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O LUGAR DA ÁFRICA NO ENSINO DE GEOGRAFIA RAQUEL ALMEIDA MENDES1 ALEX RATTS2 Resumo Estabelecer diálogos sobre África e seus desdobramentos no âmbito acadêmico é discutir sobre uma realidade incipiente, tendo em vista que as bases teórico-metodológicas da ciência em sua grande maioria se estruturaram numa perspectiva eurocentrada e colonial. Dessa forma as demais concepções são subjugadas, gerando hierarquizações no que tange aos saberes científicos. A Geografia e suas escolas clássicas de pensamento, tais como inglesa, alemã ou francesa, também não destoa da perspectiva colonial supracitada, sendo necessária uma ressignificação científica de viés decolonial. Disciplinas como Geografia da África, além de evidenciar sobre aspectos físicos, políticos ou sociais sobre o continente, também contribuem na superação de imagens distorcidas e pré-concebidas estruturalmente no imaginário social. A presente pesquisa em andamento pretende debater a relevância do ensino de Geografia da África na formação de uma ciência mais plural, numa educação geográfica que contemple a cultura africana e afro-brasileira como constituinte na formação do território nacional, rompendo com as invisibilidades ainda persistentes. O caminho metodológico adotado consiste na construção de um panorama crítico dos cursos de licenciatura em Geografia no Brasil, em instituições públicas de ensino superior, que ofertem em suas grades curriculares disciplinas voltadas para a perspectiva de África, História/Cultura Afro-brasileira e Relações Raciais, visando compreender por meio de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, em que patamar ao ensino de Geografia se encontra nas discussões sobre africanidades e consequentemente como tem sido a formação de Geógrafos Brasileiros, tendo em vista que de forma macro essas temáticas costumam ser trabalhadas de maneira pontual, no máximo em datas históricas relacionadas aos conteúdos obrigatórios. Levantamento de dados, análise de ementas e observações referentes ao estágio docência na disciplina de Geografia da África na Universidade Federal do Goiás – Campus Samambaia, também faz parte do caminhar metodológico desta pesquisa, sobretudo no que tange uma melhor perspectiva didática e metodológica da Geografia, atrelando as noções de currículo do ensino superior e lei nº 10.639/03 quanto à obrigatoriedade de um ensino que contemple as potencialidades raciais e étnicas na educação básica e superior. O contato com redes de diálogos e ativismo tais como “Rede Espaço e Diferença” e “GeógrafxsPretxs”, bem como o levantamento de informações referentes às disciplinas sobre África, o perfil dxs docentes e a análise dos planos de ensino, nos levam a refletir sobre uma Geografia que ainda precisa englobar mais destas discussões nos componentes curriculares, ou seja, superar o ideário de um conhecimento meramente optativo na formação de geógrafxs e buscar meios de evidenciamento desse campo do conhecimento nas universidades como uma pauta formativa exigida em consonância com a legislação. Palavras - chave: Geografia da África; Ensino de Geografia; Relações Raciais. Resumen Establecer diálogos sobre África y sus implicaciones en el campo académico es discutir una realidad incipiente, considerando que las bases teórico-metodológicas de la ciencia se han estructura do 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO/IESA/UFG) e integrante do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades do Instituto de Estudos Sócio- Ambientais da Universidade Federal de Goiás (LaGENTE/IESA/UFG). E-mail de contato: almeidamendesraquel@gmail.com 2Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO/IESA/UFG) e integrante do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades do Instituto de Estudos Sócio- Ambientais da Universidade Federal de Goiás (LaGENTE/IESA/UFG). E-mail de contato: alex.ratts@gmail.com mailto:almeidamendesraquel@gmail.com mailto:alex.ratts@gmail.com principal mente desde una perspectiva eurocéntrica y colonial. De esta manera, las otras concepciones están subyugadas, generando jerarquizaciones en lo que concierne al conocimiento científico. La geografía y sus escuelas de pensamiento clásicas, como el inglés, el alemán o el francés, tampoco