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Texto_4_e_7_-_PONCE_Anibal._Educao_e_Luta_de_Classes_2001

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Dados lnternacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP) 
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Ponce, Anfbal, 1898-1938 
Educavao e !uta de classes I Anfbal Ponce, traduvao de Jose 
Severo de Camargo Pereira.- 18. ed.- Sao Paulo: Cortez, 2001. 
Bibliografia 
ISBN 85-249-0241-8 
1. Conflito social 2. Educavao- Hist6ria I. Titulo II. Serie. 
90-0131 
lndic~s para catalogo sistematico: 
1. Educavao : Hist6ria 370.9 
2. Educavao e Sociedade 370.19 
3. Luta de classes: Sociologia 303.6 
CDD-370.9 
-303.6 
-310.19 
ANiBAL PONCE 
Traduc;iio de 
Jose Severo de Camargo Pereira 
(Do Instituto de Matematica e Estatfstica da USP) 
18aedigao 
@C.ORTEZ 
~EDITORQ 
EDUCA<;:AO E LUTA DE CLASSES 
Anfbal Ponce 
Capa: DAC 
Revisiio: Agnaldo Alves de Oliveira 
Composit;iio: Dany Editora Ltda. 
Coordenar;iio editorial: Danilo A. Q. Morales 
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem 
autoriza(iao expressa do tradutor e do editor. 
©do esp6Iio 
Direitos para esta edi(iao 
CORTEZ EDITORA 
Rua Bartira, 317 - Perdizes 
05009-000 - Sao Paulo - SP 
Tel.: (II) 3864-0111 Fax: (II) 3864-4290 
E-mai I: cortez@ cortezedi lora. com. br 
www.cortezeditora.com.br 
Impresso no Brasil- abril de 2001 
SUMARIO 
Prefacio da segunda edic;:ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
Prefacio da traduc;:ao brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 
I. A EDUCA~AO NA COMUNIDADE PRIMITIV A . . . . . . . . . 17 
II. A EDUCA~AO DO HOMEM ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
Primeira parte - Esparta e Atenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
III. A EDUCA~AO DO HOMEM ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
Segunda parte - Roma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
IV. A EDUCA~AO DO HOMEM FEUDAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 
V. A EDUCA~AO DO HOMEM BURGUES . . . . . . . . . . . . . . . . 111 
Primeira parte - Do Renascimento ate o Seculo XVIII . . . . Ill 
VI. A EDUCA~AO DO HOMEM BURGUES ................ 133 
Segunda parte - Da Revoluc;:ao Francesa ao Seculo XIX . . . 133 
VII. A NOVA EDUCA~AO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 
Primeira parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 
VIII. A NOV A EDUCA~AO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 
Segunda parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 
5 
PREFACIO DA SECUNDA EDI<;AO 
Em fins de 1963, veio a luz a primeira edic,:ao da traduc,:ao brasileira 
deste livro de Anfbal Ponce, publicado originalmente em 1937, pouco 
antes da tnigica e prematura1 morte do scu Autor, num desastre, no 
Mexico. Foi bern acolhida pela crftica e pelo publico em geral, mas a 
epoca escolhida para o seu lanc,:amento nao foi muito feliz, como logo se 
constatou pelos acontecimentos polfticos que se desencadearam no Brasil 
logo no inicio do ano seguinte. Os exemplares existentes em livrarias e 
depositos foram recolhidos compulsoriamente e durante o "qtiinqiii!nio 
revoluciomirio" seguinte a presente obra esteve fora de mercado no Brasil. 
1. Anfbal Norberto Ponce Speratti nasceu em Buenos Aires em 6 de junho de 1898 
e faleceu na Ciudad de Mexico etn 18 de maio de 1938, em conseqiiencia dos ferimentos 
recebidos num desastre de autom6vel ocorrido perto de Zitacuaro, na estrada que liga Morelia 
a Capital. 
Anfbal Ponce fez seus estudos elementares na cidade de Dolores e os secundarios no 
Colegio Nacional Central da capital argentina, ingressando em seguida na Faculdade de 
Medicina, que abandonou no 3° ano, sem completar o curso. 
Sua carreira de escritor, primeiramente como ensafsta e depois como fil6sofo, historiador 
e cientista, comec,:ou muito cedo, em 1917, na revista Nosotros, dirigida por Alfredo Bianchi. 
Em 1920, Ponce conhece Ingenieros, com quem conviveu estreitamente nos cinco anos seguintes 
e que o influenciou profundamente, moldando a mentalidade liberal, positivista e pre-socialista 
do jovem Anfbal. Com a morte de Ingenieros, Ponce continua sozinho o seu amadurecimento 
intelectual, encaminhando-se pouco a pouco para o materialismo dialetico, que acaba abrac,:ando 
definitivamente por volta de 1930, depois de uma estada na Europa, principalmente em Paris. 
De volta a patria, inicia Ponce uma militancia socialista ativa entre operarios e estudantes, 
especialmente entre estes ultimos, pronunciando conferencias, ministrando cursos e escrevendo 
artigos. Em 1930, funda com outros intelectuais portenhos o Colegio Livre de Estudos 
Superiores, onde ministrou, em 1934, urn curso de Hist6ria da Educac,:ao que se converteria, 
7 
Hoje, decorridos quase 20 anos desde o seu lanc;arnento original, ja 
ern "plena abertura", a traduc;ao brasileira de Educaci6n y Lucha de Clases 
esta sendo relanc;ada, praticarnente sern rnodificac;oes. Apenas as alterac;oes 
ortograficas necessarias e a atualizac;ao da nota (do Tradutor) n° 7 da 
pagina 156, segundo os dados do Censo de 1970, publicados no Anuario 
Estatfstico do Brasil, 1978. Essas inforrnac;oes atualizadas ( os dados do 
Censo de 1980 ainda nao forarn publicados) sao as seguintes: 
1. Pessoas de 10 anos e mais que sabem fer e escrever: 44.848.108 
(68%), das quais 22.889.036 sao hornens (51%) e 21.959.072, rnulheres 
(49%); 
2. Pessoas de 10 anos e mais que niio sabem fer e escrever: 
21.098.428 (32%), das quais 9.657.476 sao homens (46%) e 11.440.952, 
rnulheres (54%); 
3. Pessoas de 10 anos e mais que tern curso primario (de 4 anos) 
completo, inclusive cursos supletivos: 8.796.754; 
4. Pessoas que possuem curso media completo, inclusive cursos 
supletivos ( r e 2° graus): 4.789.776; 
5. Pessoas que possuem curso superior completo: 593.009. 
Jose Severo de Camargo Pereira 
Sao Paulo, fevereiro de 1981 
tres anos mais tarde, no presente livro. Em 1933, preside em Montevideu o Congresso 
Latino-Americano Contra a Guerra lmperialista. Em 1936, funda a revista Dialetica. 
Essa atividade politica acaba despertando a ira das autoridades ditatoriais argentinas 
(em 6/9/30, o Presidente Yrigoyen havia sido deposto pelo General Uriburu) e Ponce e 
demitido pelo General-Presidente Agostini Justo da sua catedra de Psicologia do lnstituto 
Professoral Secundario e do seu cargo no Laborat6rio do Hospicio de las Mercedes, sob o 
pretexto de que !he faltava urn diploma de curso superior para exercer essas fun~6es. 
Impedido de continuar trabalhando em sua patria, Ponce emigra entao para o Mexico, 
no infcio de I 937, onde continua sua carreira de professor e de escritor ate sua morte, no 
ano seguinte. Suas obras sao numerosas, com destaque especial para as seguintes publica~6es: 
Problemas de Psicologia lnfantil (1931), Dos Hombres: Marx y Fourier (1933), Ambicidn 
y Angustia de los Adolescentes (1936), Educacidn y Lucha de C/ases (1937), Humanismo 
Burgues y Humanismo Proletario (1938) e £1 Viento en el Mundo (1939), titulos nem sempre 
respeitados nas diversas edi~oes que conheceram. 
8 
PREFACIO DA TRADU<;AO BRASILEIRA 
Poi corn inegavel prazer que indicarnos este livro de Anfbal Ponce 
para integrar esta COLEyAO DE ESTUDOS SOCIAlS E FILOSOFICOS, 
e que nos encarregarnos da sua traduc;ao. Nao nos rnoveu, ao faze-lo, 
outro rnotivo que nao o de alargar os horizontes bibliograficos do leitor 
brasileiro ern geral, e dos alunos das nossas escolas norrnais, institutos de 
educac;ao e faculdades de filosofia ern particular. 
No campo da Hist6ria da Educac;ao, a bibliografia acessfvel ao leitor 
brasileiro e extrernarnente pobre. N6s nos lernbrarnos rnuito bern de que 
quando iniciarnos o nosso curso de escola normal - e bern verdade que 
nurna cidade do interior do estado, mas nurna cidade relativarnente grande, 
Piracicaba -, s6 tfnharnos a nossa disposic;ao dois livros nesse terreno: 
urn antigo e ja bastante surradocompendia frances, escrito por Gabriel 
Cornpayre, que lfarnos na biblioteca da escola, e as No~oes de Hist6ria 
da Educa~iio, de Afranio Peixoto, hoje, ao que sabernos, esgotadas, mas 
que, na epoca, conseguirnos cornprar, nurna bela encadernac;ao de percalina 
verrnelha, ern urna das livrarias da cidade. Ja quase no firn do curso, 
apareceu nas livrarias da rninha terra, que naquela ocasiao erarn quatro, 
e eu acho que ainda sao, outro livro de Hist6ria da Educac;ao, que foi 
urn sucesso, apesar de ser urna simples brochura, sem capa de percalina 
verrnelha e sern tftulo ern letras douradas: o de Paul Monroe, nao o 
grande, ern cinco volumes, ern ingles, que isso seria exigir dernasiado de 
livreiros do interior, mas o pequeno, a traduc;ao publicada pela Cornpanhia 
Editora Nacional na sua colec;ao intitulada Atualidades Pedag6gicas. E esta 
situac;ao de verdadeira penuria bibliografica nao rnudou rnuito no decenio 
seguinte: os rnesrnos dois livros rnencionados, rnais tres novas publicac;oes: 
urna de L. Luzuriaga, outra de T. M. Santos, arnbas tarnbern da Nacional, 
9 
e urn compendia publicado pela Saraiva. Mais urn decenio e, novamente, 
apenas mais dois livros vieram enriquecer o mercado brasileiro, ambos da 
Editora Nacional, urn de Rene Hubert e outro do ja citado Lorenzo 
Luzuriaga, mas este ultimo tratando somente de urn aspecto do problema: 
a hist6ria da educac;ao publica. Em rela<;:ao aos livros estrangeiros, a 
situa<;:ao nao era muito melhor: no interior, nada, mas nas livrarias das 
grandes cidades existiam a venda alguns poucos exemplares da primeira 
edi<;:ao castelhana da presente obra, e uns tantos mais do bern documentado 
e bern escrito livro de H. I. Marrou (Histoire de !'Education dans 
l'Antiquite), e nada mais. 0 trabalho de Marrou e urn born livro de 
Hist6ria da Educa<;:ao, nao ha como negar, mas o seu alto pre<;:o coloca-o 
fora do alcance do bolso do publico estudantil em geral, ao mesmo tempo 
que as suas massudas 600 paginas desencorajam qualquer leitor que nao 
esteja decididamente interessado em Hist6ria da Educa<;:ao, e isso dando 
de barato que o frances seja urn idioma facilmente lido e compreendido 
pela maioria dos nossos estudantes de pedagogia. Alem disso, esse livro 
de H. I. Marrou aborda apenas urn campo relativamente restrito dentro 
da Hist6ria da Educa<;:ao, mais restrito ainda do que o seu tftulo sugere, 
porque ele, na realidade, praticamente s6 trata da educa<;:ao na Grecia e 
no Imperio Romano. 
