Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TOXICOLOGIA DOS ALIMENTOS Ivonilce Venturi Toxicologia dos alimentos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o histórico e os conceitos da toxicologia de alimentos. � Reconhecer as substâncias tóxicas das plantas, dos animais e dos fungos. � Identificar as substâncias tóxicas derivadas da produção e do proces- samento de alimentos. Introdução Historicamente, os seres humanos e os animais aprenderam que muitos alimentos são tóxicos e o que separa os tóxicos dos não tóxicos é apenas a dose consumida. De acordo com a toxicologia, os alimentos são definidos como uma mistura de substâncias químicas nutritivas e não nutritivas que podem ser consumidos na forma in natura ou processada. Dentre as substâncias nutritivas, encontram-se os macro e os micronutrientes, que são considerados essenciais à saúde. As substâncias não nutritivas são aquelas que não têm importância nutricional e que são geradas pelo metabolismo das plantas, dos animais ou dos fungos. Muitas dessas subs- tâncias podem ser tóxicas aos que as ingerem. Outras vezes elas podem penetrar no alimento acidentalmente ou intencionalmente, durante o cultivo, processamento ou armazenamento. As chances de uma substância potencialmente tóxica tornar-se um perigo real são devidas ao consumo exagerado de um alimento por um período prolongado, portanto, a variedade da dieta é muito importante para evitar esse risco. Neste capítulo, você poderá descrever o histórico e os conceitos da toxicologia de alimentos, reconhecer as substâncias tóxicas de plantas, animais e fungos e também identificar as substâncias tóxicas derivadas da produção e do processamento de alimentos. Histórico e conceitos da toxicologia de alimentos Os primeiros registros de efeitos nocivos de substâncias tóxicas surgiram no Egito, onde foi encontrado o Papito de Ebers, um documento com 100 páginas que descrevia sobre anatomia e fisiologia, toxicologia, magias e tratamentos. Em 63 a.C., Mitrídates VI testou antídotos a venenos em si mesmo e usou prisioneiros como cobaias. Na Idade Média, foram escritos tratados sobre venenos e foi quando ocorreu a descoberta do arsênico (SPRADA, 2013). Na Idade Moderna, há quase 500 anos, o médico e químico suíço Paracelsus expressou o princípio básico da toxicologia: “Todas as coisas são venenosas, porém, somente a dose produz veneno”. Isso significa que uma substância que contém propriedades tóxicas pode causar danos apenas se ocorrer em uma concentração suficientemente alta (KLAASSEN; WATKINS III, 2012; RUPPENTHAL, 2013). Nessa época surgia a toxicologia, que é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias químicas com o organismo, com a finalidade de prevenir, diagnosticar e tratar a intoxicação. A toxicologia abrange uma vasta área do conhecimento, em que atuam profissionais de formações diversas: química toxicológica, toxicologias farmacológica, clínica, forense, ocupacional, veterinária, ambiental, de alimentos, genética, analítica, experimental e outras áreas (SPRADA, 2013). Há milhares de tipos de veneno — que podem ter origem animal, mineral e vegetal ou, ainda, podem ser produzidos em laboratório — e, ao longo da história, vários têm sido usados para matar. Saiba mais sobre os venenos mais perigosos do mundo descritos pelo biomédico Cyro Hauaji Zacarias, consultor em toxicologia, acessando o link a seguir. https://qrgo.page.link/413rf Toxicologia dos alimentos2 Já a toxicologia de alimentos é a ciência que estuda a natureza, as pro- priedades, os efeitos e a detecção de substâncias tóxicas nos alimentos e a manifestação da doença em humanos. Essa ciência tem como objetivos conhecer as substâncias presentes nos alimentos e também estabelecer formas para evitar que estas sejam ingeridas em níveis que coloquem a saúde em risco (GOSSLAU, 2016). A história da toxicologia de alimentos pode ter começado no momento em que Hipócrates fez a afirmação “que o alimento seja teu remédio e remédio seja o teu alimento”, que pressagiava a ciência moderna por mais de dois milênios atrás. Porém, muito antes disso, desde a época mais remota, o ser humano já sabia que algumas plantas e animais tinham substâncias que eram consideradas venenos. E com o desenvolvimento da bioquímica, da biologia molecular, das técnicas de cultura de células, da ciência da computação e da bioinformática, foi possível identificar e caracterizar potenciais tóxicos em alimentos (GOSSLAU, 2016). A preocupação com a ocorrência de substâncias tóxicas nos alimentos iniciou-se na década de 1940 nos Estados Unidos e, em 1954, a Food and Drug Administration (FDA), definiu as bases para o que hoje é chamado de ingestão diária aceitável (JARDIM; CALDAS, 2009). De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, os alimen- tos são substâncias ou misturas de substâncias, nos estados sólido, líquido, pastoso ou em qualquer outra forma adequada, destinadas a fornecer ao or- ganismo humano os elementos normais a sua formação, sua manutenção e seu desenvolvimento. Para a toxicologia, os alimentos são uma mistura de substâncias nutritivas (carboidratos, proteínas, lipídeos, vitaminas e minerais) e não nutritivas (substâncias tóxicas e fatores antinutricionais) que podem ser consumidos em forma in natura ou processada. Essas substâncias tóxicas podem ser encontradas de forma natural no alimento ou em decorrência da produção ou do processamento deste. As substâncias tóxicas encontradas naturalmente em alimentos são solanina, ácido cianídrico, etanol, cafeína, tedrotoxina, ácido fítico, aflatoxina, etc. As substâncias tóxicas decorrentes da produção ou do processamento do alimento são os pesticidas, os aditivos, a acrilamida, a acroleína, etc. 3Toxicologia dos alimentos Se um alimento contém uma substância tóxica ou prejudicial, ele não pode