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Mineração e Agrohidronegócio efeitos no ambiente, trabalho e saúde by Patrícia Francisca de MatosMarcelo Rodrigues Mendonça (z-lib

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Copyright © 2020 by Paco Editorial
Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte
desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de
dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja
eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora
e/ou autor.
Revisão: Renata Moreno
Capa: Matheus de Alexandro
Imagem da Capa: Goodfreephotos.com
Diagramação: Larissa Codogno
Edição em Versão Impressa: 2020
Edição em Versão Digital: 2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M664
Mineração e Agrohidronegócio: efeitos no ambiente, trabalho e saúde/Patrícia
Francisca de Matos; Marcelo Rodrigues Mendonça (org.) – 1. ed. – Jundiaí [SP]:
Paco Editorial, 2020.
Recurso digital
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Multiplataforma
ISBN 978-65-8778-240-9
1. Geografia 2. Mineração 3. Efeito Socioambiental I. Título.
Livia Dias Vaz – Bibliotecária – CRB – 1681352
CDD: 338.2
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR)
(Lattes)
Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)
Paco Editorial
Av. Carlos Salles Bloch, 658
Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Salas 11, 12 e 21
Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100
Telefones: 55 11 4521.6315
atendimento@editorialpaco.com.br
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http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4784829U9
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4703614A6
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700965H9
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=P468677
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4707925D1
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4704828P6
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780765Z3
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4763549E2
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4737948P1
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4759425A1
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4730996E0
mailto:atendimento@editorialpaco.com.br%0D?subject=Livro%20Teoria%20da%20Hist%C3%B3ria%20-%20Paco%20Editorial
www.pacoeditorial.com.br
http://www.editorialpaco.com.br/
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Goiás (Fapeg) e o programa de pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal de Goiás/Regional de Catalão, pelo incentivo
ao desenvolvimento da pesquisa e sua divulgação.
SUMÁRIO
FOLHA DE ROSTO
AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO
PARTE 1
Efeitos socioambientais da mineração
CAPÍTULO 1
A dinâmica territorial da exploração mineral no Nordeste: apropriação
privada do subsolo e degradação do trabalho, da saúde e da vida dos
Camponeses-Garimpeiros do seridó (PB/RN)
CAPÍTULO 2
A mineração de granito no Espírito Santo
CAPÍTULO 3
Breves reflexões sobre a exploração mineral do Complexo de Catalão e
Ouvidor/GO: conflitos, perspectivas e a Lógica da GEA
CAPÍTULO 4
As vozes dissonantes da questão do Amianto: capital e estado versus
movimentos sociais
CAPÍTULO 5
Questão agrária e mineração: um estudo sobre a violação dos direitos
territoriais em comunidades camponesas a partir da ação da mineradora
Hydro-Alunorte em Barcarena/PA
CAPÍTULO 6
Existências e (re)existências nas comunidades do entorno das
mineradoras em Catalão/GO
CAPÍTULO 7
Quem são os donos da vale? Ou a rolagem perpétua de capital na
mineração
CAPÍTULO 8
A lei de terras, de minas e de investimento estrangeiro e a
territorialização dos megaprojetos de mineração em Moçambique: uma
análise sobre o processo de expropriação das comunidades locais
PARTE 2
Efeitos ambientais da mineração
CAPÍTULO 9
Análises do discurso dos atores do agronegócio
CAPÍTULO 10
O agrohidronegócio canavieiro em Goiás: há espaço para uma nova
expansão?
CAPÍTULO 11
As relações de trabalho e a precarização no setor sucroenergético em
Ituiutaba/MG
SOBRE OS AUTORES
PÁGINA FINAL
APRESENTAÇÃO
Com a publicação do presente livro apresentamos resultados,
discussões e reflexões de pesquisas que se encontram em andamento e
outras concluídas. A obra busca contribuir para repensar, reavaliar e
desvelar as atividades mineroquímicas e do agrohidronegócio no campo e
na cidade, na tentativa de estabelecer elementos para um debate sobre
os diversos conflitos que envolvem a relação capital × trabalho.
Ainda que promova crescimento econômico, o setor mineroquímico e
o agrohidronegócio estão entre as atividades que mais geram efeitos
socioambientais devido ao modelo de exploração e apropriação dos
recursos territoriais – como água, terra, subsolo –, em razão da lógica de
reprodução do capital.
A ideia da elaboração deste livro surgiu justamente no intuito de
divulgar as pesquisas/reflexões sobre as diversas realidades nessa
análise. A obra tem a contribuição de diversos pesquisadores, em uma
perceptiva de mostrar os efeitos do capital da mineração e do
agrohidronegócio em diferentes espacialidades e escalas.
Este livro está dividido em duas partes principais, congregando
ambas temáticas de pesquisas mais próximas entre si. Assim, a parte 1,
“Efeitos socioambientais da mineração”, apresenta oito capítulos que
discutem questões ligadas à exploração mineral e aos efeitos territoriais
(ambientais, sociais, econômicos e culturais) no campo e na cidade.
O primeiro capítulo discute a dinâmica territorial da exploração
mineral seridoense tomando como base analítica os processos de
apropriação privada do subsolo e a degradação do trabalho. No segundo, a
discussão versa sobre a exploração de granito no Espírito Santo e as
consequências no âmbito ambiental e social.
Já o terceiro capítulo apresenta reflexões acerca da exploração do
Complexo Mineral em Catalão e Ouvidor no estado de Goiás, e a
necessidade de implementação de gestão mineral com foco na exploração
calcada nos fundamentos da Geologia Econômica e Ambiental (GEA).
O quarto capítulo faz um debate sobre a atuação dos sujeitos sociais
envolvidos nos conflitos acerca da mineração do amianto, especialmente
na cidade de Minaçu/GO. Assim, de um lado, os movimentos sociais que
lutam pela eliminação da exploração do amianto no Brasil em função dos
efeitos que causa sobre à saúde humana; de outro, o capital e o Estado
atuando na produção do consenso e silêncio a partir do controle das
instituições públicas e da sociedade civil.
O quinto capítulo, intitulado “Questão agrária e mineração: um
estudo sobre a violação dos direitos territoriais em comunidades
camponesas a partir da ação da mineradora Hydro-Alunorte em
Barcarena/PA”, mostra como a ação do capital agride os direitos
territoriais das comunidades camponesas no entorno dos grandes
projetos mínero-metalúrgicos na região.
Um debate sobre existências e resistências nas comunidades do
entorno das mineradoras em Catalão/GO é realizado no sexto capítulo.
Em seguida, o sétimo capítulo traz uma breve discussão sobre quem
são os acionistas da mineradora Vale.
Encerrando a primeira parte, o oitavo capítulo apresenta uma reflexão
sobre os megaprojetos de mineração em Moçambique e as
transformações sociais e territoriais nos territóriosocupados.
A parte 2 deste livro é composta por três capítulos que discutem o
agrohidronegócio. O primeiro apresenta o discurso que permeia os
argumentos e justificativas da expansão do agronegócio no Brasil,
desconsiderando as formas de apropriação das terras, dos recursos
naturais e da força de trabalho. O segundo, “O agrohidronegócio
canavieiro em Goiás: há espaço para uma nova expansão?”, discute a
expansão do agrohidronegócio canavieiro em Goiás por meio da atuação
do Estado mediante políticas governamentais, como a Política Nacional
de Biocombustíveis (RenovaBio). Por fim, o terceiro capítulo mostra a
precarização das relações de trabalho no setor sucroenérgetico no
município de Ituiutaba, especialmente mostrando a superexploração do
trabalho, condicionada às metas de produtividade, em que os
trabalhadores que atuam no campo vivem a lógica de velhas formas de
exploração.
Assim, lançamos este livro enquanto uma construção coletiva,
escritos por várias “mãos”, que não seguem necessariamente a mesma
abordagem teórico-conceitual, dadas as especificidades das pesquisas
realizadas. Esperamos compartilhar os resultados do conhecimento,
pesquisa e dedicação de todos que contribuíram para a produção e
materialização desta obra.
 
Verão, 2020.
 
PaPatrícia Francisca de Matos
Marcelo Rodrigues Mendonça
Os organizadores
 
 
 
 
 
 
PARTE 1 - EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS DA
MINERAÇÃO
CAPI�TULO 1
A DINÂMICA TERRITORIAL DA EXPLORAÇÃO
MINERAL NO NORDESTE: APROPRIAÇÃO PRIVADA DO
SUBSOLO E DEGRADAÇÃO DO TRABALHO, DA SAÚDE
E DA VIDA DOS CAMPONESES-GARIMPEIROS DO
SERIDÓ (PB/RN)
Caio Rodrigues
María Franco García
Introdução
Nosso objetivo neste capitulo é apresentar alguns dos principais
resultados e reflexões decorrentes da pesquisa de mestrado que
desenvolvemos junto ao programa de pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal da Paraíba entre os anos de 2017 e 2019. Assim,
como em nossa dissertação de mestrado, cujo título coincide com o deste
capítulo, interessa-nos apreender a dinâmica territorial da exploração
mineral seridoense tomando como base analítica duas dimensões
intimamente relacionadas: os processos de apropriação privada e
monopolizada do subsolo, e a degradação do trabalho e,
consequentemente, da saúde e da própria vida dos sujeitos que
trabalham na porção paraibana do Seridó.
Para darmos conta dos desafios impostos pela pesquisa, dividimos o
presente texto em quatro momentos específicos, que, embora baseados
na cronologia do nosso trabalho, inevitavelmente precisarão sintetizar, e,
por vezes, até omitir determinadas dimensões de nossas reflexões,
privilegiando algumas questões centrais de pesquisa. Assim sendo,
esperamos que a leitura deste capítulo, de extrema importância para a
divulgação de nosso estudo, possa ser um convite à leitura, na íntegra, de
nossa dissertação de mestrado.
