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TUT2 HAS E DRC

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P7.M1.TUT2. HAS E DRC
po� Renat� Mari� d� Silv�,
Medicin�, Univasf - campu� Paul� Afons�
OBJETIVO TUTORIA
1. Explicar a DRC de origem hipertensiva; obj 1
2. Correlacionar o quadro e a evolução clínica da DRC com sua fisiopatologia; obj 3
3. Entender o diagnóstico e estadiamento da DRC; obj 3
4. Compreender tratamento medicamentoso da HAS no contexto do problema e os impasses na adesão terapêutica;
obj 2
5. Conhecer as indicações do tratamento dialítico; obj 4
6. Correlacionar os achados clínicos com os achados eletrocardiográficos da hipercalemia; obj 5
7. Explicar o tratamento e conduta frente a hipercalemia; obj 6
OBJETIVOS OFICIAIS
Explicar a HAS como fator etiológico para DRC;
Discutir a terapêutica anti-hipertensiva medicamentosa e não medicamentosa para o caso nas 2 situações expostas;
Compreender o diagnóstico, a fisiopatologia e a classificação da IRC com o uso de fórmulas para a estimativa da função renal;
Revisar as indicações de terapia dialítica;
Discutir os sinais, sintomas e alterações eletrocardiográficas na hipercalemia;
Explicar medidas clínicas para o tratamento da hipercalemia.
OBJETIVO 1. Explicar a DRC de origem hipertensiva
CLÍNICA MÉDICA, VOL 3
Lesão renal causada pela hipertensão arterial – “o rim
como vítima”
Em 1995, Perera, ao avaliar a história natural de
quinhentos pacientes hipertensos, desde a fase
nãocomplicada até o óbito, num período aproximado de
vinte anos de observação, registrou a presença de
proteinúria em 42%, insuficiência renal crônica em 18% e
hipertensão arterial maligna em 7% dos pacientes. É
consenso que a hipertensão arterial em fase maligna é
causa de insuficiência renal, embora, após o advento das
medicações anti-hipertensivas, essa condição tenha se
tornado cada vez mais rara. Por sua vez, registros de
diálise apontam a nefroesclerose hipertensiva como causa
importante de doença renal crônica terminal, enquanto
grandes estudos epidemiológicos indicam que poucos
pacientes hipertensos desenvolvem lesão renal. Evidências
atuais apontam que o risco de desenvolver doença renal
crônica terminal está aumentado em hipertensos23. O
dilema persiste, uma vez que estudos epidemiológicos e
observacionais não comprovam que a lesão é proveniente
da hipertensão ou de doença primária renal
não-diagnosticada. Recentemente, estudos com biópsia
renal em afro-americanos24 e outro reportado por nós,
em 200125, demonstraram que as lesões descritas como
“nefroesclerose hipertensiva” estão associadas
definitivamente à insuficiência renal.
Mecanismos de lesão renal pela HA
Considerando que uma parcela dos pacientes com
hipertensão essencial pode desenvolver lesão renal
progressiva, dois mecanismos são propostos como causa
da lesão renal:
1. isquemia do glomérulo em decorrência do
estreitamento progressivo da luz de artérias e arteríolas
pré-glomerulares, levando à insuficiência renal;
2. a redução no número de néfrons, decorrente de
isquemia, provoca uma adaptação nos néfrons
remanescentes, com vasodilatação da arteríola aferente,
transmissão da hipertensão sistêmica, bem como
hipertensão intraglomerular, hiperfiltração glomerular e
esclerose glomerular.
O aumento da pressão intraglomerular em hipertensos
poderia também ocorrer por falha no mecanismo de
auto-regulação renal, com diminuição da resistência da
arteríola aferente e transmissão da hipertensão sistêmica
para o glomérulo26. Estudos em ratos espontaneamente
hipertensos26 mostram que, na fase inicial da hipertensão,
apesar da grande elevação da pressão arterial, a pressão
do capilar glomerular permanece normal por causa de um
mecanismo de auto-regulação eficiente, com
vasoconstrição da arteríola aferente e limitação da lesão
renal. Já em ratos espontaneamente hipertensos com
idade mais avançada, foi observada diminuição da
resistência da arteríola aferente, elevação da pressão no
capilar glomerular e aceleração da lesão glomerular27.
Essas observações em ratos espontaneamente hipertensos
têm sido comparadas à hipertensão essencial em
humanos, cujo mecanismo de auto-regulação renal
eficiente tem sido utilizado para explicar a ausência de
lesão renal significativa na maioria dos hipertensos
essenciais.
Em ratos Dahl sal-sensíveis, outro modelo de hipertensão
arterial geneticamente mediada28, observa-se como
característica uma diminuição da resistência da arteríola
aferente, resultando em exposição do glomérulo à
hipertensão sistêmica. Além das duas hipóteses que
fundamentam a lesão glomerular como base para a
insuficiência renal secundária à hipertensão arterial, novas
evidências apontam a participação da isquemia crônica
nas alterações túbulointersticiais induzidas pela
hipertensão. Truong et al.29, ao estudarem os efeitos da
isquemia renal crônica em ratos submetidos à
clampeamento unilateral da artéria renal, observaram que
a isquemia altera a expressão de antígenos na superfície
de células tubulares e induz o aparecimento de abundante
infiltrado inflamatório crônico, com preservação da
estrutura glomerular. Portanto, a isquemia crônica
produzida por alterações de grandes vasos ou pequenos
vasos, como na nefroesclerose, induziria tanto alterações
glomerulares quanto tubulointersticiais. Substâncias
vasoativas liberadas pelo endotélio também podem estar
envolvidas na patogênese da nefroesclerose. Higashi et
al.30, ao avaliarem a função endotelial em hipertensos
comparados com normotensos, observaram menor
resposta vasodilatadora à infusão de L-arginina em
hipertensos. A disfunção endotelial foi independente para
hipertensão e idade, e, pelo menos em parte, está
relacionada à diminuição da produção de óxido nítrico.
Dessa maneira, substâncias vasoativas, envolvidas na
patogênese da hipertensão essencial, podem também
contribuir para o desenvolvimento progressivo de lesões
vasculares, glomerulares e túbulo-intersticias crônicas
descritas na nefroesclerose. De suma importância é o
reconhecimento da lesão renal induzida pela hipertensão
arterial na progressão da doença renal crônica, incluindo
nefropatia diabética e não-diabética. Investigações em
modelos animais revelam suscetibilidade do rim a
pequenas elevações da pressão arterial, em conseqüência
da piora nos mecanismos de auto-regulação renal que
normalmente atenuam a transmissão da pressão arterial
elevada para o glomérulo, como ilustrado nas Figuras 3 e
4.
Patologia da nefroesclerose hipertensiva
O termo nephrosklerose (nefroesclerose), estabelecido por
Fahr em 1919, tem sido extensivamente usado na
literatura para descrever as alterações vasculares renais
presumidas como decorrentes de hipertensão arterial.
Duas formas distintas são descritas: benigna e maligna. A
nefroesclerose benigna apresenta como principal
característica a presença de depósitos hialinos em paredes
de arteríolas aferentes. Na parede de artérias
interlobulares e arqueadas, os depósitos hialinos são
incomuns; com mais freqüência apresentam hipertrofia da
camada média e fibrose da íntima. Essas lesões podem
estar associadas à diminuição da luz vascular32. Os
glomérulos podem ser secundariamente afetados, e a
lesão mais característica é o seu colapso isquêmico, com
retração do tufo glomerular junto ao pólo vascular,
enrugamento da membrana basal e posterior
glomeruloesclerose global (Figura 5A). Lesões de
glomeruloesclerose segmentar e focal também têm sido
descritas em rins de pacientes hipertensos33. A
nefroesclerose maligna compromete principalmente a
íntima dos vasos, e as artérias interlobulares são
preferencialmente envolvidas32. As lesões incluem:
- Proliferação de células musculares na íntima (proliferação
miointimal) e formação de fibras colágenas, levando a um
padrão típico de fibrose concêntrica da íntima, com
aspecto de “casca de cebola” (Figura 5B).
- Necrose fibrinóide de células de músculo liso de
pequenas artérias e arteríolas, podendo estender-se para
o glomérulo. Essas lesões podem provocar um
estreitamento irreversível da luz vascular. O colapso
isquêmico dos glomérulos é muito freqüente e causado
pela obliteração dos vasos pré-glomerulares. Já a
glomeruloesclerosesegmentar ou global, observada em
fase mais tardia, pode ser decorrente tanto de isquemia
como de cicatrização de áreas necróticas
Aspectos clínicos e laboratoriais
Na ausência de biópsia renal, o diagnóstico clínico de
nefroesclerose benigna é feito por exclusão de hipertensão
arterial em fase maligna e de outras causas de doença
primária renal. Critérios sugeridos para o diagnóstico clínico
são: 1) hipertensão arterial de longa data com evidência de
lesão em outros órgãos, tais como retinopatia de graus I e II
ou hipertrofia do ventrículo esquerdo; 2) função renal
normal quando do diagnóstico de hipertensão arterial; 3)
proteinúria < 1,5 g em 24 horas; 4) sedimento urinário
normal. Recentemente, reportamos estudo clínico de
biópsia renal em 81 pacientes com hipertensão arterial e
insuficiência renal25, e observamos que o grupo com
nefroesclerose hipertensiva apresentava maior média de
idade, maior tempo de hipertensão arterial, maior tamanho
renal e menor média de proteinúria quando comparado
com o grupo de doença primária renal (Tabela III).
Hipertensão arterial maligna é uma síndrome clínica
caracterizada por elevação abrupta da pressão arterial com lesão de órgão-alvo. Retinopatia de graus III (hemorragia e
exsudato) e IV (papiledema) é característica da hipertensão arterial em fase maligna. As manifestações clínicas da
hipertensão maligna nos rins incluem: início abrupto de proteinúria, podendo evoluir em um terço dos pacientes, com
proteinúria na faixa nefrótica; hematúria microscópica em 50 a 100% dos casos e hematúria macroscópica em 20%
deles34. A função renal pode estar normal no início, mas, muitas vezes, deteriora-se progressivamente, podendo evoluir
para insuficiência renal crônica terminal, num período que varia de semanas a meses, se a pressão arterial não for
adequadamente controlada. Em nosso estudo25, pacientes com nefroesclerose maligna eram mais jovens, porém com
lesão renal mais grave (maior creatinina sérica e menor tamanho renal). Quando comparados com pacientes com
nefroesclerose benigna, a proteinúria média não diferiu entre os grupos e a hematúria ocorreu apenas naqueles com
nefroesclerose maligna (Tabela IV).