ser usado como alimento. No caso de a substância ser adicionada, deve-se analisar se a quantidade dessa substância normalmente não torna o alimento prejudicial à saúde, ou seja, embora substâncias tóxicas possam estar presentes nos alimentos, os alimentos serão considerados adequados para o consumo quando a quantidade dessa substância não for normalmente prejudicial à saúde. Por exemplo, a tomatina, presente no tomate, e as solaninas, presentes nas batatas, são normalmente toxinas vistas em concentrações que não são prejudiciais, no entanto, caso essas quantidades sejam aumentadas (por meio de processos como criação, manuseio incorreto durante a colheita, armazena- mento ou transporte) e se tornem prejudiciais, esses alimentos são considerados adulterados (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Os efeitos adversos do consumo de uma substância tóxica presente em algum alimento podem ocorrer de várias formas, variando de morte imediata a mudanças sutis que ocorrem até meses ou anos depois do consumo. Esses efeitos podem ocorrer em vários níveis dentro do corpo, como um órgão ou um tipo de célula. A seguir, serão descritos os fatores relacionados às substâncias tóxicas dos alimentos e seus efeitos no organismo. Dose e dose-resposta Dose, por definição, é a quantidade de substância tóxica consumida durante um período de tempo. No entanto, outros parâmetros são necessários para caracterizar a exposição à substância tóxica. O mais importante é o número de doses, frequência e período total do tratamento. A relação dose-resposta é um conceito fundamental em toxicologia. Ela correlaciona as exposições aos efeitos produzidos. Geralmente, quanto maior a dose, mais grave é a resposta. A relação dose-resposta é baseada em dados observados de estudos experimentais em animais, humanos ou células. O conhecimento da relação dose-resposta é importante, pois: � estabelece causalidade entre a substância tóxica e os efeitos observados; � estabelece a dose mais baixa em que ocorre um efeito induzido; � determina a taxa na qual a lesão se acumula. Dentro deuma população, a maioria das reações a uma substância tóxica é semelhante, no entanto, uma ampla variação de respostas pode ser encontrada, visto que alguns indivíduos são mais suscetíveis e outros mais resistentes (GOSSLAU, 2016). Toxicologia dos alimentos4 Toxicidade A toxicidade é complexa e apresenta muitos fatores que a influenciam, sendo a dosagem a mais importante. As substâncias tóxicas causam muitos tipos de toxicidade por uma variedade de mecanismos. Alguns produtos químicos são tóxicos por si só e outros devem ser metabolizados (quimicamente alterados dentro do corpo) antes que causem toxicidade. Muitas substâncias tóxicas se distribuem no corpo e frequentemente afetam apenas órgãos-alvo. No entanto, outros produtos tóxicos podem danificar quaisquer células ou tecidos que en- tram em contato com eles. A classificação da toxicidade está descrita a seguir: � Toxicidade aguda: ocorre quase imediatamente (segundos/minutos/ horas/dias) após uma exposição. Uma exposição aguda é geralmente uma dose única ou uma série de doses recebidas dentro de um período de 24 horas. A morte pode ser uma grande preocupação em casos de exposições agudas. Um exemplo é a intoxicação por toxinas produzidas por frutos do mar. � Toxicidade subcrônica: resulta da exposição repetida por várias sema- nas ou meses. Um exemplo é a exposição aos agrotóxicos. � Toxicidade crônica: representa dano cumulativo a sistemas orgânicos específicos e leva muitos meses ou anos para se tornar uma doença clínica reconhecível. Danos devidos a exposições subclínicas podem passar despercebidos. Com exposições repetidas ou exposição contínua a longo prazo, o dano desse tipo de exposição se acumula lentamente (dano cumulativo) até que o dano exceda o limite de toxicidade crônica. Por fim, o dano se torna tão grave que o órgão não pode mais funcionar normalmente e pode resultar em uma variedade de efeitos tóxicos crô- nicos. Um exemplo é a cirrose causada pelo consumo crônico de álcool. � Carcinogenicidade: processo complexo que apresenta vários está- gios de crescimento celular anormal e diferenciação que pode levar ao câncer. Pelo menos dois estágios são reconhecidos: a iniciação em que uma célula normal sofre alterações irreversíveis e a promoção na qual as células iniciadas são estimuladas a progredir para o câncer. As substâncias tóxicas podem atuar como iniciadores ou promotores. Um exemplo de substância carcinogênica é a acroleína ou a acrilamida nos alimentos (RUPPENTHAL, 2013). 5Toxicologia dos alimentos Fases da intoxicação A penetração de um tóxico do ambiente no organismo pode ser dividida em quatro fases, como descritas a seguir. � Fase de exposição: é a fase em que o organismo (meio externo ou in- terno, como no caso dos alimentos) entram em contato com a substância tóxica. Podem ocorrer transformações químicas, degradação, biode- gradação (por microrganismos) e desintegração de substâncias tóxicas. Importante considerar nesta fase a via de introdução, a frequência e a duração da exposição e as propriedades físico-químicas da substância. � Fase toxicocinética: abrange a absorção de substâncias tóxicas no organismo e todos os processos que seguem o transporte por fluídos corporais, distribuição e acúmulo em tecidos e órgãos, biotransformação para metabólitos e eliminação (excreção) de substâncias tóxicas e/ou metabólitos do organismo. � Fase toxicodinâmica: refere-se à interação de substâncias tóxicas (mo- léculas, íons e coloides) com locais específicos de ação sobre ou dentro das células — receptores — produzindo, finalmente, um efeito tóxico. � Fase clínica: quando surgem os sintomas ou, ainda, as alterações pa- tológicas detectáveis mediante provas diagnósticas, caracterizando os efeitos nocivos