se desvían de la perspectiva colonial antes mencionada, y es necesaria una resignificación científica del enfoque decolonial. Disciplinas como la Geografía de África, así como la evidencia de los aspectos físicos, políticos o sociales del continente, también contribuyen a la superación de imágenes distorsionadas y estructuralmente preconcebidas en el imaginario social. Esta investigación actual pretende discutir la relevancia de la enseñanza de la Geografía de África en la formación de una ciencia más plural, en una educación geográfica que contemple la cultura africana y afro-brasileña como parte de la formación del territorio nacional, rompiendo con las invisibilidades aún persistentes. El enfoque metodológico adoptado consiste en la construcción de un panorama crítico de los cursos de pregrado en Geografía en Brasil, en instituciones públicas de educación superior, que ofrecen en sus planes de estudio asignaturas dirigidas a la perspectiva de África, Historia Afro-Brasileña, Cultura y Relaciones Raciales, con el objetivo de comprender mediante una investigación cualitativa, de carácter exploratorio, en qué nivel de enseñanza de la geografía se encuentra en las discusiones sobre africanidades y, por consiguiente, como ha sido la formación de geógrafos brasileños, considerando que en su forma macro estos temas se suelen trabajar. De manera oportuna, como máximo en fechas históricas relacionadas con los contenidos obligatorios. La recopilación de datos, el análisis de menús y las observaciones relacionadas con la etapa de enseñanza en la disciplina de Geografía de África en la Universidad Federal de Goiás - Campus Samambaia, también forman parte del enfoque metodológico de esta investigación, especialmente con respecto a una mejor perspectiva didáctica y metodológica de la geografía. Relacionar las nociones de currículo de educación superior y la ley nº 10.639 / 03 sobre la educación obligatoria que contempla las potencialidades raciales y étnicas en la educación básica y superior. El contacto con redes de diálogos y activismo como "Red Espacio Y Diferencia” y "Geografxs Pretxs", así como la recopilación de información sobre temas africanos, el perfil de los docentes y el análisis de los planes de enseñanza, nos llevan a reflexionar. Sobre una Geografía que aún necesita incluir más de estas discusiones en los componentes curriculares, es decir, superar el ideario de un conocimiento meramente opcional en la formación de geógrafos y buscar medios de evidencia de este campo de conocimiento en las universidades como una agenda formativa requerida de acuerdo con la legislación. Palabras clave: Geografía de África; Enseñanza de Geografía; Relaciones raciales. 1- Introdução Esta comunicação é fruto de uma pesquisa em andamento que tem como objetivo discutir o lugar da África no ensino de Geografia, bem como as potencialidades da ciência geográfica no tocante ao ensino de África e cultura Afro- Brasileira. O continente africano é, em sua complexidade, detentor das primeiras civilizações e o primeiro berço da espécie humana. Compreendemos, a partir dessas inferências, a relevância da África como intróito da humanidade (WEDDERBURN, 2005) e de como estudar esse continente consiste, sobretudo em um estudo de relevância histórico-geográfica quanto ao marco inicial da vida e da nossa origem como habitantes desse planeta. O caminho metodológico adotado consistiu primeiramente na revisão de bibliografias sobre as temáticas em evidência no trabalho: Ensino de Geografia, Lei nº 10.639/03, Políticas Curriculares,Geografia da África, Relações Étnico-Raciais, dentre outros vieses. No segundo momento, por meio da Rede Espaço e Diferença e da articulação de Geógrafxs Pretxs, foi realizado um levantamento parcial de disciplinas sobre Geografia da África em instituições públicas de ensino superior, bem como investigações e análises das ementas e planos de ensino destas disciplinas, visando endossar o debate sobre continente africano, educação geográfica e as abordagens adotadas em alguns cursos de formação de professores/professoras em Geografia no Brasil. A estrutura do presente trabalho está pautada em duas partes. O primeiro diálogo intitulado: “Desafios para uma Educação Geográfica Decolonial”, discutirá sobre os obstáculos ainda persistentes na constituição de um ensino de Geografia antirracista. No segundo momento caracterizado como “O ensino de Geografia da África em Instituições Públicas de Ensino Superior” debatemos as abordagens geográficas sobre o continente africano em algumas instituições do país, especificamente nos cursos de licenciatura e bacharelado em Geografia. 