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Apostila Filosofia Ética Prof. Leandro Chevitarese

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i 
 
 
 
 
 
 Instituto Multidisciplinar 
 Departamento de Educação e Sociedade 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. L. Chevitarese 
 
 ii 
Sumário 
1. PROGRAMA DA DISCIPLINA 1 
1.1 EMENTA 1 
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL 1 
1.3 OBJETIVOS 1 
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1 
1.5 METODOLOGIA 2 
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2 
1.7 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 2 
1.8 CURRICULUM RESUMIDO DO PROFESSOR 3 
2. A FILOSOFIA E A ÉTICA: DAS ORIGENS À ATUALIDADE 3 
2.1 INTRODUÇÃO 3 
2.2 FILOSOFIA: INTRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÕES PRELIMINARES 4 
2.2.1 DEFINIÇÃO DO OBJETO DA FILOSOFIA E DA ATIVIDADE FILOSÓFICA. A “ORIGEM DO 
FILOSOFAR”. 4 
2.2.2 AS PRINCIPAIS ÁREAS A FILOSOFIA: ONTOLOGIA, EPISTEMOLOGIA, ÉTICA E 
ESTÉTICA. 7 
2.3 ÉTICA: DEFINIÇÕES PRELIMINARES 9 
2.3.1 DEFINIÇÃO DO OBJETO E DISTINÇÃO PRELIMINAR ENTRE ÉTICA E MORAL 9 
2.3.2 DISTINÇÃO PRELIMINAR ENTRE ÉTICA E DIREITO 13 
2.3.3 DISTINÇÃO PRELIMINAR ENTRE ÉTICA E POLÍTICA 15 
2.3.4 DISTINÇÃO PRELIMINAR ENTRE ÉTICA E RELIGIÃO. 17 
2.3.5 A FILOSOFIA E A ÉTICA APLICADAS À FORMAÇÃO PROFISSIONAL 18 
2.4. A FUNDAMENTAÇÃO DA ÉTICA: DA GRÉCIA À MODERNIDADE. 20 
2.4.1 O NASCIMENTO DA ÉTICA NA GRÉCIA 20 
2.4.2 DA GRÉCIA À MODERNIDADE 25 
2.4.3 A FUNDAMENTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE ORIENTAÇÃO DA CONDUTA NA 
MODERNIDADE 26 
2.4.4 A CRISE DA MODERNIDADE E A NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA 
ÉTICA 37 
3. PERSPECTIVAS ÉTICAS NA ATUALIDADE: DIREITOS HUMANOS, GESTÃO ÉTICA, 
RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE. 40 
3.1 NOVAS PERSPECTIVAS 40 
3.2 A ÉTICA E OS DIREITOS HUMANOS 43 
3.3 MODELOS DE GESTÃO ÉTICA 45 
3.4 ÉTICA PARTICIPATIVA: INTEGRANDO SABERES E ASSUMINDO RISCOS 48 
3.5 RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL 51 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 62 
5. TEXTOS COMPLEMENTARES 63 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 70 
 
 
 
1 
1. Programa da disciplina 
1.1 Ementa 
Noções básicas de Filosofia. Conceitos Fundamentais da Ética. O surgimento do estado 
moderno. Ética e Administração. 
1.2 Carga horária total 
60 horas/aula 
1.3 Objetivos 
Esta disciplina pretende introduzir alguns elementos fundamentais de filosofia 
especialmente orientados para conhecimento da ação e responsabilidade do sujeito 
humano (ética) nas organizações econômicas e políticas (Estado) da sociedade moderna. 
1.4 Conteúdo programático 
 
Filosofia e Ética: 
introdução e definições 
preliminares 
- Introdução à Filosofia 
- Definição do objeto e distinção preliminar entre Ética e Moral 
- Distinções preliminares entre Ética/Moral, Direito, Política e 
Religião. 
- A Filosofia e a Ética aplicadas à formação profissional 
A fundamentação da 
Ética: da Grécia à 
Modernidade 
- O nascimento da Ética na Grécia 
- A fundamentação dos princípios de orientação da conduta na 
Modernidade 
- A crise da Modernidade e a necessidade de reconstrução da 
problemática ética 
 
 
2 
 
Perspectivas éticas na 
atualidade: direitos 
humanos, gestão ética, 
responsabilidade sócio-
ambiental e 
sustentabilidade 
- Novas Perspectivas 
- A Ética e os Direitos Humanos: O problema do Assédio Moral 
- Modelos de Gestão Ética 
- Ética participativa: Integrando saberes e assumindo riscos 
- Responsabilidade Sócio-ambiental 
 
1.5 Metodologia 
 
A exposição dialogada do conteúdo programático dará suporte ao debate crítico sobre 
cada um dos tópicos previstos, enfatizando sua articulação com o ambiente e a atividade 
profissional. Tanto quanto possível e oportuno serão utilizados recursos multimídia 
durante as atividades. 
1.6 Critérios de avaliação 
 
O grau total atribuído ao aluno obedecerá à seguinte ponderação: 
 20% referentes a atividades em equipe realizadas em sala de aula; 
 80% referentes à avaliação individual, sob a forma de prova, a ser realizada de 
acordo com agendamento prévio. 
 