HARRISON
LESÃO MICROVASCULAR ASSOCIADA À HIPERTENSÃO
ARTERIAL ARTERIOLONEFROSCLEROSE
Hipertensão “maligna”
Embora haja elevação da PA com a idade, constatou-se, há
muito tempo, que alguns indivíduos desenvolvem
elevações rapidamente progressivas da PA e lesão de
órgãos-alvo, incluindo hemorragias retinianas,
encefalopatia e declínio da função renal. Os
braços-placebo nos ensaios clínicos controlados para
avaliação do tratamento da hipertensão identificaram
evolução para níveis graves em 20% dos indivíduos ao
longo de 5 anos. Quando não tratados, os pacientes com
lesão de órgãos-alvo, incluindo papiledema e declínio da
função renal, tiveram taxas de mortalidade > a 50% ao
longo de 6 a 12 meses, daí a designação de “maligna”.
Estudos post mortem desses pacientes identificaram
lesões vasculares, denominadas “necrose fibrinoide”, com
ruptura da parede do vaso, depósito de material
eosinofílico, incluindo fibrina, e infiltrado celular
perivascular. Uma lesão distinta foi identificada nas
artérias interlobulares maiores em muitos pacientes com
proliferação hiperplásica dos elementos celulares da
parede vascular, depósito de colágeno e separação das
camadas, designada como lesão “em casca de cebola”.
Para muitos desses pacientes, a necrose fibrinoide levou à
obliteração dos glomérulos e à perda de estruturas
tubulares. Como resultado, houve evolução com
insuficiência renal progressiva que, sem suporte com
diálise, levou à mortalidade precoce em pacientes com
hipertensão na fase maligna não tratados. Essas alterações
vasculares podem se desenvolver em consequência de
lesão relacionada com a pressão por meio de uma
variedade de vias hipertensivas, incluindo (mas não
limitada) a ativação do sistema renina-angiotensina, e de
vasospasmo intenso associado à liberação de
catecolaminas. Em certas ocasiões, a lesão endotelial é
suficiente para induzir hemólise microangiopática,
conforme discutido adiante. Os agentes anti-hipertensivos
formam a base da terapia para a hipertensão maligna.
Com a redução efetiva da PA, as manifestações da lesão
vascular, incluindo hemólise microangiopática e disfunção
renal, podem melhorar com o tempo. Embora as séries
relatadas antes da era da terapia farmacológica tenham
sugerido que as taxas de mortalidade em 1 ano
ultrapassaram 90%, a taxa de sobrevida atual em 5 anos
ultrapassa 50%. A hipertensão maligna é menos comum
nos países ocidentais, embora persista em partes do
mundo onde há menos disponibilidade de assistência
médica e de tratamento com fármacos anti-hipertensivos.
Com maior frequência, ocorre em pacientes com
hipertensão tratada que deixam de tomar os
medicamentos ou que usam drogas vasoespásticas, como
a cocaína. Entre as anormalidades renais estão a elevação
do nível sérico de creatinina e, às vezes, a hematúria e a
proteinúria. Os achados bioquímicos podem incluir
evidências de hemólise (anemia, esquistócitos e
reticulocitose) e alterações associadas à insuficiência renal.
Os homens negros têm maior tendência a desenvolver
hipertensão rapidamente progressiva e insuficiência renal
em comparação com os brancos nos Estados Unidos.
Polimorfismos genéticos para APOL1, comuns na
população negra, predispõem à doença glomerular
esclerosante focal sutil, com a hipertensão grave
ocorrendo em idades mais jovens secundária à doença
renal nesses casos. “Nefrosclerose hipertensiva” Com base
na experiência com hipertensão maligna e nas evidências
epidemiológicas que associam a PA a riscos de longo prazo
de insuficiência renal, foi sugerido, há muito tempo, que
graus menores de hipertensão poderiam induzir alterações
menos graves, porém prevalentes, nos vasos renais e
perda da função renal. Em consequência, uma grande
parcela de pacientes que evoluem com DRET sem
diagnóstico etiológico específico é categorizada com a
designação de “nefrosclerose hipertensiva”. Em geral, o
exame patológico identifica espessamento das arteríolas
aferentes, com depósito de material eosinofílico
homogêneo (arteriolosclerose hialina) associado ao
estreitamento do lúmen vascular. As manifestações clínicas
consistem em alterações dos vasos retinianos associadas à
hipertensão (estreitamento arteriolar, cruzamentos
arteriovenosos patológicos), hipertrofia do ventrículo
esquerdo e elevação da PA. O papel dessas alterações
vasculares na função renal ainda não está esclarecido.
Amostras post mortem e de biópsia de doadores de rim
normotensos demonstram alterações vasculares
semelhantes associadas ao envelhecimento, à dislipidemia
e à intolerância à glicose. Embora a redução da PA diminua
efetivamente a velocidade de progressão da doença renal
proteinúrica e seja necessária para reduzir os riscos
cardiovasculares excessivos associados à DRC, a terapia
anti-hipertensiva não altera a evolução da disfunção renal
identificada especificamente como nefrosclerose
hipertensiva.
NEFROSCLEROSE HIPERTENSIVA
A hipertensão sistêmica não controlada causa dano
permanente ao rim de 6% dos pacientes hipertensos. Até
27% dos pacientes com DRET têm hipertensão como causa
primária. Apesar de não existir uma correlação clara entre
a duração da hipertensão e o risco de dano do órgão-alvo,
a nefrosclerose hipertensiva é 5 vezes mais frequente em
negros do que em brancos. Os alelos de risco associados
ao APOL1, um gene funcional para a apolipoproteína L1
expressa nos podócitos, explicam substancialmente a
frequência aumentada da DRET entre os negros. Os fatores
de risco associados de progressão para DRET incluem
idade avançada, sexo masculino, raça, tabagismo,
hipercolesterolemia, duração da hipertensão, baixo peso
ao nascer e lesão renal preexistente. As biópsias renais dos
pacientes com hipertensão, hematúria microscópica e
proteinúria moderada demonstram arteriolosclerose,
nefrosclerose crônica e fibrose intersticial na ausência de
imunodepósitos (ver Fig. A3-21). Atualmente, com baseem uma anamnese minuciosa, no exame físico, no exame
de urina e em alguns testes sorológicos, o diagnóstico de
nefrosclerose crônica costuma ser inferido sem
necessidade de biópsia. Estudos recentes sugerem que, na
ausência de diabetes, adultos com hipertensão e fatores
de risco cardiovascular são beneficiados quando alcançam
uma PA sistólica <120 mmHg, em comparação à PA < 140
mmHg. Na presença de doença renal, a terapia é iniciada
na maioria dos casos com dois fármacos, classicamente um
diurético tiazídico e um inibidor da ECA; a maioria
necessitará de três fármacos. Existe evidência concreta em
negros com nefrosclerose hipertensiva de que a terapia
iniciada com um inibidor da ECA pode tornar mais lento o
ritmo de declínio da função renal, independentemente dos
efeitos sobre a pressão arterial sistêmica. A aceleração
maligna da hipertensão complica a evolução da
nefrosclerose crônica, em particular na vigência de
esclerodermia ou uso de cocaína (ver Fig. A3-24). O
estresse hemodinâmico da hipertensão maligna acarreta
necrose fibrinoide dos pequenos vasos sanguíneos,
microangiopatia trombótica, um exame de urina nefrítico e
lesão renal aguda. Na vigência de disfunção renal, dor
torácica ou papiledema, a condição deve ser tratada como
uma emergência hipertensiva.
RIELLA
HIPERTENSÃO E DOENÇA RENAL PARENQUIMATOSA |
NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA
INTRODUÇÃO
Hipertensão arterial sistêmica é causa de doença renal
crônica renal? A resposta a essa pergunta ainda não é
definitiva, embora a maioria das evidências apontem como
“SIM” à resposta. Um estudo observacional avaliando a
história natural de 500 pacientes hipertensos, desde a fase
não complicada até o óbito (média de 20 anos de
observação), registrou proteinúria em 42% dos casos,
insuficiência renal crônica em 18% e hipertensão arterial
maligna em 7%. É consenso que a fase maligna refere-se a
uma causa de insuficiência renal, embora, após o advento
das medicações anti-hipertensivas, essa condição tenha se
tornando cada vez mais rara. Do mesmo modo, registros
de diálise apontam a nefroesclerose hipertensiva
decorrente da hipertensão arterial primária (essencial)
como causa importante de doença renal crônica em
estágio 5. O contraponto a essa observação é que, em
grandes estudos epidemiológicos, poucos pacientes
hipertensos desenvolvem lesão renal significativa.
Evidências mais recentes apontam que o risco de
desenvolver doença renal crônica em fase avançada está
aumentado em hipertensos. 1 O dilema persiste, uma vez
que estudos epidemiológicos e observacionais não
comprovam que a lesão provém da hipertensão ou de
doença primária renal não diagnosticada previamente: se
está vendo o ovo ou a galinha? Estudos de biopsia renal
em afro-americanos e outro no Brasil demonstram que as
lesões descritas como “nefroesclerose hipertensiva”
parecem estar associadas fortemente à hipertensão
arterial. 2,3
Mecanismos de lesão renal pela hipertensão arterial
Considerando que uma parcela dos pacientes com
hipertensão essencial pode desenvolver dano renal
progressivo, propõem-se dois mecanismos sinérgicos
como causa da lesão renal:
1. Isquemia glomerular em decorrência do estreitamento
progressivo da luz de arteríolas pré-glomerulares
secundário a arterioesclerose hialina e hipertrofia da
camada média desses vasos em virtude de lesão mecânica
direta da elevação sustentada da hipertensão arterial,
levando à insuficiência renal por isquemia renal.
2. Redução no número de néfrons decorrente de isquemia
glomerular, induzindo, assim, uma adaptação nos néfrons
remanescentes com vasodilatação da arteríola aferente e
transmissão da hipertensão sistêmica diretamente para os
glomérulos ocasionando hipertensão intraglomerular,
hiperfiltração glomerular e esclerose glomerular.