Nessas condi<;:oes, nao temos duvidas em afirmar que o presente 
livro de Anfbal Ponce vern contribuir bastante para aumentar a bibliografia 
acessfvel aos que se interessam pelos problemas hist6rico-educacionais em 
nossa terra. 
Mas o presente trabalho nao foi indicado por n6s a Editora Fulgor 
apenas porque sao poucas as obras de Hist6ria da Educa<;:ao existentes no 
mercado brasileiro. A nosso ver, o trabalho de Anfbal Ponce apresenta, 
sobre os mencionados, algumas vantagens. 
Em primeiro Iugar, ele nao e uma simples exposi<;:ao das pniticas 
pedag6gicas, dos sistemas escolares e das correntes filos6fico-educacionais 
que encontramos nos diferentes povos e nas diversas epocas da hist6ria 
da humanidade. 0 autor considera a educa<;:ao como urn fenomeno social 
de superestrutura e, portanto, defende, ao Iongo de toda a obra, a ideia 
de que bs fatos educacionais s6 podem ser convenientemente entendidos 
quando expostos conjuntamente com uma analise s6cio-econ6mica das 
sociedades em que tern Iugar. Assim, juntamente com a apresenta<;:ao dos 
fatos educacionais e com a exposi<;:ao das concep<;:5es filos6fico-educacionais, 
o Autor procura sempre, e as vezes com rara felicidade, fazer uma analise 
da subestrutura economica da sociedade correspondente. 
Em segundo Iugar, o presente livro nao e uma exposi<;:ao desconchavada 
da Hist6ria da Educa<;:ao. De fato, lendo-se o trabalho de Anfbal Ponce, 
10 
percebe-se claramente a existencia de uma ideia central ao Iongo de toda 
a obra. 0 Autor defende uma ideia, defende uma tese; ele mostra, atravcs 
dos sucessivos capitulos, isto e, atraves dos diversos povos e das diferentes 
epocas, que a principal caracterfstica da educa<;:ao, desde 0 instante do 
aparecimento da sociedade dividida em classes - vale dizer, desde o 
infcio dos tempos propriamente hist6ricos -, pode ser encontrada numa 
progressiva "populariza<;:ao" da cultura. Propriedade praticamente exclusiva 
das classes dominantes, a educa<;:ao era, inicialmente, negada quase que 
totalmente as classes menos favorecidas. Mas as transforma<;:oes economicas 
por que passaram inevitavelmente todas as sociedades foram provocando 
modifica<;:oes sensfveis no status quo, foram fazendo com que massas cada 
vez maiores de indivfduos tivessem acesso a uma educa<;:ao conveniente. 
Todavia, e claro que essas transforma<;:oes mencionadas nao ocorreram 
sempre suavemente. Muito ao contrario. As mais das vezes, as classes 
desfavorecidas tiveram de lutar, e freqtientemente de modo violento -
Revolu<;:ao Francesa e Revolu<;:ao Sovietica, os dois exemplos principais, 
a emancipa<;:ao da burguesia e a liberta<;:ao do proletariado - pelos seus 
direitos. Nessas condi<;:oes, no fim de contas, o estudo da Hist6ria da 
Educa<;:ao e inseparavel do estudo dessas lutas mantidas pelas classes 
desfavorecidas contra as classes dominantes, no sentido de conquistarem 
o direito sagrado de se educarem. 
Alias, essa ideia de defender uma tese ao Iongo de urn trabalho de 
Hist6ria da Educa<;:ao nao e propria unica e exclusivamente do livro de 
Anfbal Ponce. E o que tambem acontece, por exemplo, com o de Marrou, 
citado logo no infcio deste Prefacio. De fato, esse autor, logo na Introdu<;:ao 
do seu livro, esbo<;:a o plano geral do seu trabalho, tece considera<;:oes a 
respeito do fenomeno educativo em geral e tenta tra<;:ar a sua "curva 
evolutiva" a partir do seculo X a.C., afirmando que, a partir dessa data, 
a hist6ria da educa<;:ao reflete a passagem progressiva de uma cultura de 
nobres guerreiros, para uma cultura de escribas. Nao ha duvida de que a 
afirma<;:ao de Marrou e verdadeira, s6 que ele percebeu apenas uma faceta 
do problema e, na realidade, apenas a faceta exterior. Por detras da 
mudan<;:a apontada, existe toda uma realidade s6cio-econ6mica, toda uma 
!uta de interesses, toda uma !uta de classes, que nao foi percebida pelo 
autor frances. 
Outra caracterfstica importante do livro de Anfbal Ponce reside no 
Capftulo II da sua obra, em que o Autor trata do problema da educa<;:ao 
grega. Nao que haja, af, grandes novidades, na apresenta<;:ao ou na 
interpreta<;:ao dos fatos. Quase tudo que se encontra nesse capitulo pode 
tambem ser encontrado em Morgan, por exemplo, ou nos autores da 
chamada escola do materialismo hist6rico, em Engels, por exemplo. Mas 
isso nao quer dizer que a interpreta<;:ao apresentada da sociedade grega e 
II 
da sua educac;ao seja bastante conhecida. Ao contrario, e bastante comum, 
mesmo nos chamados bons livros de Historia da Educac;ao, ou de Historia 
da Civilizac;ao, encontrarmos interpretac;oes "romanticas", inteiramente di-
vorciadas da realidade. 
De fato, a epoca cantada por Romero - cerca de 1500 a.C. 
tern sido freqiientemente descrita como uma verdadeira "idade media", em 
virtude de possfveis analogias formais existentes entre a estrutura polfti-
co-economico-social da sociedade de entao, e a da Idade Media propriamente 
dita. Nessa linha de ideias, reconhece-se, comumente, que, nos primordios 
da sociedade grega, existia urn rei, que vivia cercado por uma aristocracia 
de guerreiros, uma verdadeira corte, no sentido moderno do termo. Essa 
comunidade de guerreiros teria durado ate o momento em que o rei, em 
paga dos servic;os recebidos, distribuiu, aos seus companheiros de armas, 
verdadeiros "feudos" que, pouco a pouco, foram-se tornando hereditarios. 
A cultura grega, nas suas origens, tern sido apresentada, por muitos 
historiadores, como urn privilegio dessa classe de guerreiros, cujos membros 
aparecem comoverdadeiros cavaleiros, no sentido medieval do termo. Eles 
sao apresentados como se entretendo com jogos de salao, com divertimentos 
musicais, com torneios de cac;a, com batalhas, como apreciadores da beleza, 
como respeitadores da mulher e como amantes das coisas do espfrito. 
Essa imagem da vida grega e inteiramente falsa. Na epoca heroica, 
cantada por Romero, a Grecia ja havia sido conquistada pelos helenos 
que, descendo das regioes montanhosas do Norte, subjugaram e expulsaram 
os habitantes da Helade. Nessa ocasiao, as tribos gregas ja se apresentavam 
unidas e habitavam cidades nao muito numerosas nem muito populosas, 
onde as gens e as fratrias viviam mais ou menos independentemente umas 
das outras. Ravia ja urn comec;o de aristocracia, baseada na incipiente 
desigualdade de fortuna ( desigualdade essa que, alias, viria a se acentuar 
demasiadamente com o correr do tempo), e a escravatura ja era uma 
pratica estabelecida, mas os antigos costumes comunistas tribais primitivos 
ainda nao estavam inteiramente esquecidos, nem havia desaparecido total-
mente a antiga organizac;ao social gentflica. 0 proprio Romero nos da 
disso testemunho, ao por na boca de Nestor estas palavras, dirigidas a 
Agamenon, por ocasiao da Guerra de Troia: "... disponha as tropas por 
fratrias e tribos, de modo que a tribo auxilie a tribo, e a fratria auxilie 
a fratria ... " (Ilfada, II, 362.) Por essa ocasiao, os gregos, do mesmo modo 
que outros povos do estagio superior da Barbarie, estavam organizados 
em gens, fratrias e tribos que, mais tarde, viriam a se unir para formar 
cidades-nac;oes, como a ateniense e a espartana, por exemplo. A autoridade 
polftico-administrativa estava nas maos de urn Conselho (Bule, em grego), 
prototipo dos senados modernos, formado pelos chefes de gens. Esse 
Conselho tomava resoluc;oes a respeito de todos os assuntos, mas tinha a 
12 
sua liberdade de ac;ao limitada por uma Assembleia Popular (Agora, em 
grego) naqueles problemas de magna importancia. Essa Assembleia era 
constitufda por todos os gentios e, nela, todos, sem excec;ao, tinham o 
direito de se fazerem ouvir. Ravia, ainda, urn chefe, impropriamente 
considerado como urn rei por muitos autores, o Basileus, que era eleito 
livremente pelos gentios. Esse chefe tinha func;oes sacerdotais, militares 
e, em alguns casos, tambem judiciais. 0 Basileus nao era, portanto, urn 
rei, nem na acepc;ao moderna da palavra, nem no sentido medieval do 
termo. No proprio Romero, nunca urn Basileus aparece desempenhando o 
papel de rei. Agamenon, por exemplo, que era urn Basileus, aparece na 
Ilfada apenas como o comandante supremo de urn exercito confederado, 
em operac;oes de guerra. E, mesmo como comandante militar supremo, o 
seu poder nao era discricionario, porque as suas ac;oes eram limitadas por 
uma Agora democratica. Aristoteles tambem testemunha no mesmo sentido 
de que o Basileus nao pode ser considerado urn rei. De fato, ao se referir 
a epoca heroica, afirma que a Basileia (Governo do Basileus, expressao 
essa que, muitas vezes, tern sido impropriamente traduzida pela palavra 
reino) era urn governo sobre homens livres, e que o Basileus era, ao 
mesmo tempo, urn chefe militar, urn juiz e urn sacerdote. Confira-se, nesse 
sentido, Aristoteles: Polftica, capftulos IX e X. 
Urn dos principais responsaveis por essa falsa interpretac;ao da 
estrutura polftico-social da sociedade grega da epoca heroica foi urn escritor 
ingles do seculo passado, Gladstone, que, no seu livro Juventus Mundi, 
apresentou os chefes gregos como reis e prfncipes adornados por qualidades 
"cavalheirescas". Desde essa epoca, como faz ressaltar Haldane (La Filosoj{a 
Marxista y las Ciencias), essas inverdades historicas tern sido constantemente 
repetidas e difundidas. 