 
1.7 Bibliografia recomendada 
 
BOBBIO, N.: A Era dos Direitos. RJ: Elsevier/Ed Campus, 2004. 
BLACKBURN,S.: Dicionário Oxford de Filosofia. RJ: Jorge Zahar Editor, 1997. 
CHAUÍ, M.: Convite à Filosofia. SP: Ática, 1994. Unidade 8, Caps. 4 e 5. 
FAUNDEZ, A. O Poder da Participação. SP: Cortez, 1993. 
MARCONDES FILHO, D.: Iniciação à História da Filosofia. RJ: Zahar, 2007. 
PUPPIM DE OLIVEIRA, J. A.: Empresas na Sociedade – sustentabilidade e 
responsabilidade social. RJ: Elsevier/Campus, 2008. 
 
 
3 
SROUR, R. H.: Ética Empresarial: a gestão da reputação. RJ: Elsevier/Ed Campus, 
2003. 
TUGENDHAT, E.: Lições sobre Ética. Petrópolis: Vozes, 1997. 
THIRTY-CHERQUES, H. R.: Ética para Executivos. RJ: Editora FGV, 2008. 
 
1.8 Curriculum resumido do professor 
 
Leandro Chevitarese é Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do 
Rio de Janeiro, na área de Ética, Mestre em Filosofia também pela PUC-Rio, na área de 
Filosofia da Cultura, Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social 
pelo Instituto de Psicologia/EICOS da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na área 
de Ética Ambiental, e graduado em Filosofia pela UERJ. Lecionou nos cursos de MBA 
da FGV, em disciplinas como “Conduta Ética”, “Ética e Responsabilidade Social”, 
“Ética, Governança Coorporativa e Responsabilidade Sócio-ambiental”, “Filosofia e 
Sociologia para Gestores”, “Ética profissional”, etc. Lecionou no curso de 
Especialização em Filosofia Contemporânea (pós-graduação lato-sensu) da PUC-Rio, 
nas disciplinas “Ética e Subjetividade na contemporaneidade” e “Teoria Crítica”. Autor 
de diversos artigos e capítulos de livros. Atualmente é professor adjunto do 
Departamento de Educação e Sociedade do IM/UFRRJ. 
. 
2. A Filosofia e a Ética: das origens à atualidade 
2.1 Introdução 
 
A preocupação com a ética tem se tornado cada vez mais urgente na atualidade. 
Corrupção, interesses escusos, manobras de favorecimento político, tecnocracias, falta 
de atenção às questões sociais, enfim, todo um conjunto de mazelas e problemas vem 
assumindo grande destaque em nossa sociedade. Fala-se muito de “falta de ética”, mas 
poucos se dedicam a pensar sobre as condições deste problema. Não se trata apenas de 
definir regras morais e exigir seu cumprimento, sendo imperioso que se considere 
 
 
4 
seriamente a problemática de fundamentação da conduta na sociedade contemporânea, 
com seus problemas específicos, tendo em vista o estabelecimento de condições para 
sua realização. 
A presente apostila oferece uma visão panorâmica da filosofia, particularmente 
em sua dimensão ética, apresentando criticamente seu desenvolvimento desde suas 
origens na Grécia clássica até os dias de hoje, com o crescimento recente dos clamores 
de responsabilidade sócio-ambiental e sustentabilidade. O principal objeto de 
investigação é o conjunto de elementos que sustentam, legitimam e viabilizam os 
princípios de orientação da conduta, com especial consideração sobre a possibilidade de 
efetivação de um mundo ético na atualidade, tratando das suas dificuldades e dilemas. 
São privilegiados exemplos ligados ao universo empresarial, tanto em sua dimensão 
interna quanto externa, e apresentadas, ao final, as linhas gerais do movimento ético 
hoje reunido sob a rubrica de RSC – responsabilidade social corporativa. É preciso por 
fim enfatizar que as informações técnicas ligadas à RSC, nesta disciplina, recebem um 
tratamento dimensionado apenas à sua discussão ética. 
2.2 Filosofia: introdução e caracterizações 
preliminares 
2.2.1 Definição do objeto da Filosofia e da 
atividade filosófica. A “origem do filosofar”. 
 