Outra hipótese levantada é que o aumento da pressão
intraglomerular em hipertensos poderia também ocorrer
por falha no mecanismo de autorregulação renal, com
diminuição da resistência da arteríola aferente e
transmissão da hipertensão sistêmica para o glomérulo. 4
Além desses mecanismos que fundamentam a lesão
glomerular como base para a insuficiência renal
secundária à hipertensão arterial, algumas evidências
apontam para a participação da isquemia crônica nas
alterações tubulointersticiais induzidas pela hipertensão.
Portanto, a isquemia crônica produzida por alterações de
pequenos vasos induziria tanto alterações glomerulares
quanto tubulointersticiais, levando à nefroesclerose
hipertensiva.
PATOLOGIA RENAL DA NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA
Duas formas distintas de lesão renal da hipertensão
arterial são descritas na patologia renal: a nefroesclerose
benigna e a e maligna. A nefroesclerose benigna apresenta
como principal característica a presença de depósitos
hialinos em paredes de arteríolas aferentes (Figura 36.1 A).
Na parede de artérias interlobulares e arqueadas, os
depósitos hialinos são incomuns; com mais frequência,
apresentam hipertrofia da camada média e fibrose da
íntima. Essas lesões estão associadas à diminuição da luz
vascular. 5 Os glomérulos são secundariamente afetados e
a lesão mais característica é o seu colapso isquêmico, com
retração do tufo glomerular junto ao polo vascular,
enrugamento da membrana basal e posterior
glomeruloesclerose global. Lesões de glomeruloesclerose
segmentar e focal também têm sido descritas em rins de
pacientes hipertensos. 6 A nefroesclerose maligna
compromete principalmente a íntima das artérias
interlobulares. As lesões incluem:
1. Proliferação de células musculares na íntima
(proliferação miointimal) e formação de fibras colágenas,
levando a um padrão típico de fibrose concêntrica da
íntima, com aspecto de “casca de cebola” (Figura 36.1 B)
2. Necrose fibrinoide de células de músculo liso de
pequenas artérias e arteríolas, podendo se estender para
o glomérulo.
Essas lesões podem provocar um estreitamento
irreversível da luz vascular. O colapso isquêmico dos
glomérulos é muito frequente e ocasionado pela
obliteração dos vasos préglomerulares. Já a
glomeruloesclerose segmentar ou global, observada em
fase mais tardia, pode decorrer tanto de isquemia quanto
de cicatrização de áreas necróticas.
Aspectos clínicos
Na ausência de biopsia renal, o diagnóstico clínico de
nefroesclerose benigna se dá por exclusão de hipertensão
arterial em fase maligna e de outras causas de doença
primária renal. São critérios sugeridos para o diagnóstico
clínico:
1. Hipertensão arterial de longa data com evidência de
lesão em outros órgãosalvos, como retinopatia
hipertensiva ou hipertrofia do ventrículo esquerdo
2. Função renal normal quando do diagnóstico da
hipertensão arterial
3. Proteinúria baixa, em geral < 1,0 g em 24 h
4. Sedimento urinário normal
5. Ausência de diabetes
6. Afrodescendência.
Já a nefroesclerose maligna está presente no contexto
clínico do diagnóstico sindrômico de hipertensão arterial
maligna, entidade caracterizada por elevação de grande
magnitude da pressão arterial (PA), em geral pressão
arterial sistólica (PAS) > 180 e pressão arterial diastólica
(PAD) > 110 mmHg, acompanhada de lesão aguda de
órgão-alvo: encefalopatia hipertensiva; insuficiência
cardíaca congestiva; e insuficiência renal progressiva.
Retinopatias grau III (hemorragia e exsudato) e grau IV
(papiledema) são consideradas características da
hipertensão arterial em fase maligna. As manifestações
renais da nefroesclerose maligna incluem: proteinúria em
grau variável, podendo evoluir em um terço dos pacientes
com proteinúria na faixa nefrótica; hematúria microscópica
em 50% dos casos; e hematúria macroscópica em 20%
deles. 7 A função renal pode estar normal no início, mas,
muitas vezes, deteriora-se progressivamente, podendo
evoluir para insuficiência renal crônica avançada dentro de
semanas ou meses se a pressão arterial não for
adequadamente controlada.
RESUMO
Apesar da identificação da doença renal como causa de
hipertensão arterial já ter ocorrido em 1836, apenas 43
anos mais tarde foi estabelecida a relação inversa: a
doença renal como consequência da hipertensão arterial!O termo “nefroesclerose” foi criado por Theodor Fahr para
descrever a lesão renal associada ao envelhecimento.
Posteriormente, observou-se que se tratava do mesmo
tipo de lesão presente na “nefropatia hipertensiva”.
Nefroesclerose hipertensiva (ou nefroangioesclerose) é o
termo aplicado à lesão decorrente do efeito da
hipertensão arterial sistêmica sobre os rins, afetando
particularmente as pequenas artérias (arqueadas,
interlobulares), as arteríolas aferentes e os glomérulos.
Dois tipos de nefroesclerose hipertensiva são descritos: (1)
Nefroesclerose hipertensiva benigna. (2) Nefroesclerose
hipertensiva maligna. Enquanto o segundo tipo (maligno) é
uma entidade bem definida e estudada, o primeiro tipo
(benigno) merece algumas considerações sobre sua “real
identidade” e importância clínica... O primeiro motivo de
confusão é o fato de as alterações histopatológicas
clássicas da nefroesclerose benigna também serem
observadas em indivíduos idosos não hipertensos
(“nefropatia senil”). O segundo problema conceitual é o
fato de o diagnóstico da nefroesclerose benigna
geralmente ser feito em pacientes que já apresentam
insuficiência renal (Cr > 1,5 mg/dl), dificultando a
conclusão sobre quem veio primeiro: a hipertensão ou a
insuficiência renal? Será que uma glomerulopatia primária
incipiente (como a GEFS idiopática) não estaria por trás de
boa parte dos “supostos” casos de nefroesclerose
benigna??? Muitas dúvidas vêm sendo esclarecidas... Por
exemplo, já se sabe que os hipertensos da raça negra,
quando têm queda lentamente progressiva da TFG e
proteinúria < 1,5 g/24h, quase sempre apresentam na
biópsia renal os achados clássicos da nefroesclerose
benigna “pura”. Já os hipertensos leves a moderados da
raça branca, com quadro semelhante, costumam
apresentar na biópsia renal um aspecto mais sugestivo de
glomerulopatia primária, como a GEFS idiopática. A
nefroesclerose hipertensiva é uma importante causa de
“rins em fase terminal”. Na população negra, é a causa
mais comum de doença renal terminal, responsável por
35-40% dos casos. Na população branca, a nefroesclerose
hipertensiva é a segunda causa de “rins terminais” nos
EUA e na Europa (onde a primeira causa é o diabetes
mellitus). No Brasil as estatísticas são um pouco diferentes,
sendo a nefroesclerose hipertensiva a PRIMEIRA causa de
“rins terminais” na população geral (a nefropatia diabética
fica em segundo lugar em nosso meio). Existe um curioso
paradoxo em relação à nefroesclerose hipertensiva: apesar
de ser a primeira ou segunda maior causa de “doença
renal terminal” nos centros de diálise, sabe-se que esta
entidade é uma complicação relativamente rara da
hipertensão arterial, ocorrendo em < 2% dos pacientes
após cinco anos de acompanhamento. Este fato possui três
explicações plausíveis: (1) o número de hipertensos é tão
grande que mesmo uma pequena percentagem de
nefropatia hipertensiva neste grupo resulta em número
expressivamente alto de renais crônicos; (2) a taxa de
progressão da insuficiência renal é extremamente lenta na
nefroesclerose benigna, não aparecendo após cinco anos;
(3) boa parte dos pacientes em diálise no grupo
“nefropatia hipertensiva”, na verdade, teria uma
nefropatia primária agravada pela hipertensão arterial.
Estudos recentes favorecem as duas primeiras hipóteses,
descartando-se a terceira nos hipertensos negros. O
segmento do estudo MRFIT de 322.000 pacientes
hipertensos por até 16 anos mostrou que o risco de
insuficiência renal crônica foi mais elevado do que o
previamente documentado, além de ser proporcional ao
grau de hipertensão (risco relativo de 2x nos hipertensos
leves, 6x nos hipertensos moderados e 11x nos
hipertensos graves).
PATOLOGIA E PATOGÊNESE
O marco histopatológico da nefropatia hipertensiva é o acometimento das pequenas artérias interlobulares e das
arteríolas aferentes (arterioloesclerose), que são as principais estruturas renais a sofrer com o aumento da pressão
hidrostática intraluminal. A redução do lúmen desses vasos provoca graus variados de isquemia glomerular e
tubulointersticial. Um conceito fundamental: a lesão glomerular da nefroesclerose NÃO é o evento inicial, mas sim
secundário ao acometimento arteriolar.
Nefroesclerose Benigna
O aumento da pressão arterial em longo prazo lesa diretamente as artérias e arteríolas renais. A lesão endotelial é um dos
principais fatores implicados neste processo. Dois tipos de resposta vascular são observados:
(1) Hipertrofia da camada média e espessamento da íntima das pequenas artérias renais (arqueadas e interlobulares) –
uma resposta inicialmente adaptativa, ao “poupar” os glomérulos do aumento pressórico. Quando exagerada, a redução
do lúmen das pequenas artérias renais contribui para o processo de isquemia glomerular.