2- Desafios para uma educação geográfica decolonial Vivemos em uma sociedade que de forma estrutural reproduz, nos mais diversos espaços e nas mais diversas vertentes, o pensamento colonial. Sendo assim, não há de forma espontânea o anseio pela mudança dessa lógica marginalizante, tendo em vista que o colonialismo e suas ressignificações minorizam enquanto permanece a colonialidade. Há, sobretudo, um processo de silenciamento dessas problemáticas, algo que os movimentos sociais objetivam superar, principalmente pelo viés da educação. No que concerne a educação formal, temos por meio das políticas curriculares a luta pela inserção de conteúdos que anteriormente não eram contemplados na instituição escolar, sequer nas instituições de ensino superior. O ensino sobre África e relações raciais passam a serem conteúdos obrigatórios em sala de aula a partir da lei nº 10.639/03, fruto de reivindicações e articulações de ativistas negrxs no Brasil visando uma ampliação de saberes africanos e afrodescendentes que foram e ainda são parte fundamental da História dessa nação, bem como uma reflexão do lugar de subalternidade destinado a esse grupo(GOMES, 2006). Segundo o pesquisador Renato Emerson dos Santos, no que tange a legislação supracitada: A Lei reposiciona o negro e as relações raciais na educação – transformando em denúncia e problematização o que é silenciado (como, p. ex., o racismo no cotidiano escolar), chamando a atenção para como conhecimentos aparentemente “neutros” contribuem para a reprodução de estereótipos e estigmas raciais e para o racismo. A 10.639 nos coloca o desafio de construir uma educação para a igualdade racial, uma formação humana que promova valores não racistas (2011, p.05). O texto da lei 10.639/03 consiste na obrigatoriedade do ensino sobre História da África e Cultura Afro-brasileira no âmbito de todo o currículo escolar, dessa forma, inserido nesse escopo, tem-se na Geografia uma disciplina também responsável pela construção de uma perspectiva educacional antirracista e decolonial. Tendo em vista que a formação social dxs indivíduos está diretamente ligada à formação espacial destes, podemos discutir sobre categorias geográficas tais como território e lugar. Dentre as inúmeras aproximações que podemos fazer destas categorias na educação geográfica fica em evidência o Lugar como dimensão espacial do cotidiano, daquilo que é vivido/percebido e o Território como dimensão política do espaço conectada com outras óticas, principalmente a ótica econômica e simbólica (SANTOS 1999). O ensino de Geografia por meio das categorias geográficas nos permite recortes precisos da realidade, inclusive da realidade racial brasileira, dando significados e sentidos para os saberes e metodologias adotadas em sala de aula e a partir dessas inferências podemos discutir sobre dois principais questionamentos que orientarão essa parte do trabalho: Qual é o lugar das pautas marginalizadas no contexto eurocentrado e colonial do pensamento geográfico? E quais as territorialidades produzidas por meio da educação geográfica a fim de visibilizar esses saberes? Obter a resposta das perguntas supracitadas nos parece um trabalho bastante árduo. Todavia representa um grande avanço na tentativa de uma Geografia cada vez mais plural, por uma renovação e por novos olhares desta ciência que, sobretudo, reconheça as suas potencialidades no que concerne ao ensino de temáticas limítrofes tais como África, africanidades e relações étnico- raciais. Trata-se de uma produção de conhecimento contra-hegemônica, o exercício constante de um movimento negro organizado que reivindica um lugar de evidenciamento, a superação de estereótipos racistas que de forma errônea redundam em imagens de uma África atrelada unicamente aos ideários de pobreza, miséria, selvageria ou atraso que constrói uma perspectiva da população negra brasileira distanciada das heranças africanas por meio da