“O substantivo gr. philosophía ‘amor da ciência, do saber, do 
conhecimento’, de phílos, ‘amigo, amante’, e sophía, ‘conhecimento, 
saber’, formado do adjetivo e substantivogr. philósophos, ‘que ama o 
saber, amigo do conhecimento’, significava no período pré-socrático o 
estudo teórico da realidade, o saber do sábio, amor e conhecimento do 
lógos, ‘verbo, palavra’, que tudo rege e unifica, em contraposição a 
polymathía, polymátheia, ‘saber de coisas desconexas’, ‘que não 
ensina a ter compreensão’, segundo Heráclito (544-480 ac), fragmento 
40” . (MIRADOR INTERNACIONAL, 1977, p.4603) 
 
 Segundo a definição etimológica de Filosofia, podemos compreendê-la como 
“amor do saber”, “amizade ao saber”, ou “amor à sabedoria” – outra expressão utilizada 
com freqüência. A tradição histórica, através de Diógenes Laércio, afirma que foi 
 
 
5 
Pitágoras o primeiro a usar esta palavra no sentido de busca desinteressada da verdade 
(por contemplação). A ausência de interesse parece ser um ponto fundamental para 
distinguir a “verdade” buscada como “sabedoria”, e não simplesmente como produto de 
uma espécie de “curiosidade intelectual” ou mera “informação instrumental”. De forma 
geral, considera-se “interessada” a busca que visa previamente atingir um certo fim, que 
pode ser conhecer uma certa coisa tendo em vista um objetivo, ou mesmo obter 
resultados pragmáticos imediatos, benefícios em determinada situação, etc. 
 Se este “amor ou amizade à sabedoria” (philosophía) se mostra como uma 
espécie de “busca desinteressada”, através da Razão, é fácil observar que, desde o 
início, a Filosofia é um tipo de investigação. Sendo assim, submete-se ela própria à 
discussão crítica. Considerando que este saber não se condiciona a uma certa área ou 
assunto, qualquer objeto pode ser alvo de tal investigação. Neste sentido, chegamos a 
um entendimento da Filosofia como investigação ou reflexão sobre a realidade. 
 
 Segundo o professor Demerval Saviani, a reflexão filosófica 
é radical, rigorosa e de conjunto. Interpretaremos estes tópicos: 
Radical (...) busca explicitar os conceitos fundamentais usados em 
todos os campos do pensamento de do agir. (...) Rigorosa (...) o 
filósofo deve dispor de um método claramente explicitado a fim de 
proceder com rigor, garantindo a coerência e o exercício da crítica. 
(...) Para tanto usa de linguagem rigorosa (...) De conjunto (...) a 
Filosofia é globalizante, porque examina os problemas sob a 
perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. 
Nesse sentido além de considerarmos que o objeto da Filosofia é tudo 
(porque nada escapa a seu interesse), completamos que a Filosofia 
visa ao todo, à totalidade. (ARANHA & MARTINS, 1988, pp.74/75). 
 
 Tendo em vista que se trata de uma atividade reflexiva radical, rigorosa e de 
conjunto, a reflexão filosófica não pode ser limitada por preconceitos ou pressupostos 
anteriores à sua atividade. Mas como tornar viável a percepção destas restrições às quais 
ela não deve se submeter? Como evidenciar estas possíveis – e por que não dizer 
permanentes – limitações no desenvolvimento da reflexão filosófica? A resposta mais 
imediata é que ela necessita ser permanentemente “autocrítica”, além de sustentar uma 
postura crítica em relação ao objeto de sua investigação (seja ele qual for). 
 
 
 
6 
“Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das 
práticas”.(...) Esta última descrição da atividade filosófica capta a 
Filosofia como análise (das condições da ciência, da religião, da arte, 
da moral), como reflexão (isto é, volta da consciência para si mesma 
para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o 
sentimento, a ação), como crítica (das ilusões e dos pré-conceitos 
individuais e coletivos, das teorias e práticas científicas, políticas e 
artísticas), essas três atividades (análise, reflexão e crítica) estando 
orientadas pela elaboração filosófica de significações gerais sobre a 
realidade e os seres humanos. Além de análise, reflexão e crítica, a 
Filosofia é a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas 
múltiplas formas indagando o que são, qual sua permanência e qual a 
necessidade interna que as transforma em outras” (CHAUÍ, 1994, 
p.17). 
 
 Defender uma atitude crítica para Filosofia parece fundamental para superação 
das limitações inerentes à reflexão comum, tanto no sentido de uma “autocrítica”, como 
no que tange a uma postura em relação ao objeto investigado. Configuram-se, portanto, 
a análise e a crítica, como elementos que podemos sustentar como fundamentais à 
reflexão filosófica . 
Mas de que modo surge esta “atitude filosófica”? Desde os gregos considera-se 
que a reflexão filosófica surge de uma experiência de “estranhamento” da realidade. 
Filosofia nasce com o “espanto”, com a admiração em relação àquilo que 
ordinariamente naturalizamos e tomamos como óbvio, evidente. 
 
