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AUGUSTO FERREIRA DE MORAES RESENHA CRÍTICA – REALIDADE SOMÁTICA: EXPERIÊNCIA CORPORAL E VERDADE EMOCIONAL Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Psicologia Corporal do 5º período do Curso Superior de Psicologia do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais. Professor (a): PONTA GROSSA - PR 2022 O homem é descrito, na atual sociedade, como um objeto, um robô com espírito, como dualismo mente/corpo, um acidente mecanicista, porém, ele é um complexo processo biológico que possui muitas instâncias de vida e experiência, com pensamentos, sentimentos, individualidade, amor, etc. Além disso, a vida se constrói constantemente, inicialmente é formada a partir de óvulo e espermatozoide, que forma um organismo multicelular, no último estágio o feto adquire braços e pernas e se aproxima da forma humana, e essa construção e transformação continuam durante toda a vida, sendo assim, possuímos muitos corpos, personalidades, eu, etc. Possuímos um corpo público e um privado, um racional e um não-racional. A maioria dos indivíduos foi educado e se reconhece por uma imagem estática: ‘’esse sou eu’’. Somos forçados desde muito cedo a assumir papéis identificáveis e aceitáveis. Quando isso acontece, perde-se o sentido do corpo que somos e do corpo que vivemos e da transformação constante. As experiências dos processos ensinam como aprendemos a mudar nossos corpos e como isso se torna um estilo de vida. Assim, aprende-se a sustentar estados internos que produzem sentimentos de uma vida vivida, bem como a criar valores que tenham a ver com a história viva de todos os indivíduos. Para entender a ideia de como os corpos são formados pelo modo em que se vive, é necessário considerar o processo vital básico da excitação e como é moldado. A excitação é a base da experiência humana, o pulso básico da vida, logo, o corpo é um oceano de excitação biológica, manifestada por impulsos e desejos. A forma com que se vive essa excitação mostra como a vida é moldada. Dessa forma, é possível reconhecer todas as variedades de excitação que as pessoas vivem pela forma que seus corpos assumem. Por exemplo: no estilo explosivo, que é um modo de encontrar satisfação, seja pelo poder ou prazer, traz poucos sentimentos de alegria e confiança, além de que, esse padrão de excitação pode ser uma resposta a necessidades não- satisfeitas. É importante reconhecer que cada indivíduo permite, da sua forma, que a excitação estimule seu corpo e de que forma: deixando que ela o percorra, proibindo estar excitado consigo e com outros, etc. Acompanhando sua excitação, pode-se começar a experienciar que há um nível específico de intensidade no qual você dá início às tentativas físicas de controlar um determinado sentimento. Os sentimentos buscam uma resposta, ou seja, se a criança chora, não é apenas para aliviar uma pressão, mas também porque deseja obter uma resposta do mundo, nesse caso, a atenção das figuras paternas. Outra forma do sentimento buscar uma resposta é no que diz respeito a se afastar das pessoas, o indivíduo encolhe os ombros, contrai os peitos, ficando o menos visível possível para os outros, afim de se afastar dessas pessoas. Quanto a organização somática do comportamento, primeiramente, salientemos que os músculos e órgãos internos são passiveis de educação através da experiência e, portanto, passiveis de comportamentos de estereotipia. De fato, existe um grande desafio em estar em contato com o sentimento de formação, o sentimento de como nos moldamos em relação aos eventos do cotidiano. Ao longo da vida o indivíduo continua aprendendo, na estimulação sexual, por exemplo, é desenvolvido um padrão de atuação comportamental com base nas experiências já vividas, dessa forma, é construído uma atitude organísmica diante da sexualidade. É extremamente importante conhecer esses padrões e que há um processo simples que pode ser empregado para experienciá-los. Como percebemos nossos sentimentos somaticamente? Como ficamos com raiva e como é organizada esta raiva? Quais os pensamentos associados ao movimento do corpo na raiva? Essas indagações nos levam a atenção para a percepção somática dos sentimentos. Porém, não há respostas verbais para essas palavras, elas estão nas reações, a experiência é a resposta. Esse exercício de pensar no ‘’como?’’ ensina a reconhecer as sensações de auto-organização, as fases de prontidão para agir, as imagens e os padrões. Além disso, é importante considerar o tempo, ou seja, a duração desses processos. Quanto tempo dura um sofrimento ou um desejo sexual? A percepção da duração abre portas para o tempo flexível, em vez de vê-lo apenas num campo de tempo programado. Percebe-se que a sociedade possui vários dilemas em relação ao tempo: quando você consegue me entregar isso? Quando estará disponível? Os indivíduos não conseguem atender as exigências de tempo dos outros. O conflito ocorre quando alguém quer que o outro se movimente mais rápido ou mais lentamente, impossibilitando o tempo subjetivo de cada um. Dessa forma, vemos que muitos problemas de comportamento são problemas relacionados ao tempo, o ritmo natural das