para a produção de teorias no mundo acadêmico, foram produzidos e utilizados de forma ideológica para explicar o processo de reordenação territorial do capitalismo mundial. Esse processo estava fundado na formação, compra e fusões de monopólios econômicos que monopolizaram a economia em termos mundiais. Como novidade formaram-se também em termos mundiais os monopólios constituídos nos países emergentes, fruto da ascensão internacional de setores das burguesias nacionais com apoio do Estado. Estas associações entre empresas monopolistas nacionais e empresas monopolistas internacionais transformaram ambas, em empresas mundiais. Assim, o capital mundial disseminou-se pelos países emergentes, aliançando setores das burguesias nacionais, transformando-os em capitalistas mundiais. (Oliveira, 2016, p. 11) Neste sentido, importante chamar a atenção para acumulação capitalista contemporânea por meio da criação de novos mecanismos de espoliação, como apropriação mercadológica dos recursos naturais, em especial por meio do avanço das fronteiras do agronegócio e da mineração, que protagonizam a destruição dos recursos ambientais, sendo entendido por Harvey como uma “escalada”. A escalada da destruição dos recursos ambientais regionais globais (terra, ar, água) e degradações proliferantes de habitats, que impedem tudo exceto formas capital-intensivas de produção agrícola, também resultam da mercantilização por atacado da natureza em todas suas formas. (Harvey, 2004, p. 122) A acumulação por espoliação em escala global dá-se na produção capitalista do espaço. Para Harvey (2004), a acumulação por espoliação contemporânea carrega características da acumulação primitiva, analisadas por Karl Marx, como a privatização da terra, consolidação do direito privado em detrimento dos interesses sociais, a mercantilização da força de trabalho, a monetarização das relações de troca de mercadorias, incluindo os recursos naturais, a supressão de formas autônomas de produção e consumo, o endividamento nacional e a financeirização da economia por meio dos sistema especulativo e de crédito. A um só tempo a acumulação de capital via espoliação concatena a mercantilização de bens de direito públicos e comuns; a atuação de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que cumprem papel de agentes que projetam e articulam crises; e a financeirização das economias nacionais, consolidando formas de subserviência das populações e endividamento dos países. Entrementes, a acumulação primitiva permanente, como entendida por Brandão (2010), é a estrutura genética do capitalismo no Brasil, tendo a predominância da lógica imediatista, rentista, patrimonialista, que tem sua dinâmica sobre a estrutura da plataforma territorial e econômica do país, sendo responsável pela produção sistemática de múltiplas desigualdades de classes, em que existe baixo potencial social de cunho transformador. As leituras da realidade contemporânea, por meio dos conceitos de espoliação ou acumulação primitiva, têm semelhanças no sentido da atualidade das formas estratégicas de acumulação privada da riqueza por variadas formas e mecanismos em diferentes escalas de atuação dos agentes do capital, que se utilizam das estruturas dos Estados nacionais e das fronteiras territoriais como mecanismos de viabilização da acumulação, passando pela exploração do trabalho e da natureza. É nesta lógica econômica que se organiza a atividade mineradora e o Espírito Santo tem sua participação marcada por duas frentes: exportação de minério de ferro e produção de rochas ornamentais. No primeiro caso, o papel capixaba é logístico, como ponto de embarque marítimo para o mercado internacional da produção extrativa de minério de ferro realizada principalmente em Minas Gerais, transportada nos trilhos da Ferrovia Centro-Atlântica S.A (FCA), que integra a região Nordeste/Central do país aos portos do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Chega ao complexo portuário da grande Vitória, a Estrada de Ferro Vitória – Minas S.A. A estrutura portuária capixaba conta com treze terminais, sendo que três deles são interligados à Estrada de Ferro Vitória – Minas (EFVM): 1. Portocel – localizado em Barra do Riacho (Aracruz), é especializado em celulose, sendo um dos mais eficientes do mundo, operando também com blocos de mármore e granito, além de produtos siderúrgicos, sal, madeira, dentre outros. Em 2018, movimentou 10,2 milhões de toneladas (Webportos, 2019). 2. Terminal de Tubarão – sob responsabilidade da Vale, é o maior e mais eficiente terminal de exportação de pelotas e de minério de ferro do mundo, além de movimentar fertilizantes, milho, soja e combustíveis, com capacidade para operar 100 milhões de toneladas ao ano, sendo que até agosto de 2019 foram 25,61 milhões de toneladas, sem contar que dispõe de sete berços e uma capacidade de armazenagem de 58.200 m³ (Webportos, 2019). 