“Com efeito, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar 
tanto no princípio como agora; perplexos, de início, ante as 
dificuldades mais óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram 
problemas a respeito das maiores, como os fenômenos da Lua, Sol e 
das estrelas, assim como a gênese do universo. E o homem que é 
tomado de perplexidade e admiração julga-se ignorante (...)” (ROSS, 
s/d, p.40). 
 
 Aristóteles afirma que a atividade filosófica, “tanto no princípio como agora”, se 
inicia com a admiração, evidenciando o caráter não-histórico desta concepção. Esta 
perplexidade leva os homens à investigação filosófica. Diante da perda de seus 
referenciais, crenças ou opiniões, “julga-se ignorante” e questiona-se acerca da 
realidade em que vive. De fato, quem já “sabe” as respostas, não tem que se preocupar 
 
 
7 
com qualquer pergunta e permanece entregue a repetição sistemática do que lhe foi 
ensinado ou imposto. 
 Ainda podemos relacionar o nascimento da Filosofia àquele momento em que se 
percebe a necessidade de reformular a pergunta elaborada, visto que o problema foi 
compreendido de modo restrito e inadequado. Tal necessidade não poderia surgir a não 
ser de uma profunda sensação de abismo, de ignorância, de dúvida. Talvez seja possível 
aqui uma pista para entender o porquê da conhecida máxima socrática: “Só sei que nada 
sei!”. 
Neste século, tivemos uma importante contribuição ao problema da significação 
da Filosofia através de Deleuze. Sua proposta reacendeu a chama do debate em torno de 
“o que é a Filosofia?”: 
 
“O filósofo é o amigo do conceito, ele é o conceito em potência. Quer 
dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou 
de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente 
formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a 
disciplina que consiste em criar conceitos. (...) Criar conceitos sempre 
novos, é o objeto da filosofia” (DELEUZE & GUATTARI, 1992, 
p.13) 
 
 Deleuze e Guattari nos apresentam a Filosofia como a “disciplina que consiste 
em criar conceitos”. Mas não podemos deixar de destacar que a Filosofia só pode criar 
conceitos em função de problemas, de questões filosóficas. Talvez esta seja a principal 
tarefa da filosofia: espantar-se diante daquilo que se apresenta, construir questões, 
problematizar a realidade que se apresenta e investigar tais dificuldades. Para tanto é 
imprescindível coragem e sensibilidade. 
Desse modo, chegamos à significação da Filosofia como atividade de reflexão, 
desenvolvida com “rigor” e “radicalidade”, tendo como elementos essenciais, a crítica, a 
análise e o diálogo, sendo também atividade de construção de argumentos e de criação 
de conceitos; estando todos esses aspectos subordinados à atividade fundamental da 
Filosofia: sustentar as perguntas e investigá-las. 
 
2.2.2 As principais áreas a Filosofia: Ontologia, 
Epistemologia, Ética e Estética.8 
A filosofia se divide em quatro grandes áreas de saber: a ontologia, a 
epistemologia, a ética e a estética. Cada uma delas corresponde a uma importante 
pergunta filosófica, respectivamente: “o que é?”, “como posso conhecer?”, “como devo 
agir?”, “o que é sentir?”. 
A Ontologia trata da questão “o que é o ser?”, procurando investigar 
fundamentalmente “o que são as coisas?”. Conforme o dicionário Oxford, este é um 
“termo derivado da palavra grega que significa ‘ser’, mas usado desde o século XVII 
para denominar o ramo da metafísica que diz respeito àquilo que existe” (BLACKBURN, 
1997, p .274). 
A Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento, investiga a problemática do 
conhecimento sobre diferentes aspectos: 
 
Algumas de suas questões centrais são: a origem do conhecimento; o 
lugar da experiência e da razão da gênese do conhecimento; a relação 
entre o conhecimento e a certeza, e entre o conhecimento e a 
impossibilidade do erro; a possibilidade do ceticismo universal ; e as 
formas de conhecimento que emergem das novas conceitualizações de 
mundo. (BLACKBURN, 1997, p. 119). 
 
A Ética, ou Filosofia prática, dedica-se à compreensão do problema da conduta 
humana, investigando as condições de fundamentação para orientação das ações em um 
contexto social e político. Segundo o dicionário Oxford, a Ética é o “estudo dos 
conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, 
a virtude, a liberdade, a racionalidade, a escolha” (BLACKBURN, 1997, p. 129). 
Por fim, a última grande área da Filosofia é a Estética: 
 
Estudo dos sentimentos, conceitos, e juízos resultantes de nossa 
apreciação das artes, ou da classe mais geral de objetos considerados 
tocantes, belos ou sublimes. A estética se ocupa de problemas tais 
como: o que é uma obra de arte? O que torna uma obra de ate bem-
sucedida? Pode a arte ser um veículo da verdade? A arte é expressão 
ou comunicação dos sentimentos do artista? Ou sra que ela funciona 
por provocação, simbolização ou catarse de sentimentos? 
(BLACKBURN, 1997, p. 127). 
 