O primeiro momento consiste em apresentar, com base no
levantamento bibliográfico e documental referente à mineração
seridoense, um breve histórico e panorâma da atividade na região, desde
a primeira metade do século XX, até os dias atuais. No segundo
momento, por sua vez, dedicamo-nos a apresentar os mecanismos
empresariais de apropriação privada do subsolo nas porções paraibana e
potiguar do Seridó que, conforme demonstramos com base em dados
levantados junto à Agência Nacional de Mineração (ANM)1, tem como
característica fundamental a monopolização e o controle territorial.
Em seguida, num terceiro momento, apontaremos nossas reflexões
acerca das marcas territoriais da exploração mineral na vida daqueles
que, contraditoriamente, quanto mais produzem riquezas para outrem,
mais miseráveis tornam suas próprias condições de saúde e vida. Nesse
sentido, a partir dos resultados de um estudo de caso realizado junto às
comunidades Quixaba e Timbaúba, ambas situadas na zona rural do
município de Frei Martinho, localizado no Seridó Oriental paraibano,
buscamos relacionar as leituras e discussões teóricas realizadas em
torno do mundo do trabalho, da Geografia do Trabalho, e da degradação
do trabalho propriamente dita, com os relatos das experiências laborais e
de vida desses trabalhadores rurais, acessados por meio da realização de
entrevistas em trabalhos de campo.
Por fim, partindo da concepção de que os agravos à saúde humana
conformam uma das dimensões mais aparentes e cruéis do que estamos
entendendo como trabalho degradado/degradante, dedicamo-nos, em um
último momento, a refletir sobre os vínculos estabelecidos entre o
território, a exploração mineral e o adoecimento e morte de
trabalhadores das comunidades rurais alvos desse estudo.
A mineração seridoense: da primeira metade do século XX
aos dias atuais
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 1990), o Seridó é a região interestadual do Nordeste do país que
compreende a porção centro-norte do estado da Paraíba e a porção
centro-sul do estado do Rio Grande do Norte. Seus limites estendem-se
por 32 municípios, que chegam a somar 11.296 km² de extensão
territorial, dentre os quais 15 quinze deles situados em território
paraibano2 e 17 sob os domínios territoriais do estado do Rio Grande do
Norte3.
No que diz respeito à mineração, alvo de nossa investigação, a maior
parte do Seridó (PB/RN) está situada sob a Província Pegmatítica da
Borborema, cuja área de abrangência estende-se, conforme Dantas
(2000), por cerca de 6.000 km². As principais ocorrências minerais
oriundas dessa província geológica são os pegmatitos, que incluem
minerais como quartzo, mica, feldspato, caulim, tantalita/columbita,
berilo, ambligonita, bismunita, scheelita, quartzito, granito, variedades de
turmalina, água marinha, granada e minério de ouro, entre outros bens
minerais abundantemente encontrados na região.
Foi apenas na primeira metade do século XX, em decorrência da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que a mineração passou a figurar
em meio às atividades produtivas regionais, quando o subsolo seridoense
tornou-se alvo de interesses estrangeiros pela primeira vez com a
exploração do mineral mica, amplamente utilizado pela indústria elétrica
estadunidense. Contudo, embora os primeiros registros da atividade no
Seridó remontem aos primeiros anos do século XX, é somente na década
de 1930 que a mineração passa a ocupar uma posição de destaque
econômico regional. Isso acontece, mais uma vez, em virtude da
crescente demanda ocasionada por outro conflito militar de escala global,
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Dessa vez, os principais
minerais procurados são a scheelita, tantalita e berilo, considerados
estratégicos para a indústria bélica estadunidense (Andrade, 1987;
Vasconcelos, 2006; R$, 2015; 2019; Rodrigues & Franco García, 2017).
É em meio a esse contexto que identificamos as primeiras ações
estatais em torno da mineração local, quando em 1934 o Governo
brasileiro cria o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
com sede no município paraibano de Campina Grande. A partir de então,
o DNPM, em ação conjunta com o United States Geological Survey, passa
a impor uma nova racionalidade ao processo produtivo, que desde seus
primórdios passou a ser desenvolvido no espaço agrário, contando com a
força de trabalho de um considerável contingente de trabalhadores
rurais4 que utilizavam técnicas e ferramentas de trabalho extremamente
rudimentares. Fato é que, desde então, até os dias atuais, é possível
observar no mesmo espaço – e por vezes até no mesmo
empreendimento! – a coexistência de uma mineração industrial, dotada
de certos recursos e tecnologia, e uma mineração artesanal, com pouco o
nenhum acesso a maquinário (Andrade, 1987; Rodrigues, 2015; 2019,
Rodrigues & Franco García, 2017; Vasconcelos, 2006).
A partir da década de 1950, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a
consequente queda dos preços internacionais de bens minerais
considerados estratégicos para a indústria bélica mundial, a mineração
seridoense enfrentou a sua primeira crise produtiva, voltando a
apresentar maiores sinais de dinamismo apenas duasdécadas mais tarde,
quando uma série de fatores nas escalas regional, nacional e
internacional favoreceu a retomada das ações públicas federais e
estaduais. Nesse cenário, no fim da década de 1970, os governos dos
estados da Paraíba e Rio Grande do Norte instituíram seus primeiros
programas de formação de cooperativas de garimpeiros, deixando a cargo
de suas companhias estatais – a Companhia de Desenvolvimento de
Recursos Minerais do Rio Grande do Norte (CDM-RN) e a Companhia
de Recursos Minerais da Paraíba (CDRM-PB) – a possível resolução do
que concebiam como um dos maiores problemas do setor mineral
regional: a informalidade do trabalho (Andrade, 1987; Forte, 1994;
Vasconcelos, 2006).
Todavia, apesar das políticas de formalização da atividade, as
primeiras experiências cooperativistas no Seridó (PB/RN) não lograram
êxito. Ao fracasso do cooperativismo mineral regional naquele momento,
Forte (1994) atribuiu: a ação vertical e paternalista do Estado em relação
às cooperativas e aos próprios cooperados, por um lado; e a ausência de
políticas públicas referentes à educação dos trabalhadores acerca do
sistema de produção cooperativista, por outro.5 Em termos gerais,
analisando a dinâmica regional das últimas décadas do século XX, é
possível afirmar que o Seridó iniciava uma de suas piores crises
produtivas, com rebatimentos diretos à mineração.
Contudo, desde a primeira década do novo milênio, conforme
Vasconcelos (2006) e Rodrigues (2015), o Seridó passa a experenciar
uma terceira fase de expansão da mineração, motivada por fatores que
vão desde a escala regional às escalas nacional e internacional, tais como:
(a) a retomada das ações públicas federais com a elaboração e vigência
do Plano Nacional de Mineração (PNM-2030); (b) o papel decisivo dos
Brics na Divisão Internacional do Trabalho; (c) a ampliação do consumo
de bens minerais no país, impulsionada pelas políticas de construção,
infraestrutura e habitação promovidas pelo Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC); (d) a elevação dos preços dos bens minerais no
mercado internacional; (e) e a própria retomada dos poderes públicos
estaduais no direcionamento de ações impulsionadoras de seus
respectivos setores minerais.
Nesse sentido, conferimos especial destaque à retomada das ações
públicas federais e estaduais no direcionamento de políticas voltadas à
formalização do trabalho na exploração mineral por meio de uma espécie
de “segunda onda cooperativista”, que atinge em cheio o universo da
mineração seridoense. Sob o discurso de melhorar as condições de
trabalho e acesso à renda dos trabalhadores garimpeiros, realizar a
exploração mineral sem grandes danos ao meio ambiente, eliminar o
atravessador e arrecadar os impostos referentes aos bens minerais
explorados nos municípios da porção paraibana do Seridó, surgem na
região, entre os anos de 2005 e 2011, seis cooperativas de garimpeiros:
(a) a Coomipel (Pedra Lavrada); (b) a Coogarimpo (Nova Palmeira); (c) a
Coopervárzea (Várzea); (d) a Cooperjunco (Junco do Seridó); (e) a
Coopermineral (Frei Martinho); (f) e a Coopicuí (Picuí).
Contudo, apesar dos programas de formalização da atividade, o
cooperativismo mineral seridoense, mais uma vez, não tem sido capaz de
tornar as condições de trabalho e acesso ao subsolo e renda muito
diferentes das condições do garimpeiro informal. São vários os limites e
gargalos, que passam desde o já citado acesso limitado ao subsolo6, ao
fato de que, não raramente, algumas dessas cooperativas, assim como na
primeira onda cooperativista da região investigada por Forte (1994),
funcionam, na prática, como verdadeiras microempresas geridas por uma
diretoria que nunca trabalhou diretamente na exploração de bens
minerais.
Fato é que, uma vez que o acesso ao subsolo seridoense por parte das
cooperativas de mineradores se dá de forma extremamente limitada, e
tendo em vista que os trabalhadores garimpeiros seguem, na maioria dos
casos, desenvolvendo a exploração mineral basicamente nos mesmos
moldes em que fariam no âmbito das relações informais de trabalho, a
superação da figura do atravessador, peça-chave na trama da apropriação
privada dos bens minerais da porção paraibana do Seridó, nos parece uma
realidade impensável.