decorrentes das substâncias tóxicas (SPRADA, 2013; GOSSLAU, 2016). Gravidade dos sintomas A gravidade dos sintomas depende de vários fatores, como o grau de toxicidade da substância, as condições do indivíduo intoxicado, o tempo de exposição, a quantidade e a forma de excreção da substância. Os sintomas podem ser classificados em leves, moderados e graves, como descrito a seguir. � Leves: quando os efeitos produzidos no corpo humano são rapidamente reversíveis e desaparecem com o término da exposição ou sem inter- venção médica. São as dores abdominais e a urticária. � Moderados: quando os efeitos produzidos no organismo são reversíveis, e não são suficientes para provocar danos físicos sérios ou prejuízos à saúde. Exemplos são a diarreia e os vômitos intensos. Toxicologia dos alimentos6 � Severos: quando ocorrem mudanças irreversíveis no organismo hu- mano, suficientemente severo para produzir lesões graves, sintomas neurológicos e morte (SILVA, 2008; SPRADA, 2013). Substâncias tóxicas de plantas, animais e fungos A percepção de que algumas substâncias potencialmente tóxicas podem ser encontradas em alimentos naturais geralmente é difícil de aceitar, já que estes sempre estiveram relacionados com a manutenção da vida e vistos como puros e inadulterados, porém, mesmo os alimentos considerados “naturais”, tanto de origem animal quanto vegetal e proveniente dos fungos, apresentam diversos substâncias tóxicas. Pessoas saudáveis podem suportar naturalmente essas substâncias. No entanto, existem várias situações em que estas podem criar problemas de saúde, principalmente quando presentes em altas quantidades ou quando consumidas em quantidades elevadas ao longo do tempo. Vamos conhecer algumas das principais substâncias tóxicas presentes nos alimentos. Substâncias tóxicas das plantas Os alimentos de origem vegetal apresentam substâncias tóxicas que, muitas vezes, são produzidas para proteção contra-ataques de pássaros, insetos e microrganismos. A maioria dessas substâncias é proveniente dos processos biossintéticos, os quais incluem produtos de síntese da planta ou metabólitos de origem microbiana. As toxinas das plantas podem estar presentes naturalmente em plantas usuais da dieta, por exemplo, frutas e legumes, tanto na folhagem quanto em botões, caules, raízes e tubérculos. Se esses metabólitos ou toxinas são consumidos em quantidades elevadas, podem resultar em efeitos sobre a saúde. Impactos toxicológicos após a in- gestão de toxinas vegetais podem variar de efeitos agudos da gastroenterite a toxicidades mais graves na região central do sistema nervoso, levando à morte. No Quadro 1 estão descritas algumas substâncias tóxicas nos alimentos de origem vegetal. 7Toxicologia dos alimentos Fonte: Adaptado de Lean (2006) e de Shibamoto e Bjeldanes (2009). Alimento Substância tóxica Amêndoas, feijão-de-lima não cozido e sementes de frutas Compostos cianogênicos Batata Solanina Beterraba, soja, amendoim, espinafre e aspargos Saponinas Carambola, cacau e espinafre Ácido oxálico Cereja, pêssego e maçãs Ácido prússico Bebidas alcoólicas Etanol Pimenta do reino e salsinha Miristicina Repolho Goitrogenos Leguminosas cruas (especialmente soja) Inibidor de protease Feijões Lectinas Chá preto e bebidas à base de cola e café Cafeína Alga em frutos do mar Alcaloides relacionados à estriquinina Quadro 1. Substâncias tóxicas presentes em algumas plantas Solanina A solanina é uma das mais conhecidas toxinas, estando presente nas batatas, nas berinjelas e na altamente venenosa beladona. As batatas contêm geralmente entre 2 e 15 mg de solanina a cada 100 g de peso fresco. Quando expostas à luz e se tornam verdes, o nível de solanina pode chegar a 100 mg a cada 100 g de batata, ficando concentrada bem abaixo da casca. Embora esse glicoalcaloide seja encontrado em todo o tubérculo de batata, as maiores concentrações estão em brotos, cascas e áreas esverdeadas pelo sol. A solanina não é uma das toxinas mais potentes, porém, alguns relatos de fatalidades pelo consumo dela já foram relatados na literatura científica (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011). Toxicologia dos alimentos8 O consumo de batatas esverdeadasapresenta baixa incidência de enve- nenamento e isso é devido ao sabor pronunciado dessas batatas, o que faz com que sejam indesejáveis ao consumo humano. Esse composto, quando submetido a procedimentos de cocção, não é perdido, sendo estável ao calor e insolúvel em água. A solanina age inibindo a enzima acetilcolinesterase, um componente- -chave do sistema nervoso, ocorrendo sinais de debilitamento neurológico, como tremores musculares e fraqueza geral (SINGH, 2019). A FDA considera que o teor máximo aceitável de glicoalcaloide é de 20 a 25 mg/100 g de peso de batata fresca (ou 200 a 250 ppm). Sob os regula- mentos atuais da FDA, 20 mg de solanina por 100 g (uma batata pequena) podem torná-la imprópria para comer (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). A Figura 1 mostra um exemplo de batata que pode conter quantidade elevada de solanina. Figura 1. Batata apresentando brotamento e áreas esverdeadas, sinal de quantidade au- mentada de solanina. Fonte: pu_kibun/Shutterstock.com. 9Toxicologia dos alimentos Ácido prússico O ácido prússico (também conhecido como ácido cianídrico, cianeto de hidro- gênio ou cianeto) é formado quando glicosídeos cianogênicos encontrados em folhas e caroços de cereja, maçã e pêssego entram em contato com enzimas beta-glicosidase. As enzimas liberam o cianeto do glicosídeo e o cianeto impede que as células do corpo utilizem oxigênio, resultando em necrose celular e danos aos tecidos. Os sinais clínicos de envenenamento por ácido prússico incluem respiração rápida, tremores, descoordenação e, em casos extremos, parada respiratória ou cardíaca. Não existem regulamentos ou