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Os 11 sexos - Raul Pamplona da Costa

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A VAl?T9= 9= () T()U() 
Sexualidade é o termo que se refere ao conjunto de 
fenômenos da vida sexual. Ela é o aspecto central de 
nossa personalidade, por meio da qual nos relacionamos 
com os outros, conseguimos amar, ter prazer e procriar. 
Entendemos o ser humano como um todo, indivisí-
vel. Nossas partes podem e devem ser estudadas em 
separado, mas não confundidas ou tomadas pelo todo. 
Quando se implanta uma ponte safena, não se faz isso 
apenas num coração, um órgão que pulsa e faz circular 
o sangue pelo corpo. 
Na verdade, opera-se um coração que está no corpo 
vivo de um ser humano, que tem nome, profissão, 
família, medo, inquietudes, dúvidas, necessidades. Não 
é só o coração que precisa ficar bom, sarar, mas sim o 
ser humano ao qual essa pequena parte pertence. 
Este livro pretende abordar a sexualidade como 
parte integrante dos seres humanos, com suas sensa-
ções, conflitos e relacionamentos sociais. O presente 
trabalho exclui os distúrbios sexuais, que são como 
sintomas secundários de doenças mentais. 
A apresentação segmentada tem apenas um objeti-
vo prático: o de facilitar a leitura e a compreensão. Nas 
escalas que você vai encontrar nos primeiros capítulos 
e na Conclusão, os segmentos A, B, C, D e E não 
expressam a proporção de pessoas contidas em cada um 
deles, pois essa quantificação depende de pesquisas 
cientificas que deverão ser realizadas. 
Os casos relatados são todos reais. Nomes, profissões 
e eventualmente detalhes de situações foram alterados em 
respeito à ética médica, salvo aqueles recolhidos direta-
mente da mídia e que são de domínio público. 
Ainda não completamos nossos estudos a respeito 
da função dos hormônios e das complexas redes do 
sistema nervoso sobre a sexualidade. Esses aspectos 
estão inseridos neste trabalho apenas a titulo de infor-
mação geral. 
Neste livro estamos apresentando uma visão de 
sexualidade que não se atém especificamente à vida 
sexual, propriamente dita, e sim a uma visão mais ampla 
do ser humano. O papel de gênero, masculino ou femi-
nino, é a base para o desenvolvimento de todos os 
demais papéis sociais. Portanto, é impossível dissociar 
esse primeiro papel de gênero da sexualidade, à qual 
está diretamente vinculado. 
A sexualidade é o aspecto mais conflituoso, contro-
verso e desconhecido do ser humano. A nossa cultura 
lida mal com esse importante aspecto da vida e, para 
agravar, cria modelos estanques nos quais pretende 
encaixar e classificar as pessoas. Esses moldes, muitos 
dos quais baseados apenas no preconceito e na falta de 
informação, não nos permitem que sejamos exatamente 
aquilo que somos ou que poderíamos ser. 
A dimensão total do ser humano tem três aborda-
gens básicas que são a biológica, a psicológica e a social. 
Essas três bases são inter-relacionadas e inseparáveis. 
A abordagem biológica nos diz que temos um corpo 
tisico, que sentimos, que vemos, e que somos vistos. A 
abordagem psicológica nos remete a nossa mente, ao 
nosso psiquismo, as nossas emoções mais primárias, aos 
nossos afetos, aos nossos desejos, as nossas fantasias, aos 
nossos sonhos. O mundo social é o mundo que nos rodeia, 
povoado de outros seres, inseridos na natureza ou naquilo 
em que o homem a transformou, as cidades. 
O nosso corpo "contém" o psicológico e está no 
mundo em relação com as outras pessoas. É impossível 
pensarmos em um desses três compartimentos de forma 
estanque. O ser humano não pode ser visto só pelo seu 
corpo. porque sem o psiquismo ele está morto. 
Um homem apenas "psicológico" também não exis-
te, porque ele se expressa por meio da fala, da postura 
e do corpo. Além disso, um ser humano, com corpo e 
mente perfeitos, não sobrevive se não estiver EM RELA-
ÇÃO com outras pessoas. 
Todos, quando nascemos, trazemos dentro de nós 
três potencialidades a serem desenvolvidas. A esponta-
neidade, a criatividade e o fator tele1• A espontaneidade 
é a capacidade de responder adequadamente a uma 
situação nova ou dar uma resposta diferente a uma 
situação antiga. 
Essa adequação se refere, antes de mais nada, a nós 
mesmos. Nesse sentido, ser espontâneo é estar presente 
"de corpo e alma" nas relações existentes a nossa volta. 
A espontaneidade, por outro lado, é o fator que nos 
permite ser criativos, ou seja, criar algo novo. 
A criança, ao nascer, traz consigo o chamado fator 
tele em seu psiquismo, que em grego quer dizer à 
distância, e significa que todos nós, já nos primeiros 
anos de vida, somos capazes de, aos poucos, ir perce-
bendo as outras pessoas com quem nos relacionamos, 
da forma mais aproximada possível de como elas são, na 
mesma medida em que também nos sentimos, e somos, 
percebidos. 
1. Conceitos desenvolvidos pelo mêdico romeno J. L. Moreno 
(1889-1974). criador do psicodrama e da terapia de grupo, que 
emigrou para os EUA, onde completou e aplicou suas teorias. 
Esse movimento afetivo e emocional de mão dupla 
é responsável pela dinâmica do funcionamento das 
pessoas, a dois, a três ou em grupo. Quando essas 
capacidades inatas não são bem desenvolvidas, em 
função do ambiente onde crescemos. podem acabar se 
distorcendo. Essas três potencialidades são "motores" 
para o desenvolvimento da identidade sexual. Nossa 
teoria é que a identidade sexual pode ser dividida em 
três aspectos: identidade genital, identidade de gênero 
e orientação afetivo-sexual. 
O corpo e o psiquismo precisam do social para se 
completar. E no social nos expressamos e nos relacio-
namos através de papéis. Estamos também fazendo uma 
distinção entre papéis sociais de gênero e o papel afetivo-
sexual. Para que possamos exercer a nossa sexualidade 
em toda a plenitude é indispensável que o corpo seja 
provido das necessidades básicas e o psiquismo tenha os 
três fatores inatos desenvolvidos. Isso, no entanto, só é 
possível a partir da convivência com outros seres. 
Um ser humano completo, porém, só pode ser enten-
dido dessa forma se tiver a sua cidadania e seus direitos e 
deveres garantidos por leis. Se tiver direito ao trabalho, à 
moradia, à educação. à saúde, ao voto. à participação nos 
governos e, no tema de que estamos tratando, o direito de 
exercer a sua sexualidade independentemente da forma 
como ela se exteriortzar. 
Isso significa respeito ao seu corpo e aos seus 
sentimentos. bem como aos das outras pessoas. Se houver 
um mínimo dessas condições, o indivíduo poderá se de-
senvolver saudavelmente e assumir os papéis por meio dos 
quais vai se relacionar com seus semelhantes. 
Aquilo que afirmamos ser indissociável. ou seja. 
corpo, mente e aspectos sociais. aparecem em capítulos 
separados ao longo deste livro apenas para facilitar a 
leitura e a compreensão de um tema tão complexo. Os 
componentes da sexualidade humana. descritos em se-
parado na primeira parte deste livro, também são total-
mente interligados e interdependentes. 
A cada capítulo do livro você vai se deparar com 
"fragmentos" que compõem um "caleidoscópio". A reu-
nião das escalas que estamos propondo permitirá que 
você, quando chegar à Conclusão, gire esse "caleidoscó-
pio", fazendo surgir as mais diversas "imagens" da se-
xualidade humana. 
Não estamos afirmando que essas "imagens" são 
definitivas. 
Mas são como nós as vemos. Hoje. 
O Autor 
São Paulo, Setembro de 1994. 
COMPONENTES DA 
SEXUALIDADE HUMANA 
Sexos Gonadal ~Cromossômico Genital Interno Genital Externo 
o 
" .... o 
•O •Identidade Genital ~ •Identidade de Gênero 
• , •Orientação 
~ Afetivo-sexual 
~ 
~ 
•Papéis Sociais 
de Gênero 
•Papel Afetlvo-
sexual 
1 
CAMl~ti()§ ()CULT()§ 
Você, que está lendo este livro, foi gerado e nasceu. 
Isso é óbvio. Tanto que você nem se dá conta. Quando 
você nasceu, os seus pais, sua família ou os médicos da 
maternidade também não tiveram dúvidas. Tratava-se 
de um meninoou de uma menina. 
No entanto, por trás do que parece tão natural, há 
uma complicada "obra de engenharia". Essa "constru-
ção" precisa ser "bem-executada" desde o primeiro ins-
tante, para que hoje você seja o que é: um homem ou 
uma mulher. Ou, do ponto de vista biológico, um ser 
humano macho ou um ser humano fêmea. 
Alguns "projetos", no entanto. têm pequenos 
erros de cálculo, que podem levar a resultados ines-
perados. Embora esses "erros" sejam raros, algumas 
crianças nascem sem serem totalmente fêmeas ou 
totalmente machos. 
Para ter uma idéia do que é o corpo humano, basta 
saber que somos formados pelo gigantesco número de 
10 trilhões de células, e que todas elas estão interliga-
das. Umas não funcionam sem as outras. Esses grupos 
de células formam os órgãos que nos permitem comer, 
pensar, amar. Enfim, existir. 
No centro de cada uma dessas células estão 23 
pares de corpúsculos, os cromossomos, que contêm os 
genes, responsáveis por nossas características fisicas. 
São os genes, imaginados como um "rosário de contas", 
que vão definir se nossos olhos serão castanhos ou 
azuis, se o cabelo será ondulado ou crespo, se seremos 
altos ou baixos, se calçaremos 38 ou 42. Até mesmo se 
teremos predisposição para sofrer do coração, pulmão 
ou de outras doenças. 
Um par de cromossomos, os cromossomos sexuais, 
é o responsável, ou culpado, dependendo de como se enca-
re a vida, por nascermos homem ou mulher. Na mulher, 
esse par foi batizado de xx, e no homem o par é xy. 
Ao contrário do que ocorre com todas as células do 
corpo, o espermatozóide e o óvulo contêm apenas 23 
cromossomos cada, e não 23 pares, e só sobreviverão se 
puderem juntar-se. O espermatozóide morre horas de-
pois da ejaculação, e o óvulo não-fecundado é expelido 
mensalmente pela menstruação. No óvulo, o cromosso-
mo é sempre x, enquanto os espermatozóides presentes 
na ejaculação podem ter o cromossomo x ou y. 