Esse contexto reforça nossa crença em uma hipótese bastante
provável de que, conforme nos informaram diversos interlocutores de
pesquisa, haja uma possível relação de exploração ilegal do subsolo
seridoense manifesta no saqueio de bens minerais extraídos da porção
paraibana do Seridó e posteriormente registrados - para todos os fins
fiscais - por empresas de exploração e beneficiamento de bens minerais
situadas no estado do Rio Grande do Norte como se fossem de
procedência do subsolo potiguar. Elementos que fortalecem essa
conjectura serão expostos a seguir no subtítulo que dedicamos à
apresentação dos resultados de pesquisa referentes às formas e
mecanismos da apropriação privada do subsolo no Seridó.
A apropriação privada e monopolizada do subsolo
seridoense
Conforme visto anteriormente, desde os seus primórdios na primeira
metade do século XX, a exploração mineral no Seridó é realizada por
trabalhadores camponeses em áreas de exploração mineral localizadas
em propriedades rurais. Não bastasse isso para caracterizar a mineração
seridoense como uma atividade eminentemente agrária, é possível
observar ainda que a principal forma de acesso ao subsolo pelo
trabalhador garimpeiro informal se dá por meio da incorporação de
relações de produção próprias do universo da agricultura, como o
arrendamento7, conforme revela o trecho de entrevista a seguir:
E você na terra dele pagava uma porcentagem, né? 10%, né? De
garimpo... de minério extraído. [...] É por porcentagem, sabe? O cara
trabalha, digamos, aqui na minha terra, num garimpo, numa
banqueta como é conhecida aqui8 [...] Aí, então, se produzir algum
minério, ele me paga 10% daquela produção, sabe? (Em entrevista
realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018)
No que diz respeito à comercialização dos bens minerais advindos do
trabalho informal, de acordo com nossas observações empíricas e os
próprios relatos de trabalhadores garimpeiros da região, existem três
caminhos possíveis: (a) a comercialização nas feiras, que acontecem
paralelamente às feiras de produtos agrícolas; (b) a comercialização via
atravessador, que em determinados casos é o próprio proprietário da
terra; (c) a comercialização direta com as empresas de exploração e
beneficiamento de minerais atuantes na região, conforme revela o relato
do trabalhador entrevistado na comunidade Quixaba:
A Armil, ela comprava. Ainda compra, que ela sempre vai comprar.
Feldspato, a albita... Ruim era só o pagamento deles, né? Levava e
pagava com 2 meses, com 3 meses. Era assim, agora eu nem sei
como é que está mais. [...] Vinha pegar aqui. É, no caminhão deles,
mesmo. (Em entrevista realizada na Comunidade Quixaba em
09/05/2018)
Dentre as formas de comercialização possíveis, certamente a que
mais chamou a nossa atenção é a última, em que, dispensando a própria
atuação de atravessadores, a empresa Armil Mineração do Nordeste
Ltda. estaria comprando – e buscando em transporte própio – bens
minerais extraídos na Paraíba por trabalhadores informais,
possivelmente registrando a procedência desses bens minerais como se
fosse oriunda de subsolo potiguar9, realizando o pagamento direto aos
trabalhadores em até noventa dias. Pistas dessa possível relação de
exploração ilegal de bens minerais do subsolo paraibano são observadas
nas tabelas 1 e 2, referentes à arrecadação da CFEM10 dos principais
municípios produtores do Seridó paraibano e potiguar:
 
Município 2014 (R$) 2015 (R$) 2016 (R$)
2017
(R$)
2018 (R$)
Frei
Martinho
1.030,80 1.644,92 1.398,55 - 2.513,43
Junco do
Seridó
77.000,83 96.326,92 83.656,16 84.598,41 113.309,07
Nova
Palmeira
1.531,82 1.046,94 2.654,17 6,63 1.239,07
Pedra
Lavrada
100.464,32 107.707,16 110.979,31 94.702,34 130.083,36
Picuí 39.176,41 22.611,02 4.160,76 12.309,35 18.747,19
Várzea 85,10 285,07 - - -
Tabela 1.Arrecadação da CFEM dos principais municípios
produtores do Seridó Paraibano (2014-2018)
Fonte: ANM, 2019. Adaptado por: Rodrigues, 2019
Município 2014 (R$) 2015 (R$) 2016 (R$) 2017 (R$) 2018 (R$)
Currais
Novos
526.022,27 391.733,86 438.617,78 343.280,32 479,942,34
Equador 195.773,62 225.848,32 201.189,06 199.036,21 187.003,10
Parelhas 145.634,96 213.161,92 212.536,86 231.161,43 127.999,72
Tabela 2. Arrecadação da CFEM dos principais municípios
produtores do Seridó Potiguar (2014-2018)
Fonte: DNPM, 2019. Adaptado por: Rodrigues, 2019.
Analisando os dados das tabelas acima, vemos a irrisória arrecadação
da CFEM dos municípios paraibanos de Frei Martinho, Nova Palmeira,
Picuí e Várzea, quando comparadas aos municípios potiguares de Currais
Novos, Equador e Parelhas. Por outro lado, as melhores condições de
arrecadação da CFEM dos municípios paraibanos de Pedra Lavrada e
Junco do Seridó justificam-se, por um lado, pela presença da empresa
Elizabeth Produtos Cerâmicos Ltda. em Pedra Lavrada e, por outro lado,
pela presença de uma quantidade considerável de empresas de
exploração e beneficiamento de caulim em Junco do Seridó, que, em
ambos os casos, registram os bens minerais comercializados em seus
respectivos municípios de atuação11.
Nesse sentido, nossos estudos revelam que, a partir da compra de
bens minerais explorados por trabalhadores informais em lavras de
exploração mineral clandestinas, as empresas de exploração e
beneficiamento atuantes na região não apenas garantem uma maior
lucratividade, visto que não assumem nenhum tipo de responsabilidade
trabalhista e/ou ambiental, senão impõem um considerável controle
territorial, manifesto na monopolização direta do subsolo, a partir do
registro de áreas junto à ANM, ou indireta, a partir das possíveis – e bem
prováveis – práticas ilegais de saqueio do subsolo na porção paraibana do
Seridó.
Ao apontarmos que a apropriação privada do subsolo no Seridó tem
como características fundamentais o controle e a monopolização
territorial, faz-se importante frisar que afirmamos isso com base na
análise crítica dos dados dos processos minerários – levantados juntos à
ANM – referentes à região. Esses dados, uma vez sistematizados,
tornaram-se a base para elaboração da cartografia da apropriação privada
e monopolizada do subsolo do Seridó (PB/RN) que pode ser consultada
no segundo capítulo de nossa dissertação de mestrado. Limitamos-nos a
expor aqui apenas alguns dados referentes ao que estamos nos referindo
como a “apropriação privada e monopolizada” do subsolo no Seridó.
Nessa perspectiva, apresentamos os dados da Tabela 3, abaixo,
referentes às cinco maiores empresas em área do subsolo no Seridó
(PB/RN) de acordo com a ANM12.
 
Seridó Paraibano Seridó Potiguar
Empresa Área Empresa Área
Cascar Brasil
Mineração Ltda
48.840
hectares
Cascar Brasil Mineração Ltda
41.651
hectares
Casa Grande
Mineração Ltda
20.081
hectares
Bp Brazil Projects
Empreendimentos Minerais
Ltda Epp
20.429
hectares
Mineração
Florentino Ltda
13.479
hectares
C. Fernando R. da Paz e Cia
Ltda
20.061
hectares
Borborema
Mineração Ltda
12.383
hectares
Casa Grande Mineração Ltda
18.130
hectares
Elizabeth Produtos
Cerâmicos Ltda
11.620
hectares
Arthur Pedro da Silva Costa
18.129
hectares
Tabela 3. Principais empresas em área do subsolo de acordo com
os processos minerários da região do Seridó (PB/RN)
Fonte: ANM, 2018. Elaborado por: Caio Rodrigues, 2019.
Em relação às principais empresas atuantes na região do Seridó,
destacamos: (a) a Cascar Brasil Mineração Ltda., subsidiária do grupo
empresarial australiano Crusader Resourcers, primeiro lugar em área nos
processos minerários da região, o equivalente a 90.491 hectares do
subsolo13; (b) a Casa Grande Mineração Ltda., empresa do grupo Armil
Mineração do Nordeste Ltda.14, com sede em Parelhas/RN, que ocupa,
respectivamente, a 2ª e 4ª colocação em área do subsolo em processos
minerários no Seridó paraibano e potiguar, totalizando 38.211 hectares;
(c) e a Elizabeth Produtos Cerâmicos Ltda., que, embora ocupe apenas a
5ª colocação em área de subsolo nos processos minerários do Seridó
paraibano, o equivalente a 11.620 hectares, tem reconhecida também a
sua ação no litoral sul do estado da Paraíba, onde, conforme estudos de
Lourenço & Moreira (2018), está envolvida em um conflito territorial
decorrente do seu avanço sobre áreas do assentamento rural João
Gomes, em Alhandra/PB.
Em síntese, quando indicamos que a apropriação privada do subsolo
seridoense é, também, monopolizada, estamos diante de dados da ANM
que apontam que: as dez maiores empresas em área do subsolo na
porção paraibana do Seridó ocupam cerca de 40% de toda a “área
minerável”15 ou cerca de 35% da área total do Seridó paraibano; e as dez
maiores empresas em área do subsolo na porção potiguar do Seridó
ocupam cerca de 38% de toda a “área minerável” ou cerca de 30% da
área total do Seridó potiguar.
Fato é que na outra ponta desses mecanismos de controle territorial e
dos processos de apropriação privada e monopolizada do subsolo
seridoense estão os trabalhadores da mineração, sobre quem recaem os
primeiros efeitos da exploração mineral, manifestos na degradação do
trabalho, da saúde e da própria vida, como veremos de agora em diante a
partir do estudo de caso realizado junto às comunidades rurais Quixaba e
Timbaúba, no município de Frei Martinho.