diretrizes da FDA que restrinjam a presença de ácido em sementes de maçã (Malus spp.), provavelmente porque extratos dessas sementes não têm valor econômico, porém, os aromatizantes extraídos de semente de cereja devem ser limitados a 25 pontos percentuais (pp) a cada 100 g (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Lectinas As lectinas são um grupo de glicoproteínas que estão presentes em altos níveis em leguminosas (por exemplo, feijão-preto, soja, feijão-de-lima, feijão e lentilha). A capacidade das lectinas de se ligarem aos glóbulos vermelhos são bem conhecidos e usados para tipagem sanguínea – portanto, as lectinas são comumente chamadas hemaglutininas. As lectinas também podem se ligar avidamente às células da mucosa e interferir na absorção de nutrientes do intestino. Como a capacidade das lectinas de causar má absorção intestinal depende da presença de bactérias intestinais, foi levantada a hipótese de que as lectinas também podem produzir toxicidade, facilitando o crescimento bacte- riano no trato gastrointestinal (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011). Lectinas isoladas de feijão-preto podem produzir retardo de crescimento quando ingeridos por ratos. A lectina de soja produz retardo de crescimento quando fornecida a ratos a 1% da dieta. A lectina da mamona (uma das subs- tâncias naturais mais tóxicas conhecidas) é conhecida por causar mortes de crianças e tem sido usada como instrumento de bioterrorismo. A maioria das lectinas é reduzida pelo calor úmido, mas não seco. Portanto, cozinhar ou ferver causa uma redução significativa nas concentrações de lectinas nos grãos. A ebulição por pelo menos 10 minutos demonstrou reduzir a concentração no feijão em 200 vezes. Como as temperaturas de cozimento abaixo de 50ºC não destroem a lectina, o uso de cozimento lento não é reco- mendado para cozinhar feijões (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Toxicologia dos alimentos10 Ácido oxálico O ácido oxálico (oxalato) é geralmente encontrado em carambola, espinafre, salsa, cacau e ruibarbo, mas também pode ser encontrado em aspargos, brócolis, couve-de-bruxelas, carambola, couve, alface, aipo, couve, couve-flor, nabos, beterraba, ervilha, café, cacau, feijão, batata, frutas e cenouras. O ácido oxálico é um ácido orgânico que pode se ligar ao cálcio e outros minerais, tornando-os insolúveis e diminuindo sua biodisponibilidade. A ingestão de alimentos contendo altas concentrações de oxalatos pode causar diminuição do crescimento ósseo, cálculos renais, toxicidade renal, vômitos, diarreia, convulsões, coma e comprometimento da coagulação sanguínea. O papel significativo do oxalato no desenvolvimento de cálculos renais é exemplificado pelo fato de que aproximadamente 65% dos cálculos renais consistem em oxalato de cálcio (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Como o cozimento não remove o oxalato e os complexos minerais com oxalato são insolúveis em água, os oxalatos são um pouco difíceis de serem removidos dos alimentos. Portanto, dietas ricas em alimentos contendo oxalato devem ser suplementadas com potássio, magnésio e vitamina K para evitar a formação de cálculos renais (BENEVIDES et al., 2011). Você sabia que existe uma lei para alertar sobre os riscos do consumo da carambola por doentes renais? Acesse o link a seguir para ler a matéria. https://qrgo.page.link/85uj1 Cucurbitacina Membros da família Cucurbitacea (abobrinha, pepino, abóboras, abóbora e melão) produzem cucurbitacinas (terpenos tetracíclicos oxigenados) que protegem a planta e atuam como limitadores de movimento em besouros e minhocas. As cucurbitacinas estão entre os compostos mais amargos co- nhecidos e, em quantidades de nanogramas, impedem a ação desses insetos (AMERICAN CHEMICAL SOCIETY, 2018). 11Toxicologia dos alimentos Portanto, a exposição da dieta às cucurbitacinas pode ocorrer por meio da ingestão de plantas que normalmente as contêm ou da ingestão de plantas às quais foram aplicados pesticidas contendo cucurbitacina. Sob circunstâncias normais, as cucurbitacinas são produzidas em concentrações suficientemente baixas que não são percebidas como amargas pelos seres humanos. Em resposta a estresses como altas temperaturas, seca, baixa fertilidade do solo e baixo pH do solo, as concentrações em frutas como pepinos podem aumentar e fazer com que as frutas tenham um sabor amargo. Ocasionais casos de cólicas es- tomacais e diarreia podem ocorrer em pessoas que ingeriram essa substância (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Ácido fítico O ácido fítico (também conhecido como fitato) é encontrado no farelo e no germe de muitas sementes de plantas e em grãos além dos legumes e nozes. O ácido fítico é um açúcar simples (mio-inositol) sendo uma fonte dietética de fósforo e um quelante eficaz de zinco, cobre, ferro, magnésio e cálcio. Estudos indicam que os complexos fitato-minerais são insolúveis no trato intestinal, reduzindo a biodisponibilidade mineral. Também foi demonstrado que o fitato inibe enzimas digestivas como tripsina, pepsina, alfa-amilase e beta-glucosidase. Portanto, a ingestão de alimentos contendo altas quantidades de fitato poderia teoricamente causar deficiências minerais ou diminuição da digestibilidade de proteínas e amidos. Vegetarianos que consomem grandes quantidades de tofu e coalhada de feijão estão particularmente em risco de deficiências minerais em razão do consumo de fitato (BENEVIDES et al., 2011). Como os alimentos ricos em fitato são digeridos em uma taxa mais lenta e produzem respostas de glicose no sangue mais baixas do que os alimentos que não contêm fitato, foi levantada a hipótese de que o fitato poderia ter um papel terapêutico no controle do diabetes. Também pode ter utilidade como antioxidante. No entanto, como os efeitos benéficos do fitato