O encontro desses dois cromossomos, no ato da 
fecundação, é o começo do futuro ser. 
CJUATV() l:""CVUZILliAUAS 
Durante o tempo de gestação, todos nós passamos 
por momentos cruciais de definição biológica. O psicó-
logo clínico norte-americano John Money chama esses 
"momentos", significativamente, de quatro encruzilha-
das1. Para Money, são encruzilhadas porque o ser hu-
1. John Money, psicólogo clínico norte-americano, estudioso e 
pesquisador de intersexos no HospitalJohns Hopkins, Universida-
de de Baltimore, EUA. 
2 
mano poderá seguir o caminho feminino, masculino, ou 
um terceiro, como veremos ao longo deste livro. 
Do ponto de vista da Biologia, o sexo pode ser 
cromossômico, gonadal e genital. Cromossômico é o sexo 
identificado pelos pares xx e xy. Sexo gonadal está 
relacionado com um tipo especial de glândulas, ou 
gônadas, na linguagem científica. Essas glândulas são 
os ovários da futura mulher e os testículos do futuro 
homem. 
Finalmente, sexo genital são os órgãos sexuais visí-
veis. Nos homens, o pênis e a bolsa escrotal. Nas mulhe-
res, a vulva, a vagina e o clitóris. 
Não estamos falando de "sexos" diferentes. Apenas 
lembrando que sexo não é só aquela parte íntima do 
corpo que costuma ficar bem escondida debaixo da 
roupa. O sexo também está dentro do corpo. Mais 
adiante veremos que ele está principalmente na cabeça. 
A fecundação ocorre quando um espermatozóide do 
homem penetra no óvulo da mulher. Esse encontro 
acontece nas trompas, região próxima ao útero. Quando 
o homem ejacula, cerca de 100 milhões de espermato-
zóides se deslocam em "grande velocidade" para as 
trompas e não há qualquer pista sobre "quem" vencerá 
a corrida. 
Se o espermatozóide mais veloz trouxer dentro de si 
um cromossomo x. este, ao juntar-se com o x do cromos-
somo feminino, dará origem a uma menina. Por outro 
lado, se "no campeão" estiver presente o cromossomo y, 
começará a ser gerado um menino. Quem define o sexo 
biológico da futura criança é sempre o pai. 
A fecundação é a primeira encruzilhada pela qual 
passa o desenvolvimento da sexualidade humana, 
embora nesse momento exista apenas uma única 
célula, chamada ovo. 
Quatro dias após a fecundação, o ovo alcança a 
cavidade do útero e já tem, mais ou menos, cem células. 
3 
Ao longo das primeiras semanas, o embrião desenvolve 
os órgãos rudimentares. Nesse momento, ele tem "bro-
tos" tanto da estrutura sexual masculina quanto da 
feminina. 
Esses "brotos" são minúsculas estruturas, uma 
espécie de filamento. Elas foram descobertas por dois 
embriologistas alemães, Caspar Wolff e Johannes Mül-
ler, há dois séculos. 
Wolff descobriu a estrutura que contém a potencia-
lidade para o desenvolvimento sexual de um ser humano 
masculino. A estrutura que leva ao desenvolvimento 
feminino foi descoberta por Müller. São essas estruturas 
que darão origem aos órgãos sexuais internos e externos 
do homem e da mulher. 
Até o final do segundo mês, embora traga dentro de 
si uma combinação de cromossomos que o definirá como 
homem ou mulher, o embrião, do ponto de vista sexual, 
é "neutro". 
A partir da sétima semana de gravidez, o cromosso-
mo y (do par xy) sente uma "irresistível" necessidade de 
ativar a estrutura de Wolff, o lado masculino do embrião. 
Por meio de uma combinação química, ele indica que 
está na hora de serem formados os testículos. 
Os testículos, que após o nascimento descerão para 
a bolsa escrotal do menino, são glândulas especializadas 
na produção de hormônios sexuais e espermatozóides. 
O desenvolvimento dos testículos, ainda no embrião, é 
fundamental para que todo o aparelho sexual masculi-
no, interno e externo, seja adequadamente formado. 
Quando o cromossomo y "liga o motor" da estrutura 
de Wolff, a estrutura de Müller, feminina, se retrai, não 
se desenvolve. Mas continua existindo, não desaparece. 
Todos os homens carregam, até o fim de suas vidas, 
fragmentos da estrutura feminina de Müller. 
4 
Caso esteja em gestação o embrião de uma futura 
menina, "não precisa acontecer nada". Nenhum "motor 
precisa ser ligado". Quando o par é xx: (mulher), a 
estrutura de Wolff fica quieta em seu canto, sem dar 
sinal de vida. 
Nos embriões femininos, a estrutura de Müller leva 
à formação dos ovários. Mas, como no caso anterior, 
também as mulheres vão sempre ter dentro de si "peda-
ços" da velha estrutura masculina de Wolff. 
Biologicamente falando, por mais estranho que isso 
possa soar, é como se a "tendência natural" dos seres 
humanos fosse sempre ser mulher. Isso "só" não acon-
tece porque o cromossomo y do par xy (homem) é "um 
inconformado", e logo que pode desencadeia uma forte 
reação química no embrião para que ele se desenvolva 
como macho. 
Essa é a segW1da encruzilhada da vida. Nesse mo-
mento, os cromossomos não podem bobear. Se eles não 
enviarem "mensagens" corretas, isso causará uma gran-
de complicação nos órgãos sexuais internos e, mais à 
frente, nos externos, como acontece com as crianças que 
nascem com a genitália dúbia ou malformada. 
Quando chega o terceiro mês de gravidez o embrião 
tem que enfrentar a terceira encruzilhada. O desenvolvi-
mento do embrião vai caminhando bem, no conforto do 
útero matemo. Esse clima de tranqüilidade é, na verda-
de, aparente. Todas as partes de seu organismo conti-
nuam em intensa atividade. 
A decisão agora sobre o caminho a ser seguido ficará 
por conta de urna complexa combinação de substâncias 
químicas, os hormônios sexuais, produzidos pelos tes-
tículos no embrião masculino ou pelos ovários no em-
brião feminino. 
Os hormônios sexuais são responsáveis pelo desen-
volvimento dos demais órgãos genitais internos ou ex-
ternos, femininos ou masculinos. Tanto os testículos 
quanto os ovários produzem os mesmos tipos de hormô-
nios, apenas em quantidade e em combinações diferen-
tes, dependendo do sexo. 
Se tudo correr bem, a misturahormonal no embrião 
masculino levará à formação das vesículas seminais, da 
próstata, do epidídimo e dos canais deferentes. Caso 
esteja em gestação um ser do sexo feminino, e se a sua 
mistura hormonal teve dosagem correta, seu desenvol-
vimento será natural, com a formação do útero, das 
trompas e da parede superior da vagina. 
Nem tudo está completo. Os órgãos genitais 
internos já se formaram mas, no quarto mês de 
gravidez, nem mesmo com um exame de ultra-som é 
possível identificar o ser em gestação como um me-
nino ou uma menina. Falta uma parte vital: a geni-
tália externa. Vital porque é nesse órgão que a 
sociedade se baseia para designar o sexo de nasci-
mento: macho ou fêmea. 
Chegou o momento da "moldagem" dos órgãos se-
xuais externos. Chamamos de "moldagem" porque o 
"material" que vai formar o órgão sexual masculino e 
feminino é exatamente o mesmo. Essa é a quarta encru-
zilhada. 
Entre o terceiro e o quarto mês de gravidez, o feto, 
tanto o masculino quanto o feminino, apresenta, na 
região localizada entre as pernas, uma estrutura cha-
mada de tubérculo genital, duas faixas de pele e uma 
pequena protuberãncia de cada lado. 
6 
Se o bebê em gestação for fêmea, o tubérculo genital 
continua pequeno e se transforma no clitóris. As duas 
pregas de pele não se fundem e formam os pequenos 
lábios e a cobertura do clitóris, e as duas protuberân-
cias ficam separadas e formam os grandes lábios. 
Com o mesmo material forma-se a genitália externa 
do bebê macho. O tubérculo genital cresce e dá origem 
ao pênis, as duas pregas de pele se fundem para formar 
a uretra e as duas protuberâncias se fecham, constituin-
do a bolsa escrotal. 
Antes de se declarar a guerra dos sexos com base 
apenas nas diferenças da genitália, é bom lembrar que 
na "construção desses aparelhos" foi utilizada a mesma 
matéria-prima. 
Até agora, da fecundação ao nascimento, parece que 
o nosso piloto automático seguiu à risca, em cada uma 
das quatro encruzilhadas, o plano de vôo, tomando o 
rumo certo. No entanto, embora isso quase nunca acon-
teça, mesmo os melhores mapas de navegação têm 
falhas. 
O hermafrodita é o resultado de uma dessas falhas. 
Ele é um ser que não seguiu um desses dois caminhos, 
normais para quase todas as pessoas. Ele é um inter-
sexo. Logo na primeira encruzilhada a sua combinação 
cromossômica se complicou. Ele não tem o par xy ou xx, 
mas uma mistura desses, numa variação que pode ser 
muito grande. 
Esse problema surgido no ato da fecundação pode 
levar um hermafrodita, na segunda encruzilhada, a 
desenvolver um testículo e um ovário ao mesmo tempo, 
ou um único órgão, chamado ovotéstis, onde estão 
mesclados testiculos e ovário. 
7 
O mesmo vai ocorrer nas outras duas encruzi-
lhadas. quando os õrgãos sexuais internos são mal-
formados, indefinidos e não têm funcionamento 
normal. Isso também ocorre com os genitais exter-
nos. que são dúbios e incompletos. Na realidade, não 
existem hermafroditas com genitais masculino e 
feminino inteiramente formados e conjugados. Isso 
é um mito. 
Essas e outras anomalias são raras e atingem 
apenas uma pequena parcela dos recém-nascidos. 
Nem todos podem ser consideradas verdadeiros her-
mafroditas e apenas um médico poderá fazer um 
diagnóstico correto. 
É preciso fazer uma distinção entre o sexo genital, 
que é aquele com o qual nascemos, e o sexo registrado 
em cartõrio. Para as crianças que nascem com a genitá-
lia normal, o erro no momento do registro não existe. 
No entanto, bebês com algum problema relacionado 
à formação dos órgãos sexuais, às vezes de fácil correção 
pela Medicina, podem ser registrados com o sexo troca-
do, causando a essas futuras pessoas dificuldades imen-
sas. Um casal que tenha um bebê com a genitália dúbia 
deve procurar orientação médica, o quanto antes, retar-
dando o registro de nascimento até que se possa ter 
certeza do sexo da criança. 