A degradação do trabalho em Frei Martinho/PB: a
mineração nas comunidades rurais Quixaba e Timbaúba
De acordo com o IBGE16, o município de Frei Martinho possui pouco
menos de 245 km² de extensão territorial e está localizado na
microrregião do Seridó Oriental paraibano, estando a pouco mais de 140
km de distância da cidade de Campina Grande. A população
freimartinhense está estimada em cerca de 2.989 habitantes (IBGE,
2019), dos quais cerca de 62% vivem na sede municipal, e os demais
38% habitam a zona rural (IBGE, 2010). No universo dos 38% da
população rural de Frei Martinho estão os habitantes das comunidades
Quixaba e Timbaúba, alvo de nosso estudo de caso sobre os efeitos da
mineração expressos na degradação do trabalho, da saúde e da própria
vida dos camponeses-garimpeiros seridoenses.
Conforme apontam os estudos de Brito (1997) e os registros da
professora “Zefinha”17, o cotidiano da comunidade Quixaba baseava-se,
até os fins da década de 1930, na produção camponesa de autoconsumo.
Com a descoberta da tantalita na região, em 1937, o garimpo passou a
formar, junto à agricultura camponesa e à criação de animais, uma
espécie de tripé sustentáculo da reprodução social familiar dos agora
camponeses-garimpeiros da comunidade Quixaba, o mesmo acontecia, no
mesmo momento, em sua comunidade irmã, Timbaúba18. Fato é que,
desde os primórdios da exploração mineral nas comunidades Timbaúba e
Quixaba, até então, a depender das condições morfoclimáticas regionais,
o trabalho assumiu um caráter móvel e sazonal, evidenciado na
plasticidade do trabalho, revelada em território seridoense por meio do
movimento devir de ser “ora camponês, ora trabalhador rural
assalariado, ora garimpeiro autônomo/informal”. Nesse sentido,
conforme Thomaz Jr (2012, p. 9):
O movimento territorial de classe da classe trabalhadora é, pois, a
expressão geográfica da plasticidade do trabalho, conceito, aliás,
que nos tem permitido entender as (re)existências e
(des)realizações das diferentes formas e manifestações dos
homens e mulheres que trabalham. É, pois, o movimento
territorial de classe, o entendimento das implicações e dinâmicas
das contradições imanentes à relação capital x trabalho, com a
amplitude das diferentes expressões que marcam a territorialidade
da plasticidade do trabalho.
Pistas do movimento territorial do trabalho, da diversidade de
experiências laborais e da constante (des)realização do trabalho – e, por
consequência, dos sujeitos que trabalham – podem ser evidenciadas no
seguinte trecho de entrevista realizada junto a um dos trabalhadores
camponeses-garimpeiros da comunidade Timbaúba:
R.A: Meu pai sempre trabalhoucom fazenda, era vaqueiro. Aí, depois
de vaqueiro, aí ficou nas fazendas, até se aposentar. Aí criou a
família, a gente começou a crescer, foi aumentando os tempos das
secas e aí a gente virou faisqueiro19, né, como chama catador de
minério. Começamos a trabalhar. [...] Aí seguimos trabalhando,
trabalhei por muito tempo. Aí foi o tempo que eu “passei a de maior”,
foi o tempo que o minério desvalorizou, aí eu mesmo voltei a
trabalhar de vaqueiro. [...] Trabalhei muitos anos de vaqueiro. [...]
Dessas fazendas, aprendi até um pouco de veterinário. Aí acabou o
preço do minério [...] aí eu fui embora pra Goiás, pra lá morei por
sete anos. [...] Em Goiás trabalhava em hortaliças mesmo, também.
[...] Aí voltei pra cá, foi o tempo da mulher aposentar. Aí voltei, fiquei
por aqui. Fiquei indo pra parte de sacaria, quando terminava, vinha
embora. [...] Comecei na colheita de soja. Eram noventa dias que eu
passava lá, 120 dias na colheita, aí voltava pra cá de novo. (Em
entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em 08/05/2018)
De vaqueiro a faisqueiro no Seridó, a trabalhador assalariado rural no
plantio de hortaliças e na colheita de soja no interior de Goiás, o relato do
trabalhador, que identificamos aqui como “R.A” – a fim de garantir seu
completo anonimato –, traduz a penosa realidade da constante
(des)realização e mobilidade do trabalho vivenciada pelos trabalhadores
camponeses-garimpeiros da porção paraibana do Seridó. Realidade que,
conforme o trecho do relato a seguir, inicia-se de maneira bastante
precoce:
C.B: Eu lembro que eu, com idade de 5, 6 anos já ia pra o alto20
“mais” a minha mãe catava uns “berilozinho” pequenininho assim,
ia botando dentro de um caneco de óleo, e quando enchia aquele
caneco a gente sabia que era um quilo. Vinha pra casa, vendia e
comprava a rapadura, uma farinha, um feijão e comia. [...] [Com] 5,
6 anos os meninos aqui já foram trabalhar. (Em entrevista realizada
na Comunidade Quixaba em 09/05/2018)
O relato acima evidencia uma das três formas de exploração mineral
desenvolvidas no Seridó paraibano. Trata-se da “cata” ou “catagem” de
minérios, como comumente chamam os trabalhadores camponeses-
garimpeiros. Esse modelo de exploração mineral consiste em,
literalmente, catar minerais na superfície das lavras de exploração
mineral, sendo até pouco tempo atrás a porta de entrada das crianças no
universo da mineração seridoense21.
Se a “mineração de cata superficial de minérios” representava até
pouco tempo atrás a inserção do trabalho infantil na mineração
seridoense, a “mineração nos córregos e riachos” absorveu durante
muito tempo a força de trabalho feminino, duplamente explorado nas
esferas produtiva e reprodutiva. Conforme a sua própria tipificação
sugere, trata-se de um tipo de garimpagem desenvolvida em açudes e
córregos a partir da utilização de ferramentas como a bateia, a “caixa”22,
a tela e a pá, além de, ocasionalmente, serem utilizados motores a óleo
para o trabalho com a água juntamente à “corrida”23. A Figura 1, mais
adiante, ilustra algumas das ferramentas de trabalho utilizadas por essa
forma de exploração mineral.
Por outro lado, na “mineração nos altos e banquetas”, uma terceira
forma de exploração mineral desenvolvida na região, uma vez que é
necessário um grande dispêndio de força física, praticamente não é
possível observar o trabalho de mulheres garimpeiras. As principais
ferramentas de trabalho utilizadas são geralmente bastante
rudimentares, e por vezes adaptadas do trabalho na agricultura,
destacam-se: a marreta, a picareta/chibanca, o pixote, o aço e o carro de
mão; guinchos artesanais movidos a óleo ou a força mecânica humana; e,
em alguns casos, compressores de ar. Destaca-se, também, nesse
modelo de exploração mineral, a utilização de explosivos, que, conforme
veremos mais adiante, não raramente resultam em graves acidentes de
trabalho que podem causar mutilações, surdez, cegueira e a própria
morte desses trabalhadores garimpeiros.
 
Figura 1. Ferramentas de trabalho utilizadas na mineração em
Frei Martinho e Picuí (2012-2018)
Fonte: Trabalhos de Campo Realizados entre 2012 e 2018.
De forma sintética, uma vez que não pretendemos aprofundar aqui
questões de cunho teórico-metodológico, e reiterando nosso anseio de
que este capítulo seja um convite à leitura de nossa dissertação de
mestrado, precisamos pontuar da forma mais breve e direta possível o
que estamos entendendo como degradação do trabalho. Trata-se, pois, de
um fenômeno global emergente da subordinação do trabalho concreto,
ontologia do ser social – e suas mediações primárias – aos imperativos
do trabalho abstrato/alienado – e suas mediações secundárias –, que, em
última instância, desumanizam os sujeitos que trabalham. Partindo dessa
perspectiva teórica, podemos afirmar categoricamente que todo e
qualquer trabalho desenvolvido sob os imperativos da acumulação
capitalista, voltado fundamentalmente à reprodução cada vez mais
ampliada do capital, é, em maior ou menor grau, trabalho degradado
(Antunes, 1999; Heck, 2002; Heck & Thomaz Jr, 2016; Marx, 2017;
Mészáros, 2002; Perpetua, 2016; Thomaz Jr, 2011;2012).
Nesse sentido, ao abordar brevemente o ato de garimpar e suas
especificidades de acordo com as diferentes formas de exploração
mineral, objetivamos revelar algumas das marcas territoriais da
mineração seridoense que, ao nosso ver, se constituem enquanto
manifestações da degradação do trabalho, expressas, como vimos: (a) no
trabalho infantil, que negou o acesso à educação a toda uma geração de
trabalhadores garimpeiros; (b) na dupla exploração do trabalho feminino
entre as esferas produtiva e reprodutiva; (c) e na condição de
informalidade do trabalho que, ao assentar os sujeitos à margem dos
direitos conquistados pela classe trabalhadora, representa a porta de
entrada para uma série de outras determinações degradantes ao trabalho
e à própria vida, determinações essas que serão evidenciadas a seguir.