 
 
9 
Embora seja possível distinguir cada uma desses campos de pesquisa, 
correspondentes a perguntas filosóficas fundamentais, não se deve deixar de observar 
que tais problemáticas interagem e se interpenetram na investigação filosófica . 
2.3 Ética: definições preliminares 
2.3.1 Definição do objeto e distinção preliminar 
entre ética e moral 
 
Todo agrupamento social estabelece para si mesmo normas de convivência, que 
tomam a forma de valores referentes a “bem” e “mal” aplicados à conduta. Isto é o que 
comumente se chama de “moral”. Seu emprego é regional e relativo a cada cultura. 
Como observa Marilena Chauí: 
 
A simples existência da moral não significa a presença explícita de 
uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que 
discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. 
Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no 
Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates (CHAUÍ, 
1994, p. 339). 
 
Apesar de muitas vezes usarmos os termos “ética” e “moral” como sinônimos no 
discurso coloquial, a tradição filosófica mais geralmente compreende a ética como uma 
reflexão filosófica sobre as regras e valores morais, reflexão que se inicia com a 
filosofia grega, particularmente, com a experiência socrática. Sabemos que a Grécia 
clássica constitui momento singular na história da Humanidade. É com a “vontade grega 
de explicação” dos acontecimentos, mais especificamente, com a passagem do Mito ao 
Logos, que surgem as primeiras teorizações sobre a natureza e sobre as ações humanas. 
O primeiro grupo origina o que hoje conhecemos como “ciências naturais”; o segundo 
origina as hoje chamadas “ciências humanas”. Temos antes dos gregos decerto formas 
políticas, religiosas e morais em vigência nas várias civilizações; mas não temos 
notícias de teorias políticas, de teologias ou de éticas. 
A remissão à história pode nos ajudar a compreender, por exemplo, a pluralidade 
de significados relacionados à ética e à moral. Conforme Ernst TUGENDHAT: 
 
 
10 
 
Realmente, os termos “ética” e “moral” não são particularmente 
apropriados para nos orientarmos. Cabe aqui uma observação sobre sua 
origem, antes de tudo curiosa. Aristóteles tinha designado suas 
investigações teórico-morais – então denominadas como “éticas” – como 
investigações “sobre o ethos”, “sobre as propriedades do caráter”, porque 
a apresentação das propriedades do caráter, boas e más (das assim 
chamadas virtudes e vícios) era uma parte integrante essencial destas 
investigações. Essa procedência do termo “ética”, portanto, não dá conta 
daquilo que entendemos por “ética”. No latim o termo grego éthicos foi 
traduzido por moralis. Mores significa: usos e costumes. Isto, novamente, 
não restitui as nossas compreensões de ética e de moral. Ocorre aí, além 
disso um problema de tradução. Pois na ética aristotélica não apenas 
ocorre o termo ethos (com 'e' longo), que significa propriedade de caráter, 
mas também o termo ethos (com 'e' curto) que significa costume, e é para 
este segundo termo que serve a tradução latina. (TUGENDHAT, 1997, 
trad. mod. p. 35-36). 
 
 De fato, os termos moral e ética estão associados ora a traços de caráter, ora 
àquilo que concerne aos usos e costumes de uma coletividade; ainda, como lembra 
Danilo Marcondes, diz respeito aos sistemas prescritivos e normativos vigentes nessas 
coletividades, isto é, ao “conjunto de preceitos que estabelecem e justificam valores e 
deveres, desde os mais genéricos, tais como a ética cristã ou estóica, até os mais 
específicos, como o código de ética de uma categoria profissional, dos quais talvez o 
mais famoso seja o da prática médica” (2007, p. 10). Fala-se hoje em dia, inclusive, num 
sentido ainda mais específico, de códigos de ética da empresa X ou da empresa Y. Dê-
se como exemplo: 
 
 
 
Princípios Éticos do Sistema Petrobras 
I. O respeito à vida e a todos os seres humanos, a integridade, a verdade, a 
honestidade, a justiça, a eqüidade, a lealdade institucional, a responsabilidade, o 
zelo, o mérito, a transparência, a legalidade, a impessoalidade, a coerência entre o 
discurso e a prática, são os princípios éticos que norteiam as ações do Sistema 
Petrobras. 
II. O respeito à vida em todas as suas formas, manifestações e situações é o principio 
ético fundamental e norteia o cuidado com a qualidade de vida, a saúde, o meio 
ambiente e a segurança no Sistema Petrobras. 
 