A Ciência avança e novos tratamentos surgem para 
corrigir problemas congênitos. Esses fatores biológicos, 
juntamente com outros igualmente importantes, como 
a atitude dos pais, a educação e o meio social, vão influir 
na formação de nossa identidade sexual e no nosso 
comportamento· ao longo da vida. 
8 
Depois da adolescência, tanto um homem como 
uma mulher, que tenham nascido com um corpo nor-
mal de macho ou fêmea, podem, com hormônios ou 
cirurgias, "adquirir" caracteres sexuais secundários do 
sexo oposto. 
O desenrolar de nossa existência não é uma linha 
reta, tenhamos ou não consciência disso, queiramos 
ou não. 
A verdade é que, aos poucos, a decisão sobre o 
caminho a seguir vai passando das mãos da Natureza 
para as nossas próprias mãos. 
1 -ESCALA DO SEXO BIOLÓGICO 
(FENÓTIPO! 
W.CHO INTERSEXOS FÊMEA 
MACHO com caracteres com caracteres FÊttfA seKuols (hermafrodito) sexuais 
secundários secundários 
da FÊMEA de MACHO 
A 1 1 e 1 D 
É possível, através do uso de honnônios e de cirurgia 
plástica, uma pessoa MACHO (A) passar para o seg-
mento B da escala e deste para E, assim como uma 
pessoa FÊMEA (E) passar para o segmento D e deste 
chegar a A. As pessoas de intersexos, dependendo de 
sua estrutura biológica. psicológica e social, podem 
tWito ir de C para A, quanto de C para E. 
Áté agora, falamos de nossa constituição fisica, 
como se estivéssemos diante de uma fotografia. O passo 
seguinte é acompanhar um filme, movimentado, que se 
desenrola dentro de nós. Nesse "filme", vamos acom-
panhar as nossas sensações e "ver" COMO NOS 
SENTIMOS. 
Se nasce um menino, no futuro ele SE SENTIRÁ 
HOMEM. Se nasce menina, SE SENTIRÁ MULHER. 
Óbvio, não? Nem sempre, como veremos ao longo 
desse livro. 
Essa sensação interna de pertencermos ao gênero 
masculino ou feminino, bem como a capacidade de nos 
relacionarmos socialmente, denominada identidade de 
gênero, é muito natural para a grande maioria das 
pessoas. 
O termo identidade de gênero foi criado em 1964 
pelo médico e psicanalista norte-americano Robert Stol-
ler1. Essa sensação interna, para se formar adequada-
1. Robert Stoller, pesquisador norte-americano. Através da investi-
gação psicanalítica, estuda, há quarenta anos, pacientes interse-
xuadosetransexuais. 
11 
mente, precisa passar por muitas fases, onde entram 
fatores biológicos e sociais. 
Um exemplo extremo de inadequação da identida-
de de gênero ao corpo biológico de nascimento são os 
transexuais. Para eles, o corpo "é de um sexo e a alma 
é do outro". 
A sexualidade começa a se definir no ato da fecun-
dação e, desse momento até a hora de nascer, passamos 
por transformações fisiológicas e bioquímicas, que "re-
forçaram" a nossa estrutura masculina ou feminina. 
Durante esse período, se a produção de hormônios 
sexuais ocorreu no momento certo e com a estrutura 
química correta, uma região do cérebro denominada 
hipotálamo recebeu um "banho" de masculinizé:tÇão ou 
de feminilização. 
As células do hipotálamo são muito sensíveis ao 
androgênio ou ao estrogênio, que são hormônios sexuais 
masculinos e femininos, respectivamente. Dependendo 
da quantidade dessas substâncias presentes no hipotá-
lamo, o indivíduo pode ser predisposto a manifestar 
certos padrões de comportamento, caracteristicos de 
homem ou de mulher. 
O hipotálamo é um centro integrador e coordena-
dor das emoções, está conectado com o sistema límbi-
co e outras áreas do cérebro. É essa rede do cérebro 
que regula a vida emocional, modula o desejo sexual 
e comanda o funcionamento das glândulas que produ-
zem os hormônios sexuais. Um "excesso" de atividade 
do hipotálamo não transforma ninguém num grande 
conquistador, pois até aqui estamos falando das nos-
sas sensações. 
O relacionamento com as demais pessoas é regula-
do por outra parte do cérebro, o neocórtex, também 
12 
chamado de "cérebro inteligente". O neocórtexmatiza o 
sentimento amoroso com fantasias, é responsável pela 
sensação erótica, pelos tabus e até pela noção de culpa. 
O prazer que sentimos diante de uma obra de arte, 
ou ao ouvir uma bela música, tem seu ponto de partida 
nessa região cerebral. O neocórtex não funciona auto-
nomamente, sendo atingido e influenciado por fatores 
sócio-culturais. Para alguns pesquisadores. a "força 
biológica", presente em todos nós, faz com que nasçamos 
com "uma intuição" de que pertencemos ao gênero 
masculino ou feminino. 
Os estudos a respeito da influência hormonal 
durante a vida intra-uterina, assim como sobre o papel 
do hipotálamo e do neocórtex, são recentes e não estão 
concluídos. 
O desenvolvimento completo dessa consciência na 
criança só se dará a partir de inúmeros outros fatores, 
como o tratamento recebido da mãe, ou de quem 
estiver em seu lugar, da família e da sociedade na qual 
ela vive. 
Menino ou menina? 
Essa é a pergunta imediata que parentes e vizi-
nhos fazem quando uma mulher tem um bebê. Hoje, 
com o exame de ultra-som, o nascimento perdeu muito 
"de sua surpresa". 
Na maioria dos casos. ao nascer. não há dúvida. é 
um menino ou uma menina. pela simples observação de 
sua genitália externa. Porém, alguns bebês nascem com 
o sexo malformado, duvidoso. 
Uma menina normal mas que tenha um clitóris um 
pouco maior. parecendo um "pintinho". corre o risco de 
ser considerada um menino. Um bebê fêmea nascido de 
13 
9 meses de gestação poderá ter um clitóris de 7 a 10 
milímetros, variando conforme seu peso2 . 
Constatado o sexo da criança, providencia-se o 
registro em cartório. Esse documento público vai confir-
mar, perante a sociedade e para toda a vida, se a pessoa 
pertence ao sexo masculino ou feminino. Não é apenas 
esse documento que vai pesar na formação da identida-
de de gênero masculina ou feminina, pois para isso 
contribuem muitos fatores. 
A partir do momento em que a criança é identificada 
e registrada como menino ou como menina, toda a 
sociedade vai se comportar em relação a ela de uma 
maneira particular e diferente. 
Menina ou menino? 
A mãe que traz nos braços uma menina, ou alguém 
que ela julga ser uma menina, trata a criança de forma 
mais cuidadosa, terna. Não faltam expressões como 
"fofura", "gracinha", "um doce'', seguindo-se enfeites 
como lacinhos no cabelo, fitinhas. 
Se o filho é "homem", o tratamento é um pouco mais 
"duro", segura-se a criança com mais firmeza. Pela casa 
ouvem-se frases como "que menino forte", "como é es-
perto", "puxou o pai". Os enfeites, quando existem, são 
azuis e discretos. Os pais, sem se dar conta, estão 
tentando dizer que homens e mulheres devem ser e se 
comportar de forma diferente. 
Um caso conhecido nos Estados Unidos mostra 
como a atitude dos pais influencia na formação da 
identidade de gênero, mesmo que no caminho inverso 
da constituição biológica da criança. 
2. Pesquisa sobre o tamanho do clitóris em recém-natos fêmeas 
realizada por A. Ltwin, 1. Aitin e P. Merlob na Universidade de Te! 
Aviv, Israel, em" 1990. 
14 
No final da década de 60, uma mulher teve gêmeos 
saudáveis, dois meninos. Como é comum naquele país, 
os bebês passaram por uma circuncisão, popularmente 
conhecida como "operação de fimose". 
Um dos bebês não teve qualquer problema, mas o 
outro, durante a cauterização, teve o pênis ofendido e 
ficou sem o órgão. A equipe do psicólogo John Money 
acompanhou o caso. O que fazer agora? O menino não 
poderia crescer sem pênis e a feitura de um novo órgão 
não seria possível nessa idade. 
Os pais foram consultados e tomaram. em conjunto 
com a equipe de especialistas. uma decisão. O menino 
foi submetido a algumas cirurgias, a bolsa escrotal e os 
testículos foram retirados e, no lugar, moldada uma 
vulva para a saída da uretra. 
Depois disso e da devida preparação psicológica 
da família, a criança teve o seu registro alterado e 
passou a ser criada pelos pais como uma menina. 
Segundo John Money. essa criança, aos cinco anos, já 
tinha desenvolvido a consciência de pertencer ao gê-
nero feminino e se comportava como tal. Quando 
adulta resolveria se "construiria" cirurgicamente um 
canal vaginal ou não. 
Shakespeare usou essa famosa expressão em outro 
contexto, mas "ser ou não ser" também se aplica quando 
falamos da sexualidade humana. E podemos adicionar 
a essa frase a palavra "completamente". 
Por volta dos 2 anos e meio, a criança "já sabe" que 
é um menino ou uma menina e não perde tempo com o 
assunto porque o mundo oferece caminhos muito claros 
para o homem e para a mulher. Na infãncia apenas não 
há amadurecimento neurológico e psicológico para en-
tender e distinguir essa sensação. 
15 
Nos primeiros meses de vida desenvolvemos a cons-
ciência sobre o nosso próprio corpo e vamos criando uma 
"identidade corporal", principalmente sobre os órgãos 
genitais. No bebê, a primeira "noção" de possuir uma 
genitália vem do ato de urinar. 
A genitália masculina é tocada e manuseada sem 
grandes problemas pelos meninos. Ela é visível. e a 
nossa cultura valoriza a sua exibição pelos garotos. 
Em nossa cultura, a genitália da mulher, mesmo 
enquanto criança, é algo proibido, misterioso, intocável. 
Na menina, o que se vê é a vulva, ou seja, os grandes e 
pequenos lábios. O cuidado dos pais é maior, e ela é 
ensinada a não tocar no sexo, a não introduzir nada (até 
para não romper o hímen) e a não exibi-lo. 
Cada parte do nosso corpo tem uma sensibilidade 
própria. Ela não é a mesma na língua, na palma da mão, 
na orelha e nos órgãos sexuais. No entanto, para que a 
criança conheça o seu corpo é preciso tocá-lo, o que 
poderá lhe dar prazer. 
Essas sensações prazerosas, vindas do toque nos 
genitais, não devem ser confundidas com sensações 
eróticas. O menino, mesmo na mais tenra idade, pode 
ter ereção, o que não significa que ele esteja sentindo 
desejo sexual. 