A respeito desse assunto, as palavras de Morgan nao deixam margem 
a qualquer duvida: "A Monarquia e incompatfvel com as instituic;oes 
gentflicas pelo fato de estas serem essencialmente democraticas. Cada gen, 
fratria ou tribo era urn corpo autonomo, completamente organizado; e onde 
varias tribos se fundiram em uma nac;ao, o governo resultante estava 
organizado em harmonia com os princfpios que animavam as suas partes 
constituintes." Confira-se Morgan: La Sociedad Primitiva, pagina 224. 
Consulte-se, tambem, no mesmo sentido, o excelente e poucas vezes citado 
livro de Fustel de Coulanges: A Cidade Antiga. 
Nao devemos, portanto, ter duvidas de que, nos seus primordios, as 
instituic;oes polftico-sociais dos gregos eram essencialmente democraticas, 
pela razao mesma de serem gentflicas. 
E so a partir do seculo VII a.C., mais ou menos, que essas instituic;oes 
comec;aram a sofrer transformac;oes de vulto, como uma conseqiiencia das 
13 
mudanc;:as experimentadas pela infra-estrutura econ6mica da sociedade grega 
de entao. Ate essa epoca, as tribos gregas viveram baseadas numa economia 
quase que inteiramente agricola. Ravia ainda alguma atividade pastoril e 
tambem urn pouco de industria domestica. Nao se cogitava de trocas de 
caniter propriamente comercial; nas obras de Romero, sao poucos os 
comerciantes que aparecem, e, assim mesmo, estrangeiros, fenfcios. Os 
gentios eram os donos da terra, e a trabalhavam por suas pr6prias maos, 
auxiliados por seus familiares e tambem por escravos. Mas e conveniente 
esclarecer que, ate essa epoca, esses escravos eram os descendentes dos 
antigos habitantes da regiao, ou eram prisioneiros de guerra, a quem se 
perdoara a vida em troca de trabalho; ainda nao se cogitava da escravizac;:ao 
dos companheiros tribais, mas esta nova escravidao nao deveria tardar a 
aparecer, com o advento do capitalismo comercial, que ja se fazia anunciar. 
Mas, a partir do seculo VII a.C., a economia comercial, com o 
maior rendimento do trabalho humano, produzido pelas novas tecnicas 
descobertas, comec;:ou a sobrepujar nitidamente a economia agricola gentflica 
que predominara ate entao, provocando modificac;:oes de vulto na estrutura 
social, as mais importantes das quais foram a acentuac;:ao das desigualdades 
de fortuna, que Jevaram ao aparecimento das classes sociais, o aparecimento 
da escravidao dos companheiros tribais, o desaparecimento das instituic;:oes 
gentflicas democraticas, a busca e a conquista de novos mercados etc. 
Essas modificac;:oes na estrutura social, como nao poderia deixar de ser, 
tiveram importantes reflexos na educac;:ao. Mas nao e necessaria continuar 
porque, agora, nao farlamos mais do que repetir a materia exposta, e com 
muita propriedade, no Capitulo II. Uma observac;:ao, ainda, em todo caso. 
0 Autor passa muito de !eve sobre urn dos importantes aspectos da 
educac;:ao grega: o problema da homossexualidade e da pederastia, que 
impregnaram toda a vida grega e, em particular, a educac;:ao. Nao e este 
o momento adequado para tecermos considerac;:oes a respeito do assunto, 
porque este Prefacio ja vai Iongo demais, mas nao nos podemos furtar a 
obrigac;:ao de chamar a atenc;:ao do leitor para a importancia do problema 
- basta lembrar, por exemplo, o "batalhao sagrado de Tebas", formado 
por pares de jovens amantes - indicando, por exemplo, o citado livro 
de Marrou, onde ha urn born estudo do problema, e onde o Jeitor interessado 
tambem encontrara indicac;:oes bibliograficas especializadas. 
0 presente livro de Anfbal Ponce apresenta ainda outra vantagem 
que, eventualmente, para certo tipo de leitor, poderia ser uma desvantagem. 
E urn livro de sfntese. Sao quase duzentas paginas para tratar de toda a 
hist6ria da educac;:ao, desde as sociedades primitivas, ate as tendencias 
educacionais contemporaneas. "Nessas condic;:oes, e evidente que o Autor 
tern de se Jimitar a discutir OS problemas tratados em rapidas pinceJadas, 
que apanhem, apenas, as linhas gerais de desenvolvimento, deixando 
14 
praticamente de lado qualquer analise mais detalhada da situac;:ao. Trata-se, 
portanto, de uma obra de sfntese e isso, como dissemos, pode ser urn 
bern, ou pode ser urn mal, dependendo do tipo de leitor considerado.E 
urn bern porque se trata de urn tipo de livro de leitura mais amena, menos 
cansativa e mais interessante, capaz de atingir urn publico bastante numeroso, 
composto tanto pelo leitor nao iniciado nos problemas de hist6ria da 
educac;:ao, que deseja, apenas, uma visao geral do assunto, quanto pelo 
leitor especialista na materia, que dcseja uma obra de coroamento de 
estudos, que possa sintetizar, em poucas linhas, as muitas informac;:oes, 
talvez urn pouco desconexas, que tern a respeito da educac;:ao das diversas 
sociedades e das diferentes epocas. E isso porque esta obra de Anfbal 
Ponce, apesar de ser de sfntese, nao e superficial. Por outro !ado, o 
presente trabalho nao se destina aqueles que pretendem realizar urn estudo 
minucioso e sistematico dos problemas hist6rico-educacionais, porque esses 
nao irao encontrar, nesta obra, os detalhes informativos por que anseiam. 
Foi pelas raz6es expostas acima que indicamos, com prazer, o 
presente livro de Anfbal Ponce, para integrar esta COLE<;AO DE ESTUDOS 
SOCIAlS E FILOSOFICOS, da Editora Fulgor. 
Sao Paulo, marc;:o de 1963 
JOSE SEVERO DE CAMARGO PEREIRA 
15 
! 
/ 
CAPITULO VII 
A NOV A EDUCAC::AO 
Primeira Parte 
As aspira~6es da burguesia no terreno pedag6gico, tao pomposamente 
enunciadas por Rousseau e tao pobremente realizadas por Pestalozzi e 
seus discfpulos, pareceram, por volta de 1880, quase uma realidade. 0 
advento da escola laica, conseguido por essa epoca depois de violentos 
debates, punha, de certo modo, urn ponto final a batalha empreendida 
alguns seculos atnis com a inten~ao confessada de arrebatar a Igreja o 
controle do ensino. 
Mas, na realidade, o advento da escola laica nao foi uma vit6ria, 
foi apenas uma transa~ao. Depois da Revolu~ao Francesa, a restaura~ao 
momirquica foi acompanhada em todas as partes por uma feroz rea~ao 
nas escolas. Uma rea~ao tao feroz que provocou por sua vez, da parte 
da burguesia liberal, urn 6dio a Igreja, perfeitamente companivel ao dos 
primeiros dias da Revolu~ao. Logo no dia seguinte ao da subida de Luis 
Felipe ao trono- prot6tipo do rei burgues -, uma multidao de comerciantes 
e openirios irrompeu a sede da arquidiocese de Paris, quebrando janelas, 
destruindo m6veis e lan~ando ao Sena vestimentas eclesiasticas, calices e 
imagens. 0 diario oficial - Le Moniteur - se Iimitou a publicar poucas 
linhas a respeito dessa justa indigna~ao do povo. 1 
I. Dubreton Casimir Perier, pags. 70-77. 
153 
I 
I 
Nao se passaram muitos anos quando algumas vozes, que reclamavam 
o cumprimento das promessas com que a burguesia conquistou, em 1830, 
() apoio do proletariado, vieram demonstrar as classes dirigentes que talvez 
fosse oportuno volver os olhos ao Padre-nosso da infancia. A her6ica 
subleva<_;:ao dos tecel6es de Liao, em primeiro Iugar, e do proletariado de 
Paris, depois, fez com que a burguesia se aproximasse da lgreja, e como 
esta nao empresta gratuitamente a sua colabora<_;:ao para nada, o resultado 
dessa aproxima<_;:ao foi uma considenivel invasao do clero nas atribui<_;:6es 
estatais, tao consideravel que, no terreno pedag6gico, e impossfvel imaginar 
uma submissao mais completa da escola aos interesses da Igreja, do que 
a que ocorreu na Fran<_;:a, em meados do seculo XIX, como uma decorrencia 
da chamada Lei Falloux. 
As tentativas que a burguesia liberal empreendeu desde essa epoca, 
no sentido de arrebatar de novo a Igreja a conquistada hegemonia no 
terreno pedag6gico, ressentiram-se da existencia de graves contradi<_;:6es. A 
burguesia era inimiga da lgreja, mas, ao mesmo tempo, necessitava dela. 
lnimiga, na medida em que pretendia realizar os seus neg6cios sem a 
interferencia desse "s6cio" de ma-fe, que sempre estava disposto a apro-
priar-se dos melhores bocados; aliada, na medida em que via na Igreja, 
e com razao, urn poderoso instrumento para inculcar nas massas operarias 
a sagrada virtude de se deixar tosquiar sem protestos. 
A escola laica que resultou desse conflito estava, portanto, muito 
Ionge de ser revolucionaria: ela pretendia tao-somente regulamentar o 
ensino religioso ministrado nas escolas, de modo a evitar conflitos no seio 
de uma institui<_;:ao que era freqlientada por burgueses pertencentes a varios 
credos. E tanto isso e verdade que todas as vezes que os paladinos dessa 
lei se viram obrigados a expor francamente as suas ideias, estas se 
mostraram bern mais retr6gradas do que as expostas urn seculo atras pela 
ala esquerda do Terceiro Estado. Em vez de combater· a lgreja, como o 
fazia Voltaire, em vez de afirmar que urn povo educado por sacerdotes 
nao pode ser urn povo livre, como o fez Condorcet, os que na ocasiao 
defendiam o laicismo se limitaram, no fundo, a proclamar o seu maximo 
respeito pelo Jato religioso. "Nao nos sentimos autorizados pelos nossos 
eleitores a combater nenhuma cren<_;:a", declarava Jules Ferry. E, no 
Congresso Pedag6gico de 1881, esse mesmo parlamentar aconselhava aos 
professores "que se guardassem dos fanatismos, tanto do religioso quanto 
do nao-religioso, que sao igualmente maus".2 Mais explfcito ainda, Ernest 
Lavisse, no seu famoso Discurso as Crian(:aS, dizia que OS enciclopedistas 
procederam muito mal "referindo-se impensadamente ao espfrito religioso, 
2. Citado por Buisson na pag. 12 da sua Enseiianza Laica. 
154 
opw ,. 11111 podcr legftimo e forte". 3 "Quando observamos, estrita neutralidade 
illlo·so·cnla ·- c 6 necessaria que nao se !he oponha o menor impedimenta, 
IIIIIJ'IIl"lll ll'm o direito de queixar-se. Os escolares tern as suas horas leigas 
,. ,,., .~uas horas religiosas. Nao se introduziu na sua existencia nenhuma 
1""11111 ku;:·1o". "A escola ntio esta nunca demasiado longe da Igreja". 4 
l'\llll"ssivas palavras essas nos labios de urn campeao do laicismo; tao 
1 l.u a.s no seu aspecto politico, que pronuncia-las equivale a dizer: a 
IHII)',IIl'sia e a Igreja se estorvam mutuamente muitas vezes, mas como 
lt'lll lllll inimigo comum pela frente seria insensato que elas se separassem 
d1"111asiado uma da outra.5 
Cinqlienta anos ja transcorreram desde essa ocasiao. De acordo com 
as dcclara<_;:6es expressas dos seus pr6prios te6ricos, a burguesia nao foi 
capaz de dar as massas durante todo esse tempo nem mesmo aquele 
mrnimo de ensino que convinha aos seus pr6prios interesses. Se tomarmos 
como fndice da eficacia da escola primaria a porcentagem de alunos que 
conseguiram termimi-la, somos obrigados a concluir que s<l urn numero 
muito reduzido de crian<_;:as esta em condi<_;:oes de cursa-Ia de ponta a 
ponta: 45% na Prussia, 41% na Austria, 25% na Bclgica. Na Argentina, 
a estatfstica escolar de 1916 demonstrou que, dos alunos que tenninaram 
o quarto ano primario, s6 20% terminaram os seus estudos no Colcgio 
Nacional e que, portanto, 80% das crian<_;:as argentinas nao recebem instru<,:ao 
suficiente. De cada 100 alunos do primeiro ano, 55 cursam tambcm o 
segundo, 31, o terceiro, 19, o quarto, 10, o quinto, e, 6, o sexto. Resulta 
daf uma perda anual de respectivamente 45, 69, 81, 90 e 94%, que se 
mantem constante. 