Do ato ao efeito de garimpar: crônica de uma morte
anunciada
Destarte, passaremos “do ato de garimpar, ao efeito de garimpar”, ou,
em outras palavras, do ato do trabalho na mineração às consequências
últimas do trabalho na mineração. Depararemo-nos, de agora em diante,
com a mais nefasta marca territorial do labor na exploração mineral
seridoense, expressão máxima da degradação do trabalho: a degradação
da saúde e da própria vida. Ao posicionarmo-nos dessa forma, alinhamo-
nos a Heck & Thomaz Jr (2016, p. 71), admitindo a extrema importância
em
incluir na agenda de pesquisa em Geografia a temática da saúde do
trabalhador, no âmbito da dinâmica territorial do trabalho, para
retirar da invisibilidade social as doenças relacionadas ao trabalho.
Entendendo também que, no ambiente da (des)realização do
trabalho, uma das expressões mais dramáticas encontra-se no
campo dos agravos à saúde dos trabalhadores de inúmeras
inserções laborais.
Assim sendo, evidenciamos a importância analítica de, em meio à
nossa investigação em torno da degradação do trabalho, apreender a
conexão existente entre os movimentos do trabalho, da apropriação da
natureza e da saúde humana e ambiental (Thomaz Jr, 2011). Nesse
sentido, sem perder de vista que o fenômeno da degradação do trabalho
deve ser entendido para além dos agravos à saúde do trabalhador
(Perpetua, 2016), apresentamos provas de que há uma íntima relação
entre os vínculos territoriais da mineração seridoense e o adoecimento e
morte de trabalhadores camponeses-garimpeiros.
Assim, uma vez defrontados com a inexistência de dados públicos
referentes às condições de saúde dos trabalhadores garimpeiros no
município de Frei Martinho, e contando com o apoio de nossos
interlocutores de pesquisa24, realizamos, em maio de 2019, nossa última
incursão em campo, dedicada única e exclusivamente ao levantamento de
documentos médicos (dados qualitativos) que pudessem nos servir
enquanto comprovação objetiva de que o trabalho na mineração
seridoense adoece e mata.
O Quadro 1, a seguir, sintetiza as informações referentes a todos
esses documentos/dadoslevantados em trabalho de campo, que, embora
não possam compor este capítulo – em virtude da quantidade de páginas
que seriam necessárias dedicar a isso – , encontram-se divididos entre o
último capítulo e os anexos de nossa dissertação de mestrado.
 
Identificação do
Trabalhador
Agrávos a
Saúde
Tipo de
documento/dado
Condição atual do
trabalhador
F.B
Hérnia de
disco;
Dor
lombar
01 Raio-X;
01 Ressonância
magnética
Em tratamento
E.F
Hérnia de
disco;
Dor
lombar
01 Ressonância
magnética
Em tratamento
C.B
Hérnia de
disco;
Dor
lombar
01 Prontuário
médico;
01 Ressonância
magnética
Em tratamento
H.B
Dor
lombar
01 Prontuário
médico
Em tratamento
A.S
Hérnia de
disco;
Dor
lombar
02 Atestados
médicos;
01 Ressonância
magnética;
01 Atestado
Médico do INSS;
01 Registro de
trabalho
Em tratamento
Identificação do
Trabalhador
Agrávos a
Saúde
Tipo de
documento/dado
Condição atual do
trabalhador
F.A Silicose
01 Teste de
função pulmonar;
01 Raio-X
Em tratamento
J.D Silicose
02 Resumos de
alta;
02 Laudos
médicos;
01 Raio-X
Em tratamento
F.N Silicose
01 Resumo de
alta;
01 Tomografia;
01 Prontuário
médico;
01 Certidão de
óbito
Falecido
A.L Silicose
02 Prontuários
médicos
Falecido
J.N Silicose
01 Prontuário
médico
Falecido
Quadro 1. Quadro síntese dos dados qualitativos referentes à
saúde do trabalhador garimpeiro levantados em trabalho de
campo em Frei Martinho (2019)
Fonte: Trabalho de campo realizado em maio de 2019, Frei Martinho/PB. Org: Caio
Rodrigues, 2019.
Conforme é possível observar no quadro acima, identificamos
basicamente dois tipos de doenças ocupacionais que atingem os
trabalhadores camponeses-garimpeiros das comunidades Quixaba e
Timbaúba25: (a) dores lombares, na coluna e/ou hérnia de disco,
diretamente relacionadas com o grande dispêndio de força física
necessário ao trabalho na exploração de bens minerais; (b) e a silicose,
pneumoconiose adquirida por meio da exposição contínua à inalação da
poeira de sílica, doença de evolução progressiva e irreversível (sem
cura), comumente relacionada à causa óbito de trabalhadores
garimpeiros.
No que diz respeito às dores de coluna, dores lombares e ocorrências
de hérnia de disco, embora não se constituam como um agravo à saúde
diretamente relacionado à morte dos trabalhadores da mineração,
conforme dados levantados em estágios anteriores de pesquisa,
representam a maior queixa entre os camponeses-garimpeiros da
comunidade Quixaba, atingindo cerca de 67% dos trabalhadores
entrevistados até aquele momento (Rodrigues, 2015; Rodrigues &
Franco García, 2017).
Em relação à silicose, conforme é possível observar no Quadro 1,
dentre as cinco ocorrências comprováveis por meio do acesso a
documentos médicos, três são referentes a trabalhadores que acabaram
chegando a óbito. O relato a seguir, de entrevista realizada junto a um
trabalhador da comunidade Timbaúba, revela com a maior naturalidade
possível a ocorrência de mortes decorrentes de silicose na região:
E.F: Eu usava uma máscara, capacete, botina, sempre eu usava uma
máscara, uma camisa no rosto, cobrindo, pra não entrar poeira no
nariz. Principalmente quando estava furando com o compressor. E
tinha um rapaz que furava, eu cheguei lá um dia, ele dentro da
poeira, furando. Eu digo: “rapaz, arrume uma máscara pra você
usar”, ele disse: «meu pulmão é de ferro», eu digo: “ferro enferruja”.
E morreu, já. Ele já morreu. Morreu com problema da doença do
garimpo. (Em entrevista realizada na Comunidade Timbaúba em
08/05/2018)
Ademais, conforme o relato a seguir, de um dos trabalhadores
entrevistados na comunidade Timbaúba, a inserção do compressor26, por
volta da década de 1980, embora tenha tornado o trabalho mais produtivo
e menos penoso fisicamente, trouxe sérias consequências à saúde dos
trabalhadores camponeses-garimpeiros do Seridó paraibano:
J.B: Compressor tem uma coisa: os que mexeram com compressor já
morreram quase todos. Quem não morreu está pra isso. (trecho
inaudível) come o pulmão do cara do pó da pedra, sabe? Tá em canto
abafado, furando, uma poeira desgraçada daquela, né? Aí respira.
Aquele pó entra todo, né? Sem nenhuma proteção. Aí já morreu até
um genro meu, nisso aí. Tinha 40 anos. (Em entrevista realizada na
Comunidade Timbaúba em 08/05/2018)
Somado às ocorrências de problemas de coluna, dores lombares,
hérnia de disco e silicose, estão alguns corriqueiros acidentes de
trabalho, decorrentes principalmente de desabamentos nas galerias
subterrâneas – banquetas – e da má utilização de explosivos, que, quando
não levam o trabalhador a óbito, podem causar mutilações, surdez e/ou
cegueira, conforme relata a seguir o trabalhador entrevistado na
comunidade Quixaba:
F.B: Meu pai sofreu um acidente [...] ele ficou em coma 30 dias em
Picuí. Explosivo, detonou um fogo, ele queimou um monte de fogo lá
e não demorava muito tempo, né? Quando passou 15 minutos, ele
achou que (trecho inaudível). Ele desceu pra ver, que ele tinha esse
costume de descer com a poeira com tudo, ele não se importava, né?
Aí quando chegou lá que foi olhar, um fogo, na hora que ele pegou, o
fogo detonou, pegou no rosto dele e jogou ele na barreira. [...] Aí
perdeu a visão, um olho vazou na hora, ele ficou só com um. Via
pouco por um, mas trabalhou até adoecer da silicose. (Em entrevista
realizada na comunidade Quixaba no dia 09/05/2018).
Embora não tenhamos tido acesso a nenhum documento médico
referente a acidentes de trabalho na mineração, praticamente todos os
trabalhadores entrevistados tiveram notícias ou presenciaram acidentes
de trabalho como o relatado acima. Acidentes que, quando não deixaram
vítimas fatais, acarretaram graves sequelas para a saúde e a própria vida
dos garimpeiros acidentados. O que constitui um grave problema, visto
que a imensa maioria desses trabalhadores desenvolve o trabalho de
exploração de bens minerais no contexto do universo informal das
relações de trabalho completamente desprotegidos em termos de
seguridade social.
Partindo do pressuposto de que há uma estreita relação do trabalho
com a saúde e a própria vida, conforme expõe Antunes (1999) ao afirmar
que uma vida dotada de sentido no trabalho pressupõe uma vida com
sentido no trabalho, e, igualmente, uma vida sem sentido no trabalho
impõe uma vida sem sentido fora dele, destacamos os agravos à saúde,
expressos nas dores lombares, problemas de coluna, hérnia de disco,
silicose e acidentes de trabalho – além da própria morte – decorrentes
dos diferentes processos de trabalho enfrentados diariamente por esses
trabalhadores na luta cotidiana pelo pão, como o efeito mais cruel da
exploração mineral regional, manifestação máxima da degradação do
trabalho em território seridoense.
Considerações finais
Desde os seus primórdios, nos primeiros anos do século XX, a
mineração no Seridó constituiu-se como uma prática espacial
eminentemente agrária, realizada por trabalhadores camponeses, com
ferramentas de trabalho adaptadas do trabalho nos roçados, em
propriedades rurais. Dessa forma, não é exagero algum afirmar que, à
medida que a região descobria a mineração, os camponeses seridoenses
passaram a descobrir, de igual forma, o ser garimpeiro, ou ainda mais que
isso, o ser camponês-garimpeiro.