(2) Arteriolosclerose hialina (figura 1): deposição de material hialino (derivado de proteínas plasmáticas e lipídios) na
parede das arteríolas aferentes, com redução progressiva do lúmen e isquemia glomerular satélite. A isquemia glomerular
leva à glomeruloesclerose focal global (focal: alguns glomérulos; global: o glomérulo inteiro) que, por sua vez, provoca a
perda do néfron. A esclerose glomerular global pode ser subdividida em dois tipos histológicos: solidificado (no qual todo
o tufo é homogeneamente envolvido) e obsolescente (no qual o tufo capilar é retraído e o restante da cápsula de Bowman
é preenchido por um material colágeno-símile). O tipo solidificado é mais comum na raça negra. Como inicialmente
apenas alguns glomérulos são acometidos pela esclerose global, os remanescentes começam a hiperfiltrar, o que provoca
uma nova lesão: a glomeruloesclerose segmentar. Os glomérulos com esclerose segmentar encontram-se hipertrofiados
pelo hiperfluxo, enquanto aqueles com esclerose global estão atrofiados. A Glomeruloesclerose Focal e Segmentar (GEFS),
na verdade, é uma lesão secundária ao processo de nefroesclerose hipertensiva, mas não deixa de contribuir
significativamente para a progressão da proteinúria e da insuficiência renal nesses pacientes. Agora você pode entender
melhor a dúvida de muitos patologistas ao analisar a biópsia de um hipertenso com proteinúria e insuficiência renal: quem
veio primeiro, a nefroesclerose hipertensiva ou a GEFS?? Lembre-se de que a GEFS idiopática cursa frequentemente com
hipertensão arterial secundária... A lesão tubulointersticial contém dois componentes: o inflamatório (nefrite intersticial
crônica) e o atrófico (atrofia tubular). A isquemia tubular pode alterar antígenos presentes nas células epiteliais,
provocando uma espécie de injúria “autoimune”.
Nefroesclerose Maligna
A nefroesclerose hipertensiva maligna é uma entidade extremamente bem documentada e já levou um grande número de
pacientes ao óbito antes da era dos anti-hipertensivos. O paciente que tem este tipo de lesão renal, na verdade, apresenta
uma síndrome multissistêmica, denominada “Hipertensão Maligna”, ou “hipertensão acelerada maligna”.
Esta síndrome é definida pelo aumento abrupto dos níveis tensionais, atingindo valores > 120-130 mmHg para a PA
diastólica e > 200-220 mmHg para a PA sistólica, e provocando graves lesões de órgãos-alvo, particularmente retinopatia
hipertensiva grau III (hemorragias em “chama de vela” e exsudatos moles esparsos) ou grau IV (papiledema). O edema
agudo de pulmão hipertensivo, a encefalopatia hipertensiva e a nefroesclerose maligna são apenas componentes da
síndrome (que podem ou não estar presentes).
Na macroscopia, podemos encontrar rins de tamanho aumentado e múltiplas
petéquias corticais (“rins com picada de pulga”), decorrentes da rotura de
pequenos vasos. Dois tipos de lesão surgem na parede das arteríolas aferentes e
artérias interlobulares:
(1) Necrose fibrinoide – depósito de material eosinofílico composto por fibrina,
muitas vezes contendo infiltrado inflamatório (leucócitos), surgindo a nomenclatura
arteriolite necrosante.
(2) Arterioloesclerose hiperplásica (figura 2) – espessamento da média devido à
proliferação concêntrica de células musculares lisas entremeadas a um depósitolaminar de colágeno (lesão em “bulbo de cebola”).
A insuficiência renal rapidamente progressiva se instala pela acentuada isquemia
glomerular difusa, provocando síndrome urêmica grave e necessidade de diálise. Os
glomérulos apresentam necrose isquêmica, trombose intracapilar e infiltração
neutrofílica (glomerulonefrite necrosante). Esta glomerulite explica a hematúria
(que inclusive pode ser macroscópica), a proteinúria significativa (por vezes na faixa
nefrótica) e o eventual aparecimento de cilindros hemáticos e leucocitários. A
trombose capilar contribui para a degradação mecânica de hemácias, o que leva a
uma anemia microangiopática, com presença de esquizócitos (fragmentos de
hemácia) na periferia. A isquemia glomerular estimula a liberação de renina, fazendo aumentar a angiotensina II e,
consequentemente, a aldosterona. Este fenômeno contribui para o aumento progressivo da pressão arterial nesses
pacientes (um ciclo vicioso). A hipocalemia é descrita em conjunto com uma alcalose metabólica, explicada pela elevação
dos níveis de aldosterona (hiperaldosteronismo). Contudo, em estágios mais avançados, a acidose metabólica da própria
síndrome urêmica acaba obscurecendo os efeitos do hiperaldosteronismo, e o indivíduo desenvolve acidose
hipercalêmica. Não tratada, a nefroesclerose maligna culmina em semanas ou meses no “estado de rins terminais”, uma
condição irreversível de falência renal.
OBJETIVO 2. Correlacionar o quadro clínico e a evolução
clínica da DRC com sua fisiopatologia
HARRISON
O termo doença renal crônica (DRC) engloba um espectro
de processos fisiopatológicos associados à função renal
anormal e ao declínio progressivo da taxa de filtração
glomerular (TFG). O risco de progressão da DRC está
estreitamente relacionado à TFG e à quantidade de
albuminúria. A Figura 305- 1 mostra o estadiamento da
DRC estratificada pelas estimativas desses dois
parâmetros.
O termo desalentador doença renal em estágio terminal
representa um estágio da DRC em que o acúmulo de
toxinas, líquidos e eletrólitos normalmente excretados
pelos rins resulta em risco de vida, a menos que as toxinas
sejam removidas por terapia de substituição renal,
empregando diálise ou transplante renal. Essas
intervenções são discutidas nos Capítulos 306 e 307. O
termo doença renal em estágio terminal foi substituído
neste capítulo por DRC estágio 5.
FISIOPATOLOGIA DA DRC
A fisiopatologia da DRC caracteriza-se por dois amplos
grupos de mecanismos lesivos: (1) mecanismos iniciais
específicos da etiologia subjacente (p. ex., anormalidades
do desenvolvimento ou da integridade renal, deposição de
imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de
glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas
doenças dos túbulos e do interstício renais); e (2)
hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis
remanescentes, que são uma consequência comum da
redução da massa renal a longo prazo,
independentemente da etiologia subjacente e que leva ao
declínio adicional da função renal (Cap. 333e da 19a
edição do Medicina interna de Harrison). As respostas à
redução da quantidade de néfrons são mediadas por
hormônios vasoativos, citocinas e fatores de crescimento.
Por fim, essas adaptações de curto prazo (hiperfiltração e
hipertrofia) para manter a TFG tornam-se mal-adaptativas
à medida que a pressão e o fluxo sanguíneo aumentados
dentro do néfron predispõem à distorção da arquitetura
dos glomérulos, função anormal dos podócitos e
rompimento da barreira de filtração, levando à esclerose e
à destruição dos néfrons remanescentes (Fig. 305-2). O
aumento da atividade intrarrenal do sistema
renina-angiotensina (SRA) parece contribuir para a
hiperfiltração compensatória inicial e para a subsequente
hipertrofia e esclerose maladaptativas. Esse processo
explica por que a redução da massa renal secundária a
uma agressão isolada pode levar ao declínio progressivo
da função renal ao longo de muitos anos (Fig. 305-3).
TABELA 305-2 ■ Principais categorias de etiologias da DRC
a Nefropatia diabética Glomerulonefrite D
RC associada à hipertensão (inclui doença renal vascular e isquêmica, e doença glomerular primária com hipertensão
associada)
Doença renal policística autossômica dominante
Outras nefropatias císticas e tubulointersticiais
FISIOPATOLOGIA E BIOQUÍMICA DA UREMIA
Embora as concentrações séricas de ureia e creatinina sejam utilizadas para avaliar a capacidade excretora dos rins, o
acúmulo dessas duas moléculas, por si só, não explica os muitos sinais e sintomas que caracterizam a síndrome urêmica na
insuficiência renal avançada. Um grande número de toxinas que se acumulam com o declínio da TFG foram implicadas na
síndrome urêmica. Entre essas toxinas, estão as hidrossolúveis, as hidrofóbicas, aquelas ligadas a proteínas e os produtos
metabólicos não voláteis contendo nitrogênio com e sem carga. Desse modo, fica evidente que as concentrações séricas
da ureia e da creatinina, embora possam ser determinadas facilmente, devem ser entendidas como marcadores
substitutos e imprecisos dessas toxinas; a monitoração dos níveis da ureia e da creatinina do paciente com disfunção renal
é uma simplificação exagerada do estado urêmico. A síndrome urêmica envolve mais do que a insuficiência excretora
renal. Inúmeras funções metabólicas e endócrinas desempenhadas normalmente pelos rins também são comprometidas,
e isso causa anemia, desnutrição e anormalidades do metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. Além disso, os
níveis plasmáticos de muitos hormônios (como PTH, FGF-23, insulina, glucagon, hormônios esteroides, como a vitamina D
e os hormônios sexuais, e prolactina) alteram-se na DRC em razão da excreção reduzida, da menor degradação ou da
regulação hormonal anormal. Por fim, a DRC está associada à inflamação sistêmica aumentada. Os níveis altos de proteína
C-reativa são detectados simultaneamente com outros reagentes de fase aguda, enquanto as concentrações dos
chamados reagentes negativos da fase aguda (p. ex., albumina e fetuína) diminuem. Desse modo, a inflamação associada à
DRC é importante para a síndrome de desnutrição-inflamação-aterosclerose/calcificação, que contribui para a aceleração
da doença vascular e a comorbidade associada à doença renal avançada. Em resumo, a fisiopatologia da síndrome urêmica
pode ser dividida em três esferas de manifestações disfuncionais: (1) distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas
normalmente excretadas pelos rins; (2) anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a
homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal; e (3) inflamação sistêmica progressiva e suas consequências
vasculares e nutricionais.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E LABORATORIAIS DA DRC E DA UREMIA
A uremia causa distúrbios funcionais em quase todos os sistemas do organismo. A diálise crônica pode reduzir a incidência
e a gravidade de muitos desses distúrbios, de forma que as manifestações integrais da uremia desapareceram
amplamente do cenário de saúde moderno. Entretanto, mesmo o tratamento dialítico ideal não é totalmente efetivo
como terapia renal substitutiva, porque alguns distúrbios resultantes da disfunção renal não respondem à diálise.