Esses numeros sao tao claros que urn ex-mtmstro argentino da 
instru~ao publica, Carlos Saavedra Lamas, declarava h:i nao muito tempo 
que o nosso sistema atual de educa<_;:ao era inepto, "porque nao atendia 
as necessidades de toda a popula<_;:ao segundo idade, situa~;ao escolar e 
tendencias".6 Seculo e meio ap6s a Revolu<_;:ao Francesa, a burguesia 
reconheceu, portanto, e pelas palavras dos seus pr6prios ministros, que as 
suas escolas nao asseguram as massas o mfnimo necessaria de educa~;ao 
de que necessitam. 
3. Lavisse: Discurso a los Niiios, pag. 6. 
4. Lavisse, ob. cit., pag. 8. 
5. Na Argentina, a Lei no 1420 de Educa9iio Comum exclui dos programas o ensino 
da religiao, mas niio o profbe. Ao contnirio, no programa de instru9iio moral destinado ao 
quarto ano fala-se da "reverencia a Deus e da obediencia as suas leis". 
6. Schallzman: Humanizaci!Jn de Ia Pedagogfa, pag. 96. 
155 
E verdade que os espfritos mais reaciomirios se atreverama negar 
essa realidade: nao e verdade que a escola burguesa nao possa dar instru~ao 
a todos, ela apenas elimina os realmente incapazes de receber essa instru~ao. 
Essa e a opiniao que se percebe em muitos pedagogos contemporiineos, 
mesmo nos mais lucidos, como acontece, por exemplo, com o autor do 
Plano lena. De fato, na sua opiniao, os alunos que abandonam a escola 
- que na Belgica sao 75% e, na Argentina, 80% - "o fazem porque 
a escola os expulsa merce de repetidas reprovar;iies".1 0 absurdo dessa 
afirma~ao salta aos olhos de tal modo que ao mesmo Saavedra Lamas, 
na Argentina, lhe parece que nao e razoavel supor que "os 80% de 
crian~as e jovens que fracassam na sua tentativa de escapar a sua condifiio 
prolet6.ria sejam biologicamente ineptos". 
Note, o leitor, a confissao expressiva do Ministro, ao supor que os 
que terminam o ciclo primario "estejam pretendendo" escapar "a sua 
condifiiO de prolet6.rios". E nao diz mal o Sr. Ministro. A escola prim6.ria 
est6. orientada de tal modo que afasta do proletariado as poucos filhos 
de oper6.rios que a freqiientam. Mediante urn ensino habilmente dirigido 
e continuado, ela os leva a compreender a sua "superioridade" em rela~ao 
aos seus pais e faz com que se esque~am ou se envergonhem da sua 
7. Os dados correspondentes ao Brasil, obtidos no Anudrio Estat{stico do Brasil, 1957, 
publica~ao do IBGE e do Conselho Nacional de Estatfstica, sao os seguintes: I - Dados 
fornecidos pelo Recenseamento Cera[ de 1950: Pessoas de 10 anos e mais, que sabem ler 
e escrever, 17.675.504; Pessoas de 10 anos e mais, que nao sabem ler e escrever, 18.882.486 
(Atualmente, primeiro semestre de 1961, a situa~ao ja deve ter evolufdo para melhor, mas 
a percentagem de analfabetismo ainda deve ser da ordem de 50%. Aguardemos os •'dados 
do R. G. do ano passado para vermos.); Pessoas de 10 anos e mais que possuem curso 
primario completo, 2.701.836 homens e 2.683.859 mulheres; Pessoas de 10 anos e mais, 
que possuem curso medio completo, 495.910 homens e 491.238 mulheres; Pessoas de 10 
anos e mais, que possuem o curso superior completo, 114.233 homens e 13.837 mulheres. 
(Notar que, percentualmente falando, existe uma · notavel equivalencia entre os sexos, mas 
que essa equivatencia desaparece totalmente quando consideramos o curso superior. 0 numero 
de mulheres com instruc;;ao superior completa nao chegava, em 1950, a atingir 10% do 
numero de homens nessas condi~oes. Isso caracteriza bern o tipo de organizac;;ao paternalista 
da sociedade brasileira, que, felizmente, esta em processo de mudanc;;a. Os dados relativos 
ao R. G. de 1960 ainda nao sao conhecidos, mas acreditamos que as coisas tenham mudado 
urn pouco nesta ultima decada.) II - Dados fornecidos pelas estat{sticas escolares, referentes 
ii matrfcula no .fim do primeiro mes letivo de 1957; I' serie, 2.885.252; 2' serie, 1.193.686; 
3' serie, 811.081; 4' serie, 483.104; 5" serie (que s6 existe em algumas escolas), 33.148. 
Como se ve, trata-se nao de uma distribuic;;ao piramidal, mas de uma distribuic;;ao verdadeiramente 
afunilada, o que indica claramente o cardter seletivo, para usar a expressao de Anfsio 
Teixeira (n° 67 da Revista Brasileira de Estudos Pedagdgicos), da escola primaria brasileira: 
cerca da sexta parte apenas dos que ingressam na escola elementar conseguem completa-la. 
(Nota do Tradutor.) 
156 
origem modesta. Formar uma aristocracia oper6.ria, arrivista e dedicada 
e uma das inten~6es mais claras do ensino popular dentro da burguesia. 
Creio inutil acrescentar, depois do que dissemos anteriormente a 
respeito das atuais condi~6es de trabalho infantil, que supor que a escola 
repila uma enorme parte da popula~ao infantil - e nao pelo fato de 
serem indivfduos incapazes biologicamente, porque esta afirma~ao e inad-
missfvel - por nao conseguir rete-la mediante urn adequado plano edu-
cacional constitui uma afirma~ao perfidamente calculada. Em vez ·de 
confessar que as crian~as que abandonaram a escola primaria sao as 
mesmas crian~as que a burguesia obriga desde cedo a trabalhar para ajudar 
a manuten~ao de urn lar que essa mesma burguesia destruiu previamente, 
prefere-se jogar a culpa sobre os "desgranados escolares", para usar a 
expressao com que se comer;a a designa-los, sobre a insuficiencia dos 
programas, sobre a dificuldade do ensino, sobre a rigidez dos horarios. 
"Alguns dias atras - conta-nos Fernandez de los Rios - ao regressar 
de Granada, eu me detive num pequeno povoado de Serra Morena para 
reabastecer-me de gasolina. Passamos pela frente de algumas escolinhas, 
que visitei tao logo pude, nessa mesma ocasiao. Eram dois os pr6fessores: 
urn deles reconheceu-me, mas o outro permaneceu alheio a minha presen~a. 
Tratava-se de urn rapaz, em que reconheci, a primeira vista, voca~ao e 
desejo de ensinar. Observei os cadernos dos alunos, e dava gosto folhea-los. 
Tudo aquilo me agradava, mas eu !he observei que os alunos eram pouco 
numerosos. Efetivamente, respondeu-me ele, quase todos estao .trabalhando 
com os seus pais, na colheita da azeitona. Eis af uma verdade: na maioria 
dos casos, as crianr;as contribuem com o seu trabalho para o orr;amento 
familiar. E isso faz com que elas se afastem durante muitos meses da 
escola, e quando esse afastamento se da logo no infcio da vida escolar, 
ela esquece tudo o que aprendeu".8 
Esta e a realidade crua que a burguesia dissimula, da mesma forma 
que disfar~a a enorme subalimentar;ao que existe entre as crianr;as que 
freqiientam a escola.9 
Mas, a parte desta hipocrisia, a que o pensamento burgues nos 
acostumou bastante, e importante reconhecer, agora, que a burguesia nao 
8. De los Rios: "Orientaci6n Social de Ia Educaci6n Moderna". 
9. Uma pesquisa realizada em Paris revelou que havia 30% de escolares subnutridos 
entre os alunos das escolas do XI Distrito, 50% entre as do XIII Distrito e 60% em Belleville 
e Menilmontant. Ver uma descric;;ao exatfssima em Marcel Prenant: L'Ecole en Detresse, e 
em Peri: La Grande Pitie de /'Instruction Publique. Urn psic6logo frances, admirador de 
Maurras, faz notar que as crianc;;as operarias nao podem alcanc;;ar o seu completo desenvolvimento 
intelectual. Cf. Pichon: Le Developpement Psychique, pag. 154. 
157 
~~ 1 
I 
, I 
se teria apressado a culpar os programas e os metodos escolares por esse 
fato, se ela propria ja nao tivesse, ha tempo, reconhecido a necessidade 
de reforma-los. Essa necessidade se tornou mais visfvel nos ultimos anos 
e engendrou entre os tecnicos em pedagogia uma proveitosa frutificac,:ao 
de "sistemas" e de "pianos". E, dentro da nova educaf;ao, a corrente que 
poderiamos chamar "metodol6gica". Sem se preocupar muito com problemas 
doutrinarios e filos6ficos, ela encara a questao de urn ponto de vista 
tecnico: mediante que inovac,:oes didaticas obterfamos para o ensino primario 
urn rendimento maximo? 
Mas, ao !ado dessa corrente silenciosa e calma, surgiu, desde os 
fins do seculo passado, outra corrente turbulenta, que lanc,:a mensagens e 
"decalogos", mas que se acentuou ha muito pouco tempo. Sem desconhecer 
a urgencia de uma reforma didatica, isto e, da tecnica de ensino, essa 
corrente afirma que o nucleo do problema nao esta nisso e sim no aspecto 
cultural. Educar nao seria para ela reformar este metodo ou corrigir aquele 
horario, mas, sim, "mergulhar urn a alma no seio da cultura". E a corrente 
que poderiamos chamar "doutrindria", par oposif;ao a que denominamos 
metodol6gica. Tendo uma orientac,:ao muito mais filos6fica do que pratica, 
essa corrente e, naturalmente, a mais inflada, presunc,:osa e solene, das 
duas mencionadas. Olha a outra com desdem, gosta de usar uma linguagem 
rfspida, empregando urn tom cada vez mais doutoral. Os espfritos simples 
a contemplam pasmados, e ainda que alguns suspeitem, usando esse born 
sentido que e a defesa das almas honradas, que ha em toda ela - como 
diria Moliere - trap de brouillamini et trap de tintamarre, nem por isso 
deixam de escuta-la com o respeito que o pedantismo esoterico, reservadoe distante, inspira. 