negação dessa herança, dessa ancestralidade, dessa história nacional que mascara as matrizes africanas e indígenas do processo de formação desse território. Propor uma educação que não exclua as temáticas sobre África e cultura afro-brasileira é propor uma luta contra o racismo presente nas instituições de ensino, entendendo que o racismo, um processo atrelado a hierarquias de raça e etnia, tem ganhado novos arranjos para além de fatores unicamente ligados a corporeidade e fenótipos (GROSFOGUEL, 2012), ou seja, temos nesse processo de subjugação da produção de conhecimento de/para/sobre África o então chamado racismo epistêmico que “[...] destrói formas de conhecimento de ancestralidades africanas e usurpa modos de ver, sentir fazer e ser-estar no mundo” (OLIVEIRA, 2018, p.10). Sendo assim, o dispositivo racial atrelado ao continente africano e as africanidades constroem relações de poder no espaço geográfico, sendo a raça um fator regulador das experiências dos sujeitos com os espaços vividos, experiências de pertencimento ou repulsa desses corpos espacializados, bem como suas subjetividades e especificidades geo-grafadas. No que tange a tríade “relações de poder, raça e educação”, cabe discutirmos acerca deum espaço de grandes disputas: o currículo. Quer seja o currículo da educação básica ou o projeto pedagógico dos cursos de ensino superior (PPC’s), tem-se um campo extensivo de análises e investigações quanto às intencionalidades no processo de construção desse currículo que, sobretudo refletirá os lugares sociais de cada abordagem representada. Segundo o pesquisador Tomaz Tadeu da Silva em seus estudos sobre teorias curriculares: O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem, lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, ou gênero (SILVA, 1996, p.79). Partindo desse pressuposto podemos compreender que a construção do currículo não se dá exclusivamente por uma ordem lógica impremeditada, nesse processo, questões de dominação são reafirmadas, preconceitos tais como os atrelados à racialidade são reproduzidos por meio do apagamento das narrativas históricas de grupos subalternizados (SILVA, 2010), sendo este o caso da população africana e afro-brasileira em nosso país. As abordagens quanto ao currículo sempre apontam a sua relevância no âmbito das relações políticas e históricas. É notório que aquilo que estudamos e discutimos nas unidades de ensino não são resultantes de um mero acaso, é, todavia uma imposição daqueles que detêmo poder, ou seja, todo o conhecimento produzido não é dotado de plena liberdade em relação a quem o produz, mas em relação ao que deve ser transmitido, em consonância com as imposições de segmentos hegemônicos. Partindo dessa ideia podemos compreender que determinados grupos sociais são tidos como visíveis em detrimento de outros que são excluídos de possíveis abordagens na educação básica (GOMES, 2006). O processo de descolonização do currículo torna-se um fator de extrema importância para a ruptura desse processo de silenciamento no meio educacional. Sendo assim, devemos por meio das políticas curriculares reivindicadas pelo movimento negro brasileiro, inserir de forma diligente os conteúdos sobre África e Cultura Afro-brasileira nas instituições de ensino, haja vista que estas devem dialogar com a realidade do país que apresenta historicamente em suas matrizes de formação territorial a herança africana (GOMES, 2012). É possível reafirmar através das proposições da autora que: [...] a descolonização do currículo implica conflito, confronto, negociações e produz algo novo. Ela se insere em outros processos de descolonização maiores e mais profundos, ou seja, do poder e do saber. Estamos diante de confrontos entre distintas experiências históricas, econômicas e visões de mundo (GOMES, 2012, p.107). Um currículo descolonizado de Geografia contemplará outros enunciadores, outras narrativas, outrxs agentes de produção do espaço advindos de povos que foram deixados à margem desse processo de construção do pensamento geográfico, tais como africanos e afrodescendentes, permitindo uma nova roupagem a ciência que contemple a diversidade cultural e étnico-racial, ampliando uma formação de conhecimento não eurocentrada, onde o que lemos, pesquisamos e escrevemos é questionado pela ótica de outros conhecimentos e do que tem sido evidenciado ou silenciado no âmbito científico, sendo de extrema relevância para uma epistemologia da pluriversalidade. 