Embora o contato da menina com sua genitália seja 
menor, os homens estão mais propensos a carregar 
dúvidas sobre a identidade genitat.3. Como o relaciona-
mento entre os meninos é mais livre, o efeito comparativo 
das genitálias é mais freqüente. É comum o garotinho 
querer ver o "pipi" do amiguinho para comparar com o seu. 
Reconhecer e sentir a nossa anatomia sexual tem 
grande importância para desenvolvermos a consciência 
de pertencermos ao gênero masculino ou feminino. 
3. O conceito de identidade sexual (consciência que se tem do 
próprio sexo biológico) foi proposto por Charlote Wolff, médica 
alemã, sexólo~e existencialista radicada na Inglaterra. Preferimos 
dar a esse conceito o nome de Identidade genital. 
16 
Quando nascemos temos boca, cordas vocais, ouvidos, 
vias neurológicas, mas não sabemos falar. Da mesma 
forma, nascemos com uma genitália masculina ou femi-
nina, mas "não sabemos SER homem ou mulher". Isso 
precisa ser aprendido a partir de nós mesmos, com 
nossos pais, com a família e com a sociedade. Trata-se 
de um processo longo e a identidade de gênero mas-
culina ou feminina só se evidenciará por completo com 
o surgimento dos caracteres sexuais secundários, na 
fase da adolescência. 
() Nl:UTV() NÁ() l:XISTI: 
Nascemos sozinhos, mas não podemos crescer iso-
lados de outras pessoas. A consciência que temos de 
pertencer ao gênero masculino ou feminino vem do 
comportamento dos pais, dos familiares e da sociedade. 
A isso, soma-se a percepção de nosso próprio corpo. É 
impossível, do ponto de vista social, que alguém cresça 
sem pertencer ao gênero masculino ou feminino. Pes-
soas "neutras", socialmente falando, não existem. 
Nem mesmo os travestis, os transexuais ou os 
hermafroditas são pessoas neutras, uma vez que têm 
"almas" masculinas ou femininas, ou uma combina-
ção das duas. Os sexos podem ser 11. mas as "almas" 
são apenas duas. Não estamos nos referindoaqui ao 
que hoje se diz "meu lado feminino" ou "meu lado 
masculino". Trata-se de uma sensação particular e 
mais profunda que leva ao comportamento social dife-
rente, como veremos na segunda parte deste livro. 
Existem relatos de casos em que uma mãe, desejan-
do muito ter uma filha, ao ter um filho, passa a tratá-lo 
como menina. Esse tipo de atitude pode atrapalhar a 
formação da identidade de gênero da criança. 
Durante muito tempo, como parte da nossa cul-
tura popular, muitas mães, principalmente em situa-
17 
ção de doença ou de aflição, faziam promessas de vestir 
o filho como menina até uma certa idade- o que poderia 
ou não alterar a sua identidade de gênero. 
Os travestis são pessoas com identidade de gênero 
diferente da maioria, pois SENTEM-SE ora homens, ora 
mulheres. Os transexuais, no entanto, têm uma identi-
dade de gênero bem definida, embora em desacordo com 
o seu corpo biológico. 
Até o momento, não se conhece totalmente como se 
dá o desenvolvimento da identidade de gênero e as 
causas de suas alterações. Não há uma regra geral. Uma 
família pode criar adequadamente um menino saudável 
e ele, no entanto, acabar crescendo com UM SENTIMEN-
TO de que É uma mulher, e tudo fará para conseguir 
moldar para si um corpo feminino. Ele é um transexual. 
Existem também relatos de meninos que foram 
criados como meninas, mas, com a explosão hormonal 
da adolescência, afirmaram-se como homens. Cresce-
ram, casaram-se, tiveram filhos, numa trajetória de vida 
absolutamente comum. 
A família é uma referência importante, porque o 
desenvolvimento da identidade sexual também se faz 
pela semelhança e pela diferenciação. Para meninos e 
meninas, a presença dos pais, portanto de um homem 
e de uma mulher. cria a consciência de que existem seres 
iguais e diferentes deles mesmos. Estamos nos referindo 
a uma estrutura familiar convencional, sem discutir se 
esse modelo é válido ou não. 
Mesmo quando a formação familiar é pouco habi-
tual. como no caso de duas lésbicas que criam as 
crianças nascidas de uma ou da outra, o desenvolvimen-
to da identidade de gênero se dá adequadamente. Essas 
crianças sempre terão algum tipo de contato com a figura 
masculirni. seja por meio dos pais, tios ou vizinhos. 
18 
O que é uma família? São pessoas que convivem, 
dividem o mesmo espaço numa casa, têm afinidade por 
parentesco ou não. Fazem parte da família os pais, tios, 
avós, irmãos, a empregada e até amigos que possam 
temporariamente estar morando na mesma casa. Esse 
núcleo familiar é de fundamental importãncia para o 
desenvolvimento da identidade de gênero, pois aí nasce 
e cresce uma criança. Chamaremos esse núcleo de Ma-
triz de Identidade4. 
Mesmo na fase de gestação, o relacionamento da 
mãe e do pai com o bebê que ainda está no útero matemo 
não é igual. A mãe e seu filho são um todo. A criança 
não "está" dentro dela, faz parte dela. Para o pai, o futuro 
filho ou filha existe apenas na sua imaginação. É extre-
mamente dificil para um homem ter uma idéia aproxi-
mada do que sente uma mulher quando está grávida, 
porque esta é uma das poucas experiências exclusivas 
do ser humano feminino. As outras são amamentar, 
menstruar e conceber. 
O relacionamento da mãe com a criança é primor-
dial e obedecerá algumas etapas de desenvolvimento 
psicológico, a partir do desenvolvimento biológico. Para 
o bebê, ele e sua mãe são um todo. É como se o mundo 
tivesse se transformado num imenso útero e continuas-
sem existindo apenas ele e ela. 
Aos poucos, o bebê "percebe" que há "algo dife-
rente". É como se ele pensasse assim: "Eu sou dife-
rente dela, mas somos tão ligados que não nos 
sentimos separados". 
Vamos continuar "dando a palavra" a esse bebê 
que todos nós fomos um dia, para que ele "conte" a 
sua experiência: 
4. O conceito de Matriz de Identidade. proposto por J. L. Moreno, 
refere-se ao lugar onde a criança se insere desde o nascimento. 
Esseconceitofoirevistopelomédicobrasileiro,doutoremPsiquia-
tria pela USP e psicodramatlsta José Fonseca. 
19 
"Aos pouquinhos vou me desligando dela e passo a 
perceber que EU existo em separado de minha mãe. 
Começo a me dar conta do meu corpinho, meu pé, 
minhas mãos, minhas sensações. Ao mesmo tempo, 
noto que ela é outro ser e o corpo dela é diferente do meu. 
Eu sou eu, e ela é ela. 
Mas, que engraçado, só consigo me perceber e 
percebê-la como se eu estivesse "num corredor psicoló-
gico". onde só cabem eu e outra pessoa. Para um entrar 
o outro precisa sair. 
Se o outro é minha mãe, sou eu e ela. Se o outro é 
meu pai, sou eu e ele. Eu sei, é um pouco esquisito 
mesmo. Acho que é assim para todo mundo. Nesse 
"corredor" estranho não cabe um terceiro. 
Também não foi fácil. mas, de tanto olhar, começo 
a me dar conta de que existe um corpo macho e um 
corpo fêmea. E um dos dois é igual ao meu. Cheguei 
a essa conclusão pela maneira como me tratam e como 
os dois, meu pai e minha mãe, se comportam. Tudo 
isso foi possível porque tenho tempo de sobra. Não 
posso fazer muita coisa fora do berço, fico o tempo todo 
olhando, olhando". 
O tempo passou um pouco, o engatinhar e o esfolar 
dos joelhos ficou para trás. O bebê agora é uma criança, 
que há algumas semanas apagou duas velinhas no bolo 
de aniversário. Vamos deixá-la falar: 
"Agora as coisas estão mais fáceis. Posso andar pela 
casa, embora viva batendo a cabeça nas coisas. A mesa 
parece que está tão longe, dou um passo e pimba. Um 
galo. Tenho um bonequinha e às vezes finjo que sou a 
mãe dela, do mesmo jeito que minha mãe faz comigo. 
Alguma coisa dentro de mim diz que sou uma 
menina, mas eu não sei bem dizer que coisa é essa. Os 
psicólogos devem saber, pois vivem estudando as pes-
soas por dentro. Tenho a impressão de que os garotos 
não sentem a mesma coisa. São tão diferentes de mim. 
Acho que também sentem alguma coisa de meninos. 
20 
Quando nasci, me lembro bem, trouxe duas coisas 
dentro de mim: a possibilidade de ser espontânea e de 
ser criativa. E uma coisa com nome estranho, "tele" 
(como se usa na palavra televisão), que é a capacidade 
de perceber as pessoas. Quando meu pai olha feio para 
mim, ele não precisa dizer nada. Já entendi tudo! Faço 
bico de choro, fico quieta, e ele tira a carranca do rosto. 
Dizem que isso entre nós dois é uma tal de relação 
télica." 
Vamos voltar ao trabalho, nossa amiguinha tem 
mais o que fazer. De acordo com as psicólogas gaúchas 
Bebeth Fassa e Marta Echenique5 , o relacionamento 
principalmente da mãe mas também do pai é diferente 
se estão criando um menino ou uma menina. E esse 
comportamento, por vezes é consciente, ou intuitivo e 
inconsciente. 
Quando se trata de um menino, embora ele se 
sinta fundido à mãe, ela, aos poucos, procura afastá-
lo. Ela teme, inconscientemente, um sentimento in-
cestuoso ou que ele cresça como mulher. Isso não é 
rejeição. Apenas a mãe deseja que seu filho desenvolva 
a sensação de que pertence ao gênero masculino. Com 
isso o garoto começará a se sentir macho (no corpo) e 
masculino (na mente). 
Quando a mãe tem uma filha, os sentimentos são 
outros. Ela a manterá por mais tempo perto de si, pois 
são criaturas iguais. É como se uma filha "mulher" fosse 
uma continuação de si mesma. A situação se inverte 
naturalmente com o pai e seu filho ou filha. 
Por volta dos 2 anos e meio, a criança já possui uma 
identidade genital. Ela "sabe" que tem pênis e bolsa 
escrotal, ou vulva, vagina e clitóris. SENTEM-SE MENI-
5.As psicológase psicodramatistas Bebeth Fassa e Marta Echeni-
que estudaram o desenvolvimento do ser humano levando em 
conta o gênero a que pertence a criança, sua relação com os pais, 
e tendo como foco o "papel de gênero", em seu livro Poder e Amor. 