Para dar urn exemplo que saliente as caracterfsticas diferenciais dessas 
duas correntes, imaginemos uma aula comum de Matematica. Para os 
"metodologistas", o cerne do problema residira na seguinte pergunta: De 
que modo deverei organizar ~ meu ensino, para que o aluno adquira 
noc,:oes claras, com urn mfnimo de esforc,:o? Para os "doutrinarios", as 
coisas seriam diferentes: no primeiro plano das suas preocupac,:oes ja nao 
estara o fato de a crianc,:a adquirir uma clara noc,:ao da Matematica, mas 
sim no fato de ela se aproximar do "ethos do temperamento matematico". 
Dizendo de outro modo, de urn modo, alias, grato aos "doutrinarios", e 
que, por vir deles, nao aclara muito o assunto: os metodologistas viveriam 
dentro do "saber de domfnio", ao pas so que os doutrinarios viveriam 
dentro do "saber de salvac,:ao" ... 
Que significam essas tendencias? Qual e o sentido social que as 
orienta e anima? E o que trataremos de esclarecer nas duas aulas que 
ainda nos sobram. Mas como nas anteriores fomos elaborando os materiais 
necessarios para resolver essas questoes, agora, s6 temos de recolhe-los e 
158 
de aplica-los. Consideramos, primeiro, os "metodologistas", pelo simples 
fato de serem eles os mais humildes. 
Nao e necessaria muito esforc,:o para reconhecer que a sua pos1c,:ao 
c uma conseqiiencia longfnqua das inovac,:oes tecnicas que constituem a 
base e a condic,:ao da prosperidade burguesa. Muito antes de as primeiras 
maquinas terem sido incorporadas a economia, como urn recurso poderoso 
para aumentar o rendimento do trabalho, a burguesia ja havia sentido, 
como uma necessidade imposta pela vida do comercio, a urgencia de 
metodizar o esforc,:o, de submete-lo a urn plano. Esse carater met6dico da 
burguesia - tao distinto dos meios de vida desordenados e violentos do 
senhor feudal - deu ao burgues dos primeiros tempos urn carater regular, 
preciso, parcimonioso. Os entraves que as corporac,:oes impunham ao 
trabalho, com a intenc,:ao de Iimitar a concorrencia, acentuavam essa 
tranqiiilidade sem sobressaltos que encontramos nos burgueses das primeiras 
gerac,:oes. Trabalhar alguns anos para reunir uma soma nao muito grande, 
e retirar-se depois, para desfrutar a sua renda tranqiiilamente, esse foi 
durante alguns seculos 0 ideal do burgues. 
Mas a introduc,:ao da manufatura, em primeiro Iugar, e da fabrica, 
logo depois, com uma produc,:ao cada vez mais intensa e acelerada, nao 
s6 repercutiu nos neg6cios da burguesia, como tambem nos metodos 
educativos. Vimos, em uma das nossas ultimas aulas, de que maneira 
Comenio procurou satisfazer essa exigencia de acordo com os recursos 
do seu tempo, no Capitulo XIX da sua Diddtica Magna (1657), que se 
denomina "Bases para Fundar a Rapidez do Ensino, com Economia de 
Tempo e de Fadiga". Urn seculo e meio mais tarde, Pestalozzi se propunha 
o mesmo objetivo, e, para demonstrar a superioridade do seu metodo 
sobre os tradicionais, ele proclamava com orgulho que, na sua escola, se 
aprendia em tres meses o que, em outras, requeria mais de urn ano. 10 
Porem, tanto Comenio quanto Pestalozzi fundamentaram OS seus metodos 
num conhecimento empfrico e deficiente da natureza do material com que 
trabalhavam. Nao basta gostar muito de crianc,:as para compreender as suas 
necessidades, tao diversas das nossas, ou a sua organizac,:ao mental, de 
estrutura nao menos diferente. Mais do que Comenio, Pestalozzi viveu 
toda a sua vida em fntimo contato com os seus discfpulos, e ainda que 
este santo da Pedagogia distribufsse bons cascudos a torto e a direito 11 , 
10. Guillaume: Pestalou.i: Estudio Biogrdfico, pag. 132. No mesmo sentido, pag. 112. 
II. Guillaume, ob. cit., pag. 125: "Ainda que Pestalozzi tenha proibido sempre aos 
seus colaboradores o emprego de castigos corporais, o certo e que ele os empregava 
pessoalmente em sua escola, distribuindo liberalmente cascudos it direita e it esquerda". 
Parece que este e urn costume muito dificil de ser abandonado, mesmo pelos mais ilustres 
pedagogos. Vittorino da Feltre, o maior pedagogo do Renascimento, o fundador da Casa 
Gioiosa, tambem distribuia bons bofet5es ... Cf. Monier: Le Quattrocento, tomo I, pag. 243. 
159 
I 
na• 1 podt:IHOS ncgar que ele teve ao seu alcance urn enorme material de 
ohsnv:H,:ao. Mas, a observa~ao cientffica, que parece na<\ exigir /mais do 
qul· o claro mirar, esta fatalmente impregnada, em cada morhentOhistorico, 
COlli as ideias dominanteS da epoca, a tal pontO que 0 observador -
conscicntemente ou nao - interpreta o fenomeno no proprio momento 
em que o registra. Pestalozzi - da mesma forma que os que seguiram 
a sua trilha, desde Froebel e Herbart, ate Spencer - nao pOde se subtrair 
as concep~5es medinicas que dominavam a psicologia do seu tempo. A 
tecnica educativa que surgiu dessa psicologia, nao obstante as vantagens 
que apresentava em rela~ao a antiga, resultou muito abstrata, intelectual 
e formalista. Sob a sua influencia, o espfrito infantil foi obrigado a suportar 
a fadiga e a tortura de uma educa~ao que atribufa a inteligencia da crian~a 
mais imporHincia do que a sua espontaneidade. A crian~a era sobrecarregada 
com conhecimentos, sem se !he dar previamente, ou concomitantemente, 
a enzima de que necessitava para assimila-los. 
Pouco importa que esses conhecimentos ja nao fossem as "explana-
~5es", "conjun~5es" e "disjun~5es" escolasticas, que tanto fizeram rir a 
Vives; o modo de ensinar Historia, Geometria, Qufmica ou Gramatica 
continuava sendo tao analista e falso como o ensino meio cientffico e 
meio escolastico dos jesuftas. Esse atraso da tecnica escolar em relac;ao 
ao nfvel de desenvolvimento ja alcanc;ado pelas tecnicas fundamentais nao 
nos deve causar especie: seria ingenuidade pensar que as mudanc;as sofridas 
pelos processos de produc;ao provocam imediatamente mudan~as corres-
pondentes nas tecnicas a eles vinculadas. No caso particular do ensino, 
OS seUS metodos dependem em grande parte do desenvolvimento previo 
da Psicologia da Crianc;a. Ora, no ultimo terc;o do seculo XIX12, este ramo 
cientffico ainda estava ensaiando os seus primeiros passos e nao poderia 
mesmo dar a Didatica as suas premissas fundamentais. E, de fato, so por 
volta de 1900 e que surge a "nova didatica", com iniciadores familiarizados 
com a alma infantil por meio da Antropologia, Psiquiatria e trabalhos de 
laboratorio: Binet, Decroly, Montessori, Dewey, Claparecte. Em substituic;ao 
ao malbarato de tempo e de esforc;o que as velhas tecnicas traziam consigo 
- soletramento, memorizac;ao, fragmentac;ao do ensino etc. -, a nova 
tecnica se propunha aumentar o rendimento do trabalho escolar cingindo-se 
a personalidade biol6gica e psicol6gica da crianra. Surge daf a parte da 
nova educac;ao que ataca a rigidez dos velhos programas, a tortura dos 
horarios inflexfveis, dos exames desnecessarios; a corrente que pretende 
que se leve em conta a personalidade dos alunos, tal como eles a 
manifestam par meio do interesseY 
12. 0 livro de Preyer, a respeito da Alma Jnfantil, basico em Psico1ogia, s6 apareceu 
em 1881. 
13. Claparede: L'Education Fonctionnelle. 
160 
Mas a nova tecnica nao se reduzia a isso. Tal como a escola se 
mostrava ate ha pouco, e continua sendo, nao havia nela nem uma sombra 
de trabalho coletivo. Exatamente como acontecia nos primeiros tempos da 
manufatura, em que o patrao agrupava os seus operarios no mesmo local 
para economizar espac;o, luz etc., mas em que deixava que cada urn 
realizasse isoladamente a sua tarefa, tambem na escola as trinta ou quarenta 
crianc;as que comp5em uma classe, nao obstante a comunidade local, 
constituem o que poderfamos chamar metaforicamente de "produtores 
independentes". 
Mas, nesse interregna, as necessidades da industria acentuaram a 
necessidade de haver cooperac;ao no trabalho, de modo que, apesar da 
rivalidade existente entre os fabricantes, cada patrao exigia dos seus 
operarios o maximo de coopera~ao possfvel; em outras palavras, se fora 
da fabrica o antagonismo se tornavamais agudo, dentro dela, ao contrario, 
o patrao organizava o trabalho de tal modo que tudo era colaborac;ao e 
solidariedade. 
Os tecnicos da nova didatica aceitaram essa sugestao, sem, talvez, 
suspeitarem qual a sua fonte, de tal modo que se pretendeu reunir os 
alunos ao redor de "centros de interesse" e associa-los mediante' trabalhos 
em comum, em vez de cada crianc;a estudar por conta propria as suas 
lic;oes e preparar individualmente os seus deveres escolares: depois do 
individualismo da velha escola, temos a socializac;ao da nova. Mas, da 
mesma forma que a socializac;ao do trabalho industrial nao se reduziu a 
uma simples coletivizac;ao do trabalho dentro de cada fabrica, mas impos 
formas cada vez mais complexas de solidariedade, assim tambem a 
coletivizac;ao do trabalho dentro de cada grau escolar sugeriu a possibilidade 
de associar o trabalho de urn grau com o de outro, de modo que a 
crian~a, em vez de permanecer encerrada no seu grau, pudesse sair dele 
para entrar em contato com os demais graus ou grupos, mediante pianos 
comuns e trabalhos coletivos. E claro que, uma vez realizada essa aspirac;ao, 
a escola deixa de ser uma reuniao de unidades, para se converter no que 
hoje se chama uma "comunidade escolar", isto e, uma unidade de ordem 
superior. 
Com essa no~ao de "comunidade escolar", parece-nos que a corrente 
que chamamos metodologica alcanc;ou a sua expressao mais completa. 