DISTÚRBIOS DE LÍQUIDOS, ELETRÓLITOS E ACIDOBÁSICOS
Homeostase do sódio e da água
Com a função renal normal, a excreção tubular de água e sódio filtrado corresponde à ingesta. Muitas formas de doença
renal (p. ex., glomerulonefrite) rompem esse equilíbrio, de modo que a ingesta alimentar de sódio excede sua excreção
urinária, resultando na retenção de sódio e consequente expansão do volume de líquido extracelular (VLEC). Isso pode
contribuir para a hipertensão que, por si só, pode acelerar a lesão dos néfrons. Enquanto a ingesta de água não for maior
que a capacidade de sua eliminação, a expansão do VLEC será isotônica e o paciente terá concentração plasmática de
sódio normal. A hiponatremia é pouco comum em pacientes com DRC e, quando presente, costuma responder à restrição
de água. O paciente com expansão do VLEC (edema periférico, às vezes com hipertensão pouco responsivaao tratamento)
deve ser orientado a fazer restrição de sal. Os diuréticos tiazídicos têm pouca utilidade nos estágios 3-5 da DRC, de modo
que a administração dos diuréticos de alça (como furosemida, bumetanida ou torsemida) pode ser necessária. Na DRC, a
resistência aos diuréticos de alça costuma impor o uso de doses mais altas que as administradas aos pacientes com TFG
preservada. A combinação de diuréticos de alça com metolazona pode ser útil. Na DRC avançada, a resistência aos
diuréticos diante de edema e hipertensão intratáveis pode ser um indício da necessidade de iniciar a diálise. Além dos
distúrbios da excreção de sal e água, alguns pacientes com DRC podem, em vez disso, apresentar reduzida conservação
renal de sódio e água por deterioração da resposta adaptativa. Quando há uma causa extrarrenal para a perda de líquidos
(p. ex., perdas gastrintestinais [GIs]), esses pacientes podem ser suscetíveis à depleção do VLEC em razão da incapacidade
de os rins insuficientes reterem quantidades adequadas de sódio filtrado. Além disso, a depleção do VLEC, seja em razão
das perdas GI ou do tratamento diurético exagerado, pode comprometer ainda mais a função renal em consequência de
subperfusão, ou por um estado “pré-renal”, resultando em lesão renal aguda sobreposta à DRC de base
(acute-on-chronic). Nesse contexto, suspender ou ajustar a dose de diurético, ou até mesmo uma administração cautelosa
de volume com solução salina, podem trazer o VLEC de volta ao normal e restaurar a função renal ao nível basal.
Homeostase do potássio
Com a DRC, o declínio da TFG não é necessariamente acompanhado de uma redução correspondente na excreção urinária
de potássio, a qual é mediada de modo predominante pela aldosterona nos segmentos distais dos néfrons. Nesses
pacientes, outra defesa contra a retenção de potássio é o aumento da sua excreção pelo trato GI. Apesar dessas duas
respostas homeostáticas, a hiperpotassemia pode ser precipitada em determinadas situações clínicas. Estas incluem
aumento da ingesta alimentar de potássio, hemólise, hemorragia, transfusão de hemácias armazenadas e acidose
metabólica. Ainda, é importante salientar que diversos fármacos podem inibir a excreção renal do potássio e causar
hiperpotassemia. Os fármacos mais importantes nesse sentido são os inibidores do SRA e a espironolactona, bem como
outros diuréticos poupadores de potássio, inclusive amilorida, eplerenona e triantereno. Os benefícios proporcionados
pelos inibidores de SRA em termos de melhora da progressão da DRC e suas complicações, em geral, favorecem seu uso
cauteloso e sensato, com estreito monitoramento da concentração plasmática de potássio. Algumas causas de DRC podem
estar associadas à desorganização mais precoce e grave dos mecanismos secretores de potássio no néfron distal,
desproporcional ao declínio da TFG. Essas possíveis causas incluem os distúrbios associados ao hipoaldosteronismo
hiporreninêmico (p. ex., diabetes) e as doenças renais que afetam preferencialmente o néfron distal (p. ex., uropatia
obstrutiva e nefropatia falciforme). A hipopotassemia não é comum na DRC e, em geral, reflete as reduções extremas na
ingesta alimentar de potássio, principalmente quando associadas ao tratamento diurético excessivo ou às perdas GI
concomitantes. O uso de suplementos de potássio e de diuréticos poupadores de potássio pode ser arriscado em
pacientes com função renal comprometida e precisa ser monitorado cautelosamente.
Acidose metabólica
A acidose metabólica é um distúrbio comum na DRC avançada. A maioria dos pacientes ainda consegue acidificar a urina,
mas produz menos amônia e, por essa razão, não é capaz de excretar a quantidade normal de prótons. Quando presente,
a hiperpotassemia suprime ainda mais a produção de amônia. A combinação de hiperpotassemia com acidose metabólica
hiperclorêmica é observada comumente, mesmo nos estágios iniciais de DRC (estágios 1-3), nos pacientes com nefropatia
diabética ou nos indivíduos com doença predominantemente tubulointersticial ou uropatia obstrutiva. Com a deterioração
da função renal, a excreção urinária diária líquida de ácidos, em geral, se limita a 30-40 mmol, e os ânions dos ácidos
orgânicos retidos podem, então, causar acidose metabólica com anion gap. Desse modo, a acidose metabólica sem anion
gap, por vezes observada nos estágios iniciais da DRC, pode ser complicada pela acidose metabólica com anion gap, à
medida que a doença avança. Na maioria dos pacientes, a acidose metabólica é leve, o pH raramente é < 7,32 e tal acidose
geralmente pode ser corrigida por suplementos orais de bicarbonato de sódio. Estudos realizados com animais e humanos
sugeriram que mesmo graus mais modestos de acidose metabólica podem estar associados a catabolismo proteico. A
suplementação alcalina pode atenuar o estado catabólico e, possivelmente, retardar a progressão da DRC; por esse
motivo, tal medida é recomendada quando a concentração do bicarbonato sérico cai abaixo de 20-23 mmol/L. A
sobrecarga concomitante de sódio requer controle cuidadoso do volume e a necessidade de diuréticos.
DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DE CÁLCIO E FOSFATO
As principais complicações dos distúrbios do metabolismo do cálcio e fosfato associados à DRC ocorrem no esqueleto e no
leito vascular, ocasionalmente com envolvimento grave de tecidos moles. É provável que os distúrbios de turnover ósseo e
as calcificações dos vasos sanguíneos e dos tecidos moles estejam interrelacionados (Fig. 305-3).
Manifestações ósseas da DRC
Os principais distúrbios da doença óssea podem ser classificados em dois tipos: distúrbios associados a um alto turnover
ósseo, com níveis elevados de PTH (como a osteíte fibrosa cística, a lesão clássica do hiperparatireoidismo secundário),
osteomalácia decorrente da ação diminuída das formas ativas de vitamina D; e anormalidades atribuídas a um turnover
ósseo reduzido, com níveis normais ou baixos de PTH (doença óssea adinâmica) ou, mais frequentemente, combinações
dos anteriores. A fisiopatologia do hiperparatireoidismo secundário e da doença óssea consequente ao turnover elevado
está relacionada com o metabolismo mineral anormal em razão dos seguintes fatores: (1) a TFG declinante diminui a
excreção de fosfato e, desse modo, causa retenção deste elemento; (2) o fosfato retido estimula o aumento da síntese
tanto de FGF-23 por osteócitos quanto de PTH e estimula o crescimento das paratireoides; e (3) os níveis baixos de cálcio
ionizado, resultantes da supressão da síntese de calcitriol pelo FGF-23 e pelos rins insuficientes, assim como a retenção de
fosfato, também estimulam a produção de PTH. Os níveis baixos de calcitriol contribuem para o hiperparatireoidismo,
porque causam hipocalcemia e também por um efeito direto na transcrição dos genes do PTH. Essas alterações começam
quando a TFG cai para menos de 60 mL/min. O FGF-23 faz parte de uma família de fosfatoninas que promovem a excreção
renal do fosfato. Estudos recentes demonstraram que os níveis desse hormônio, que é secretado pelos osteócitos,
aumentam ainda mais nos estágios iniciais da DRC, mesmo antes do aparecimento laboratorial da hiperfosfatemia. O
FGF-23 pode manter os níveis séricos normais do fosfato ao menos por três mecanismos: (1) aumento da excreção renal
de fosfato; (2) estimulação do PTH, que também aumenta a excreção renal de fosfato; e (3) supressão da síntese de
1,25(OH)2D3 , que diminui a absorção do fósforo no trato GI. Curiosamente, os níveis altos do FGF-23 também são um dos
fatores de risco independentes para hipertrofia do ventrículo esquerdo e mortalidade em pacientes com DRC, em diálise e
transplantados renais. Além disso, os níveis altos desse hormônio podem indicar a necessidade de intervenção terapêutica
(p. ex., restrição de fosfato) mesmo quando os níveis séricos de fosfato encontram-se na faixa normal. O
hiperparatireoidismo estimula o turnover ósseo e causa osteíte fibrosa cística. A histologia óssea mostra osteoide anormal,
fibrose dos ossos e da medula óssea e, nos estágios avançados, formação de cistosósseos, algumas vezes com elementos
hemorrágicos, razão pela qual adquirem uma coloração castanha, daí o termo tumor marrom. As manifestações clínicas do
hiperparatireoidismo grave consistem em dor e fragilidade ósseas, tumores marrons, síndromes compressivas e resistência
à eritropoietina (EPO), em parte relacionada com a fibrose da medula óssea. Além disso, o PTH é considerado uma toxina
urêmica intrínseca, e níveis altos estão associados à fraqueza muscular, fibrose do miocárdio e sintomas constitucionais
inespecíficos. A prevalência da doença óssea adinâmica está aumentando, principalmente entre diabéticos e idosos. Essa
doença caracteriza-se por volume e mineralização ósseos reduzidos e pode ser causada pela supressão excessiva da
síntese do PTH, inflamação crônica ou ambas. A supressão do PTH pode ser causada pela utilização de preparações de
vitamina D ou exposição excessiva ao cálcio na forma de quelantes de fosfato contendo cálcio ou soluções dialíticas ricas
em cálcio. As complicações da doença óssea adinâmica incluem incidência aumentada de fraturas e dor óssea e uma
associação com aumento de calcificações vasculares e cardíacas. Algumas vezes, o cálcio precipitará nos tecidos moles
formando concreções grandes chamadas de “calcinose tumoral” (F ig. 305-4). Pacientes com osteopatia adinâmica
frequentemente experimentam os sintomas mais graves de dor musculoesquelética, devido à incapacidade de reparação
das microfraturas que ocorre propriamente como parte da homeostase esquelética sadia com a atividade física regular. A
osteomalácia é um processo distinto, consequente à diminuída produção e ação da 1,25(OH)2D3 , levando ao osteoide
não mineralizado.