são superados por sua capacidade de causar deficiências minerais essenciais, não é recomen- dado o consumo de uma dieta que contenha grandes quantidades de fitato. Os fabricantes de alimentos estão desenvolvendo métodos para reduzir o fitato nos alimentos, como a adição da fitase microbiana, que libera fosfatos do esqueleto inositol do fitato (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). O fitato é razoavelmente estável ao calor, mas pode ser removido por imersão ou fermentação. A soja tem um dos níveis mais altos de fitato de qualquer grão ou leguminosa e requer um longo período de fermentação para redução.Nas pessoas que consomem grandes quantidades de produtos de Toxicologia dos alimentos12 soja, as deficiências minerais podem ser evitadas pelo consumo de carne ou laticínios ou pelo uso de vitaminas suplementares (BENEVIDES et al., 2011). Substâncias tóxicas dos animais As substâncias tóxicas naturais de origem animal podem ser desenvolvidas por meio do metabolismo ou da contaminação de um produto químico ao longo da cadeia alimentar. Embora o envenenamento após a ingestão de animais terrestres seja relativamente incomum, o envenenamento devido a toxinas marinhas ocorre em muitas partes do mundo. As toxinas marinhas produzidas por microalgas tóxicas são acumuladas em moluscos, crustáceos e peixes após seu consumo. No Quadro 2 a seguir estão algumas substâncias tóxicas que podemos encontrar em alimentos de origem animal (COULTATE, 2004; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Fonte: Adaptado de Lean (2006) e de Shibamoto e Bjeldanes (2009). Alimento Substância tóxica Baiacu Tedrotoxina Mariscos Neurotoxina Atum, sardinha e queijo suíço Escombrotoxina Fígado de animais Vitamina A Bois Príons Alguns queijos Tiramina Quadro 2. Substâncias tóxicas presentes em alguns animais Vitamina A O fígado dos animais, que é considerado uma fonte rica em proteínas e gor- duras, contém também níveis excessivos de vitamina A, que, apesar de ser um nutriente essencial para o nosso organismo, pode tornar-se tóxica quando consumida em excesso, pois é uma vitamina lipossolúvel que pode se depositar 13Toxicologia dos alimentos no tecido adiposo, não sendo excretada tão facilmente quanto as vitaminas hidrossolúveis (LEAN, 2006). A vitamina A é armazenada no fígado e na gordura de animais na forma de retinol, a vitamina A pré-formada. Nos vegetais, ela está presente na forma de betacaroteno, a pró-vitamina A. A hipervitaminose A é derivada do consumo excessivo de vitamina A de forma crônica, ou seja, por um período prolongado de tempo, sendo induzida pelo consumo de 1 g (ou 30.00UI)/kg de peso/dia. Os sintomas da toxicidade são descamação da pele e coceiras, perda de apetite, dor de cabeça, edema cerebral e dores nas articulações. Casos severos de hipervitaminose A podem causar danos hepáticos, hemorragia e coma. No Quadro 3 está descrita a quantidade de vitamina A em alguns alimentos. Fonte: Adaptado de Universidade Federal de São Paulo (2016). Alimento UI de vitamina A a cada 100 g Fígado de boi 31.714 Fígado de frango 13.328 Manteiga 2.499 Leite integral 576 Ovo 520 Quadro 3. Quantidade de vitamina A em alimentos de origem animal Tedrotoxina Os baiacus são peixes que têm a habilidade de inflar seu corpo com água quando sentem algum perigo. A pele, os ovários, os ovos e os fígados desses animais são altamente tóxicos para os seres humanos, porém, a carne é considerada uma iguaria que deve ser preparada por chefs treinados e licenciados no Japão, na Coréia e em vários outros lugares. A tedrotoxina, entretanto, é largamente distribuída na natureza tanto em animais marinhos, como polvo, caranguejo, baiacus e cobras marinhas, quanto em animais terrestres, como sapos. Tem sido reportado que essa toxina ocorre Toxicologia dos alimentos14 em aproximadamente 40 espécies de baiacu, mais especificamente na espécie Takifugu (COULTATE, 2004). Os sintomas de envenenamento por essa toxina são tontura, distúrbios gastrointestinais, incluindo vômito, dores abdominais e diarreia, dificuldade para andar e fraqueza muscular seguida de paralisia dos músculos e queda da pressão. A morte pode ocorrer após 30 minutos do consumo, dependendo da dose da toxina que foi consumida. Se a pessoa conseguir sobreviver após 18 a 24 horas, o prognóstico de recuperação é considerado bom. Não há antídoto para a tedrotoxina e o tra- tamento é o alívio dos sintomas (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Neurotoxinas Apesar de os mariscos serem considerados alimentos básicos para populações que vivem em regiões costeiras, o seu consumo vem diminuindo ao longo dos anos em razão dos perigos que eles proporcionam e que já são bem co- nhecidos há muito tempo em função dos surtos de febre tifoide ocasionada pelo consumo desse fruto do mar em sua forma crua. Hoje em dia, as práticas de processamento desse alimento reduziram a incidência dessa doença e a preocupação se dá pela proliferação de algas tóxicas (Gonyaulax catenella) conhecidas como maré vermelha, pois ocasionam a vermelhidão da água em que se encontram. A incidência dessa alga ocorre na costa do Atlântico e do Pacífico nos Estados Unidos, porém, surtos já ocorreram na Europa, na Ásia, na África e nas Ilhas do Pacífico (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Outros frutos do mar como ostras, vieiras e mexilhões também têm sido identificados como fontes transmissoras de compostos tóxicos. Os sintomas de envenenamento por neurotoxinas dos mariscos são parestesia, paralisia, amnésia e eventual morte por falência respiratória (SHIBAMOTO; BJEL- DANES, 2009). Escombrotoxina O envenenamento por escombrotoxina é causado pela ingestão de alimentos que contêm altos níveis de histamina e possivelmente outras aminas e compostos vasodilatadores. A histamina se forma pelo crescimento de certas bactérias e da consequente ação de suas enzimas que agem na descarboxilação de amino- ácidos incluindo a histidina (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011). 