21 
NOS OU MENINAS. Sua identidade de gênero está sela-
da e será imutável para toda a vida. 
Quem somos,afinal? 
A resposta a essa pergunta poderá ser mais fácil ou 
mais dificil, dependendo de como vivemos cada uma das 
diversas fases, sem esquecer que muitas acontecem ao 
mesmo tempo. 
Pessoas que cresceram em ambientes sadios, com 
liberdade e podendo exercer toda a sua espontaneida-
de e criatividade, talvez respondam com mais rapidez 
e segurança. 
Crescem a violência urbana e a incerteza econômi-
ca, enquanto os meios de comunicação despersonalizam 
culturas e embotam os sentimentos. Num país como o 
Brasíl, onde nem mesmo as necessidades básicas de 
sobrevivência são atendidas, é quase um "luxo" esperar 
que a grande maioria das pessoas possa crescer de 
maneira criativa e espontânea. 
22 
li ·ESCALA DE IDENTIDADE DE GÊNERO 
(SENTIR·SE COMO) 
HOMEM t.ULHER 
HOMEM um pouco mulher 
HOMEM 
E 
MULHER 
um pouco 
homem MULHER 
A e D 
Segundo os estudiosos, por volta dos 2 anos e meio esta 
identidade é estabelecida e depois é imutável, ou seja, 
não se mudará mais de A para C ou E. Até essa idade 
é possível educar-se alguém para sentir-se em A ou E, 
independentemente de seu sexo biológico. 
3 
~abemos quem somos, mas por que nos comporta-
mos desta ou daquela maneira? 
Mais uma vez tudo parece muito natural. A menos 
que alguma coisa não vá bem. 
Quando falamos em identidade de gênero, nos refe-
rimos às sensações internas, que estão dentro de cada 
um de nós. Essas sensações podem vir para fora ou não. 
SENTIMOS pertencer ao gênero masculino ou feminino, 
que SOMOS homens ou mulheres. 
Papel de gênero nada mais é que o nosso compor-
tamento frente às demais pessoas e à sociedade como 
um todo. Nesse caso, temos "uma maneira de ser" 
masculina ou feminina. É preciso haver uma perfeita 
sintonia entre o que sentimos e nossa maneira de agir. 
Do contrário, surgirá um conflito entre a nossa identi-
dade de gênero e o papel que desempenhamos. 
"O papel é a forma de funcionamento que o indivi-
duo assume num momento específico, ou quando reage 
a uma situação especifica, na qual outras pessoas ou 
23 
objetos estão envolvidos" 1. Ao longo de apenas um dia 
podemos desempenhar o papel de pai, em casa, de 
funcionário, no escritório, e de esportista, à noite. 
Somos sempre a mesma pessoa. No entanto, a 
maneira como nos comportamos com os demais não é a 
mesma, dependendo da situação, embora essas formas 
de comportamento tenham a nossa marca particular. 
Como definição de papel, podemos afirmar que se 
trata da "unidade de conduta que se dá entre duas ou 
mais pessoas, o que é observável e resultante de elemen-
tos constitutivos da singularidade do agente e de sua 
inserção na vida social". 
() VAVl:L ()4, MI: 
Os nossos primeiros papéis têm sua origem na 
família, como vimos no capítulo anterior. O meio em que 
nascemos, somos criados e nos desenvolvemos será a 
base psicológica para o desempenho de todos os papéis. 
Nos primeiros meses de vida, o bebê tem apenas 
esboços de papéis. Esses papéis estão relacionados com 
as suas necessidades fisiológicas, como se alimentar, 
urinar, defecar. Para atender suas necessidades existe 
a mãe, ou a substituta, que lhe dá amor e carinho, 
ajudando-o a desenvolver-se. 
O atendimento a essas necessidades pela mãe é de 
fundamental importância. Cada cultura e cada socieda-
de deixam claro como devem se comportar as mães 
nesses casos e até mesmo as diferentes formas de ama-
mentar ou trocar um menino ou uma menina. 
1. O termo "papel", proposto por J. L. Moreno, em inglês role, vem 
do latim rotula. Isso porque na Grêcia antiga, para as apresenta-
ções teatrais, o texto era lido em "rolos" de papel. Moreno iniciou o 
desenvolvimento desse conceito, que pressupõe inter-relação e ação 
em todas as dimensões da vida, como o nascimento, a experiência 
vivenciaqa do individuo e a sua participação na sociedade. 
24 
Que normas são essas das quais ninguém fala, e 
que diferenças existem no tratamento da menina e do 
menino? 
São "regras" sobre as quais pouco pensamos porque 
estão incorporadas em nosso dia-a-dia. Esse tratamento 
"diferente" para meninos e meninas está nos gestos da 
mãe, na maneira de pegar a criança no colo, de dar o 
seio ou a mamadeira. e tantos outros. 
A higiene dos genitais do bebê, que é feita pela mãe, 
tem muita importãncia para o desenvolvimento da iden-
tidade genital (a sensação de que se tem pênis ou 
vagina), da identidade de gênero (se sente pertencer ao 
gênero masculino ou feminino) e para a formação do 
papel de gênero, ou seja. se esse bebê, no futuro, terá 
um desempenho social masculino ou feminino. 
Isso acontece porque é no órgão genital do menino 
ou da menina que vai desembocar a uretra. canal por 
onde passa a urina. Dessa maneira, todas as vezes que 
a mãe faz a higiene da criança, ela está lhe dando a 
consciência da genitália que possui. A atitude do adulto 
diante dos órgãos sexuais difere dependendo do que 
"sentem" e "pensam" sobre eles. 
A mãe, ao amamentar. faz isso com sentimentos e 
emoções. O bebê, por sua vez, ao ser alimentado, não 
apenas ingere o leite, mas percebe o que há de mais 
profundo no ato realizado pela mãe. 
Quando esse ato está envolvido de muito amor, não 
é por acaso que as mães procuram, intuitivamente, os 
locais mais calmos e silenciosos para amamentar. Nesse 
momento, o bebê está recebendo e "reagindo". a seu 
modo, ao carinho materno. Essa "reação" do bebê às 
emoções da mãe também acontece na hora do banho ou 
da fralda limpinha. 
25 
Aos poucos, a criança aprende a falar. Seus movi-
mentos tornam-se coordenados e ela reage diante de 
situações novas. Na medida em que ela percebe o que se 
passa entre as outras pessoas e a diferenciar a realidade 
da fantasia, começa a desenvolver-se o que chamamos 
de papéis sociais de gênero. 
"A função de realidade lhe é imposta por outras 
pessoas, suas relações, coisas e distâncias nos espa-
ços, e atos e distâncias no tempo"2 . Assim, a criança 
aprende como deve se relacionar com seu corpo e 
também que atitude deverá tomar em cada papel que 
estiver desempenhando. 
Nos papéis sociais de gênero, entra em operação a 
função de realidade. A criança tem consciência de que é 
filho, sobrinho, neto. De que tem pais, avós, família, 
coleguinhas de rua ou de creche. A partir do momento 
em que a criança sabe o que é realidade, conquista os 
chamados papéis de fantasia. 
Esses papéis correspondem à dimensão mais indi-
vidual da vida psíquica ou psicológica do ser humano. 
Esse é o momento em que a criança "viaja" com seus 
brinquedos, finge ser o herói da 1V ou personagem de 
sua própria criação, com a consciência de que tudo isso 
é fantasia, é de brincadeira. 
Por volta dos 2 anos e meio, a criança já desenvol-
veu, em situações de crescimento normal, uma identi-
dade de gênero Uá "sabe" que é um menino ou uma 
menina). Isso lhe permite relacionar-se com as pessoas 
e até mesmo assumir outros papéis. Nessa fase, a me-
nina já pode dizer "sou a mamãe" enquanto acaricia uma 
boneca. 
2. Refere-se ao desenvolvimento da Matriz de Identidade, na fase 
denominada por Moreno de "brecha entre fantasia e realidade". 
26 
Na verdade, todos os papéis são complementares. 
Um não existe sem o outro. O modo de ser. a identi-
dade de um indivíduo, decorre dos papéis que ele vai 
desenvolvendo ao longo de sua existência e de suas 
experiências. Não existe o papel do senhor se não 
existir o do servo, nem o do chefe sem o do funcionário. 
As contradições. crises e transformações nas relações 
humanas através dos papéis de gênero fazem parte do 
desenvolvimento de cada um de nós. 
Quando a criança Mpercebe o mundo" não apenas 
pelos olhos. pelos ouvidos e os outros órgãos dos senti-
dos, ela começa a distinguir objetos materiais de seres 
humanos. Aos poucos. o fator inato chamado tele3 vai 
se desenvolvendo.Esse fator faz com que percebamos a 
outra pessoa, ao mesmo tempo que somos e nos senti-
mos percebidos. 
Por volta dos seis meses, a criança já é capaz de 
reconhecer um sorriso num rosto humano e "correspon-
der" sorrindo. Esse sorriso do bebê também é percebido 
pelas outras pessoas que estão a sua volta. Isso é 
possível graças ao fator tele. O encontro télico sugere que 
as pessoas são capazes de colocar-se uma no lugar da 
outra, realizando a inversão de papéis. 
Existe algo entre as pessoas que a maioria das 
teorias psicológicas não aborda, que é a relação co-in-
3. Fator Tele: J. L. Moreno afinna que todos os seres nascem com a 
potencialidade de perceber o mundo, o que vai se desenvolvendo 
desde os primeiros meses e se aprimorando ao longo da vida. É a 
capacidade de perceber a si próprio (autotele). perceber o outro de 
forma objetiva. e sentir-se percebido. numa comunicação de mão 
dupla. O fator tele é um dos pontos principais da teoria desenvol-
vida por Moreno. 
27 
consciente4. Essa relação ocorre quando alguma coisa 
de mim passa para o outro sem que eu mesmo saiba. 
Como há uma relação co-inconsciente entre todas 
as pessoas, a mãe pode ter um desejo ou uma fantasia 
inconsciente em relação ao bebê. Isso, de alguma 
forma, será captado por ele e ficará registrado em seu 
inconsciente. 
Oco-inconsciente pode ser grupal, como na comu-
nicação entre as pessoas que estão juntas, convivendo 
em família. O melhor exemplo que se pode dar é o sexto 
sentido da mãe. Ela, de repente, diz que está acontecen-
do alguma coisa com o seu filho, distante, e o fato se 
confirma. 
Mãe e filho têm um relacionamento muito próximo. 