Cálcio, fósforo e sistema cardiovascular Evidências epidemiológicas recentes demonstraram uma forte correlação entre
hiperfosfatemia e aumento da taxa de mortalidade cardiovascular entre os pacientes com DRC no estágio 5 e mesmo em
estágios anteriores. A hiperfosfatemia e a hipercalcemia estão associadas ao aumento das calcificações vasculares, mas
não está claro se a mortalidade excessiva é mediada por esse mecanismo. Estudos com tomografia computadorizada (TC)
convencional e TC por feixe de elétrons mostram que os pacientes com DRC têm calcificações da camada média das
artérias coronárias e também nas valvas cardíacas que parecem muito mais graves do que as observadas nos indivíduos
sem doença renal. A magnitude da calcificação é proporcional à idade e à hiperfosfatemia, e também está associada a
níveis baixos de PTH e ao turnover ósseo reduzido. Em pacientes com DRC, é possível que o cálcio ingerido possa não ser
incorporado aos ossos com baixo turnover e, por essa razão, seja depositado em sítios extraósseos como o leito vascular e
os tecidos moles. Nesse sentido, é interessante observar que também existe uma associação entre osteoporose e
calcificações vasculares na população em geral. Por fim, a hiperfosfatemia pode provocar uma mudança na expressão
genética nas células vasculares para um perfil semelhante ao dos osteoblastos, resultando em calcificações vasculares e
até ossificação.
Outras complicações do metabolismo mineral anormal
A calcifilaxia é uma condição devastadora observada quase exclusivamente em pacientes com DRC avançada. Essa
condição é prenunciada por livedo reticular e evolui para placas de necrose isquêmica, sobretudo nas pernas, coxas,
abdome e mamas (Fig. 305- 5). A patologia mostra indícios de obstrução vascular associada a uma extensa calcificação
vascular e de tecidos moles. Aparentemente, a incidência desse distúrbio está aumentando. A princípio, a calcifilaxia foi
atribuída a graves anormalidades no controle do cálcio e do fósforo em pacientes dialisados, em geral associadas ao
hiperparatireoidismo avançado. Entretanto, mais recentemente, a calcifilaxia tem sido observada com frequência
crescente na ausência de hiperparatireoidismo grave. Outras etiologias foram sugeridas, como o uso aumentado de cálcio
oral como quelante de fosfato. A varfarina é comumente utilizada pelos pacientes em hemodiálise, para os quais a maioria
dos anticoagulantes orais diretos são contraindicados, e nos quais um dos efeitos do tratamento com varfarina é reduzir a
regeneração vitamina K-dependente da proteína de matriz GLA. Essa última proteína é importante para a prevenção da
calcificação vascular. Assim, o tratamento com varfarina é considerado fator de risco para calcifilaxia e, se um paciente
desenvolve tal síndrome, essa medicação deve ser suspensa e substituída por outro anticoagulante
ANORMALIDADES CARDIOVASCULARES
A doença cardiovascular é a principal causa de morbidade e mortalidade entre os pacientes com DRC em qualquer estágio.
O risco aumentado de doença cardiovascular entre os indivíduos com DRC, quando comparados com a população geral
pareada por idade e sexo, varia de 10 a 200 vezes, dependendo do estágio da DRC. Por essa razão, a maioria desses
pacientes falece durante algum evento cardiovascular (Fig. 305-6) antes de chegar ao estágio 5 da DRC. Cerca de 30-45%
dos pacientes que chegam ao estágio 5 da DRC já têm complicações cardiovasculares avançadas. Assim, o foco dos
cuidados aos pacientes com DRC em estágios mais iniciais deve ser a prevenção das complicações cardiovasculares.
Doença vascular isquêmica
A prevalência mais alta das doenças vasculares entre os pacientes com DRC deve-se aos fatores de risco tradicionais
(“clássicos”) e não tradicionais (associados à DRC). Entre os fatores de risco tradicionais estão hipertensão, hipervolemia,
dislipidemia, hiperatividade simpática e hiper-homocisteinemia. Os fatores de risco associados à DRC incluem anemia,
hiperfosfatemia, hiperparatireoidismo, aumento de FGF-23, apneia do sono e inflamação generalizada. O estado
inflamatório parece acelerar a doença vascular obstrutiva, e os níveis baixos de fetuína podem predispor às calcificações
vasculares mais rapidamente, principalmente na vigência de hiperfosfatemia. Outras anormalidades detectadas nos
pacientes com DRC podem agravar a isquemia miocárdica, como hipertrofia ventricular esquerda e doença microvascular.
Além disso, a hemodiálise com episódios de hipotensão e hipovolemia pode agravar a isquemia coronariana e “atordoar”
repetidamente o miocárdio. Entretanto, curiosamente, o aumento mais expressivo da taxa de mortalidade cardiovascular
dos pacientes em diálise não necessariamente tem relação direta com infartos agudos do miocárdio confirmados, mas sim
com insuficiência cardíaca congestiva e morte súbita. Os níveis da troponina cardíaca frequentemente estão aumentados
nos pacientes com DRC, mesmo sem qualquer indício de isquemia aguda. Este aumento dificulta o diagnóstico do infarto
agudo do miocárdio nessa população. Medidas seriadas podem ser necessárias, visto que a tendência dos níveis de
troponina ao longo de algumas horas após a apresentação clínica pode ser mais informativa do que uma dosagem isolada.
Curiosamente, os níveis consistentemente altos são um dos fatores prognósticos independentes para a ocorrência de
eventos cardiovasculares adversos nessa população.
Insuficiência cardíaca
A função cardíaca anormal resultante da isquemia miocárdica, da hipertrofia ventricular esquerda, da disfunção diastólica
e da miocardiopatia franca, somada à retenção de sal e água, frequentemente causa insuficiência cardíaca ou edema
pulmonar. A insuficiência cardíaca pode ser devida à disfunção sistólica, diastólica ou ambas. Um tipo de edema pulmonar
de “baixa pressão” também pode ocorrer na DRC avançada e evidencia-se como dispneia e uma distribuição do edema
alveolar em padrão de “asa de morcego” na radiografia de tórax. Essa anormalidade pode ocorrer mesmo na ausência de
sobrecarga de VLEC e está associada à pressão de oclusão capilar pulmonar normal ou ligeiramente elevada. Esse processo
foi atribuído ao aumento da permeabilidade das membranas alveolocapilares em razão do estado urêmico e melhora com
a diálise. Outros fatores de risco associados à DRC, como anemia e apneia do sono, podem contribuir para o riscode
insuficiência cardíaca.
Hipertensão e hipertrofia ventricular esquerda
A hipertensão é uma das complicações mais comuns da DRC. Em geral, a hipertensão começa nos estágios iniciais da DRC
e está associada a desfechos adversos, inclusive ao desenvolvimento de hipertrofia ventricular e à deterioração mais
rápida da função renal. A hipertrofia do ventrículo esquerdo e a miocardiopatia dilatada estão entre os fatores de risco
mais importantes para morbidade e mortalidade cardiovasculares entre os pacientes com DRC e, aparentemente, estão
relacionadas sobretudo (embora não apenas) com hipertensão prolongada e sobrecarga de VLEC. Além disso, a anemia e a
criação de uma fístula arteriovenosa para hemodiálise podem aumentar o débito cardíaco e desencadear insuficiência
cardíaca. A ausência de hipertensão pode significar uma função ventricular esquerda ruim. Na verdade, nos estudos
epidemiológicos com pacientes em diálise, a pressão arterial baixa implica em prognóstico mais desfavorável que a
pressão arterial elevada. Esse mecanismo explica em parte a “causalidade reversa” observada nos pacientes dialisados,
nos quais a presença dos fatores de risco tradicionais (p. ex., hipertensão, hiperlipidemia e obesidade) parece conferir
prognósticos mais favoráveis. É importante salientar que essas observações originaram-se de estudos transversais com
pacientes nos estágios tardios da DRC e não devem ser interpretadas como desestímulo ao controle apropriado desses
fatores de risco nessa população, principalmente quando a DRC encontra-se em seus estágios iniciais. Ao contrário do que
se observa na população geral, é possível que nos estágios tardios da DRC a pressão arterial baixa, o índice de massa
corporal reduzido e a hipolipidemia indiquem a existência de um estado avançado de desnutrição-inflamação, que está
associado a um prognóstico desfavorável. A utilização dos fármacos que estimulam a eritropoiese pode aumentar a
pressão arterial e gerar a necessidade de agentes anti-hipertensivos. A sobrecarga crônica de VLEC também contribui para
a hipertensão, e a redução da pressão arterial geralmente pode ser observada após restrição da ingesta alimentar de
sódio, uso de diuréticos e remoção de líquidos pela diálise. No entanto, em razão da ativação do SRA e de outros
distúrbios no equilíbrio de vasoconstritores e vasodilatadores, alguns pacientes continuam hipertensos apesar do controle
rigoroso do VLEC
Doenças pericárdicas
A dor torácica com intensificação respiratória e acompanhada de atrito pericárdico é diagnóstica de pericardite. As
anormalidades eletrocardiográficas clássicas incluem depressão do intervalo PR e elevação difusa do segmento ST. A
pericardite pode estar acompanhada de derrame pericárdico, que pode ser detectado à ecocardiografia e raramente
evolui para tamponamento. Contudo, o derrame pericárdico pode ser assintomático e a pericardite pode ser vista sem
derrame significativo. A pericardite está associada à uremia avançada e, com a diálise iniciada no momento adequado,
essa complicação já não é tão comum quanto no passado. Hoje, a pericardite é detectada mais nos pacientes mal
dialisados que não seguem o tratamento prescrito, do que nos indivíduos que iniciam a diálise.
ANORMALIDADES HEMATOLÓGICAS
Anemia
A anemia normocítica e normocrômica começa a partir do estágio 3 da DRC e está presente em quase todos os pacientes
do estágio 4. A causa primária é a produção insuficiente de EPO pelos rins afetados. Na Tabela 305-3, fatores adicionais
são revisados.