 
11 
III. A honestidade, a integridade, a justiça, a eqüidade, a verdade, a coerência entre o 
discurso e a prática referenciam as relações do Sistema Petrobras com pessoas e 
instituições, e se manifestam no respeito às diferenças e diversidades de condição 
étnica, religiosa, social, cultural, lingüística, política, estética, etária, física, mental e 
psíquica, de gênero, de orientação sexual e outras. 
IV. A lealdade ao Sistema Petrobras se manifesta como responsabilidade, zelo e 
disciplina no trabalho e no trato com todos os seres humanos, e com os bens 
materiais e imateriais do Sistema, no cumprimento da sua Missão, Visão e Valores, 
em condutas compatíveis com a efetivação de sua Estratégia Corporativa, com 
espírito empreendedor e comprometido com a superação de desafios. 
V. A transparência se manifesta como respeito ao interesse público e de todas as partes 
interessadas e se realiza de modo compatível com os direitos de privacidade pessoal 
e com a Política de Segurança da Informação do Sistema Petrobras. 
VI. O mérito é o critério decisivo para todas as formas de reconhecimento, recompensa, 
avaliação e investimento empessoas, sendo o favorecimento e o nepotismo 
inaceitáveis no Sistema Petrobras. 
VII. A legalidade e a impessoalidade são princípios constitucionais que preservam a 
ordem jurídica e determinam a distinção entre interesses pessoais e profissionais na 
conduta dos membros dos Conselhos de Administração, dos Conselhos Fiscais e das 
Diretorias Executivas e dos empregados do Sistema Petrobras. 
VIII. O Sistema Petrobras compromete-se com o respeito e a valorização das pessoas em 
sua diversidade e dignidade, em relações de trabalho justas, numa ambiência 
saudável, com confiança mútua, cooperação e solidariedade. 
IX. O Sistema Petrobras desenvolve as atividades de seu negócio reconhecendo e 
valorizando os interesses e direitos de todas as partes interessadas. 
X. O Sistema Petrobras atua proativamente em busca de níveis crescentes de 
competitividade, excelência e rentabilidade, com responsabilidade social e ambiental, 
contribuindo para o desenvolvimento sustentável do Brasil e dos países onde atua. 
XI. O Sistema Petrobras busca a excelência em qualidade, segurança, meio ambiente, 
saúde e recursos humanos, e para isso promove a educação, capacitação e 
comprometimento dos empregados, envolvendo as partes interessadas. 
XII. O Sistema Petrobras reconhece e respeita as particularidades legais, sociais e 
culturais dos diversos ambientes, regiões e países em que atua, adotando sempre o 
critério de máxima realização dos direitos, cumprimento da lei, das normas e dos 
procedimentos internos. 
 
 http://www2.petrobras.com.br/petrobras/portugues/eticas/eti_petrobras.htm 
 
 
 
Há ainda um último sentido da palavra ética, distinto de todos os até aqui 
indicados, que está presente na maioria dos pesquisadores contemporâneos, inclusive 
nos citados Chauí, Marcondes e Tugendhat. Este último autor diz que “uma outra 
definição terminológica possível de ‘ética’ é, diferenciando-a da moral, compreendê-la 
como reflexão filosófica sobre a ‘moral’” (TUGENDHAT 1997, p. 41, grifo nosso, trad. mod.). 
 Esse será o sentido por nós adotado. A Ética se propõe, assim, também a refletir 
sobre o fato de haverem várias “morais” e a enfrentar divergências, buscando mediações 
 
 
12 
justificadas e aceitáveis. Em outras palavras: a reflexão ética direciona-se a 
compreender o porquê de cada atitude e lidar com suas consequências em contextos 
tão amplos quanto necessário ou possível. 
Eticamente falando, não basta simplesmente fazer o que é considerado 
“adequado” ou “correto” em determinado contexto, mas, acima de tudo, esforçar-se por 
compreender o que fundamentaria tal conduta neste cenário, responsabilizando-se pela 
vigência das suas normas e/ou assumindo uma atitude crítica em relação a elas. 
O que hoje mais geralmente é compreendido como “ética aplicada”, nada mais é 
que a observância de normas em determinado campo da atividade humana (seja o 
âmbito familiar, a gestão de recursos públicos, as diferentes atividades profissionais, a 
negociação internacional, etc.). Mas essa conduta segundo normas, para ser ética no 
sentido aqui pensado, precisa de lucidez a respeito dos fundamentos dessas normas, das 
suas razões de ser. Note-se que, na prática, por exemplo, no âmbito das chamadas 
“éticas profissionais”, é via de regra impossível o compartilhamento amplo da referida 
lucidez acerca dos fundamentos sobre os quais se assentam a normas – restando discutir 
se, nesses casos, não seria melhor falar de “morais profissionais”. O solo normativo 
comum capaz de sustentar e orientar a conduta deve, de qualquer modo, no âmbito de 
uma atividade delimitada, ser acolhido por todos os que dela participam, entrando assim 
em jogo uma série de outros fatores, não estritamente éticos ou mesmo morais, ligados à 
educação, à coação formal, aos incentivos, à persuasão, etc. 
A questão desse acolhimento de normas mostra sua particular complexidade 
quando entramos no mérito da constituição dos sujeitos. Além dos interesses e das 
diferenças pessoais, há conflitos que dizem respeito ao fato de um mesmo indivíduo 
responder a outras morais além da profissional, por exemplo, religiosas. Surgem assim 
novas fronteiras, novas distinções concernentes ao escopo de uma ética em sentido 
amplo, fronteiras serão tratadas nos próximos itens. 
A “história da ética” é a história do desafio de pensar sobre a questão: Como 
agir? Por que razões “deve-se” agir deste modo diante de tal situação? O que está em 
pauta são os princípios que fundamentam o processo deliberativo, que orientam e 
concedem significado para as escolhas individuais. 
Deste modo, pode-se dizer que a ética se constitui como uma atividade ou 
disciplina filosófica que procura estabelecer racionalmente critérios e princípios 
para a conduta humana, propondo-os, sempre, com pretensão de universalidade. 
Mas não deve escapar ao olhar, já aqui, que cada esforço reflexivo, filosófico, visando a 
 