Essa proximidade desenvolve muito a relação co-incons-
ciente. Isso também acontece com o pai, que muitas 
vezes tem uma relação com seus filhos tão próxima 
quando a da mãe. 
() UISVÃ.12() ()() l21':LÍ)C31() 
O início do desempenho do papel de gênero, ou 
nosso comportamento social, se dá no momento em que 
nos percebemos enquanto menino ou menina. É a fase 
em que o menino tem consciência do seu pênis, passan-
do a ter uma identidade genital, e percebe que pertence 
ao gênero masculino. A menina vive o mesmo processo, 
e os dois passarão a ter comportamentos masculino e 
feminino, respectivamente. 
O desenvolvimento desse papel de gênero precisa 
ser o mais livre possível, e é de suma importância, por 
4. Co-inconsciente: Para Moreno, esse estado pressupõe a relação 
entre duas ou mais pessoas, vivências, desejos, sentimentos e até 
fantasias que são comuns e se dão em "estado inconsciente". Esse 
estado se daria concomitantemente aos "estados co-conscientes" 
de comunicação entre as pessoas. 
28 
ser o papel-base. Ele servirá de eixo para o desenvolvi-
mento de todos os outros papéis de gênero, inclusive o 
do papel afetivo-sexual. 
Na infância, esse desenvolvimento é muito lento. 
Primeiro, a criança se relaciona com a mãe e com o pai, 
depois com os demais familiares, com a escola, com a 
sociedade. A cada momento os seus papéis de gênero 
vão sendo confirmados. 
Quando chega a adolescência, que muitos chamam 
de "aborrescência", o processo "explode" e se torna acele-
rado. Então, rapidamente, em dois ou três anos, aquela 
criança, que tinha um papel de gênero tranqüilo, pode ficar 
muito perturbada com a eclosão dos hormônios. 
Surgem os caracteres sexuais secundários, como 
barba nos rapazes e seios e menstruação nas moças, 
além do timbre de voz diferenciado. Também os carac-
teres sexuais primários, os genitais externos, se trans-
formam. 
O pênis e a bolsa escrotal se desenvolvem, a vulva 
toma outra conformação, e é como se aquele corpinho, 
que até então era igual para os dois sexos, com exceção 
da genitália, passasse a ter uma outra moldura biológi-
ca. No entanto, só será possível ser um homem ou uma 
mulher, com os papéis de gênero bem desenvolvidos, na 
idade adulta. 
C()MVLl:TANU() () Ul:Sl:Nt1() 
Em que momento podemos ter certeza sobre quem 
somos? 
Essa pergunta crucial para muitos de nós só pode 
ser respondida se a nossa identidade de gênero e nossos 
papéis de gênero foram completamente desenvolvidos, 
de tal maneira que exista uma total sintonia entre o que 
sentimos e a maneira como exteriorizamos esses senti-
mentos, por meio do comportamento e das atitudes. 
29 
Existem alguns aspectos, a maioria de ordem cul-
tural, que podem definir o papel de gênero masculino e 
o papel de gênero feminino. As diferenças entre as 
genitálias externas masculina e feminina e entre os 
caracteres sexuais secundários que surgem na adoles-
cência são evidentes e não necessitam ser comentadas. 
Outro aspecto é a saúde do corpo, a aparência fisica, 
a semelhança existente entre homens e mulheres muito 
magros ou obesos. Os homens e as mulheres saudáveis 
têm condições de mostrar mais claramente a sua mas-
culinidade ou a sua feminilidade. 
Os cuidados com o corpo que os meninos e as 
meninas aprendem a ter são completamente diferentes. 
A menina aprende a escovar o cabelo, desde cedo usa 
xampu e outros cremes, passa esmalte nas unhas. 
começa a se embelezar. O menino limita os cuidados com 
o corpo à higiene. 
Na medida em que ocorre o desenvolvimento da 
sociedade, a transmissão desses papéis vai se tomando 
mais elástica e, felizmente, menos rígida. As pessoas aos 
poucos se dão conta de que não é um creme para a pele 
que o garoto usa, benéfico para a saúde, que vai, no 
futuro, tomá-lo menos homem. Muitas dessas mudan-
ças devem-se ao movimento feminista que começou nos 
Estados Unidos na década de 60 e chegou ao Brasil na 
década de 70. 
A postura do corpo, a gesticulação, tudo isso é 
"ensinado" muito cedo. A criança aprende muito pela 
imitação do comportamento dos pais. Assim, a menina 
aprende que não deve sentar de pernas abertas, não 
pode mostrar a calcinha. O menino é "treinado" de outra 
forma, e não há tanta preocupação com seus modos. 
limitando-se ao que se entende por boa educação. 
Como podemos ver, todos esses aspectos são rela-
tivos a como um homem e uma mulher lidam com o seu 
corpo e o seu psiquismo e corno se comportam em nossa 
sociedade. Isso vale para o modo de falar, a abordagem 
dos assuntos, o tipo de roupa e até o uso dos enfeites. 
30 
O homem não deve chorar, não deve exteriorizar 
muitos de seus sentimentos, porque isso seria uma 
característica feminina. A mulher, por sua vez, não pode 
demonstrar força nem determinação, pois isso é próprio 
do comportamento "masculino". Essa situação acaba 
criando dois seres pela metade. Hoje, a mulher já pode 
mostrar a sua força, mas o homem ainda não conquistou 
o direito de expor a sua fragilidade. E menos ainda de 
expor suas fraquezas. 
Nem sempre os papéis de gênero assumidos pelo 
individuo estão em consonância com os seus atributos 
fisicos. Um caso muito conhecido é o da modelo Roberta 
Close, que nasceu biologicamente homem mas desen-
volveu papéis de gênero totalmente femininos. Se não 
conhecêssemos a sua história, diríamos sempre tratar-
se de uma mulher, e não de um homem. 
O desempenho dos papéis de gênero são estabele-
cidos pela sociedade. Existe, nessa sociedade, sempre 
uma linha mais ou menos comum a todos os homens e 
mulheres, em termos de comportamento. As diferenças 
vão acontecer de cultura para cultura, ou de época para 
época. 
No mundo, a maior parte das relações entre as 
pessoas é de gênero e pouco envolve a sexualidade 
propriamente dita. Se considerarmos a grande quanti-
dade de papéis que assumimos, o lado sexual só vai se 
manifestar com uma pessoa que amamos ou desejamos. 
No entanto, nossa cultura tende a erotizar muitas 
dessas relações. É fácil hoje ver anúncios dos mais 
diferentes produtos, de cigarros a peças para automó-
veis, relacionados com situações em que estão envolvi-
dos o sexo e "um convite ao prazer".É também comum ouvir que é impossível a amizade 
entre um homem e uma mulher, porque nessa relação 
estaria sempre presente uma segunda intenção de cará-
ter sexual. Isso não é verdade e, se ocorre na cabeça 
dessas pessoas, é porque está havendo uma mistura de 
31 
papéis: o papel de amigo (de gênero) e o papel afetivo-se-
xual (relacionado ao sexo). 
É evidente que duas pessoas amigas podem fazer 
amor ou até se apaixonar, mas, nesse caso, estarão 
assumindo um novo papel. Esse amor pode, e até deve, 
conter a amizade, mas essas duas pessoas não estarão 
mais desempenhando o papel de amigos. 
32 
llASCUUNO 
A 
Ili ·ESCALA DE PAPÉIS DE GÊNERO 
(PAPEL SOCIAL! 
Afeminado 
MASCUUOO 
E 
FEMINIOO 
e 
FEMININO 
Masculinizado fEMNN() 
D 
Nesta escala, as pessoas podem ir e vir, independente-
mente do seu sexo biológico e de sua identidade de 
gênero. Os papéis de gênero podem ser treinados e 
desenvolvidos. Os atores proftssionais mostram, atra-
vés de sua arte, esta possibilidade. Os transexuais 
masculinos podem ir de A, passar por B, C, e adaptar-se 
em E. O mesmo pode ocorrer com as transexuais 
jemininas, no sentido inverso da escala. Algumas pes-
soas. como por exemplo os travestis, podem passar 
parte do dia em A e outra em E. independentemente do 
sexo biológico. 
~ós podemos definir orientação afetivo-sexual 
como a sensação interna de que temos a capacidade 
para nos relacionarmos amorosa ou sexualmente com 
alguém. Ela é parte da identidade sexual, algo que 
pertence ao nosso mundo interno, ou ao psicológico. 
O termo "orientação sexual" é mundialmente usado 
para designar se esse relacionamento vai se dar com 
alguém do sexo oposto, do mesmo sexo, ou com pessoas 
de ambos os sexos. Preferimos acrescentar ao termo a 
palavra "afetivo" para deixar claro que esse relaciona-
mento não é só de ordem sexual, mas também envolve 
o amor e o afeto. E os afetos podem ser de natureza 
positiva ou negativa. E também porque nem sempre 
afeto e sexo caminham de mãos dadas. 
A orientação afetivo-sexual está vinculada aos sen-
timentos que existem dentro de todos nós em relação a 
outra pessoa. Entre esses sentimentos estão o desejo e 
o prazer sexual, as sensações do orgasmo, as fantasias 
sexuais, os sonhos eróticos, o amor e a paixão. 
Esses sentimentos têm seus contrários, como o 
ódio, a repulsa, a frieza, a indiferença e todas as outras 
33 
emoções que perpassam as relações humanas. Também 
pode ser acrescentado à orientação qfetivo-sexual o sen-
timento de se ter a capacidade da reprodução. Uma 
pessoa pode ser fértil, mas carregar a sensação de que 
não pode procriar, e muitas vezes ocorre a situação 
exatamente inversa. 
Não se trata, como vimos em capítulos anteriores, 
da sensação interna de que pertencemos ao gênero 
masculino ou feminino e nem mesmo se o nosso com-
portamento, nas diversas atividades da vida, é masculi-
no ou feminino. Estamos falando agora de uma questão 
tão específica quanto importante, que é a capacidade de 
escolher a pessoa que vamos amar ou com quem teremos 
um relacionamento sexual. 
As atuais pesquisas científicas consideram que a 
orientação afetivo-sexual é construída, psicologicamen-
te, na primeira infância, até os quatro ou cinco anos de 
idade. No entanto, somente na adolescência passamos 
a ter consciência desses sentimentos, que se confirmam 
ou não na idade adulta. 
Quem não se lembra de suas grandes paixões de 
adolescente, muitas impossíveis, "amenizadas" com 
memoráveis bebedeiras? Relembradas anos depois 
com os olhos da realidade parecem não ter significa-
do algum. 