TABELA 305-3 ■ Causas de anemia na DRC
Deficiência relativa de eritropoietina
Sobrevida reduzida das hemácias
Diátese hemorrágica
Deficiência de ferro decorrente de má absorção da dieta e de perda de sangue GI
Hiperparatireoidismo/fibrose da medula óssea Inflamação crônica
Deficiência de folato ou vitamina B12
Hemoglobinopatia
Comorbidades: hipotireoidismo/hipertireoidismo, gravidez, doença associada ao HIV, doença autoimune, agentes
imunossupressores
A anemia da DRC está associada a algumas consequências fisiopatológicas adversas, inclusive transporte e consumo de
oxigênio reduzidos nos tecidos, aumento do débito cardíaco e dilatação e hipertrofia ventriculares. As manifestações
clínicas incluem fadiga e diminuição da tolerância aos esforços, angina, insuficiência cardíaca, distúrbios da cognição e
acuidade mental, bem como diminuição das defesas contra infecção. Além disso, a anemia pode desempenhar um
importante papel na restrição do crescimento das crianças com DRC. Embora muitos estudos com pacientes portadores de
DRC tenham mostrado que a anemia e a resistência aos agentes estimulantes da eritropoiese (AEE) estão associadas a um
prognóstico mais desfavorável, ainda não é possível definir as contribuições da inflamação como causa de anemia e
resistência aos AEE.
Hemostasia anormal Os pacientes nos estágios mais avançados da DRC podem ter prolongamentos do tempo de
sangramento, atividade reduzida do fator III plaquetário, agregação e adesividade plaquetárias anormais, bem como
consumo de protrombina comprometido. As manifestações clínicas incluem tendência aumentada aos sangramentos e às
equimoses, sangramento prolongado das incisões cirúrgicas, menorragia e hemorragia digestiva. Curiosamente, os
pacientes com DRC também são mais suscetíveis ao tromboembolismo, sobretudo se tiverem doença renal com
proteinúria na faixa nefrótica. Essa última condição causa hipoalbuminemia e perda renal dos fatores anticoagulantes, o
que pode gerar um estado de trombofilia.
ANORMALIDADES NEUROMUSCULARES
Entre as complicações bem conhecidas da DRC, estão as doenças do sistema nervoso central (SNC), as neuropatias
periférica e autonômica, assim como as anormalidades da estrutura e função dos músculos. As manifestações clínicas sutis
da doença neuromuscular urêmica geralmente se tornam evidentes no estágio 3 da DRC. As primeiras manifestações das
complicações relativas ao SNC incluem distúrbios sutis da memória e da concentração, além de anormalidades do sono. A
irritabilidade neuromuscular evidenciada por soluços, cãibras ou abalos musculares torna-se mais evidente nos estágios
mais avançados. Na insuficiência renal avançada sem tratamento, os pacientes podem apresentar asterixe, mioclonia,
convulsões e coma. Em geral, a neuropatia periférica torna-se clinicamente evidente depois que o paciente chega ao
estágio 4 da DRC, embora anormalidades eletrofisiológicas e histológicas apareçam nas fases mais precoces. Inicialmente,
os nervos sensitivos são mais acometidos do que os motores, os membros inferiores mais do que os superiores e os
segmentos distais dos membros mais do que os proximais. A “síndrome das pernas inquietas” caracteriza-se por sensações
mal definidas de desconforto ocasionalmente incapacitante nas pernas e nos pés, o qual é aliviado pelos movimentos
frequentes das pernas. Indícios de neuropatia periférica sem outra causa (p. ex., diabetes melito) são indicações para
iniciar a terapia renal substitutiva. Algumas das complicações descritas antes regridem com a diálise, embora as
anormalidades inespecíficas sutis possam persistir.
ANORMALIDADES GASTRINTESTINAIS E NUTRICIONAIS
O hálito urêmico (odor de urina no ar exalado) é causado pela decomposição da ureia em amônia na saliva e geralmente
está associado a um paladar metálico desagradável (disgeusia). Gastrite, doença péptica e ulceração em mucosas em
qualquer nível do trato GI ocorrem nos pacientes urêmicos e podem causar dor abdominal, náuseas e vômitos e
hemorragia GI. Esses pacientes também são suscetíveis à constipação, que pode ser agravada pela administração dos
suplementos de cálcio e ferro. A retenção de toxinas urêmicas também causa anorexia, náuseas e vômitos. A restrição
proteica pode ajudar a atenuar as náuseas e os vômitos, mas também pode colocar o paciente sob risco de desnutrição e,
se for possível, deve ser implementada em colaboração com um nutricionista habilitado e especializado em pacientes com
DRC. A perda de peso e a desnutrição proteicocalórica secundária à baixa ingestade proteínas e calorias é comum na DRC
avançada e costuma indicar a necessidade de iniciar a terapia renal substitutiva. A acidose metabólica e a ativação de
citocinas inflamatórias podem promover o catabolismo proteico. Entre os índices que são úteis na avaliação nutricional,
estão a história da dieta, incluindo a alimentação diária e avaliação global subjetiva; o peso corporal sem edema; e a
determinação do nitrogênio proteico urinário. Hoje, a absorciometria de raios X de dupla energia é amplamente utilizada
para estimar a massa corporal magra em contraposição ao peso do conteúdo de líquidos. As diretrizes nutricionais para
pacientes com DRC estão resumidas na seção “Tratamento”.
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS-METABÓLICOS
Na DRC, o metabolismo da glicose está comprometido. No entanto, a glicose sanguínea em jejum costuma estar normal ou
ligeiramente elevada, e a intolerância leve à glicose não requer tratamento específico. Como os rins contribuem para a
remoção da insulina da circulação, os níveis plasmáticos deste hormônio ficam ligeira ou moderadamente elevados na
maioria dos pacientes urêmicos, tanto em jejum quanto no estado pós-prandial. Em vista dessa redução da degradação
renal da insulina, os pacientes tratados com esse hormônio podem necessitar de reduções progressivas da dose, à medida
que sua função renal deteriora. Muitos agentes hipoglicemiantes, incluindo as gliptinas, exigem redução de dose na
insuficiência renal, enquanto outros (p. ex., metformina, sulfonilureias) estão contraindicados quando a TFG está abaixo de
50% do normal. Uma recente exceção é a classe dos fármacos inibidores do cotransportador de sódio-glicose no túbulo
proximal, resultando em queda da glicose acompanhada de reduções marcantes no declínio da função renal e nos eventos
cardiovasculares. A estabilização da TFG alcançada por muitos pacientes com essa intervenção terapêutica representa um
importante efeito benéfico adicional desses fármacos. Seu efeito estabilizador prolongado sobre a TFG e a excreção
urinária de albumina parece resultar da correção da hiperfiltração, inicialmente, no diabetes melito tipo 2, via reativação
da alça de feedback tubuloglomerular. Isso representa uma feliz convergência da fisiopatologia da hiperfiltração
glomerular no diabetes, com a descoberta farmacológica. Nas mulheres com DRC, os níveis de estrogênio são baixos e é
comum observar anormalidades menstruais, infertilidade e incapacidade de levar as gestações ao termo. Quando a TFG
cai a cerca de 40 mL/min, a gestação está associada a índices elevados de abortamento espontâneo, com apenas cerca de
20% das gestantes dando à luz bebês vivos; além disso, a gravidez pode acelerar a progressão da própria doença renal. As
mulheres com DRC que pretendem engravidar devem primeiramente consultar um nefrologista e um obstetra
especializado em gestação de alto risco. Os homens com DRC têm concentrações plasmáticas baixas de testosterona e
podem ter disfunção sexual e oligospermia. A maturação sexual pode ser retardada ou prejudicada nos adolescentes com
DRC, mesmo que estejam sendo tratados com diálise. Muitas dessas anormalidades melhoram ou desaparecem com
diálise intensiva ou transplante renal bem-sucedido.
ANORMALIDADES DERMATOLÓGICAS
As anormalidades cutâneas são prevalentes com a DRC progressiva. O prurido é muito comum e uma das queixas mais
incômodas associadas à uremia. Na DRC avançada, mesmo em diálise, os pacientes podem se tornar mais pigmentados e
isso parece refletir a deposição de metabólitos pigmentados retidos (ou urocromos). Embora algumas dessas
anormalidades cutâneas melhorem com a diálise, o prurido geralmente é persistente. As primeiras intervenções
terapêuticas são excluir a hipótese de outros distúrbios cutâneos não relacionados, como escabiose, e tratar a
hiperfosfatemia, que pode causar prurido. Os agentes umectantes locais, glicocorticoides tópicos leves, antihistamínicos
orais e radiação ultravioleta mostraram-se benéficos nesses casos. Nos pacientes com DRC, um distúrbio cutâneo singular
é a dermopatia fibrosante nefrogênica, que consiste em enduração subcutânea progressiva, sobretudo nos braços e nas
pernas. Essa condição ocorre muito raramente nos pacientes com DRC expostos ao gadolínio, contraste usado na
ressonância magnética. As recomendações atuais são de que os pacientes com DRC do estágio 3 (TFG entre 30 e 59
mL/min) devem minimizar a exposição ao gadolínio, enquanto os pacientes com doença nos estágios 4 a 5 (TFG < 30
mL/min) devem evitar o uso do gadolínio, a menos que haja alguma indicação clínica importante. Contudo, nenhum
paciente deve deixar de fazer um exame de imagem considerado fundamental ao manejo e, nesses casos, a remoção
rápida do gadolínio por hemodiálise (mesmo nos pacientes que ainda não fazem terapia renal substitutiva) logo após o
exame pode atenuar essa complicação devastadora em alguns casos.
HAMMER
Patologia e patogênese
A. Desenvolvimento de doença renal crônica
A patogênese da doença renal aguda é muito diferente daquela da DRC. Enquanto a lesão aguda do rim leva à morte e
descamação de células epiteliais tubulares, frequentemente seguidas por sua regeneração com restabelecimento da
arquitetura normal, a lesão crônica resulta em perda irreversível de néfrons. Como resultado, um fardo funcional maior é
suportado por menos néfrons, levando a um aumento da pressão de filtração glomerular e hiperfiltração. Por motivos não
bem compreendidos, essa hiperftltração compensatória, que pode ser considerada como uma forma de "hipertensão'' ao
nível do néfron individual, predispõe à fibrose e retração cicatricial (esclerose glomerular). Como resultado, a proporção
de destruição e perda de néfrons aumenta, acelerando a progressão para uremia, o complexo de sintomas e sinais que
ocorre quando a função renal é inadequada. Os rins têm uma grande reserva funcional - até 50% dos néfrons podem ser
perdidos sem qualquer evidência no curto prazo de deficiência funcional. É por isso que indivíduos com dois rins sadios
são capazes de doar um para transplante. Quando a TFG é reduzida mais ainda, deixando apenas cerca de 20% da
capacidade renal inicial, algum grau de azotemia (elevação de níveis sanguíneos de produtos normalmente excretados
pelos rins) é observado. Não obstante, os pacientes podem ser largamente assintomáticos, porque um novo estado de
equilíbrio é atingido, no qual níveis sanguíneos desses produtos não são altos o bastante para causar toxicidade franca.