 
13 
uma articulação de todos esses problemas, operou síntese diversa, não havendo uma 
ética única e consensual. 
 
 
Este é um ponto particularmente importante: embora não haja uma única ética dotada 
de consenso universal, cada matriz do pensamento ético-filosófico acaba por propor uma 
resposta ao problema da conduta humana, formulando sempre juízos com pretensão de 
universalidade – considerados aplicáveis a todos os indivíduos na mesma situação. 
Por exemplo, se afirmamos, a partir de certa fundamentação teórica, que é 
necessário respeitar a “dignidade humana”, pretendemos que todos, sempre, tenham esta 
atitude. Por outro lado, isso não acontece quando dizemos preferir a convivência com 
pessoas de determinadas características, gostos ou estilos de vida. Este mesmo problema 
pode ser observado situações bem simples e cotidianas: quando escolhemos torcer por um 
time de futebol, compreendemos perfeitamente que existem outras escolhas, embora, seja 
qual for a torcida, eticamente, pode-se afirmar a pretensão de que todos os jogadores 
respeitem os princípios do fair play (jogo justo), evitando, por exemplo, jogadas violentas ou 
desrespeito aos espectadores. 
 
 
A questão mais aguda é que a inexistência desse consenso não é um fato 
qualquer, não decorre de um fracasso qualquer, de uma carência qualquer, que 
possamos resolver escrevendo mais um simples capítulo da história, sem dar conta dos 
porquês do seu inacabamento até então. Seja como for, estudar as matrizes do 
pensamento ético-filosófico é ainda a melhor forma de tomar pé, de modo organizado, 
das várias questões que dizem respeito ao desafio humano de administrar sua liberdade 
de escolha e os perigos a ela inerentes. 
Questões contemporâneas, como as que dizem respeito à responsabilidade 
sócio-ambiental ou à sustentabilidade do atual projeto civilizacional precisam, para não 
se rarefazerem perigosamente, ser tratadas com um mínimo de consciência das 
complexidades histórico-filosóficas do desafio ético. 
 
2.3.2 Distinção preliminar entre ética e direito 
 
 
 
14 
Ambas as áreas de conhecimento referem-se à normatização da conduta 
humana: pretendem contribuir para a ordem social, manter ou aprimorar a qualidade 
geral da vida entre pessoas de desejos diversos, evitar diversas formas de violência, etc. 
O principal fator distintivo refere-se ao tipo de sanção que se aplica à transgressão da 
norma. O direito prevê punições efetivas adequadas à natureza do delito cometido e 
assim confere à norma “força de lei”. Trata-se aqui do que se pode chamar de “sanção 
externa”, de coerção formalizada, que visa, em princípio impedir a realização de novos 
delitos. 
O mesmo não acontece no plano moral. Pode-se cometer transgressão moral sem 
que isso implique em crime ou delito, ouseja, sem que isso gere punição sancionada 
pelo Estado. A mentira, considerada imoral em muitos contextos sociais, pode ser 
exercida em certas constituições, licitamente, pelo réu em sua defesa. Pode-se, 
inversamente, pensar em ações que, apesar de observarem os trâmites processuais 
legais, sejam imorais, por exemplo, se aproveitando de “brechas” na lei para fazerem 
valer interesses moralmente espúrios. 
Mas o que, enfim, impediria uma atitude moralmente condenável, quando 
invisível aos olhos da lei? É dito que somente a ação de alguma sanção interna, 
produzida pela consciência do próprio agente, poderia evitar tal conduta. O campo 
moral é, nesse sentido, bem mais amplo que o campo jurídico, já que engloba um sem 
número de aspectos subjetivos e reflexivos, suscitando considerações éticas, no sentido 
anteriormente definido. 
A própria idéia de “sanção interna” não é das mais fáceis de circunscrever. Um 
indivíduo que ofende a moral vigente numa determinada coletividade pode sofrer forte 
pressão externa por parte dos membros dessa coletividade, pressão que pode ir de 
simples reprovação exercida através de olhares ou reprimendas verbais, até a tomada de 
atitudes de exclusão, sem que nada disso passe pelo âmbito jurídico. Alega-se que, 
especialmente nas formas mais sutis de pressão, é a consciência moral do sujeito 
transgressor que faz com ele seja permeável a elas, a ponto de deixá-las influir em seu 
comportamento – em suma, que esse tipo de coerção está indissociavelmente ligado ao 
plano interno. Há aí decerto uma fronteira com a psicologia que não podemos agora 
explorar, mas o fato é que no plano jurídico, quer a consciência do sujeito gere nele 
culpa, quer não, ele será alvo da sanção prescrita, que pode até ser atenuada pela 
confissão de culpa e pela verificação de arrependimento notório, mas que continuará a 
ser exercida nos termos da lei. 
 