coisas se perdeu e já não sabemos ao certo qual é o nosso próprio padrão. Assim, deve-se aprender sobre os nossos próprios ritmos, nossas regras de tempo, só assim é possível visualizar a essência da verdadeira liberdade. A vida é uma série de transições, através das quais o indivíduo tem a oportunidade de se remodelar e reorganizar sua vida. Muitos adoecem nessas fases porque não recebem o auxílio necessário ou porque não tem o conhecimento desses processos de reorganização somática. Todas as transições requerem um período de separação, um tempo de espera e um tempo de reorganização de novas ações, essas transições são atos de liberdade, individualidade e auto-regulação, que podem ensinar a participação nas mudanças do corpo. Qualquer mudança na vida passa por três fases: endings, middle ground e estágios de formação. 1. Endings: São sinais de que partes de nossas vidas ficaram obsoletas e que irão mudar um relacionamento ou comportamento, o padrão de vida irá se reformatar. Quando há um luto – desde a morte de um ente até a perca de um emprego – cria-se uma nova capacidade profissional ou uma nova atividade. Os endings são uma desconfiguração, um processo emocional de distanciamento, eles geram um conflito entre ficar e partir, cria-se um espaço, um vazio, tanto no mundo objetivo quanto no self emocional e neurológico. Ou seja, eles interrompem o que havia sido estabelecido como sequencial e ordenado. Quando algo está prestes a acabar, é experenciado um sentimento de tristeza, falta de foco, agitação, sintomas de desconforto físico e emocional. A experiência real criada durante o ending é geralmente não-estruturada. Já as desconfigurações, referem-se a crises reais de identidade, os padrões de autorreconhecimento. Dessa forma, os endings obrigam o sujeito a encarar o desconhecido. A verdadeira sabedoria é quando reconhecemos um ending, e ao invés de criar segurança nos padrões habituais, deve-se deixar as transições serem realizadas. Dessa forma, o corpo move- se a um novo contato conosco e com os outros, estabelecendo novas ligações e ficamos sensíveis à satisfação. Os endings não significam apagar, mas sim tomar distância e mudar a conexão. Ele ensina que proximidade pode se dar à distância, que sentimentos não acabam, mas mudam de forma, que relações terminam, mas não se rompem. 2. Middle Ground O middle ground se segue a um ending, é quase um estado de total ambivalência. Há uma torrente de emoções misturadas, sensações e sonhos de futuro. É uma fase de transição, ele é como um estado onírico no qual sentimentos positivos e negativosemergem. As coisas estão fora de sequência e não há sentido de articulação reconhecível, além de não respeitar a cronologia e o tempo. Transborda de imagens, sensações, sentimentos e necessidades entrando em cena e pedindo atenção, porém, essas representações não são racionais. O middle ground é um estado de recepção e de concepção, é sem uma forma propriamente dita, pois, é nele em nasce as formas. É um espaço mítico, um lugar sem limite e criatividade. Nele coexistem estados extraordinários que assumem formas diferentes de tudo que se conhece, é um lugar do simples existir, onde o indivíduo possui uma extrema conexão consigo mesmo, sendo uma oportunidade para que ele mergulhe na sua existência. A capacidade de conter sentimentos e conviver com estados indiferenciados, faz do middle ground uma pausa na qual a experiencia pode se desenvolver e influenciar a forma de nossos novos comportamentos. Quando se permite as imagens e sentimentos dessa fase, não é necessário se guiar por modelos prontos. Sendo assim, uma fase de grande criatividade, a partir de um caos criativo, dando origem as formas sociais. É o momento central dos pontos de mutação, o espaço onde algo terminou e que dará lugar para algo que está para se formar. 3. Etapa Formativa É essa fase, a partir do middle ground, que se mostra em uma corrente somática de organização que impulsiona para o crescimento. É formada uma visão da nossa situação, possibilitando o indivíduo a experimentar um outro modo de usar o seu corpo. É começado a somatizar as imagens e emoções, praticando comportamentos relacionados a busca de satisfação. Nessa fase temos a experiência emocional de alta carga, na qual se mostram certas verdades a respeito do indivíduo, sendo possível estabelecer um compromisso com essas verdades. Nas etapas formativas, o indivíduo fica pronto para gerar algo, o indivíduo se mobiliza internamente para formar um novo padrão de ação. Os sentimentos que se formam nessa etapa incluem a excitação que gera o movimento em busca da satisfação e os que acompanham cada passo nessa busca. A formação de novos comportamentos requer um prolongado período de imaginação e teste. No desenvolvimento de uma nova habilidade, há uma dificuldade de se habituar no começo, porém, tempo depois, surge um primeiro padrão de coordenação que auxilia na fixação dessa nova habilidade. Durante o crescimento, o indivíduo é pressionado a ser diferente do que realmente é, ou seja, deve seguir diretrizes de terceiros, incorporar metas de formação sem correspondência com ele mesmo. Em decorrência disso, desenvolve-se padrões