Seja em função das condições morfoclimáticas regionais, seja em
virtude dos períodos de baixa nos preços dos bens minerais explorados
na região, a classe trabalhadora rural do Seridó passou a vivenciar as
mais diversas experiências de (des)realização laboral e humana,
expressas territorialmente no constante movimento das identidades
laborais que evidenciam a plasticidade do trabalho no campo seridoense:
ora camponês, ora trabalhador assalariado rural, ora garimpeiro informal.
Nesse sentido, os vínculos territoriais do garimpo, em princípio
radicalmente opostos às práticas espaciais da produção camponesa,
passaram a coexistir, desde então, nos mesmos lugares nas comunidades
rurais freimartinhenses Quixaba e Timbaúba, de tal modo e em tais
condições, que a exploração mineral passou a incorporar relaçõesde
produção próprias do trabalho na agricultura, como é o caso do
“arrendamento do subsolo”, principal forma de acesso ao subsolo por
parte dos trabalhadores garimpeiros informais da região.
Em consequência disso, entre os fins dos anos 2000 e início da década
de 2010, com o discurso de estabelecer maior controle territorial sobre o
subsolo, o Estado, em suas escalas nacional e estadual, passou a
direcionar ações públicas voltadas ao combate à informalidade do
trabalho na mineração, o que aconteceu por meio do investimento e
incentivo à organização do trabalho dos garimpeiros seridoenses em
cooperativas.
Nesse contexto, são criadas, nos municípios paraibanos de Frei
Martinho, Picuí, Nova Palmeira, Pedra Lavrada, Junco do Seridó e
Várzea, seis cooperativas de garimpeiros/mineradores, que, conforme
temos evidenciado até então, não têm sido exitosas em tornar as
condições de acesso ao subsolo diferentes daquelas do trabalho informal,
tampouco têm conseguido tornar as condições de trabalho e acesso à
renda dos cooperados consideravelmente diferentes das do garimpeiro
informal.
É, pois, apoiada sob a informalidade do trabalho – que exime as
empresas de qualquer responsabilidade social/trabalhista – , atrelada à
existência de garimpos clandestinos – que exime as empresas de
qualquer tipo de preocupação ambiental –, que a trama empresarial de
apropriação privada e monopolizada do subsolo seridoense garante, por
um lado, uma maior lucratividade, e impõe, por outro lado, um intenso
controle do território.
Na outra ponta dos processos de apropriação privada e monopolizada
do subsolo seridoense temos a degradação do trabalho, da saúde e da
própria vida do trabalhador camponês-garimpeiro, manifestas na
informalidade do trabalho; na dupla exploração do trabalho feminino nas
esferas produtiva e reprodutiva; no trabalho infantil que relega o acesso à
educação a um segundo plano; nos agravos à saúde do trabalhador; e, em
última instância, na própria morte, ora decorrente dos graves e
recorrentes acidentes de trabalho, ora enquanto um resultado da mais
cruel doença ocupacional do garimpo: a silicose.
Fato é que, observando a dinâmica territorial da exploração mineral
do Seridó (PB/RN) nos últimos anos, evidenciamos que o fenômeno da
degradação do trabalho, da saúde e da própria vida, é, ao mesmo tempo,
um processo, meio pelo qual a apropriação privada e monopolizada do
subsolo seridoense é possível; e fim, produto e efeito último dessa trama
perversa que se manifesta no adoecimento e na morte dos sujeitos que
trabalham.
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Federal de Pernambuco, Recife.
Notas
1. Trata-se de dados referentes aos diversos estágios dos processos minerários
ativos nas porções paraibana e potiguar do Seridó, oriundos da base de dados do
Sigmine, sistema de informações geográficas da Agência Nacional de Mineração
(ANM). Disponível em: http://bit.ly/2wiFaph. Acesso em: jul. 2018.
2. Baraúna, Cubati, Frei Martinho, Juazeirinho, Nova Palmeira, Pedra Lavrada,
Picuí, Seridó e Tenório, no Seridó Oriental paraibano; Junco do Seridó, Salgadinho,
Santa Luzia, São José do Sabugi, São Mamede e Várzea, no Seridó Ocidental
paraibano.
3. Acari, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Equador, Jardim do Seridó, Ouro Branco,
Parelhas, Santana do Seridó e São José do Seridó, no Seridó Oriental potiguar;
Caicó, Ipueira, Jardim de Piranhas, São Fernando, São João do Sabugi, Serra Negra
do Norte e Timbaúba dos Batistas, no Seridó Ocidental potiguar.
4. Durante a Segunda Guerra Mundial, a mina Brejuí, maior mina de exploração de
scheelita da América Latina, chegou a reunir cerca de 3.000 trabalhadores, a
imensa maioria composta por trabalhadores rurais (Andrade, 1987).
5. Questões que, de acordo com Forte (1994), se desdobraram em uma série de
contradições como: (a) uma considerável quantidade de sócios não garimpeiros; (b)
a presença/permanência de membros da CDM-RN nas diretoriasdas cooperativas;
(c) a incapacidade de eliminar os atravessadores; (d) a existência de cooperativas
que, na prática, funcionavam como microempresas, onde predominava o trabalho
assalariado de garimpeiros não sócios; e) e a indiscriminada presença de trabalho
infantil em áreas de exploração mineral.
http://bit.ly/2wiFaph
6. De acordo com dados de 2018 da ANM, apenas a Coomipel (Pedra Lavrada) e a
Cooperjunco (Junco do Seridó) têm acesso garantido ao subsolo.
7. Que leva em consideração apenas a propriedade da terra, ignorando a posse do
subsolo.
8. Termo utilizado pelos trabalhadores garimpeiros do Seridó em referência ao
interior das galerias das minas.
9. Esse tipo de prática já foi alvo de investigação da Polícia Federal (PF) e do
Ministério Público Federal (MPF) na região. Durante as investigações da
“Operação Sete Chaves”, foi identificada a exploração ilegal de turmalina Paraíba no
distrito de São José da Batalha, no município de Salgadinho, Seridó paraibano. A
gema, explorada ilegalmente em território paraibano, era levada para ser registrada
no município de Parelhas, Seridó potiguar, onde uma empresa envolvida no
esquema tinha permissões de lavrar e registrar a procedência do mineral.
10. É a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Trata-se,
conforme informações levantadas junto ao portal do DNPM (hoje ANM) de
Pernambuco, de uma “contraprestação pela utilização econômica dos recursos
minerais em seus respectivos territórios”. As arrecadações são distribuídas da
seguinte forma: (a) 12% para a União (ANM, Ibama); (b) 23% para o estado onde a
substância mineral for extraída e; (c) 65% para o município produtor. Mais
informações, disponíveis em: http://bit.ly/32Gcsel. Acesso em: jul. 2018.
11. O que não elimina a possibilidade de haver explorações ou compras ilegais de
bens minerais nesses municípios, apenas registra-se a procedência dos minerais
em seu estado de origem. Em última instância, sequer há garantias de que esses
bens minerais sejam todos oriundos do subsolo desses municípios.
12. Utilizamos aqui a soma dos dados referentes a todas as fases dos processos
minerários ativos na região.
13. Focada na produção de minério de ouro, a empresa deve iniciar em breve as
operações de seu “Projeto Borborema”, que contará com uma área de 490 hectares,
localizada no município potiguar de Currais Novos, destinada ao beneficiamento de
ouro, com capacidade inicial de cerca de dois milhões de toneladas por ano,
advindas, a princípio, de três lavras de exploração mineral que, somadas, chegam a
29,07 km² de área.
14. Com projetos de exploração mineral nos estados da Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, é considerada a maior empresa em capacidade de
beneficiamento de minerais não metálicos do Brasil, com capacidade produtiva
superior a cinquenta mil toneladas por mês. Empresa que, de acordo com relatos de
trabalhadores de Frei Martinho, estaria comprando feldspato explorado na Paraíba
por garimpei
15. Como “área minerável” referimo-nos a toda a área com processos minerários
registrados junto à ANM.
16. Informações disponíveis em: http://bit.ly/2PztyFj. Acesso em: jul. 2018.
http://bit.ly/32Gcsel
http://bit.ly/2PztyFj
17. Pedagoga, ex-garimpeira e residente na comunidade Quixaba. Os registros da
professora “Zefinha” têm como fonte entrevistas realizadas junto aos moradores
mais antigos da comunidade.
18. Conforme relatado pelos trabalhadores camponeses-garimpeiros residentes em
ambas comunidades rurais, a comunidade Quixaba é originária de um
desmembramento da comunidade Timbaúba.
19. Faisqueiro, assim como maloqueiro, são terminologias diferentes para se referir
ao trabalhador garimpeiro.
20. Denominação que os garimpeiros dão às lavras de exploração mineral, visto que
geralmente encontram-se em áreas de altitude mais elevada.
21. Ainda que nos últimos anos o trabalho infantil na mineração seridoense tenha
se tornado praticamente extinto, por uma série de razões que vão desde a um
melhor acesso à educação até a existência de programas sociais de acesso à renda,
ele constituiu uma das mais notáveis marcas territoriais da mineração no
seridoense do século XX.
22. Instrumento de trabalho artesanal amplamente utilizado na pequena mineração
seridoense. Trata-se de uma caixa de madeira propositadamente inclinada, com
uma espécie de tela na parte superior. O trabalho “virando caixa” envolve três
trabalhadores ou trabalhadoras: o/a primeiro/a é responsável por “alimentar” a tela
da caixa com terra; o/a segundo/a assume a função de jogar a água na tela e; o/a
terceiro/a tem como função, retirar o minério (no caso do Seridó, a tantalita) que,
por ser mais pesado, desce.