Pouco preocupada com teorias, mas muito interessada em realidades, a 
corrente metodol6gica, atraves das suas diversas express5es - Plano 
Dalton, Plano Howard, Tecnica Winetka, Sistema Montessori, Sistema 
Decroly etc. - constitui, no fundo, a racionalizariio do ensino. Neste 
momenta em que o imperialismo capitalista lanc;a mao da totalidade dos 
seus recursos, em que os psicotecnicos selecionam sofregamente operarios, 
em que as linhas de montagem aproveitam ao absurdo a sistematiza~ao 
161 
ajustada do movimento, e justo que a escola fosse arrastada na avalancha. 
Para expressar pitorescamente a nossa interpreta<;ao, dirfamos que, nl!:as:e .. 
da nova tecnica do trabalho escolar, estd Ford e nao Comenio E e 
natural que seja assim: a Diddtica Magna corresponde a epoca do capita . mo 
manufatureiro, ao passo que o Sistema Decroly e o Montessori correspondem 
a epoca do capitalismo imperialista. 
Ja dissemos que a chamada "nova educa<;ao" compreende tambem 
outra corrente alem da metodologica, uma corrente que, as vezes, se 
superpoe a esta e que, outras vezes, segue paralelamente a esta ou, mesmo, 
muitas vezes, se opoe a esta: batizamo-la de "corrente doutrinaria". Sem 
contradizer a metodologica, esta corrente somente se propoe arranca-la das 
suas preocupa<;5es estritamente tecnicas, e critica o seu objetivo de preparar 
as crian(:as para a vida prdtica do nosso tempo. Alem disso, esta corrente 
pretende tambem proporcionar as crian<;as urn desenvolvimento que "esteja 
de acordo com a ideia de humanidade e com o seu destino completo". 
Nao prepara, pois, para a vida, entendendo-se por vida as formas sociais 
do presente. Olhando para o futuro, ela pretende superar o presente e 
substituir as formas atuais por outras formas - "que nao !he interessam 
quais sejam" - que permitam a livre atua<;iio da personalidade humana. 
Para renovar essa personalidade - e "conseguir uma nova imagem do 
homem", como diz Wyneken -, essa corrente acredita que e urgente 
transformar a escola e modificar por seu intermedio a propria sociedade. 
Nas suas maos, o presente nao e mais do que urn instrumento para preparar 
o homem do futuro. Mas como o Estado tern dado repetidas provas de 
que considera a escola como urn instrumento para assegurar o seu proprio 
domfnio, a corrente doutrinaria - afirma Wyneken 14 - "exige, tanto do 
Estado quanta da sociedade burguesa, uma a(:ao de renuncia e de auto-
limita(:ao fundamental; a a<;ao pela qual o Estado so chega a ser Estado 
cultural; que reconhe<;a os seus limites, que mantenha suas maos afastadas 
de tudo aquila que, como a Justi<;a, a Ciencia, a Arte, esta a servi<;o de 
poderes superiores, superpolfticos, eternos". Como, depois destas palavras, 
e possfvel que algum dos senhores julgue ter entendido mal, repito que 
a corrente "doutrinaria" exige do Estado que ele deixe de ser urn Estado 
burgues, isto e, urn instrumento de opressao a servi<;o da burguesia, para 
converter-se num "Estado cultural", isto e, num Estado que retire as suas 
maos da escola, para que nao ressoe nela mais do que "a voz da 
humanidade, o espfrito da humanidade" ... 15 
Nas li<;5es anteriores, vimos de que modo a educa<;ao tern sempre 
estado a servi<;o das classes dominantes, ate o momento em que outra 
14. Wyneken: Las Comunidades Escolares Libres, pag. 26. 
15. Wyneken, ob. cit., pag. 25. 
162 
classe revolucionaria consegue desaloja-las do poder e impor a sociedade 
a sua propria educa<;ao. Todavia, quando a nova classe ainda nao se sente 
suficientemente forte, ela se conforma provisoriamente em esperar que a 
classe dominante se esgote urn pouco antes de assedia-la. Neste caso, nao 
ha revolu<;ao no campo da educa<;ao, ha uma reforma. 
Encontramos reformas educacionais na Grecia do seculo V a.C. com 
os sofistas, na Roma do seculo II a.C. com os retores, no Feudalismo do 
seculo XI com as universidades, no Renascimento do seculo XVI com os 
humanistas. Em todos esses casos, as reformas educacionais foram precedidas 
de transforma<;5es sociais, mas nao de convulsoes; em todos esses casos, 
houve previamente modifica<;oes no equilfbrio das classes, mas nao houve 
ruptura desse equilfbrio. As quatro reformas mencionadas foram o contra-
golpe no terreno educacional de urn processo econ6mico mediante o qual 
uma sociedade aristocratica e agricola retrocedia sem claudicar diante de 
uma sociedade 'comerciante e industrial. 
Revoluf:oes no campo educativo, nao vimos mais do que duas: quando 
a sociedade primitiva se dividiu em classes e quando a burguesia do 
seculo XVIII substituiu o Feudalismo. 16 
Podemos, entao, perguntar: depois da revolu<;ao burguesa do seculo 
XVIII ocorreu algum novo desequilfbrio ou ruptura entre as classes sociais, 
capaz de tornar urgente uma nova educa<;ao? Ja afirmamos que a burguesia 
do seculo XVIII, depois de fazer em seu proveito a sua revolu<;ao, barrou 
imediatamente as aspira<;oes das massas populares. De fato, a Revolu<;ao 
de 89 ainda nao tinha dez· anos de existencia e ja Babeuf encarnava 
obscuramente os desenganos das massas operarias. E, desde essa epoca, 
com convulsoes cada vez mais violentas - 1848, 1871, 1905 -, a 
sociedade quedou dividida em duas classes hostis, com interesses incon-
ciliaveis: de urn !ado, uma minoria de exploradores burgueses e, do outro, 
uma enorme massa de proletarios explorados. E enquanto a burguesia mais 
desesperadamente aperfei<;oava as tecnicas de produ<;ao, numa conquista 
raivosa de riqueza e de novos mercados, durante todo o seculo XIX, mais 
o proletariado ia-se convertendo num simples acessorio das maquinas. No 
entanto, a maquina, ao reunir ao seu servi<;o enormes massas de operarios, 
nao so despertou neles os primeiros albores de sua consciencia de classe, 
como tambem criou as condi<;oes objetivas que tornaram necessaria a sua 
liberta<;ao. 
16. Nao estou contando o brevfssimo perfodo em que dominou a Comuna de Paris, 
porque esta apenas teve tempo de impor uma nova educa~ao. Em todo caso, nao seria mau 
consultar os seus magnificos projetos em La Commune de Paris. Textes et Documents 
Recueillis et Commentes par A. Dunois, pag. 27. . i 
163 
i 
Diante da enorme expansao das fon;as produtivas, a burguesia se 
mostrou impotente, exatamente como o mago a que Marx se ~efere no 
seu Manifesto Comunista, aterrado diante dos poderes formidavei:~ ele 
proprio havia conjurado. De fato, o modo capitalista de apropria<;ao resulta 
incompatfvel com o carater cada vez mais social da prodw;:ao. Enquanto 
milhares de operarios criam as riquezas que saem das fabricas, urn reduzido 
numero de parasitasaumenta fabulosamente o seu capital. Em outros 
tempos, a burguesia foi urn fator para o progresso social, nao ha duvida, 
mas, atualmente, ela se converteu num obstaculo a esse progresso, e de 
tal modo que nao so nao tern interesse em continuar aperfei<;oando o 
poder do homem sobre a natureza, como ainda procura dete-lo. 
Por outro !ado, o proletariado, cada vez mais forte, vern derrubando 
por toda parte as barreiras burguesas que o impedem de viver, exatamente 
como a burguesia, na sua bora historica, rompeu as barreiras feudais que 
a asfixiavam. Desde o mes de outubro de 1917 - a data da sua grande 
revolu<;ao - que o proletariado russo dividiu a nossa era em duas idades 
que coexistem: a nossa, a burguesa, que ja pertence ao passado, e a outra, 
a socialista, que na Russia e quase presente, mas que para nos ainda 
pertence ao futuro. 
Diante dessa realidade atual, que classe social interpreta a "doutrina" 
da nova educa<;ao? Vamo-nos limitar, agora, apenas a propor em termos 
exatos o problema, para so resolve-lo cabalmente no proximo capitulo. 
A investiga<;ao pode ser conduzida em duas dire<;6es bern distintas. 
Se a burguesia e, historicamente falando, uma classe social ja condenada, 
seria quase urn sarcasmo indagar se a "nova educa<;ao" interpreta os seus 
ideais. No atual momento em que vivemos, a agonizante burguesia sabe 
que so lan<;ando mao do terror, isto e, do fascismo, podera prolongar por 
mais algum tempo a sua vida. Uma a uma, foi ela perdendo as caracterfsticas 
que !he deram uma fei<;ao propria: a concorrencia do mercado a havia 
feito individualista; as necessidades de calculo, racionalista; a liberdade 
de imprensa, liberal. Agora, as limita<;6es da concorrencia, provocadas pelo 
monopolio, obrigaram-na a rcnunciar ao individualismo; a certeza de que 
o seu fim csta proximo lcvou-a de novo ao pe dos altares; o desejo de 
sobrevivcr arrastou-a para o caminho da ditadura declarada. Monopolista, 
religiosa e fascista, a burgucsia contcmporanea nao so renunciou ao ensino 
leigo por que havia batalhado tantos anos 17, como imp6s a escola urn tao 
17. No Congresso de Orienta<;:iio Profissional Feminina, de 24 de setembro de 1926, 
urn dos ex-campe6es do laicismo, Ferdinand Buisson, afirmou: "A Igreja, a Escola e a 
Famflia, as tres grandes for<;:as educadoras. deverao unir-se para contribuir para o progresso, 
porque, isoladas, nao poderao realizar a obra necessaria". Cf. Boyer: L' Ecole Lai"que Contre 
Ia Classe Ouvriere, pag. 36. 
164 
ostensivo carater de instrumento a servi<;o do Estado, que a crian<;a italiana 
e a alema nao sao mais do que futuros soldados do fascismo. 
Encarnara, entao, a "doutrina" da nova educa<;ao os ideais do 
proletariado? A pergunta pode fazer com que vacilemos uns segundos. 0 
socialismo, ainda que os seus inimigos digam o contrario, aspira a realizar 
a plenitude do homem, isto e, libertar 0 homem da opressao das classes, 
para que recupere, com a totalidade das suas for<;as, a totalidade do seu 
eu. 0 proletariado libertara o homem ao libertar-se a si proprio, dizia 
Marx, porque representando ele, como classe social, a perda total do 
homem, "so podera libertar-se a si proprio se encontrar de novo o homem 
perdido". 18 No Projeto de Profissiio de Fe Comunista, escrito por Engels, 
em 1847, que foi urn dos mais importantes materiais usados por Marx 
para compor o seu Manifesto, podemos ler um pagina formosfssima que 
nos mostra de que modo o desenvolvimento da produ<;ao, sob o impulso 
de toda a sociedade, reclamani e engendrara "homens fntegros", homens 
totalmente novos. 19 
Mas, se em alguns pontos, a "doutrina" da nova educa<;ao parece 
coincidir com o ideal socialista, as diferen<;as sao tao grandes em outros 
que nos parece ridfculo insistir a respeito delas. A nova educa(:iio se 
propoe, com efeito, construir o novo homem a partir da escola burguesa; 
de uma escola, na realidade, na qual o Estado burgues se comprometa a 
nao interferir em nada, de uma escola em que os professores deverao, 
portanto, ingressar completamente isentos de qualquer mentalidade de 
classe. Aspira<;ao absurda, desmentida por toda experiencia historica, e 
que supoe nesses teoricos uma ingenuidade a toda prova. Em todas as 
li<;6es anteriores, vimos que a educa<;ao ministrada por meio de uma escola 
renovada so aparecia depois que a classe social que a reclamava ja havia 
conseguido afirmar em grande parte os seus interesses e mantinha a 
distancia o Estado inimigo. Quando, em 1792, Condorcet exigia a Monarquia 
que nao mais interferisse na educa<;ao, nao lhe faltava mais do que cinco 
meses para derruba-la. Por causa disso, porque a classe em cujo nome 
falava ja tinha em suas maos a vitoria, e que as exigencias de Condorcet, 
Ionge de nos parecer ingenuas, revelaram-nos a sua profunda habilidade. 