3. Complexo do Porto de Vitória, administrado pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), movimenta carga geral por meio dos terminais Cais de Vitória, Capuaba, Peiú, Atalaia, Flexibrás, Terminal de Vila Velha (TVV), Companhia Portuária de Vila Velha (CPVV), e está preparado para operar cargas de contêineres, café, granito/mármore, produtos siderúrgicos, concentrado de cobre, fertilizantes, automóveis, máquinas e equipamentos eletrônicos, celulose, trigo, malte, açúcar, graneis líquidos (gasolina, óleo diesel, soda cáustica), etc. (Webportos, 2019). Além disso, a empresa Sarmarco construiu um “mineroduto” com cerca de 400 km de extensão, que liga o Complexo Minerador de Germano (MG), que se localiza aproximadamente a 150 km de Belo Horizonte/MG, ao porto de Ubu, no município de Anchieta/ES. O Porto de Ubu movimenta pelotas e minério de ferro, granéis sólidos e carga geral e também é utilizado em operações de supply boats para indústria de petróleo e outras (Webportos, 2019). No 1º trimestre de 2016, a exportação de minério de ferro manteve- se na liderança do ranking com a marca de US$ 335,48 milhões, o que representou 22,19% do total das exportações do estado. O acumulado do ano de 2015 chegou a US$ 1,04 bilhão. Quanto ao volume exportado, a quantidade chegou, no mesmo período de 2016, a 7,3 bilhões de toneladas. No acumulado do ano de 2015, totalizou 11,8 bilhões de toneladas. O valor agregado por tonelada exportada no 1º trimestre de 2016 foi de US$ 46,00 (IJSN, 2016). Já no 1º trimestre de 2018, foram 576,64 milhões US$ de minério de ferro, com uma participação de 31,38% (IJSN, 2018). O estado do Espírito Santo ocupa papel expressivo no setor minerário, especialmente no que se refere às rochas ornamentais, que é marcado pela extração de mármores e granitos. Inicialmente, entre as décadas de 1960 a 1970, o foco produtivo em potencial era a região sul do estado, no entorno do município de Cachoeiro de Itapemirim, com destaque à mineração de mármores. Porém, a partir da década de 1980, com novos estudos de prospecção geológica e análises de viabilidade econômica e mercadológica, o potencial de mineração de rochas ornamentais no Espírito Santo expandiu-se para o norte do estado, na região de Nova Venécia, devido ao potencial dos granitos. A partir dos anos 1980, a demanda mundial pelo granito - material com grande diversidade cromática e maior resistência que os mármores - se intensificou, e a região sul do Espírito Santo não possuía jazidas de destaque deste material. Iniciou-se, assim, a expansão das atividades de produção no norte do estado que é caracterizado por contar com imensas reservas de granito. (Núria et al., 2011, p. 141) Em alguns documentos sobre planejamento territorial e de estudos de prospecção econômica, o conceito de Arranjo ProdutivoLocal (APL) é designado para caracterizar as regiões e polos prioritários do desenvolvimento da atividade mineradora de rochas ornamentais no Espírito Santo, como se refere Paula: O Estado do Espírito Santo destaca-se como um dos maiores produtores de rochas ornamentais do Brasil, notadamente quanto ao ramo de mármore e granito, em que aparece como responsável por aproximadamente a metade da produção nacional. Atividades relacionadas à extração e beneficiamento de mármore e granito estão presentes em grande parte dos municípios capixabas, destacando-se um conjunto de municípios na região norte e outro na região sul. Estes dois blocos, embora separados espacialmente e com características produtivas distintas, apresentam elevado grau de integração, o que permite considerá-los como pertencentes a um mesmo Arranjo Produtivo Local (APL). (Paula, 2008, p. 67) Com marcada presença de empresas extrativas ao norte e de beneficiamento ao sul, na maior parte do território do Espírito Santo, foi se consolidando a atividade mineradora de rochas ornamentais capixabas. Teoricamente, os dois seriam os municípios considerados mineradores dentro deste estudo, porém, em ambos os casos,são muitos os municípios vizinhos a esses nos quais a atividade extrativa é muito importante. Quanto ao Polo Sul do APL, Cachoeiro de Itapemirim foi eleito para ser o município minerador, por conter o maior parque industrial de Rochas Ornamental do País e ser referência mundial em no setor de rochas ornamentais. No Polo Norte do APL, tratando-se de pequenos municípios, foram escolhidos os três municípios entorno dos quais gira a atividade, com maior produção de rochas ornamentais, para serem os municípios mineradores: Barra de São Francisco, Nova Venécia e Vila Pavão. (Núria et al., 2011, p. 156) No ambito do planejamento territorial, o conceito de APL foi se consolidando como uma estratégia do setor, em que se articula a presença de empresas, ocupação de mão de obra especializada, integração de atividades por meio de interdependências antes e depois da ação extrativa mineral, articulação comercial entre agentes locais e externos, e a presença de instituições públicas (Paula, 2008). Embora os indicadores do potencial produtivo de rochas ornamentais indicam toda a região da fronteira entre os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e Nordeste mineiro - em particular, granitos -, foi nos muncipios de Barra de São Francisco, Vila Pavão, Ecoporanga, São Gabriel da Palha, Águia Branca e Água Doce do Norte que se consolidou a extração de granitos como principal atividade mineradora (Núria et al., 2011). No plano do desenvolvimento econômico do Espírito Santo, foram estabelecidas metas e caminhos a serem percorridos até o ano de 2030, que referenciaram órgãos públicos