23. Tem a mesma função que a caixa, porém, trata-se de uma espécie de
maquinário, igualmente rudimentar, que funciona com o auxílio de um motor que
bombeia a água.
24. Sobretudo os próprios trabalhadores camponeses-garimpeiros, familiares de
trabalhadores acometidos por doenças ocupacionais do garimpo e membros da
própria Secretaria de Saúde do município de Frei Martinho.
25. Há, ainda, entre os relatos dos camponeses-garimpeiros das comunidades
Quixaba e Timbaúba, referências à insolação, que, embora seja uma realidade entre
os trabalhadores da mineração, pode também ser associada à exposição solar
durante o trabalho na agricultura. De todo modo, é preciso reconhecer que não
encontramos nenhum documento médico que comprovasse as ocorrências citadas
pelos trabalhadores entrevistados.
26. Maquinário comumente utilizado por trabalhadores camponeses-garimpeiros
seridoenses em substituição ao trabalho manual com a picareta/chibanca e a
marreta.
CAPI�TULO 2
A MINERAÇÃO DE GRANITO NO ESPÍRITO SANTO
Aloisio Souza da Silva
Introdução
No Brasil, a apropriação do subsolo pelo capital privado, sob aval do
Estado, é uma das principais características da atividade mineradora, que,
por sua vez, estabelece conflitos com o interesse nacional na efetivação
da soberania, com os povos e comunidades nas áreas impactadas direta
ou indiretamente pela mineração.
Conflitua também com a própria dinâmica geológica em seus ciclos
naturais, pois é destruído em alguns anos o que a natureza formou em
milhões. As disputas e estratégias de apropriação das riquezas presentes
no subsolo muitas vezes divergem, mas às vezes convergem dos
interesses dos proprietários da superfície.
Nas últimas décadas temos vivenciado ofensivas do capital sobre as
comunidades tradicionais em várias escalas e formas de atuação,
provocando profundas transformações no espaço agrário. Dentre elas, a
atividade mineradora tem se destacado em algumas regiões brasileiras
como elemento conflitante entre lógicas antagônicas de propriedade,
ocupação da terra, formas de uso e objetivos sociais. Conflito que se
estabelece entre comunidades impactadas pela atividade mineradora que
se coloca como interessada nas riquezas naturais dispostas no subsolo.
A economia minerária é uma das faces do desenvolvimento do modo
capitalista de produção que adota os princípios e regras gerais do
capitalismo globalizado, mundializado, neoliberalizado, em que a
acumulação por exploração, expropriação ou espoliação se dá um
diferentes escalas, colocando o lucro acima de todas as necessidades
humanas, e os recursos naturais, como solo, água, minerais, atmosfera,
transformam-se em mercadorias27.
 
O neoliberalismo tem sido uma espécie de releitura atualizada do
liberalismo a partir das concepções econômicas neoclássicas.
Trata-se, pois de uma determinada visão social do capitalismo a
partir da ótica dos capitalistas, portanto, da burguesia. Assim,
tornou-se um conjunto de ideias capitalistas de políticas e
economia fundadas principalmente na não participação do Estado
na economia e, na liberalização total do comércio (mercado livre)
em nível mundial. Enfim, defende a livre circulação de capitais
internacionais, abertura das economias nacionais para a entrada de
multinacionais, a implantação de ações que impeçam o
protecionismo econômico, adoção de política de privatização de
empresasestatais, etc.
Entre a mídia econômica capitalista mundial nasceu como releitura
das transformações que o capitalismo passou no final do Século XX
e da crise do socialismo no leste europeu, a utilização dos termos
“global” e “globalization”. Eles não foram formulados a partir de
uma reflexão intelectual voltada para a produção de teorias no
mundo acadêmico, foram produzidos e utilizados de forma
ideológica para explicar o processo de reordenação territorial do
capitalismo mundial. Esse processo estava fundado na formação,
compra e fusões de monopólios econômicos que monopolizaram a
economia em termos mundiais. Como novidade formaram-se
também em termos mundiais os monopólios constituídos nos
países emergentes, fruto da ascensão internacional de setores das
burguesias nacionais com apoio do Estado. Estas associações entre
empresas monopolistas nacionais e empresas monopolistas
internacionais transformaram ambas, em empresas mundiais.
Assim, o capital mundial disseminou-se pelos países emergentes,
aliançando setores das burguesias nacionais, transformando-os em
capitalistas mundiais. (Oliveira, 2016, p. 11)
 
Neste sentido, importante chamar a atenção para acumulação
capitalista contemporânea por meio da criação de novos mecanismos de
espoliação, como apropriação mercadológica dos recursos naturais, em
especial por meio do avanço das fronteiras do agronegócio e da
mineração, que protagonizam a destruição dos recursos ambientais,
sendo entendido por Harvey como uma “escalada”.
A escalada da destruição dos recursos ambientais regionais globais
(terra, ar, água) e degradações proliferantes de habitats, que
impedem tudo exceto formas capital-intensivas de produção
agrícola, também resultam da mercantilização por atacado da
natureza em todas suas formas. (Harvey, 2004, p. 122)
A acumulação por espoliação em escala global dá-se na produção
capitalista do espaço. Para Harvey (2004), a acumulação por espoliação
contemporânea carrega características da acumulação primitiva,
analisadas por Karl Marx, como a privatização da terra, consolidação do
direito privado em detrimento dos interesses sociais, a mercantilização
da força de trabalho, a monetarização das relações de troca de
mercadorias, incluindo os recursos naturais, a supressão de formas
autônomas de produção e consumo, o endividamento nacional e a
financeirização da economia por meio dos sistema especulativo e de
crédito.
A um só tempo a acumulação de capital via espoliação concatena a
mercantilização de bens de direito públicos e comuns; a atuação de
instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI),
que cumprem papel de agentes que projetam e articulam crises; e a
financeirização das economias nacionais, consolidando formas de
subserviência das populações e endividamento dos países.
Entrementes, a acumulação primitiva permanente, como entendida
por Brandão (2010), é a estrutura genética do capitalismo no Brasil,
tendo a predominância da lógica imediatista, rentista, patrimonialista, que
tem sua dinâmica sobre a estrutura da plataforma territorial e econômica
do país, sendo responsável pela produção sistemática de múltiplas
desigualdades de classes, em que existe baixo potencial social de cunho
transformador.
As leituras da realidade contemporânea, por meio dos conceitos de
espoliação ou acumulação primitiva, têm semelhanças no sentido da
atualidade das formas estratégicas de acumulação privada da riqueza por
variadas formas e mecanismos em diferentes escalas de atuação dos
agentes do capital, que se utilizam das estruturas dos Estados nacionais e
das fronteiras territoriais como mecanismos de viabilização da
acumulação, passando pela exploração do trabalho e da natureza.
É nesta lógica econômica que se organiza a atividade mineradora e o
Espírito Santo tem sua participação marcada por duas frentes: exportação
de minério de ferro e produção de rochas ornamentais.
No primeiro caso, o papel capixaba é logístico, como ponto de
embarque marítimo para o mercado internacional da produção extrativa
de minério de ferro realizada principalmente em Minas Gerais,
transportada nos trilhos da Ferrovia Centro-Atlântica S.A (FCA), que
integra a região Nordeste/Central do país aos portos do Espírito Santo e
Rio de Janeiro. Chega ao complexo portuário da grande Vitória, a Estrada
de Ferro Vitória – Minas S.A.
A estrutura portuária capixaba conta com treze terminais, sendo que
três deles são interligados à Estrada de Ferro Vitória – Minas (EFVM):
1. Portocel – localizado em Barra do Riacho (Aracruz), é especializado
em celulose, sendo um dos mais eficientes do mundo, operando também
com blocos de mármore e granito, além de produtos siderúrgicos, sal,
madeira, dentre outros. Em 2018, movimentou 10,2 milhões de toneladas
(Webportos, 2019).
2. Terminal de Tubarão – sob responsabilidade da Vale, é o maior e
mais eficiente terminal de exportação de pelotas e de minério de ferro do
mundo, além de movimentar fertilizantes, milho, soja e combustíveis,
com capacidade para operar 100 milhões de toneladas ao ano, sendo que
até agosto de 2019 foram 25,61 milhões de toneladas, sem contar que
dispõe de sete berços e uma capacidade de armazenagem de 58.200 m³
(Webportos, 2019).
3. Complexo do Porto de Vitória, administrado pela Companhia Docas
do Espírito Santo (Codesa), movimenta carga geral por meio dos
terminais Cais de Vitória, Capuaba, Peiú, Atalaia, Flexibrás, Terminal de
Vila Velha (TVV), Companhia Portuária de Vila Velha (CPVV), e está
preparado para operar cargas de contêineres, café, granito/mármore,
produtos siderúrgicos, concentrado de cobre, fertilizantes, automóveis,
máquinas e equipamentos eletrônicos, celulose, trigo, malte, açúcar,
graneis líquidos (gasolina, óleo diesel, soda cáustica), etc. (Webportos,
2019).
Além disso, a empresa Sarmarco construiu um “mineroduto” com
cerca de 400 km de extensão, que liga o Complexo Minerador de
Germano (MG), que se localiza aproximadamente a 150 km de Belo
Horizonte/MG, ao porto de Ubu, no município de Anchieta/ES. O Porto
de Ubu movimenta pelotas e minério de ferro, granéis sólidos e carga
geral e também é utilizado em operações de supply boats para indústria
de petróleo e outras (Webportos, 2019).