15Toxicologia dos alimentos A histamina pode também ser formada durante o processamento de queijo suíço ou também em razão da deterioração dos alimentos, como os produtos à base de peixe, em especial o atum, o bonito e sardinha, que pertencem à família Scombridae e Scomberesocidae. As boas práticas de manipulação e refrigeração evitam a formação da histamina em peixes (SHIBAMOTO; BJELDANES, 2009). Os sintomas do envenenamento por escombrotoxina são gosto apimentado na boca e vermelhidão na face e no pescoço, além de suor intenso, náusea e diarreia. Esses sintomas ocorrem logo após o consumo do peixe contaminado e chegam a durar até 24 horas, sendo que a mortalidade é rara. O tratamento é baseado em anti-histamínico (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Substâncias tóxicas dos fungos (micotoxinas) As micotoxinas são substâncias tóxicas produzidas por certos tipos de fungos. Os bolores que podem produzir micotoxinas crescem em inúmeros alimentos, como cereais, frutas secas, amendoim, nozes e especiarias. O crescimento de fungos pode ocorrer antes ou após a colheita, durante o armazenamento, no próprio alimento, geralmente sob condições quentes e úmidas (COULTATE, 2004). A maioria das micotoxinas é quimicamente estável e sobrevive ao processa- mento de alimentos. Os efeitos das micotoxinas de origem alimentar podem ser agudos, com sintomas de doenças graves e até a morte aparecendo rapidamente após o consumo de produtos alimentares altamente contaminados. Os efeitos a longo prazo da exposição crônica a micotoxinas incluem a indução de câncer e a deficiência imunológica (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Aflatoxinas As aflatoxinas estão entre as micotoxinas mais venenosas e são produzidas por certos fungos (Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus) que crescem no solo, degradando a vegetação, o feno e os grãos. Culturas frequentemente afetadas por Aspergillus spp. incluem cereais (milho, sorgo, trigo e arroz), sementes oleaginosas (soja, amendoim, girassol e sementes de algodão), especiarias (pimenta, pimenta preta, coentro, açafrão e gengibre) e nozes (pistache, amêndoa, noz, coco e castanha-do-brasil) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). A Figura 2 mostra um exemplo da presença de aflatoxina em milho. Toxicologia dos alimentos16 Figura 2. Presença de aflatoxina em milho. Fonte: KOOKLE/Shutterstock.com. Ocratoxina A A ocratoxina A é produzida por várias espécies de Aspergillus e Penicillium e é uma micotoxina comum contaminante de alimentos. A contaminação de produtos alimentares, como cereais e produtos à base de cereais, grãos de café, frutos de videira seca,suco de vinho e uva, especiarias e alcaçuz, ocorre em todo o mundo. A ocratoxina A é formada durante o armazenamento das culturas e é conhecida por causar vários efeitos tóxicos em espécies animais. O efeito mais sensível e notável é o dano renal, mas a toxina também pode ter efeitos no desenvolvimento fetal e no sistema imunológico. Ao contrário da clara evidência de toxicidade renal e câncer de rim em razão da exposição à ocratoxina A em animais, essa associação em humanos não é clara, porém os efeitos nos rins foram demonstrados (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 17Toxicologia dos alimentos Redução do risco para a saúde pelas substâncias tóxicas naturalmente presentes nos alimentos Quando se trata de substâncias tóxicas naturais, é importante notar que elas podem estar presentes em uma variedade de diferentes culturas e gêneros alimentícios. Em uma dieta saudável e equilibrada usual, os níveis de toxinas naturais estão bem abaixo do limiar de toxicidade aguda e crônica. Para minimizar o risco à saúde de toxinas naturais nos alimentos, as pessoas são aconselhadas a: � não presumir que, se algo é “natural”, é automaticamente seguro; � jogar fora alimentos machucados, danificados ou descoloridos e, em especial, alimentos mofados; � jogar fora qualquer alimento que não cheire bem ou que não apresente estar fresco ou que tenha um sabor incomum; � comer apenas cogumelos ou outras plantas selvagens que tenham sido definitivamente identificadas como não venenos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Os métodos de análise podem detectar inúmeras substâncias em alimentos que têm potencial tóxico, porém apenas poucas substâncias representam um perigo real para os consumidores que se alimentam de uma dieta variada. Os riscos de uma substância tóxica naturalmente presente em algum alimento causar uma doença são aumentados por intermédio do consumo muito alto da substância tóxica presente no alimento, do aumento da suscetibilidade genética à substância e da remoção inadequada da substância durante o processamento de alimentos (SINGH, 2019). Substâncias tóxicas derivadas da produção e do processamento de alimentos As substâncias tóxicas podem ser formadas em certos alimentos durante o processamento como resultado de reações entre os componentes naturais do alimento. Quando os alimentos são processados a quente (assados, fritos, etc.), ocorrem reações entre os componentes dos alimentos, resultando no sabor, na Toxicologia dos alimentos18 aparência e na textura desejados. No entanto, algumas dessas reações podem levar à produção de compostos indesejáveis. Da mesma forma, certas condições de armazenamento ou processamento podem permitir que ocorram reações que de outra forma não ocorreriam. Essas reações podem gerar compostos potencialmente prejudiciais. Algumas dessas reações químicas envolvem componentes naturais dos alimentos, enquanto outras podem envolver aditi- vos, ingredientes ou