O tempo é sábio e tudo acontece na hora certa. Com 
o despertar do desejo sexual na adolescência, a partir 
da explosão hormonal própria da idade, começamos a 
ter consciência de que nossos sentimentos amorosos e 
emoções dirigem-se para alguém do sexo oposto, para 
alguém do mesmo sexo ou para pessoas de ambos os 
sexos. Essa consciência nos revela como heterossexual, 
homossexual ou bissexual, o que poderá ou não ser 
confirmado mais tarde. 
34 
Anteriormente, ainda na infância, todos os senti-
mentos, considerados prévios ou primários à orientação 
afetivo-sexual, são indefinidos ou discretos, e dos quais, 
nessa fase, temos pouca consciência. Não é dificil encon-
trar casos de crianças, principalmente meninos, que se 
"apaixonam" por uma babá ou uma prima de mais idade. 
Mas, nessa "paixão", está ausente o componente erótico 
e, conseqüentemente, o desejo sexual. 
Na infância, desde os 4 ou 5 anos até a adolescência, 
é como se nós passássemos por um período de latência 
em relação a esses sentimentos. Na realidade, esses 
sentimentos ainda não emergiram. 
Na adolescência eclodem os hormônios sexuais, 
disparados pelo relógio biológico, o que pode ocorrer, 
conforme a pessoa, aos 1 O, 11, 12 anos ou até mais tarde 
um pouco. A explosão desses hormônios faz surgir os 
caracteres sexuais secundários. 
A orientação afetivo-sexual pode ser básica ou cir-
cunstancial. Uma pessoa pode ser basicamente heteros-
sexual, ou basicamente homossexual, mas somente na 
idade adulta terá essa certeza. No período da adolescên-
cia, quando essa revelação acontece, a própria pessoa 
pode não ter muito claro qual é, afinal, a sua orientação. 
Mesmo na idade adulta, essa orientação pode ser 
temporária, dependendo das circunstâncias da vida. Em 
ambientes onde ficam confinadas por longo tempo pes-
soas do mesmo sexo, como presídios, um indivíduo 
poderá ter um sentimento ou um comportamento hete-
rossexual ou homossexual, retornando a sua orientação 
básica assim que a situação de vida se modifique. A bem 
da verdade, todos nós podemos "ser" heterossexuais ou 
"estar" heterossexuais, "ser" homossexuais ou "estar" 
homossexuais. 
35 
O mundo, em meados do século passado, foi dividi-
do pela Medicina em pessoas heterossexuais e homos-
sexuais. A partir de 18691, momento em que a 
homossexualidade, corno comportamento, ganha esse 
nome, essa orientação afetivo-sexual entra para a Medi-
cina como algo patológico ou doentio. 
Os sentimentos e os comportamentos heterosse-
xuais e homossexuais, no entanto, são tão velhos quanto 
o mundo. Desde que o homem existe, esses sentimentos 
estão presentes, sempre aconteceram em todas as socie-
dades e em todas as culturas, independentemente de 
serem primitivas ou avançadas. 
O fato é que até a metade do século passado não 
havia uma preocupação em considerar a homossexua-
lidade como doença. Desde então, os homens passa-
ram a ser categorizados como sendo normais os 
heterossexuais e patológicos os homossexuais. Dessa 
forma, a Medicina, a Genética, a Sociologia, a Antro-
pologia passaram a estudar a orientação afetivo-sexual 
dos homossexuais. 
Na medida em que a grande maioria das pessoas 
tem uma orientação heterossexual, perto de 90% da 
população, isso foi considerado como o normal, e a 
homossexualidade, como o desvio. Essa visão levou as 
pesquisas a sempre se dirigir para a busca das "causas" 
da orientação afetivo-sexual homossexual. A Ciência pa-
rece ter-se esquecido de perguntar quais são os mecanis-
mos que levam uma pessoa a ser heterossexual. 
1. Até 1869 a relação afetivo-sexual entre homens era objeto de 
estudo do campo da F!losofla. da Religião e do Direito. Naquele ano, 
quando o II Reich germãnico havia introduzido essa forma de 
sexualidade no código penal como sendo passivei de pena de morte, 
o médico húngaro Karoly Benkert passou a denominares se com-
portamento como "homossexual" e a defini-lo como de natureza 
congênita. Com Isso, a homossexualidade deixou de ser crime e 
começou a serestudada pela Medicina como "uma doença mental 
a ser tratada". 
36 Ronaldo Pamplona da Costa 
Existem muitas teorias psicológicas sobre como se 
dá a construção da orientação afetivo-sexual, o que querdizer que nenhuma delas é definitiva. As teorias desen-
volvidas por Freud no ínicio do século procuram explicar 
a orientação afetivo-sexual como sendo algo que se 
estabelece a partir do relacionamento da criança com os 
pais, nos primeiros anos de vida. 
De acordo com Freud, nesse estágio de desenvolvi-
mento, a criança experimentaria sentimentos incons-
cientes de "desejo sexual" em relação a um dos pais, 
juntamente com sentimentos de "rivalidade", também 
inconscientes, para com o outro, e vice-versa. 
Para o médico-psiquiatra e psicodramatistaJosé Fon-
seca, a criança, após manter uma relação apenas e exclu-
sivamente com a mãe, ou só com o pai, se dá conta de que 
os dois, pai e mãe, têm um relacionamento entre si. 
Nesse momento, de acordo com Fonseca, que faz 
uma releitura do desenvolvimento da Matriz de Identi-
dade ou núcleo familiar proposta por Moreno, a criança 
entra na chamada "crise da triangulação", podendo 
sentir-se rejeitada ou não, dependendo de como se dá a 
intercomunicação entre os três. 
A resolução dessa crise pode ser a criança aceitar 
que ela não é o centro do mundo, que as outras pessoas 
têm relacionamentos entre si, independentemente dela, 
o que não significa que ela receberá menos afeto por isso. 
Superada essa crise, ela estará pronta para relacionar-se 
com as demais pessoas, entrando na fase da socialização. 
Tudo isso acontece com a criança de forma incons-
ciente, e por volta dos 5 ou 6 anos ela já pode ter 
resolvido essa crise. Nessa fase, a criança tem como 
primeiro modelo o relacionamento entre um casal, ge-
ralmente heterossexual. E esse primeiro modelo poderá 
servir como ponto de partida para seus relacionamentos 
afetivos e sexuais no futuro. 
Os Onze Sexos 37 
Acreditamos que, do ponto de vista psicológico, 
o primeiro passo para a construção da orientação 
afetivo-sexual é a definição da identidade de gênero. 
Antes de "sabermos" para quem dirigiremos nossos 
afetos e nossas emoções de cunho sexual, nós preci-
samos saber se somos uma pessoa do gênero mascu-
lino ou do gênero feminino. 
Esse é o primeiro passo, mas não o determinante. 
O segundo passo importante para a orientação afeti-
vo-sexual é a resolução da crise da fase da triangula-
ção, a partir do relacionamento da criança com o pai 
e com a mãe. 
O fato é que as teorias psicológicas não explicam, 
para a Ciência, como um todo, o modo como isso acon-
tece. Os cientistas que desenvolvem seu trabalho de 
pesquisa sob um ponto de vista mais biológico ou social 
não aceitam que só isso explique a construção da orien-
tação afetivo-sexual. 
Nos últimos tempos, cientistas especializados em 
Biologia e Genética desenvolveram estudos que pudes-
sem indicar uma predisposição inata para a homosse-
xualidade, mas nenhuma dessas teorias conseguiu ser 
conclusiva para explicar como se determina a orientação 
afetivo-sexual. 
Em agosto de 1991, o pesquisador norte-americano 
Simon LeVay publicou um importante artigo na revista 
Science. Nesse trabalho, o pesquisador mostra as dife-
renças de tamanho de um determinado grupo de células 
que pode ser encontrado no hipotálamo, a região do 
cérebro responsável pela elaboração das emoções e dos 
sentimentos eróticos. 
Com base nesses estudos preliminares, Simon Le-
Vay passou a estudar esse grupo de células cerebrais 
obtidas de autópsias de três grupos de indivíduos. Ao 
38 
todo, foram realizadas 41 autópsias de pacientes faleci-
dos em decorrência da Aids, dentre os quais estavam 
mulheres, e homens homo e heterossexuais. 
O pesquisador concluiu que essas células estuda-
das eram de tamanho menor nos homossexuais se 
comparadas com as obtidas das mulheres e dos homens 
heterossexuais, o que indicaria alguma relação entre a 
conformação celular do hipotálamo e a orientação afeti-
vo-sexual. 
Nessa pesquisa publicada por LeVay, ele não havia 
obtido material de mulheres lésbicas e também não 
descarta alguma implicação da "causa mortis" relacio-
nada com a Aids no tamanho das células. 
Richard Pillard, professor de Psiquiatria da Uni-
versidade de Boston, nos Estados Unidos, desenvolveu 
um estudo com gêmeos idênticos (univitelinos). com-
parando-os com os não-idênticos (bivitelinos). Ele 
mostrou que existe uma incidência maior de homos-
sexualidade nos dois univitelinos, mesmo que criados 
por famílias diferentes, do que no caso dos gêmeos 
não-idênticos. Isso faz pensar que poderia existir algo 
de genético determinando a orientação afetivo-sexual 
das pessoas, uma vez que os gêmeos idênticos têm a 
mesma configuração genética. 
Em julho de 1993 a revista Scíence publicou um 
artigo sobre uma pesquisa que estava sendo desenvol-
vida pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados 
Unidos, sob a coordenação do professor Dean Hamer. 
Hamer selecionou 76 homens homossexuais, e pas-
sou a estudar seus familiares paternos e maternos. O 
resultado do estudo mostrou que entre os familiares 
paternos do pesquisado havia a incidência de 2% de 
pessoas homossexuais, índice que crescia para 7,5% 
quando se tratava do lado materno. 
Isso levantou a hipótese de que a homossexualidade 
estaria vinculada a um fator genético do lado materno, 
mais diretamente relacionado com o cromossomo x. 
39 
A equipe de Hamer também selecionou, posterior-
mente, 40 pares de irmãos homossexuais, que não 
tinham características semelhantes. Dentre essas 40 
duplas, 33 delas, ou seja. 82,5%. tinham a mesma 
seqüência de DNA (a substância dos genes) em uma 
parte específica do cromossomo x da mãe. 
A partir desses dados ele levantou uma hipótese, a 
ser confirmada, de que alguns homossexuais apresen-
tariam uma predisposição genética para ter essa orien-
tação. O estudo de mulheres lésbicas não mostra os 
mesmos resultados e ainda não foi concluído. 
Dean Hamer deixa claro que seu achado poderá 
mostrar uma predisposição ou tendência, para esse 
comportamento. Como se trata de tendência, ao longo 
da vida ela será ou não confirmada, dependendo de 
inúmeros outros fatores. 