No 1º trimestre de 2016, a exportação de minério de ferro manteve-
se na liderança do ranking com a marca de US$ 335,48 milhões, o que
representou 22,19% do total das exportações do estado. O acumulado do
ano de 2015 chegou a US$ 1,04 bilhão. Quanto ao volume exportado, a
quantidade chegou, no mesmo período de 2016, a 7,3 bilhões de
toneladas. No acumulado do ano de 2015, totalizou 11,8 bilhões de
toneladas. O valor agregado por tonelada exportada no 1º trimestre de
2016 foi de US$ 46,00 (IJSN, 2016).
Já no 1º trimestre de 2018, foram 576,64 milhões US$ de minério de
ferro, com uma participação de 31,38% (IJSN, 2018).
O estado do Espírito Santo ocupa papel expressivo no setor
minerário, especialmente no que se refere às rochas ornamentais, que é
marcado pela extração de mármores e granitos.
Inicialmente, entre as décadas de 1960 a 1970, o foco produtivo em
potencial era a região sul do estado, no entorno do município de
Cachoeiro de Itapemirim, com destaque à mineração de mármores.
Porém, a partir da década de 1980, com novos estudos de prospecção
geológica e análises de viabilidade econômica e mercadológica, o
potencial de mineração de rochas ornamentais no Espírito Santo
expandiu-se para o norte do estado, na região de Nova Venécia, devido ao
potencial dos granitos.
A partir dos anos 1980, a demanda mundial pelo granito - material
com grande diversidade cromática e maior resistência que os
mármores - se intensificou, e a região sul do Espírito Santo não
possuía jazidas de destaque deste material. Iniciou-se, assim, a
expansão das atividades de produção no norte do estado que é
caracterizado por contar com imensas reservas de granito. (Núria
et al., 2011, p. 141)
Em alguns documentos sobre planejamento territorial e de estudos
de prospecção econômica, o conceito de Arranjo ProdutivoLocal (APL) é
designado para caracterizar as regiões e polos prioritários do
desenvolvimento da atividade mineradora de rochas ornamentais no
Espírito Santo, como se refere Paula:
O Estado do Espírito Santo destaca-se como um dos maiores
produtores de rochas ornamentais do Brasil, notadamente quanto
ao ramo de mármore e granito, em que aparece como responsável
por aproximadamente a metade da produção nacional. Atividades
relacionadas à extração e beneficiamento de mármore e granito
estão presentes em grande parte dos municípios capixabas,
destacando-se um conjunto de municípios na região norte e outro
na região sul. Estes dois blocos, embora separados espacialmente
e com características produtivas distintas, apresentam elevado
grau de integração, o que permite considerá-los como
pertencentes a um mesmo Arranjo Produtivo Local (APL). (Paula,
2008, p. 67)
Com marcada presença de empresas extrativas ao norte e de
beneficiamento ao sul, na maior parte do território do Espírito Santo, foi
se consolidando a atividade mineradora de rochas ornamentais capixabas.
Teoricamente, os dois seriam os municípios considerados
mineradores dentro deste estudo, porém, em ambos os casos,são
muitos os municípios vizinhos a esses nos quais a atividade
extrativa é muito importante. Quanto ao Polo Sul do APL,
Cachoeiro de Itapemirim foi eleito para ser o município minerador,
por conter o maior parque industrial de Rochas Ornamental do País
e ser referência mundial em no setor de rochas ornamentais. No
Polo Norte do APL, tratando-se de pequenos municípios, foram
escolhidos os três municípios entorno dos quais gira a atividade,
com maior produção de rochas ornamentais, para serem os
municípios mineradores: Barra de São Francisco, Nova Venécia e
Vila Pavão. (Núria et al., 2011, p. 156)
No ambito do planejamento territorial, o conceito de APL foi se
consolidando como uma estratégia do setor, em que se articula a
presença de empresas, ocupação de mão de obra especializada,
integração de atividades por meio de interdependências antes e depois da
ação extrativa mineral, articulação comercial entre agentes locais e
externos, e a presença de instituições públicas (Paula, 2008).
Embora os indicadores do potencial produtivo de rochas ornamentais
indicam toda a região da fronteira entre os estados do Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Espírito Santo e Nordeste mineiro - em particular,
granitos -, foi nos muncipios de Barra de São Francisco, Vila Pavão,
Ecoporanga, São Gabriel da Palha, Águia Branca e Água Doce do Norte
que se consolidou a extração de granitos como principal atividade
mineradora (Núria et al., 2011).
No plano do desenvolvimento econômico do Espírito Santo, foram
estabelecidas metas e caminhos a serem percorridos até o ano de 2030,
que referenciaram órgãos públicos e sociedade civil, a partir de
diferentes setores e prioridades, com as atenções para as potencialidades
da microrregião Noroeste que compreende os municípios de Vila Pavão,
Nova Venécia, Barra de São Francisco, Mantenópolis, Água Doce do
Norte, Águia Branca e Ecoporanga (Espirito Santo, 2013).
Nesse plano, a silvicultura é admitida como atividade econômica e de
reflorestamento; a extração de granito como potencial agregador de valor
às externalidades para o comércio de rochas ornamentais do país; a
produção rural (café, fruticultura, integração pecuária e outras culturas)
prevista como agregação de valor; ações de desenvolvimento regional em
conjunto com Minas Gerais, especialmente no âmbito dos serviços
especializados e de comercialização; e fortalecer as instituições de ensino
técnico e superior relacionadas às atividades econômicas locais.
Importante ressaltar o papel do Estado como promotor de políticas
públicas que dão lastros institucionais aos interesses econômicos
corporativos e privados, majoritariamente dominantes, neste sentido,
explicita seu papel ideológico na sociedade contemporânea.
Os direitos minerários
A atividade mineradora é regulamentada pela Constituição Federal
(CF), no artigo 20, inciso IX, que prescreve os recursos minerais como
patrimônio da União Federal, e sua exploração por terceiros depende de
autorização ou concessão estatal (Art. 176. § 1º), sendo que tal concessão
para exploração mineral está regulamentada no código da mineração,
Decreto-Lei n. 227 de 28 de fevereiro de 1967, que prevê que o subsolo e
os bens minerais nele contidos são da União, e não do proprietário do
solo (superficiário).
Consta o art. 3º do Decreto n. 9.406, de 12 de junho de 2018, que
regulamenta o Decreto-Lei n. 227 de 28 de fevereiro de 1967, a Lei n.
6.567, de 24 de setembro de 1978, a Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989,
e a Lei n. 13.575, de 26 de dezembro de 2017, que “compete à União
organizar a administração dos recursos minerais, a indústria de produção
mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais”.
Em parágrafo único, a organização a que se refere o caput inclui, entre
outros aspectos, a formulação de políticas públicas para a pesquisa, a
lavra, o beneficiamento, a comercialização e o uso dos recursos minerais.
No artigo 4º, fica à competência da Agência Nacional de Mineração
(ANM) observar e implementar as orientações, as diretrizes e as
políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia e executar o
disposto no Decreto-Lei n. 227, de 1967 - Código de Mineração, e nas
normas complementares.
De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o direito de
exploração de recursos minerais, dependendo do tipo de substância
mineral, pode ser obtido pelos regimes de:
(a) autorização, quando depender de alvará de autorização do diretor-
geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM);
(b) licenciamento, quando depender de licença expedida conforme
regulamentos administrativos locais e de registro da licença no DNPM;
(c) regime de monopólio, quando, por lei especial, depender de
execução direta ou indireta do Governo Federal.
(d) concessão, quando depender de portaria de concessão do ministro
de Minas e Energia;
(e) partilha, específico para a produção de petróleo a partir das
camadas do pré-sal e áreas estratégicas;
(f) permissão de lavra garimpeira, quando depender de portaria de
permissão do diretor-geral do DNPM.
No caso dos granitos, aplica-se o regime de autorização e o direito
minerário, que se consolida com a emissão do alvará de autorização de
pesquisa com validade de um ano após emissão, podendo ser prorrogado
por mais dois anos devidamente requeridos e justificados junto ao antigo
DNPM, extinto pela medida provisória 791/2017, de 25 de julho de 2017.
Analisando a evolução dos direitos minerários no Brasil entre os anos
1988 a 2018 (Gráfico 1), é possível identificar que em meados da década
de 1990 e entre 2005 a 2014 houve maior número de títulos minerários
protocolados, chegando em 2018 com 13.952 ocorrências (ANM, 2019).
 
Gráfico 1. Evolução dos títulos minerários no Brasil
Fonte: Agência Nacional de Mineração, 2019. Org: Aloisio Souza da Silva, 2019.
Em setembro de 2019, chegou a um total de 388.407 títulos
minerários no Brasil, sendo que 9,94% relacionados a granitos. Na região
Sudeste houve predominância do número de títulos minerários de
granitos, sendo 11.914 no total, destacando a participação de Minas
Gerais e Espírito Santo. Proporcionalmente, a maior predominância é no
estado capixaba, sendo que dos 8.364 títulos, cerca de 50%, são de
granitos (Sigmine, 2019).
De acordo com estudos e levantamentos, as maiores porções
geológicas com inserção mercadológica do tipo ornamental, do grupo dos
granitos, presentes no território brasileiro, estão na região Sudeste, com
amplo destaque ao Espírito Santo.
O território do estado do Espírito Santo devido à excepcional
divesidade geológica de seu embasamento cristalino evidencia uma
ampla vantagem competitiva em termos de jazimentos de rochas
ornamentais, incluindo desde materiais ditos comuns até rochas
nobres de alta cotação no exigente mercado internacional de
produtos pétreos. A origem destas rochas é consequencia

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