materiais de embalagem de alimentos que foram usados intencionalmente (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011). A contaminação do alimento pode ser de forma direta ou indireta, como descrito a seguir: � Contaminação direta: decorre da manipulação das matérias-primas desde a obtenção até o produto final, ou seja, o emprego em dosagens superiores às permitidas de um aditivo químico no processamento do alimento ou a incorporação de metais pesados e as toxinas produzidas por microrganismos, como é o caso do Clostridium botulinum, que contamina o alimento e produz a toxina botulínica. � Contaminação indireta: decorre de práticas utilizadas para a ob- tenção da matéria prima como o uso de agrotóxicos e medicamentos veterinários, mas também da contaminação do alimento por meio do processamento ou dos componentes da embalagem durante o período de armazenamento. Em muitos casos, a presença de substâncias tóxicas induzidas pelo proces- samento nos alimentos não pode ser evitada, no entanto, entender os processos pelos quais essas substâncias são formadas pode nos permitir otimizar ou ajus- tar métodos, fórmulas ou processos de preparação de alimentos, reduzindo ou eliminando a formação destas. A seguir veremos algumas dessas substâncias. Aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos As aminas heterocíclicas (HCAs) e os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) são os produtos químicos produzidos quando a carne bovina, de peixe, de porco ou de aves é cozida usando alta temperatura, como na frigideira ou grelhando diretamente sobre uma chama aberta (churrasco) (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011). 19Toxicologia dos alimentos As HCAs e os HAPs foram considerados mutagênicos em experimentos laboratoriais porque alteram a sequência de DNA, o que pode levar a um risco aumentado de câncer. As HCAs são produzidas a altas temperaturas quando açúcares, aminoácidos e creatina ou a creatinina (presente nos músculos) reagem uma a outra. Por outro lado, os HAPs são produzidos por meio da chama e da fumaça quando a carne é grelhada diretamente sobre uma super- fície aquecida. Os HAPs presentes na fumaça aderem à superfície da carne ao serem produzidos durante a queima incompleta de carvão. É relatado que os HAPs são tóxicos, são agentes causadores de câncer e estão relacionados ao maior risco de malignidade de mama, próstata e cólon. A associação com malignidade do cólon tem sido verificada em carnes vermelhas, por exemplo, carne bovina, suína e ovina. A carne de frango parece ter um impacto imparcial no risco de malignidade do cólon (SINGH, 2019). A Figura 3 mostra um exemplo de formação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos durante o churrasco. Figura 3. Formação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos durante o churrasco. Fonte: Alexander Raths/Shutterstock.com. Toxicologia dos alimentos20 Gordura trans Os ácidos graxos trans (também conhecidos como gordura trans) são a soma de todos os ácidos graxos insaturados que contém uma ou mais ligações duplas isoladas em uma configuração trans. Os ácidos graxos trans se assemelham mais aos ácidos graxos saturados do que aos ácidos graxos cis insaturados, porque sua configuração trans os torna rígidos. Os ácidos graxos trans na dieta são originários de duas fontes. A primeira é da hidrogenação bacteriana na flora intestinal de ruminantes, encontrados em pequenas quantidades na carne bovina e de carneiro, no leite e na manteiga. Os ácidos graxos trans também são produzidos a partir da hidrogenação de óleos líquidos (principalmente de origem vegetal). Isso produz gorduras sólidas e óleos parcialmente hidrogenados, como margarinas, barrinhas de cereais, gorduras e óleo de fritar, que são mais estáveis do que os óleos líquidos (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). Bioquimicamente, os ácidos graxos trans atuam de maneira semelhante aos ácidos graxos saturados, aumentando o LDL-colesterol e diminuindo os níveis de HDL-colesterol. Vários estudos mostraram que a utilização de gordura trans é responsável por inflamação e impactos cardiovasculares negativos e o consumo dessa gordura aumenta os níveis de proteína C reativa, um marcador biológico ligado à inflamação (SINGH, 2019). Um limite superior tolerável de ácidos graxos trans não foi estabelecido porque qualquer aumento na ingestão de ácidos graxos trans aumenta o risco de doença cardíaca coronária. Agrotóxicos Os agrotóxicos são produtos químicos usados para matar insetos e pragas de culturas agrícolas e são considerados um meio econômico e eficiente para o manejo de pragas. Acredita-se que o uso de agrotóxicos seja essencial para manter produção atual de alimentos. As modernas tecnologias agrícolas le- varam ao uso generalizado de agrotóxicos, juntamente com outros insumos modernos, principalmente em países em desenvolvimento. O uso extensivo de agrotóxicos reduz as perdas agrícolas e aumenta a disponibilidade de alimentos a um preço razoável para o aumento da população, portanto, os agrotóxicos são considerados umaparte essencial da vida moderna que impede o crescimento de espécies indesejadas. 