Mas "exigir" do Estado burgues, nao em nome de uma classe inimiga, 
porque, neste caso, esse pedido estaria dissimulando urn ultimato, mas em 
nome da "cultura" e do "espfrito", que ele "autolimite" os seus poderes 
de forma a se converter num Estado cultural, deixando assim de exercer 
18. Marx: Oeuvres Philosophiques, tomo I, pag. 106. 
19. Engels: Proyecto de Profesirin de Fe Comunista, pags. 397-399, publicado como 
Apendice do Manifesto Comunista da Edi<;:iio Cenit. 
165 
qualqucr controle sobre o ensino, que e uma das suas mais 
de o~~essao, constitui uma ingenuidade tao grande que )toea 
cpopc1a. _____/ 
sutis armas 
as raias da 
Na proxima aula, n6s iremos ver tudo o que hade ingenuo, reacionario 
c suicida nessa absurda pretensao, mas, agora, apenas iremos ver que os 
te6ricos que encarnam a corrente mais ruidosa da "nova educac;ao" repetem 
hoje, diante do Estado burgues, a mesma atitude grotesca que Pestalozzi 
assumiu diante do Estado absoluto da sua epoca. Em 1814, as tropas do 
Imperador da Russia quiseram instalar urn hospital no internato que 
Pestalozzi dirigia. Muito indignado, o grande educador foi queixar-se ao 
lmperador Alexandre, que, na ocasiao, encontrava-se em Basileia. 0 
Imperador recebeu-o com bondade e concordou de boa vontade com as 
suas reclamac;oes. Pestalozzi, entao, satisfeito com o exito obtido, resolveu 
fazer outro pedido ao Imperador. Se este ja o havia atendido uma vez, 
par que nao haveria de atende-lo uma segunda? Mastigando urn pouco a 
gravata, como fazia cada vez que estava emocionado, Pestalozzi pediu, 
entao, ao Imperador, que proclamasse a emancipac;ao dos servos na Russia. 
0 Imperador olhou-o par urn instante e, sem dizer uma palavra, sorriu. 
0 primeiro exemplo de urn professor pedindo a urn Chefe de Estado 
que "autolimite" OS seus poderes nao e realmente muito alentador. .. 
166 
CAPITULO VIII 
A NOV A EDUCA<::AO 
Segunda Parte 
No capitulo anterior, deixamos estabelecido que duas correntes, uma 
metodol6gica e outra doutrinaria, conflufam para o leito desse grande 
movimento pedag6gico que teve as suas primeiras manifestac;oes par volta 
de 1900, mas que se afirmou ultimamente sob formas ruidosas e dfspares. 
A corrente "metodol6gica", ja dissemos, descansa fundamentalmente 
para empregar as palavras de Cousinet - no maximo respeito "a 
atividade livre e espontanea da crianc;a". 1 Posta que a crianc;a deveria ser 
o seu proprio educador, seria necessaria abrir-lhe urn credito de confianc;a 
ilimitado. Mas, se esse e o postulado fundamental, elevado a categoria 
de princfpio, tambem ja vimos que 0 respeito a personalidade da crianc;a 
nao deve ser entendido no sentido individualista, porque a nota dominante 
na nova "didatica" consistia principalmente em substituir o trabalho escolar 
individual, pelo trabalho coletivo. 
A corrente "doutrinaria" extrai desses mesmos postulados certas 
conseqtiencias necessarias e, se se admite que a crianc;a deve ser respeitada 
no que tern de mais fntimo, e 16gico que se obtenha do Estado a autonomia 
do ensino. "Quanta mais claramente se ve que 0 sentido da educac;ao e 
I. Vidal: La Doctrina de Ia Nueva Educacidn, pag. 3 de ~La Nueva Educacir5n, deCousinet, Vidal e Vauthier. 
2. Lombardo Radice: Athena Fanciulla, Scienza e Poesia della Scuola Serena, pag. 453. 
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auttmomo - escreve Spranger - tanto mais sei?.stru urara a escola do 
Estado, nao s6 no nfvel universitario, mas em todos o graus, em formas 
de administra~ao que garantam a educa~ao dian e da pressao espiritual 
dos poderes do Estado". 3 "A escola e a nega~ao de todo partido e de 
toda seita- dizia Gentile no VI Congresso Nacional da Federa~ao ltaliana 
do Magisterio, em 24 de setembro de 1907 -, e a negar,;ao de toda 
Igreja e de todo dogma, porque a escola e a vida do espfrito, e o espirito 
vive na plenitude da sua liberdade".4 Assim como para o catolicismo -
afirma Wyneken -, a Igreja e a boca nunca emudecida da divindade, "a 
escola deve ser o 6rgao do espfrito humano mediante o qual este expressa 
o seu conteudo atual".5 Formar uma gera~ao apta para "o servi~o do 
espfrito", eis af, nas palavras de Wyneken6, o conteudo essencial da 
corrente doutrimiria. 
Sup6e esta, portanto, uma confian~a absoluta na educar,;ao, como 
meio de transformar a sociedade. A esse respeito, sao ilustrativas as 
seguintes palavras de Jose Ortega y Gasset, o ilustre fil6sofo da "republica 
dos trabalhadores": "Se educa~ao e a transforma~ao de uma realidade, de 
acordo com certa ideia melhor que possufmos, e se a educa~ao s6 pode 
ser de carater social, resultara que a Pedagogia e a ciencia de transformar 
sociedades"? Esta confian~a na educar,;ao como uma alavanca da hist6ria, 
corrente entre os te6ricos da nova educa~ao, sup6e, como ja vimos na 
ultima li~ao, um desconhecimento absoluto da realidade social.8 Ligada 
3. Spranger: Fundamentos Cient(ficos de la Teoria de la Constitucir5n y de la Politica 
E~colares, pags. 85-86. 
4. Gentile: Educazione e Scuola Laica, pag. I 02. 
5. Wyneken: Escuela y Cultura Juvenil, tomo I, pag. 113. 
6. Wyneken, ob. cit., tomo II, pag. Ill. 
7. Citado por Llopis in Hacia Una Escuela Mds Humana, pag. 25. 
8. Como uma prova grotesca dessa ignorilncia absoluta transcrevo esta pagma do 
"eminente soci6logo" espanhol Dom Antonio Posada: "Ao termino das tarefas da Universidade 
Popular, que funciona na cidade de Oviedo ha cinco ou seis anos, os professores e os alunos 
operarios se reunem nessa mesma Universidade, para tomar cafe. Ficam juntos, conversando, 
duas, tres ou mais horas. Isto que nao parece nada, este fato muito simples e comum de 
tomarem cafe juntos na Universidade, professores e operarios, tern, a meu jufzo, uma alta 
significa~ao: e uma ocasiao excelente para as pessoas se conhecerem; desse modo, a pretexto 
de uma educa~ao, celebrando-a, faz-se com que pessoas de diversa posi~ao social e distinta 
cultura conversem entre si, conhe~am-se mutuamente, estabelecendo rela~5es de cordialidade 
e de carinho. Imaginem voces que, em Bilbao, ocorresse fato semelhante, que os trabalhadores 
das minas ou das fabricas tivessem varios cfrculos, onde, algumas noites, eles, as suas 
mulheres - operarias ou nao, isto nao importa - e os seus filhos tomassem uma xfcara 
de cha, ou de cafe, com o patrao, sua mulher e os seus filhos. Seria is to prejudicial? 
Fazendo-se isto constantemente, vencendo-se toda repugnilncia e todas as preocupa~5es sociais, 
nao se faria mais pela paz social, do que com todas as leis proibitivas, violencias e repress5es, 
168 
estreitamente a estrutura econ6mica das classes socialS, a educar;ao, em 
l'ada momento hist6rico, nao pode ser outra coisa a nao ser urn rcllexo 
necessario e fatal dos interesses e aspira~6es dessas classes. A confianr;a 
na educa~ao, como urn meio de transformar a sociedade, explicavel numa 
¢poca em que a ciencia social ainda nao estava construfda, resulta totalmente 
inadmissfvel depois que a burguesia do seculo XIX descobriu a existencia 
das lutas de classe. E e necessario insistir neste ponto: a descoberta da 
existencia de uma luta de classes foi uma das contribui~6es mais felizes 
dos historiadores burgueses do primeiro ter~o do seculo XIX: Thierry, 
Guizot e Mignet.9 
0 conceito da evolu~ao hist6rica como urn resultado das lutas de 
classe nos mostrou, com efeito, que a educar,;ao e o processo mediante 
o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das 
crianr,;as as condir,;oes fundamentais da sua propria existencia. Pedir ao 
Estado que deixe de interferir na educa~ao e o mesmo que pedir-lhe que 
proceda dessa forma em rela~ao ao Exercito, a Polfcia e a Justi~a. Os 
ideais pedag6gicos nao sao cria~6es artificiais que urn pensador elabora 
em isolamento e que, depois, procura tornar realidade, por acreditar que 
elas sao justas. Formula~6es necessarias das classes que estao empenhadas 
na luta, esses ideais nao sao capazes de transformar a sociedade, a nao 
ser depois que a classe que os inspirou tenha triunfado e subjugado as 
classes rivais. A classe que domina materialmente e tambem a que domina 
com a sua moral, a sua educa~ao e as suas ideias. Nenhuma reforma 
pedag6gica fundamental pode impor-se antes do triunfo da classe revo-
luciondria que a reclama, e se essa afirma~ao parece ter sido desmentida 
alguma vez pelos fatos e porque, freqiientemente, a palavra dos te6ricos 
oculta, conscientemente ou nao, as exigencias da classe que representam. 
Para urn observador superficial, que ignorasse o carater de classe das lutas 
hist6ricas, te6ricos tao diferentes, como Wyneken, Gentile e Lunatcharsqui 
poderiam figurar no mesmo plano da "nova educar;ao". Se n6s nos 
preocuparmos unicamente com o aspecto exterior das coisas, poderemos 
afirmar que todos eles pretendem formar uma "nova imagem do homem". 
Mas, tao logo abandonamos essa proposi~ao superficial do problema e 
procuramos indagar quais as classes sociais que esses te6ricos representam, 
como mudam as coisas! 
que tanto 6dio engendram e tantas tempestades provocam? Quantas oposi~5es, explicaveis 
ou infundadas, se apagariam! Que corrente de amor e de simpatia social nao se poderia 
provocar!" Antonio Posada: Pedagogia, pags. 94-95. 