3- O ensino de Geografia da África em instituições públicas de ensino superior A presente discussão encontra-se fundamentada pela Lei Federal nº 10.639, promulgada no ano de 2003, lei esta que consiste na obrigatoriedade do ensino da História da África e Cultura Afro-brasileira nos currículos das instituições de ensino, desde a educação básica até os cursos de formação de professorxs. O marco legal objetiva a desconstrução de um conhecimento na ótica colonizante por outros saberes que também fazem parte do contexto Histórico-geográfico brasileiro. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, quanto ao processo de implementação da lei e sua relevância para a população afro-brasileira: Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da educação brasileira (BRASIL, 2004, p.16). Cabe destacar que a lei supracitada não propõe a construção de disciplinas específicas sobre África e Afro-Brasil. Isto implica da inserção dessas temáticas em todo o currículo, englobando, dessa maneira, a ciência geográfica como parte importante nesse processo de descolonização dos saberes (BRASIL, 2004). Os conteúdos sobre África são de extrema abrangência, afinal estes contemplam o marco inicial da espécie humana, as primeiras civilizações e as primeiras formas de organização no espaço, algo já comprovado em pesquisas científicas: A humanidade tem seu berço localizado no continente africano (WEDDERBURN, 2005). Segundo Joseph Ki-Zerbo, no que tange à história do continente Africano: A História da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada pela “força das circunstâncias”, ou seja, pela ignorância e pelo interesse. Abatido por vários séculos de opressão, esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos, de exploradores, de missionários, de procônsules, de sábios de todo tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria, da barbárie, da irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada e extrapolada ao infinito ao longo do tempo, passando a justificar tanto o presente quanto o futuro. (KI – ZERBO, 2010, p. 32) A riqueza histórica advinda de África é subalternizada e na maioria das vezes substituída por conhecimentos estereotipados. África como um ‘país’, uma unidade, atrelada unicamente aos processos de exploração colonial, a questões tais como pobreza e miséria, aos safáris e savanas, às perspectivas midiáticas sensacionalistas, aos conflitos “tribais” e modo de vida selvagem, são algumas das geografias imaginativas construídas ao longo do tempo e que precisam ser revistas. Segundo Ratts, quanto às percepções equivocadas do continente africano: Não é explicitada a diversidade social e espacial presente em África, predomina a noção de um “continente selvagem” deixando ausente uma áfrica urbanizada e desenvolvida. Além disso, são estereotipadas as manifestações culturais presentes neste continente. A religiosidade, por exemplo, é simplificada nas categorias “animismo e fetichismo”, qualificações hierarquizantes e pejorativas advindas do evolucionismo e pouco precisas para tratar das cosmologias das sociedades africanas. Persistem, ainda, visões herdadas do colonialismo sobre a África (2006, p.51). Dessa maneira, “[...] precisamos analisar a África sem nossos “óculos intelectuais” eurocêntricos preconceituosos, pois bem sabemos que o eurocentrismo exalta os valores ocidentais e desconsidera demais saberes” (WEDDERBURN, 2005, p.153, grifo nosso). Estamos no que tange as produções científicas sobre Geografia da África por pesquisadores/as brasileiros/as e africanos/as, em um processo inicial. As referências em sua grande maioria são advindas de antropólogos e historiadores que apresentam um escopo maior de pesquisas e discussões na área, principalmente no viés da decolonialidade. No que concerne à ciência geográfica, temos em algumas instituições públicas de ensino superior a seguir mencionadas (Quadro 1), docentes que em consonância com a legislação federal têm lecionado disciplinas com a temática do continente africano nos cursos de Geografia, elencando a pluralidade de áreas e subáreas da Geografia da África. Quadro 