e sociedade civil, a partir de diferentes setores e prioridades, com as atenções para as potencialidades da microrregião Noroeste que compreende os municípios de Vila Pavão, Nova Venécia, Barra de São Francisco, Mantenópolis, Água Doce do Norte, Águia Branca e Ecoporanga (Espirito Santo, 2013). Nesse plano, a silvicultura é admitida como atividade econômica e de reflorestamento; a extração de granito como potencial agregador de valor às externalidades para o comércio de rochas ornamentais do país; a produção rural (café, fruticultura, integração pecuária e outras culturas) prevista como agregação de valor; ações de desenvolvimento regional em conjunto com Minas Gerais, especialmente no âmbito dos serviços especializados e de comercialização; e fortalecer as instituições de ensino técnico e superior relacionadas às atividades econômicas locais. Importante ressaltar o papel do Estado como promotor de políticas públicas que dão lastros institucionais aos interesses econômicos corporativos e privados, majoritariamente dominantes, neste sentido, explicita seu papel ideológico na sociedade contemporânea. Os direitos minerários A atividade mineradora é regulamentada pela Constituição Federal (CF), no artigo 20, inciso IX, que prescreve os recursos minerais como patrimônio da União Federal, e sua exploração por terceiros depende de autorização ou concessão estatal (Art. 176. § 1º), sendo que tal concessão para exploração mineral está regulamentada no código da mineração, Decreto-Lei n. 227 de 28 de fevereiro de 1967, que prevê que o subsolo e os bens minerais nele contidos são da União, e não do proprietário do solo (superficiário). Consta o art. 3º do Decreto n. 9.406, de 12 de junho de 2018, que regulamenta o Decreto-Lei n. 227 de 28 de fevereiro de 1967, a Lei n. 6.567, de 24 de setembro de 1978, a Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989, e a Lei n. 13.575, de 26 de dezembro de 2017, que “compete à União organizar a administração dos recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais”. Em parágrafo único, a organização a que se refere o caput inclui, entre outros aspectos, a formulação de políticas públicas para a pesquisa, a lavra, o beneficiamento, a comercialização e o uso dos recursos minerais. No artigo 4º, fica à competência da Agência Nacional de Mineração (ANM) observar e implementar as orientações, as diretrizes e as políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia e executar o disposto no Decreto-Lei n. 227, de 1967 - Código de Mineração, e nas normas complementares. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o direito de exploração de recursos minerais, dependendo do tipo de substância mineral, pode ser obtido pelos regimes de: (a) autorização, quando depender de alvará de autorização do diretor- geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); (b) licenciamento, quando depender de licença expedida conforme regulamentos administrativos locais e de registro da licença no DNPM; (c) regime de monopólio, quando, por lei especial, depender de execução direta ou indireta do Governo Federal. (d) concessão, quando depender de portaria de concessão do ministro de Minas e Energia; (e) partilha, específico para a produção de petróleo a partir das camadas do pré-sal e áreas estratégicas; (f) permissão de lavra garimpeira, quando depender de portaria de permissão do diretor-geral do DNPM. No caso dos granitos, aplica-se o regime de autorização e o direito minerário, que se consolida com a emissão do alvará de autorização de pesquisa com validade de um ano após emissão, podendo ser prorrogado por mais dois anos devidamente requeridos e justificados junto ao antigo DNPM, extinto pela medida provisória 791/2017, de 25 de julho de 2017. Analisando a evolução dos direitos minerários no Brasil entre os anos 1988 a 2018 (Gráfico 1), é possível identificar que em meados da década de 1990 e entre 2005 a 2014 houve maior número de títulos minerários protocolados, chegando em 2018 com 13.952 ocorrências (ANM, 2019). Gráfico 1. Evolução dos títulos minerários no Brasil Fonte: Agência Nacional de Mineração, 2019. Org: Aloisio Souza da Silva, 2019. Em setembro de 2019, chegou a um total de 388.407 títulos minerários no Brasil, sendo que 9,94% relacionados a granitos. Na região Sudeste houve predominância do número de títulos minerários de granitos, sendo 11.914 no total, destacando a participação de Minas Gerais e Espírito Santo. Proporcionalmente, a maior predominância é no estado capixaba, sendo que dos 8.364 títulos, cerca de 50%, são de granitos (Sigmine, 2019). De acordo com estudos e levantamentos, as maiores porções geológicas com inserção mercadológica do tipo ornamental, do grupo dos granitos, presentes no território brasileiro, estão na região Sudeste, com amplo destaque ao Espírito Santo. O território do estado do Espírito Santo devido à excepcional divesidade geológica de seu embasamento cristalino evidencia uma ampla vantagem competitiva em termos de jazimentos de rochas ornamentais, incluindo desde materiais ditos comuns até rochas nobres de alta cotação no exigente mercado internacional de produtos pétreos. A origem destas rochas é consequencia
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