21Toxicologia dos alimentos Estudos toxicológicos extensos em animais revelam que vários agrotóxicos aos quais a população é geralmente exposta são possíveis agentes cancerí- genos, além de terem neurotoxinas, toxinas reprodutivas e imunotoxinas. A intoxicação por agrotóxicos também leva ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas em humanos e tem um impacto negativo nos parâmetros bioquímicos, especialmente nos metabolismos proteico e endócrino e nos sistemas reprodutivos. Em razão dos efeitos tóxicos dos agrotóxicos contra organismos não alvo, é necessário descobrir outros produtos eficazes, mas não tóxicos para os seres humanos. Atualmente, os fabricantes produziram com sucesso agrotóxicos menos tóxicos mantendo a sua eficácia como os produtos à base de piretroi- des e Bacillus thuringiensis, que são mais seguros e menos tóxicos para os organismos vivos (SINGH, 2019). A exposição aos agrotóxicos causa riscos: � para o trabalhador por meio da exposição prolongada ao pesticida; � para o consumidor por meio do consumo de resíduos nos alimentos e na água; � pelo meio ambiente por intermédio da contaminação do ar e da água, da eliminação de espécies benéficas e do aumento de resistência às pragas. Acrilamida A acrilamida é um sólido cristalino inodoro e incolor com um ponto de fusão de 84,5 ºC que é formado durante o processamento térmico de alimentos vegetais ricos em carboidratos e com poucas proteínas a altas temperaturas e condições de baixa umidade, como a fritura, o forneamento e a torrefação. A acrilamida é um composto tóxico com propriedades mutagênicas e carcinogênicas que foi encontrada em vários alimentos ricos em carboidratos, como mandioca, pão, batatas, bolos e café. Existe uma necessidade urgente de reduzir o conteúdo de acrilamida na dieta para prevenir efeitos adversos em seres humanos (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011; SINGH, 2019). Uma das formas de reduzir o conteúdo dessa substância é por intermédio do uso de temperaturas menores para o preparo de alimentos, além de reduzir o tempo a que o alimento é exposto a altas temperaturas. Toxicologia dos alimentos22 Nitrosaminas As nitrosaminas são encontradas em uma variedade de alimentos como queijo, óleo de soja, frutas enlatadas, produtos à base de carne, carnes curadas ou defumadas, peixe e derivados, temperos usados na cura de carnes e cervejas e outras bebidas alcoólicas. Os processos de secar, queimar, salgar, defumar ou curar promovem a formação de nitrosaminas (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2011; SINGH, 2019). Estudos com animais experimentais relatam que há uma possibilidade de as nitrosaminas serem cancerígena. Evidências de estudos de caso-controle apoiam uma associação entre a ingestão de nitrosamina e câncer gástrico, mas não o câncer de esôfago em humanos (SINGH, 2019). Os níveis de nitrosaminas têm declinado nas últimas três décadas, conco- mitantemente com a redução do nitrito usado em alimentos, o uso de inibidores como ácido ascórbico e o uso de temperaturas operacionais mais baixas e aque- cimento indireto durante o processamento de alimentos. O nível de exposição humano é estimado de 3,3 a 5,0 ng/kg de peso corporal/dia, portanto, bem abaixo do limite inferior de referência, que é de 60 μg/kg de peso corporal/ dia (DOLAN; MATULKA; BURDOCK, 2010). AMERICAN CHEMICAL SOCIETY. Cucurbitacins: we have a long history in nutrition and medicine: what molecules are we? Washington, 2018. Disponível em: https://www. acs.org/content/acs/en/molecule-of-the-week/archive/c/cucurbitacins.html Acesso em: 16 out. 2019. BENEVIDES, C. M. DE J. et al. Fatores antinutricionais em alimentos: revisão. Segurança Alimentar e Nutricional, v. 18, n. 2, p. 67−79, 2011. Disponível em: https://periodicos.sbu. unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8634679. Acesso em: 16 out. 2019. COULTATE, T. P. Alimentos: a química de seus componentes. 3. ed. Porto Alegre: Art- med, 2004. DAMODARAN, S.; PARKIN, L.; FENNEMA, R. Química de alimentos de Fennema. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. DOLAN, L.; MATULKA, R.; BURDOCK. G. Naturally Occurring Food Toxins. Toxins, v. 2, n. 9, p. 2289−2332, 2010. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC3153292/. Acesso em: 16 out. 2019. 23Toxicologia dos alimentos GOSSLAU, A. Assessment of food toxicology. Food Science and Human Wellness, v. 5, p. 103–115, 2016. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S2213453016300106. Acesso em: 16 out. 2019. JARDIM, A. N. O.; CALDAS, E. D. Exposição humana a substâncias químicas potencial- mente tóxicas na dieta e os riscos para saúde. Química Nova, v. 32, n. 7, p. 1898−1909, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- -40422009000700036&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16 out. 2019. KLAASSEN, C. D.; WATKINS III, J. B. Fundamentos em toxicologia de Casarett e Doull. 2. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. (Lange). LEAN, M. E. J. Fox and Cameron's food science, nutrition & health. 7. ed. New York: CRC Press, 2006. RUPPENTHAL, J. A. Toxicologia. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2013. Disponível em: https://efivest.com.br/wp-content/uploads/2019/02/toxicologia.pdf. Acesso em: 16 out. 2019. SHIBAMOTO, T.; BJELDANES, L. Introduction to food toxicology. 2. ed. New York: Elsevier, 2009. SILVA, L. C. Toxicologia de alimentos. [Vitória], 2008. Disponível em: https://moodle.ufsc. br/pluginfile.php/2632548/mod_resource/content/1/Material%20complementar%201. pdf. Acesso em: 16 out. 2019. SINGH, P. K. et al. Food hazards: physical, chemical, and biological. In: SINGH, R. L.; MONDAL, S. (ed.). Food safety and human health. New York: Elsevier, 2019. p. 15−65. SPRADA, R. Toxicologia. Curitiba: Instituto Federal do Paraná, 2013. Disponível em: http://ead.ifap.edu.br/netsys/public/livros/LIVROS%20SEGURAN%C3%87A%20DO%20 TRABALHO/M%C3%B3dulo%20IV/21Toxicologia/Livro_Toxicologia.pdf. Acesso em: 16 out. 2019. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO. Escola Paulista de Medicina. Departamento de Informática em Saúde. Tabela de Composição Química dos Alimentos (TABNUT). São Paulo, 2016. Disponível em: http://tabnut.dis.epm.br/. Acesso em: 16 out. 2019. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Natural toxins in food. EUA, 2018. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/natural-toxins-in-food. Acesso em: 16 out. 2019. Toxicologia dos alimentos24
Compartilhar