9. Assim o reconheceu varias vezes Marx, especialmente numa carta que endere~ou a 
Engels. Cf. Marx-Engels: Correspondance, tomo IV, pag. 55. 
169 
"Queremos na escola - diz Gentile - o espfrito humano em toda 
a sua plenitude, e em toda a sua realidade" 10, "esse espfrito que forma, 
por assim dizer, a verdadeira humanidade do hom em" .11 Nao ha duvida 
de que essas afirmac;;oes nao sao muito claras, mas logo mais "esse espfrito" 
comec;;a a precisar-se: "Os estudos [secundarios], dizem alguns, devem ser 
democraticos, como se dissessemos lanc;;ar milho aos porcos. Os estudos 
secundarios sao, por sua propria natureza, aristocrat~os, no sentido otimo 
da palavra; estudos para poucos, para os melhores, p rque preparam para 
uma formac;;ao desinteressada, a qual nao podem corresponder senao 
aqueles poucos que estao destinados de Jato, pela sua capacidade ou pela 
sua situarao familiar, ao culto dos mais altos ideais humanos". 12 E, como 
se essa afirmac;;ao nao bastasse, logo mais adiante Gentile nos diz qual e 
o homem que e necessaria formar em toda a sua plenitude. "0 homem 
nao e o animal bfpede e implume que sempre vemos. Nem chega a 
converter-se em homem quando se transforma no autonomo que, introduzido 
em determinada engrenagem hierarquica e social, cumpre mais ou menos 
mecanicamente a sua missao, como que para assegurar a ele e aos seus 
filhos uma vida opaca. A este animal, nao importara jamais o destino de 
Prometeu, ou o destino do homem. Para ele, nem o grego, nem a filosofia 
servirao para algo; para ele, nenhuma delicadeza do espfrito perturbara a 
digest~o. Mas esta nao e a humanidade, ou, pelo menos, nao e desta 
humanidade que eu quero falar. 0 nosso homem e aquele que possui 
aquila que se chama consciencia; trata-se do homem, digamos claramente, 
das classes dirigentes, sem o qual nem ao menos poderia existir o outro 
homem, o da boa digestao, porque ate as boas digest6es necessitam doapoio da sociedade, e nao podemos concebe-la sem classes dirigentes, 
sem homens que pensem por si e pelos outros. Penso que todos os que 
reclamam que a escola deve ser para a vida estao pensando nesse homem. 
Sim, para a vida do homem, da consciencia humana".'3 
Por intermedio de urn filosofo ilustre, esta explicado, e com uma 
clareza que impede quaisquer confus6es, o pensamento da burguesia 
contemporanea a respeito da "nova educac;;ao": nao lanc;;ar as massas as 
flores da cultura, e reservar apenas para o homem das classes superiores 
"o completo desenvolvimento do espfrito". Convencida do seu proprio 
fracasso, acuada por urn proletariado cada vez mais consciente de si 
mesmo, a burguesia fascista que se expressa por intermedio de Gentile 
nao so declara que se deve impedir o acesso das massas a cultura, como 
170 
10. Gentile: La Nuova Scuola Media, pag. 7. 
II. Gentile, ob. cit., pag. 35. 
12. Gentile, ob. cit., p:ig. 35. 
13. Gentile, ob. cit., pag. 91. 
tambem que se deve confiar a religiao o controle espiritual da plebe 
desprezfvel. "Estou convencido - diz - de que, para formar urn povo 
verdadeiramente grande e uma nac;;ao verdadeiramente forte, e necessaria 
que os cidadaos tenham uma concepc;;ao religiosa da vida. Para conseguir 
isso e preciso ensinar religiao as crianc;;as. E, uma vez que estamos na 
Italia, onde a catolica e a dominante, as crianc;;as devem ser instrufdas 
nela. Mais tarde, quando ja forem homens, eles tratarao por si mesmos, 
por meio da critica e do pensamento, de superar essa fase pueril do 
ensino religioso. Mas, este e necessdrio". 14 Observe o leitor, de passagem, 
o escasso fervor do reformador: Gentile sabe que a religiao catolica, que 
ele mesmo introduz nas escolas italianas, e uma forma de pensamento 
subalterno. Mas, exige que as massas que passam pelas escolas, e que 
adquirirao nelas toda a sua cultura, permanec;;am durante toda a sua vida15 
impregnadas por essas mesmas concepc;;oes que o filosofo despreza. Para 
a burguesia que Gentile interpreta, a plebe nao merece muito mais. Urn 
educador intimamente vinculado ao ex-ministro, a ponto de ter sido urn 
seu colaborador eminente na Reforma de 1923, Giuseppe Lombardo Radice 
nos conta na sua Vida nas Escolas Populares qual era o povo ideal que 
essas "escolas religiosas" pretendiam formar: "Eu desejo urn povo gentil, 
meditativo, capaz de escutar o canto dos seus poetas e o concerto dos 
seus musicos, de encantar-se diante de urn quadro, de urn museu ou de 
uma igreja. Nao quero o povo torpe da taberna, mas urn povo que saiba 
ornar-se como respeito a si mesmo e aos outros (ainda que seja pobremente), 
que nao cuspa em qualquer Iugar, que nao destrua as plantas, que nao 
persiga OS passaros, que nao discuta demasiado, que nao bata em sua 
mulher e em seus filhos" .16 
Urn povo manso e resignado, respeitoso e discreto, urn povo para 
quem os patr6es sempre tenham razao, como nao haveria ele de ser o 
ideal de uma burguesia que so aspira resolver \1 sua propria crise, 
descarregando todo o peso sobre os ombros das massas oprimidas? So 
urn povo "gentil e meditativo" e que poderia suportar sem "discussao" a 
explorac;;ao feroz. E esse povo de que o fascismo necessita e o que a sua 
escola se apressa em preparar. 
14. Este trecho consta de uma reportagem transcrita por Poggi em I Gesuiti Contro 
lo Stato Liberate, pag. 137. 
15. Cf., no mesmo sentido, Carlini, Lll Religione nella Scuola, pag. 38: "Quando se 
tomar adulto, o indivfduo escoihera o seu caminho: sera rico ou pobre, culto ou ignorante, 
feliz ou desgra~ado; o importante e que ele seja guiado por uma estrela: a ideia de urn 
princfpio superior que se introduza na sua mente de uma vez para sempre e acenda no seu 
0 corar;iio uma chama que as vicissitudes da vida niio extinguiriio." 
16. Lombardo Radice: Vita Nuova della Scuola del Popolo, pag. LXXVI. 
171 
" 
Que diferenr;a entre as crianr;as que Lombardo Radice nos anunciava 
em seus primeiros livros, e estas crianr;as italianas de hoje, tal como 
Dolores Mingozzi nos mostra, adulando Mussolini e o fascismo na mais 
inconsciente de todas as linguagens! 17 Que diferenr;a, tambem, entre o 
quadro idflico que Wyneken entrevia ao escrever: "Seria urn g~ande exito 
cultural e hist6rico urn Estado que compreendesse a necessidade ideal da 
escola aut6noma, que a fomentasse com uma elevada modestia e que a 
fundasse em seus domfnios: que Estado alemao sera o primeiro? N6s que 
pertencemos as comunidades escolares livres, que fomos os primeiros a 
reconhecer as linhas diretoras do desenvolvimento, que proclamamos a 
ideia da nova escola, estamos a sua disposir;ao" 18, e a realidade brutal da 
Alemanha de hoje, em que a escola foi convertida em quartel. 19 
Sabemos o que significam nas maos da burguesia "liberdade da 
crianr;a", "formar;ao do homem", "direitos do espfrito". A imageiJl do novo 
homem que a burguesia nos prometia e a velha imagem ja bern nossa 
conhecida: a de uma classe opressora que monopoliza a rique2:a e a cultura 
diante de uma classe oprimida, para a qual s6 e permitida a superstir;ao 
religiosa e urn saber bern dosado. 
Que representa a nova educar;ao em maos do proletariado? Desde 
as primeiras tentativas de Owen nas suas fabricas20, ate as mais recentes 
conquistas do primeiro Estado proletario e campesino, o operariado sempre 
pretendeu transformar as suas escolas em escolas do trabalho. Numa 
sociedade sem classes, isto e, numa sociedade fraternal de produtores que 
trabalham de acordo com urn plano, a escola ja nao pode ser nem a 
precaria escola elementar, nem a fechada escola superior. Para formar os 
trabalhadores conscientes de uma sociedade em que desapareceram a 
dominar;ao e a submissao, e preciso criar uma escola que fixe com 
extraordinaria precisao o prop6sito imediato que !he corresponde. E, uma 
vez que a escola da burguesia nao pronuncia jamais uma s6 palavra que 
nao sirva aos seus interesses, a escola do proletariado tambem quer defender 
os seus interesses; mas ha uma grande diferenr;a nestas duas posir;oes: 
enquanto aquela apenas encarnava os interesses de uma exfgua minoria, 
17. Mingozzi: Mussolini Visto dai Ragazzi. 
18. Wyneken: Escue Ia y Cultura Juvenil, tomo I, pag. II 0. 
19. Cf. Noth: La Tragedie de Ia Jeunesse Allemande. 
20. "Como se pode ver em minucias nas obras de Robert Owen, do sistema fabril 
brotou o germe da educa<;:ao do futuro, que, para todas as crian9as que tenham ultrapassado 
certa idade, combinara o trabalho produtivo com a instru9ao e a ginastica, nao s6 como urn 
metoda de elevar a produ9ao social, como tambem como o unico metoda capaz de formar 
homens completos". Marx: El Capital, tomo I, pag. 374 da tradu9ao de Justo. 
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esta defende as aspirar;oes das grandes massas trabalhadoras. Quando do 
Primeiro Congresso Pan-Russo de 1918, Lenine disse: "Ha quem nos acuse 
pelo fato de transformarmos a nossa escola numa escola de classe. Mas 
a escola sempre foi uma escola de classe. 0 nosso ensino defendera por 
isso, exclusivamente, os interesses da classe laboriosa da sociedade".21 E, 
dois anos depois, por ocasiao do Terceiro Congresso Pan-Russo da Uniao 
dos Jovens, acrescentava ele que a nova educar;ao ligava indissoluvelmente 
a instrur;ao e a formar;ao da juventude com a !uta ininterrupta de todos 
os trabalhadores contra o velho regime de explorar;ao. A milenaria separa~ao 
entre as for~as mentais e as forfas fisicas, que surgiu na hist6ria no 
mesmo instante em que a comunidade primitiva se converteu em sociedade 
de classes, desaparece, assim, sob o impulso do proletariado. Os filhos 
dos proletarios e dos camponeses russos ja nao vao a escola para "se 
subtrair" a sua classe social e adquirir a mentalidade da classe inimiga; 
vao para se unir a vanguarda consciente do proletariado e para acelerar 
desse modo a construr;ao do socialismo. "Eu quero trabalhar com os 
operarios e os camponeses, quero ser urn colaborador eficaz dos nossos 
cm;naradas adultos, quero lutar junto com eles contra o inimigo

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