que são alheios. Essa falta de desenvolvimento próprio gera problemas de impulsividade e sentimentos de incapacidade para tomar medidas pessoais. Além disso, também gera sentimentos negativos, tais como raiva, desprezo por si, baixa autoestima, desapontamento e inferioridade. À medida que se passa por essas três etapas de transição, há um emaranhado de emoções contraditórias e ambivalentes, sentimentos e imagens que mobilizam para o autoconhecimento, o estar consigo mesmo, reforçando a própria privacidade. Desde o início dos tempos, o lado biológico é baseado em uma fé na existência do outro e na antecipação do contato com ele. A conexão somática entre crianças, mãe e pai gera a excitação que torna possível a individualidade e a família. A cultura tem incentivo a individualidade, que é equiparado à liberdade e à independência. Porém, o indivíduo está sempre ligado um com o outro, pois, sem isso, não há sobrevivência e satisfação. Dessa forma, a sociedade precisa dos indivíduos, assim como eles precisam da sociedade. Essa ideia contemporânea de emancipação está vinculada ao poder e não à experiência somática. Na medida em que a emancipação esteja ligada apenas à ideia de poder, as pessoas serão forçadas a uma espécie de individualismo solipsismo. Ser capaz de experenciar e pensar a partir de nosso processo oferece uma solução para o conflito artificial entre o indivíduo e a comunidade. Em nossas etapas de formação, por exemplo, é essencial reorganizar as conexões com a comunidade conforme nos reorganizamos somaticamente. A vida privada e pública não é separada, elas se fundem uma à outra. É a partir da experiencia somática que se desenvolve uma estrutura ética e moral que ajuda a preencher nossa visão única de indivíduos. É desse mundo intermediário que se desenvolve a possibilidade de ser humano, agir humanamente. O que emerge do middle ground é a experiência subjetiva de tentar fazer do mundo um reflexo das mais elevadas percepções das possibilidades do ser humano, em relação ao bem, ao mal e à escuridão. O sentido de poder ou a busca de prazer é a mesma coisa que satisfação ou preenchimento. É necessário saber como criar relacionamentos que sejam emocionalmente gratificantes e como desenvolver estruturas sociais que sejam satisfatórias. Diferentemente da busca do poder ou do prazer, a satisfação não estabelece conflito entre ampliar o bem social ou familiar e desenvolver aquilo que cada um sente com seu próprio bem. É importante que seja desenvolvido uma ética social biológica, construída com base no processo de autoformação. Ao conseguirmos isso, a interação do individuo com os outros cria um corpo invisível que chamamos de processo social, um corpo que constantemente passa por transformações, à medida que reorganizamos a nós mesmos e a nossos relacionamentos. O que chamamos de amor é o processo de como relacionamos nosso ser biológico e social, como modulamos nossas respostas e estabelecemos conexões que nos dão continuidade, satisfação e formação de comunidade. Começamos a reconhecer que amar é contínuo e acessível, cresce e se aprofunda. O amor modela e remodela a si mesmo. Quando o amor está presente como processo, somos pressionados a viver nossa própria evolução e a ajudar os outros a viverem a sua. Amar, então, torna-se o compartilhar de nossa abundancia bioquímica. Anteriormente, amor e desejo eram vistos como inimigos da faculdade racionais do homem. Desejos descontrolados impedem o desenvolvimento humano. O crescimento de desejo, do amor, entretanto, passa por fases e amadurecimento, da mesma forma que qualquer outro processo organísmico. Quando uma pessoa encontra satisfação com outra, uma das coisas que acontece é que ela pede cada vez mais, exige mais abundância, podendo complicar os relacionamentos, pois, a satisfação fermenta um tipo particular de insatisfação. O objetivo não é uma pessoa autossuficiente, que não precisa de ninguém, pois, há momentos em que ela deve contar consigo mesmo e outros que precisará de terceiros (família, amigos, companheiros). Nesse sentido, o verdadeiro objetivo de se mudar relacionamentos é tanto a evolução do indivíduo quanto a formação de uma comunidade funcional e conjunta. No estilo de vida da transformação, o indivíduo pode estar tão em contato com ele mesmo que se faz parte do próprio processo, existindo apenas para aquele tempo, tendo sensações e imagens de modo tão profundo que volta à qualidade de estar vivo, que muitas vezes pode se perder. Esse processo informa sobre o ato de viver, o que faz a vida significativa. As experiencias somáticas amadurecem esse sentimento do universal. Além disso, constrói a estrutura pela qual organiza-se as vidas, permitindo que os impulsos e visões estabeleçam um vínculo com o mundo que nos rodeia. A posse de uma consciência mais aprofundada e de uma experiencia expandida de si enquanto processo continuo, nos faz participantes capazes de visualizar e sentir as sensações de muitas perspectivas e das verdades com múltiplas dimensões. KELEMAN, S. Realidade somática: experiência corporal e verdade emocional. São Paulo: Summus Editorial, 1979.
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