Contudo, mesmo nesse nível aparentemente estável de função renal, a evolução acelerada por hiperfiltração para um
estágio terminal de doença renal está em progresso. Além disso, como pacientes com esse nível de TFG têm pouca reserva
funcional, eles podem facilmente se tornar urêmicos com qualquer estresse adicional (p. ex., infecção, obstrução,
desidratação, ou fármacos nefrotóxicos), ou com qualquer estado catabólico associado com aumento da circulação de
produtos nitrogenados. Assim, pacientes com DRC estão em risco significativo de lesão renal aguda sobreposta.
ARTIGO 2017
MECANISMO/FISIOPATOLOGIA
Perda de nefrons
Os néfrons são gerados nas semanas 12-36 de gestação em humanos, com uma média de 950.000 néfrons por rim (com
um intervalo de ~200.000 a >2,5 milhões)38. Nenhum novo néfron pode ser gerado após esse período. Durante o
crescimento, os néfrons disponíveis aumentam de tamanho para acomodar o aumento da demanda renal. Além disso, a
TFG diminui com a idade (FIG. 3a). Embora os néfrons possam lidar com aumentos transitórios na carga de filtração (como
com a ingestão de alimentos e líquidos) aumentando transitoriamente a TFG (néfron único) sem alterações estruturais
(uma exibição de 'reserva renal')39,40, aumentos mais longos ou persistentes na massa corporal (por exemplo, durante a
gravidez ou obesidade) promovem hipertrofia do néfron (compreendendo principalmente o aumento das dimensões do
tufo glomerular, cápsula de Bowman e túbulo proximal) como mecanismo compensatório. A perda de néfrons, por
exemplo, devido a lesão ou doaçãode um dos rins, pode ter o mesmo efeito hipertrófico nos néfrons restantes. De fato,
lesão renal grave ou combinações de lesão com perdas de néfrons relacionadas ao envelhecimento – especialmente em
indivíduos com baixa dotação de néfrons e/ou obesidade – acelera o aumento persistente da TFG (néfron único) e a perda
de néfrons remanescentes.
Hipertrofia de néfrons.
A hipertrofia do néfron remanescente é desencadeada por elevações persistentes da TFG (néfron único) e da pressão de
filtração (isto é, hipertensão glomerular) através da barreira de filtração glomerular, o que implica hiperfiltração
glomerular. A hiperfiltração glomerular e a hipertensão glomerular juntas induzem a expressão do fator de crescimento
transformador ÿ e do receptor do fator de crescimento epitelial42,43, que promovem a hipertrofia do néfron que, por sua
vez, reduz a hipertensão glomerular pelo aumento da superfície de filtração44. De fato, o aumento da TFG (néfron único)
e a hipertrofia do néfron remanescente permitem que os doadores de rim mantenham uma função renal aparentemente
"normal", apesar da falta de 50% de seus néfrons. Obviamente, a doação de rim não necessariamente causa DRC quando
os doadores são cuidadosamente selecionados para boa dotação de néfrons, ausência de obesidade, diabetes e outras
fontes de lesão de néfrons. No entanto, em outras circunstâncias, o aumento do tamanho glomerular causado pela
hiperfiltração pode ser potencialmente prejudicial44,47,48 . Além de um certo limiar de hipertrofia, o aumento do
estresse de cisalhamento nos podócitos (que são células-chave em forma de polvo que mantêm a barreira de filtração
glomerular do néfron) promove o descolamento dos podócitos, glomeruloesclerose segmentar focal (GESF, uma entidade
patológica na qual a lesão renal resulta em lesões escleróticas em segmentos de glomérulos), esclerose glomerular global
e atrofia de néfrons subsequente, um ciclo vicioso que reduz ainda mais o número de néfrons e aumenta a TFG
(singlenephron) dos néfrons remanescentes (FIG. 4).
Figura 4 | Lesão, hiperfiltração e
hipertrofia do néfron. Em resposta
à perda de néfrons, a hipertensão
glomerular induz um aumento no
tamanho do néfron (através da
ativação do sistema
renina-angiotensina (RAS) e
atividades do fator de crescimento
transformador-α (TGFα) e do
receptor do fator de crescimento
epidérmico (EGFR)) como uma
compensação compensatória.
mecanismo para manter a taxa de
filtração glomerular total e reduzir
a pressão intraglomerular. Assim,
os podócitos precisam sofrer
hipertrofia para manter a barreira
de filtração ao longo da superfície de filtração alargada. No entanto, a hipertrofia podocitária é limitada; além de um certo
limiar, a disfunção da barreira manifesta-se primeiro como proteinúria leve. Nos estágios mais avançados da doença renal
crônica (DRC), o aumento do estresse de cisalhamento dos podócitos promove o descolamento dos podócitos. As células
epiteliais parietais (PECs) são progenitores putativos de podócitos, mas a proteinúria e potencialmente outros fatores
inibem seu potencial para substituir podócitos perdidos; em vez disso, a formação de cicatriz é promovida na forma de
glomeruloesclerose segmentar focal (GESF).
Filtração glomerular prejudicada.
A produção de angiotensina II e a sinalização do alvo mecanicista da rapamicina (mTOR) mantêm a hipertrofia persistente
dos podócitos e a hiperfiltração glomerular e, por fim, agrava a perda dos podócitos e a proteinúria. A angiotensina II é um
hormônio peptídico que faz parte do sistema renina-angiotensina (SRA) que conduz a vasoconstrição e a secreção de
aldoster um (e, portanto, retenção de sódio e aumento da pressão arterial). A aldosterona, por sua vez, prejudica
diretamente a função de peneiramento da barreira glomerular, possivelmente por inibir a expressão da proteína
podocitária nefrina, que é um componente estrutural do diafragma em fenda necessário para a manutenção da barreira
de filtração glomerular53. A angiotensina II possivelmente também contribui para a resposta desregulada das células
epiteliais parietais progenitoras ao longo da cápsula de Bowman, gerando lesões de GESF ao invés de substituir podócitos
perdidos54. Essa remodelação estrutural do glomérulo apresenta-se clinicamente como proteinúria, que é um marcador
de lesão do néfron e é preditivo da progressão da DRC (definida como um declínio da TFG > 5ml/min/1,73m2 por ano ou
sete vezes a taxa normal de perda com o envelhecimento42.
Fibrose
Fibrose. A perda de néfrons envolve respostas inespecíficas de cicatrização de feridas que incluem fibrose intersticial (FIG.
5). As células imunes infiltrantes, a albuminúria e, no diabetes, a glicosúria, ativam as células epiteliais tubulares
proximais, resultando na secreção de mediadores pró-inflamatórios e pró-fibróticos que promovem inflamação intersticial
e fibrose57. A fibrose intersticial parece levar mais longe lesão do néfron através da promoção de isquemia renal, mas -
como em outros órgãos - a formação de cicatriz também pode estabilizar mecanicamente os néfrons remanescentes. O
aumento da carga de transporte tubular de néfrons remanescentes também envolve metabolismo anaeróbio, acidose
intracelular e estresse de retículo endoplasmático, que promovem lesão celular tubular secundária.
Figura 5 | Fibrose intersticial. A hiperfiltração glomerular e a proteinúria implicam uma carga de trabalho de reabsorção
aumentada para os túbulos proximais. Albuminúria, complemento e células imunes infiltrantes fazem com que as células
tubulares secretem mediadores pró-inflamatórios que promovem inflamação intersticial, que, juntamente com a
progressão da glomeruloesclerose segmentar focal para glomeruloesclerose global, promove atrofia tubular e fibrose
intersticial. A formação de cicatriz está associada à rarefação vascular e isquemia. Assim, os néfrons remanescentes
precisam aumentar ainda mais em tamanho para atender às demandas de filtração, o que acelera os mecanismos de
progressão da doença renal crônica (DRC) em um ciclo vicioso.
Fator contribuinte do problemas - envelhecimento: O declínio da TFG com a idade (FIG. 3a) pode estar relacionado ao
envelhecimento fisiológico, fatores genéticos, hipertensão arterial, doenças que implicam lesão renal, aumento do peso
corporal ou uma combinação desses fatores. Histologicamente, o envelhecimento renal apresenta-se como
glomeruloesclerose global, a respectiva atrofia de néfrons inteiros e consequente fibrose intersticial50,76. Se a perda de
néfrons relacionada ao envelhecimento está associada à hipertrofia (e hiperfiltração) de néfrons remanescentes não é
consistentemente relatada na literatura50,76, mas as dificuldades analíticas em avaliar precisamente o número de néfrons
e o volume glomerular e como as diferentes funções dos néfrons justamedulares versus corticais são reconhecidas podem
afetar a interpretação desses dados50,76 . O rim está envolvido em vários processos complexos importantes na
homeostase do sangue, integridade óssea, O envelhecimento também está associado à diminuição da densidade e
número total de podócitos.
Figura 6 | Fatores que contribuem para a perda de néfrons. Além das formas agudas e crônicas de lesões renais
relacionadas ao envelhecimento, fatores ambientais e causas genéticas podem contribuir para a baixa dotação de néfrons,
perda de néfrons e lesão de néfrons ao longo da vida. Esses fatores são comumente (mas não exclusivamente) encontrados
em diferentes fases da vida e a combinação de fatores determina o risco de doença renal crônica do indivíduo ao longo da
vida. Por exemplo, anormalidades congênitas do trato urinário podem levar à doença renal terminal (ESRD) no início da
vida, ou à ESRD relacionada à glomeruloesclerose segmentar focal secundária (GESF) mais tarde na vida. Agentes
nefrotóxicos como antibióticos, AINEs, meios de contraste para imagem ou quimioterapia também podem influenciar o
risco, assim como infecções bacterianas, parasitárias e virais. Defeitos genéticos graves que levam à GESF, síndrome de
Alport,

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