Preferimos considerar que as origens da orientação 
afetivo-sexual no ser humano seriam fruto de uma gama 
de fatores que podem ser de ordem orgânica (neurológica 
ou genética). psicológica, e social, ainda não totalmente 
compreendidas e variando de pessoa para pessoa. 
O casal de pesquisadores norte-americanos Mas-
ters e Johnson2 afirmou em 1979: "Até que se conheça 
mais sobre as origens da heterossexualidade é dificil 
acreditar que um entendimento significativo seja atingi-
do. acerca das origens da homossexualidade". 
Somos seres dotados de inteligência, e é impor-
tante que descubramos como e por que nos compor-
tamos desta ou daquela maneira. No mínimo para nos 
entendermos melhor e vivermos mais saudáveis, do 
ponto de vista biológico, psicológico e social. 
2. O médico William Masters e a psicóloga Virgínia Johnson são 
pesquisadores norte-americanos especializados no estudo dase-
xualidade. O livro do casal, Conduta Sexual Humana, lançado em 
1966, é um marco na sexologia moderna. Masters e Johnson 
estudaram em laboratório relações sexuais de casais hetero e 
homossexuais. 
40 
Uma pessoa, qualquer que seja sua orientação afe-
tivo-sexual, só será feliz se estiver em sintonia e em paz 
consigo mesma. 
IV ·ESCALA DE ORIENTAÇÃO AFETIVO-SEXUAL 
!DESEJO) 
1 HETEROSSEXUAL ~ 
1 1 
BISSEXUAL 
A B e D 
A partir da idade adulta estarenws, basicamente, em wn 
segmento da escala. Entretanto. o deslocamento ao lon-
go da escala é possíuel e dependerá dafase da uida, do 
momento psicológico e das circunstâncias sociais. Por 
exemplo, ir de A até E e uoltar ao seu ponto básico e 
uice-uersa. Ou, ainda, de A para C, de D para A e assim 
por diante. Ao nível das fantasias e dos sonhos o percur-
so de cada wn atraués de todos os segmentos poderá ser 
liure. O deslocamento do des~obásico não sfgn[fica que 
o indiuiduo uiuerá obrigatoriamente relações ao níuel do 
papel afetiuo-sexual pois. para muitas pessoas, este 
sentimento é passíuel de ser "controlado". 
41 
••g . . t uem nunca viveu uma paixao, nunca vai er 
nada não", dizia o poeta Vinicius de Moraes. 
Toda a história da humanidade está repleta de 
paixões, amor, sexo. Até mesmo se decidiu o destino de 
nações a partir do relacionamento amoroso entre ho-
mens e mulheres ou entre homens. 
Verdade ou não, a famosa Guerra de Tróia começou 
com o rapto de Helena, mulher do rei de Esparta, por 
Páris, principe de Tróia. Ao que parece, ele se apaixonou 
perdidamente pela bela grega. Após dez longos anos de 
batalha, entre gregos e troianos, que teria acontecido por 
volta de 1300 a.C., a cidade de Tróia foi finalmente 
destruída, e com ela uma civilização. 
O amor tem sido tema constante na literatura mun-
dial, em todas as épocas. Hoje milhões de pessoas 
acompanham, noite após noite. os encontros e desen-
contros amorosos nas novelas da 1V. Por que esse 
assunto desperta tanto interesse? 
Uma resposta é que o afeto, o amor e o sexo são 
necessidades básicas para nós. E, de todas as relações 
humanas, estas são consideradas as menos resolvidas. 
43 
O papel afetivo-sexual é o mais importante de 
nossa vida. É através dele que conseguimos estabele-
cer um vínculo que pode ser de amor e sexo, de amor 
sem sexo ou ainda de sexo sem amor. 
Somente nessa relação vamos poder experimentar 
o prazer da paixão e do amor, o prazer de nos entregar-
mos um ao outro, o prazer sexual e o prazer de nos 
reproduzinnos, gerando filhos. 
Alguns dos mais dolorosos conflitos humanos estão 
direta ou indiretamente relacionados com a impossibili-
dade ou dificuldade de se desempenhar adequadamente 
o papel afetivo-sexual. Essa parte de nossa vida é a única 
que precisamos desenvolver. por nossa própria conta, 
sem a presença "de um professor". Na sociedade moder-
na, não existe nenhuma atividade que não possa ser 
ensinada e aprendida na escola ou na vida, salvo o papel 
afetivo-sexual. 
Quando falamos em aprendizado, referimo-nos a um 
processo sistemático de orientação, tal como se ensina a 
ler, a tocar piano, a dançar. Do ponto de vista afetivo e 
amoroso é até possível "algum aprendizado", observando 
como fazem as outras pessoas, inclusive nossos pais. 
Aqueles que têm uma orientação heterossexual na-
moram na frente dos pais, na presença dos amigos, em 
sociedade. As cenas de amor são veiculadas à exaustão 
em todos os meios de comunicação, e esse sentimento é 
permitido, possível, desejado, cantado "em verso e prosa". 
Mas, mesmo assim, quem não ficou um tanto perdido 
no primeiro beijo? Quem não ficou em dúvida sobre o que 
fazer com a boca naquele momento? Mesmo com os olhos 
fechados, provavelmente gastamos alguns segundos ten-
tando entender como e o que estava acontecendo. 
A relação amorosa é aplaudida, onde quer que ela 
aconteça, desde que não traga consigo, explicitamente, 
o seu lado sexual. Dessa maneira. só temos a chance de 
44 
"aprender" a fazer sexo com alguém mais experiente, 
como as "profissionais". ou com alguém que saiba tão 
pouco quanto nós. 
Na adolescência, entre rapazes e moças que ainda não 
tiveram uma experiência sexual, é comum a criação das 
mais variadas fantasias, desproporcionais ao fato real. 
Para o rapaz, existe um medo difuso no sentido de 
que talvez, "naquele momento", ele não saiba como 
reagirá a sua parceira, se vai machucá-la ou não satis-
fazê-la. As moças, por sua vez, criam um verdadeiro mito 
sobre o orgasmo, como se esse prazer fosse capaz de 
fazê-las "subir pelas paredes", enquanto explodiriam 
toneladas de imaginários fogos de artificio. 
Quando a primeira relação sexual acontece, muitas 
vezes o que poderia ter sido bom e agradável ganha os 
contornos da frustração. Uma sensação desconfortável 
de que "tudo aquilo era só isso" toma conta da pessoa. 
O desenvolvimento de todos os papéis da vida de-
pende de aprendizado, pois não são características ina-
tas nos seres humanos. Aprendemos a comer à mesa, a 
fazer nossas necessidades fisiológicas em local e de 
forma adequados, a higiene corporal é acompanhada 
pela mãe ou alguém de nossa família. Ninguém nasce 
sabendo como escovar os dentes. 
Numa fase posterior, aos 4 ou 5 anos, vamos à pré-es-
cola, depois recebemos conhecimentos gerais no curso 
primário, secundário e, por fim, aprendemos uma profissão, 
na prática, numa escola técnica ou na universidade. Em 
todos os papéis da vida temos a possibilidade de assimilar 
os novos conhecimentos e de treiná-los na presença de 
alguém que ensine e nos oriente. Porém, quando chegamos 
à vida sexual, nada pode ser visto e nem mostrado. 
Como o papel afetivo-sexual se desenvolve em nos-
sas vidas? Ele começa a aparecer na adolescência. Na 
infância, não se pode afirmar que já exista o desejo 
45 
sexual. Evidentemente, quando nos referimos a essa 
idade cronológica estamos considerando aquelas crian-
ças que vivem num ambiente social favorável e fazem 
parte de uma família minimamente estruturada. 
A realidade brasileira coloca nas ruas uma quanti-
dade muito grande de crianças que, por necessidade de 
sobrevivência, "amadurecem" muito cedo, motivo pelo 
qual a sua idade biológica nem sempre está de acordo 
com o seu crescimento psicológico. Ainda não existem 
estudos completos sobre qual pode ser a influência desse 
meio hostil na formação do papel afetivo-sexual. 
Quando a criança, menino ou menina, entra na 
idade da meninice, que começa por volta dos 5 anos e 
vai até os 10, ela passa a ter um prenúncio de sensação 
sexual. Essa sensação é como se fosse um tipo de energia 
latente que perpassa o seu corpo de maneira muito sutil, 
tanto que a criança sequer tem noção disso. É comum, 
nessa fase, os jogos considerados "sexuais'', que nada 
têm de erótico, e que visam apenas reconhecer o próprio 
corpo e o do outro, quanto ao gênero a que pertencem. 
Não podemos falar ainda em sexualidade, propria-
mente dita, uma vez que esta continua em estado de 
latência, e porque nesse momento outros papéis têm muito 
mais importância. A criança se percebe como filho, sobri-
nho, que tem tios, avós, coleguinhas de escola. As brinca-
deiras e o estudo tomam muito tempo e compõem o 
universo de preocupações das crianças nessa idade. 
Seria ideal que a educação sexual se iniciasse nessa 
idade, pois a criança está descobrindo como funciona o 
mundo e está cheia de perguntas. A quantidade de 
informações que ela recebe principalmente da televisão 
é muito grande. Mas não pode interagir, questionar, 
dizer que não entendeu. 
46 
A orientação sexual e a educação sexual precisam 
ser feitas com naturalidade, sem tabus nem moralismos. 
Infelizmente. muitos pais têm, eles mesmos. pouca ou 
nenhuma informação sobre sexo, "acham vergonhoso" o 
que fazem na cama ou não querem Mcorrer o risco" de 
ensinar aos filhos aquilo que para muitos é proibido, feio 
ou mesmo "pecado". 
Aos poucos essa situação está se modificando, e 
hoje, na década de 90, quem tem 18 anos foi criado com 
um pouco mais de liberdade. Isso comparado com as 
gerações que nasceram nas décadas de 40 e 50. 
l:XIJL()SÁ() l~l:VITÁVl:L 
Na realidade, a possibilidade de assumir o papel 
afetivo-sexual só vai se dar na adolescência, com a 
explosão dos hormônios e com a transformação do corpo. 
Na puberdade, os caracteres sexuais primários. que se 
referem aos órgãos genitais, desenvolvem-se. O desen-
volvimento desse papel a partir da adolescência será 
diferente para rapazes e moças. 
Nessa fase surgem também os caracteres sexuais 
secundários, que vão moldando o corpo do menino e da 
menina, transformando-os num homem ou numa mu-
lher. No homem, o timbre de voz toma-se mais grave, 
ocorre a distribuição de

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