1: Abordagens geográficas sobre África em Instituições de Ensino Superior Públicas IES Docentes Disciplina Abordagens Geográficas UFRGS Profa.Dra. Adriana Dorfman Geografias Descoloniais Ensino de Geografia; Geografia Regional UFG Prof. Dr. Alex Ratts Tópicos Especiais em Geografia Humana: Geografia da África Ensino de Geografia; Geografia Regional UERJ Prof. Dr. Denilson Araújo de Oliveira Organização Espacial do Mundo II Geografia Regional; Geopolítica Mundial; Organização do Espaço; Ensino de Geografia UFRJ Prof. Dr. FrédericMonié Geografia Regional da África (subsaariana) Geografia Regional; Dinâmicas Demográficas; Geografia Histórica; Geopolítica; Geografia AmbientalUSP Prof. Dr. Eduardo DonizetiGirotto Geografia Regional I: África Geografia Regional; Formação Territorial; Geografia Cultural; Formação Socioespacial; Ensino de Geografia UNB Prof. Dr. Rafael Sanzio Araújo dos Anjos Geografia Africana e Afro-Brasileira Geografia Física; Geografia Ambiental; Cartografia; Geografia Urbana; UNEB Profa. Ma. Paula Regina Cordeiro Geografia da África Geografia Histórica; Organização do Espaço Mundial; Territorialidades Afrodescendentes; Geografia Urbana. UFT Prof. Dr. RosembergFerracini Ensino de Geografia da África e Educação para as Relações Étnico-Raciais Ensino de Geografia; Políticas Curriculares; Geografia Regional; Formação do Território Brasileiro Fonte: Rede Espaço e Diferença e GeógrafxsPretxs A partir do quadro supracitado, pudemos notar a multiplicidade das abordagens que a Geografia é capaz de contemplar sobre a África: o ensino de Geografia, a Geografia Regional, a Formação do Território Brasileiro, a Cartografia Africana, a Geopolítica Mundial, as Dinâmicas Demográficas, Organização do Espaço, Geografia Histórica, Geografia Ambiental, Geografia Física, Territorialidades quilombolas, Políticas Curriculares, Geografia Urbana dentre outros. Essas diferentes perspectivas geográficas, além de se apresentarem como um grande nicho em sala de aula nos apontam a imensa diversidade presente no continente africano, diversidade esta que deve ser cada vez mais contemplada, tendo em vista que isso poderá contribuir no rompimento da história única de miséria, omissão, ignorância e a necessidade vital de tutela por parte dos colonizadores, sem falar não cabe apenas aos antropólogos e sociólogos utilizarem suas categorias de pesquisa em África, a ciência geográfica e suas múltiplas abordagens, pode e devem aumentar os estudos e as produções bibliográficas sobre Geografia da África. Nosso desafio consiste em propor uma educação geográfica emancipatória, desprendida do olhar único sobre África que ainda é equivocadamente lida como um “país”, dotada de miserabilidade, abstida de formas de organização social, dependentes de uma liderança colonialista, marcada por um modo de vida selvagem e retrógrado, afinal, “[...] falar de África é fundamental, mas não é suficiente se nãofizermos uma desconstrução das narrativas que estruturam as leituras de totalidade-mundo, o que implica revisões conceituais, revisões de estruturas [...]” (SANTOS, 2011, p. 14). 4- Considerações Finais O processo de ensino – aprendizagem de Geografia nos permite atrelar os mais diversos vieses de construção de paradigmas geográficos em nosso cotidiano. A ciência geográfica e os saberes espaciais produzidos pela mesma corroboram para uma conexão entre pessoas e coletividades aos espaços vividos, contribuindo na identidade e pertencimento dos sujeitos que por meio dos seus cotidianos construirão os saberes e conhecimentos perante o mundo (MOREIRA, 1980). O ensino de Geografia pode contribuir positivamente nesse processo de ressignificação do continente africano e o elo existente no Brasil – África, bem como na construção das identidades raciais afro-brasileiras e africanas que são demarcadas por espacialidades e territorialidades. Há potencialidade no ensino de Geografia para as relações raciais e étnicas, tendo em vista que estas são grafadas e condicionadas pelo espaço (SANTOS, 2010). Referências ▪ Livros GOMES, Nilma Lino. Diversidade cultura, currículo e questão racial. Desafios para a prática pedagógica. In: ABRAMOWICZ, Anete, BARBOSA, Maria de Assunção e SILVÉRIO, Valter Roberto (Orgs). 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