 
15 
Em uma sociedade democrática, pretende-se que as leis estejam em sintonia 
com a atualidade da reflexão ética da sociedade. Quando esta convergência não se 
realiza, a defesa de princípios éticos fomenta lutas sociais que visam a modificação de 
tais leis. Deste modo, o direito deveria, motivado eticamente, agir sobre a insuficiência 
dos costumes morais em sua capacidade de regular sozinhos a vida em sociedade; trata-
se da elaboração de leis para corrigir hábitos que, presentes em determinados segmentos 
das sociedades, se tornam por algum motivo intoleráveis. Sanções legais se fazem então 
necessárias para coibir as transgressões. Pode-se dizer, enfim, que a reflexão ética é 
aquilo que nos permite considerar se as leis são “justas” e propor mudanças nas 
determinações legislativas. 
 
 
É interessante observar que, infelizmente, nem sempre se verifica uma motivação 
ética para a criação de novas leis: interesses econômicos, lutas pelo poder, tráfico de 
influência, etc, ainda permanecem como incansável desafio para a ética. Por outro lado, 
podemos lembrar de leis recentes que, fundamentadas eticamente, têm contribuído para 
alterar costumes que se tornaram inaceitáveis. É caso da chamada “lei seca” – proibição do 
consumo de qualquer quantidade de álcool por motoristas – que tem proporcionado 
significativa mudança de hábitos sociais na sociedade brasileira. 
 
 
2.3.3 Distinção preliminar entre ética e política 
 
 O termo “política” assume, hoje em dia, significados múltiplos, mas sua origem 
está inquestionavelmente ligada ao termo grego, polis, que significa “cidade”. “Política” 
significa, segundo Norberto Bobbio, “tudo o que se refere à cidade e, 
consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social” (2004, p. 
954). Mas idéias de cidade e de sociedade aí presentes possam adquirir contornos tão 
amplos quanto os do “mundo globalizado”, idéia que demanda a existência de um órgão 
internacional como a Organização das Nações Unidas. Num sentido inverso, pode-se 
falar da “política da empresa”, da “política do sindicato” ou de política em sala de aula. 
Sobreposta à dimensão coberta por cada uma dessas acepções da palavra política, está o 
problema da formalidade ou informalidade do seu exercício. Num sentido restrito, 
 
 
16 
institucional, a política está ligada ao Estado e ao direito. Já a administração de 
âmbitos muito amplos ou muito reduzidos distancia a política das leis, ou seja, da sua 
acepção mais formal. Temos de um lado as micro-políticas e de outro a política inter ou 
transnacional. 
Posto esses primeiros senões, a conotação do termo “política” é clara, dizendo 
respeito à administração da pluralidade, da diferença, em escopos variados, mas a 
relação propriamente dita entre moral e política não é das mais fáceis de definir. 
 
A política e a moral estendem-se pelo mesmo domínio comum, o da ação 
ou da práxis humana. Pensa-se que se distinguem entre si em virtude de 
um princípio ou critério diverso de justificação e avaliação das 
respectivas ações, e que, em conseqüência disso, o que é obrigatório em 
moral não se pode dizer que o seja em política, e o que é lícito em política 
não se pode dizer que o seja em moral; pode haver ações morais que 
sejam impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são imorais (ou 
amorais). A descoberta da distinção que é atribuída, injustificada ou 
justificadamente, a Maquiavel (daí o nome de maquiavelismo dado a toda 
teoria política que sustenta e defende a separação entre política e moral), é 
geralmente apresentada como problema da autonomia da política. 
(BOBBIO, 2004, p. 960-961) 
 
Depreende-se das considerações de Bobbio que mesmo no âmbito restrito do 
Estado, são problemáticas as relações entre moral e política. A aludida “autonomia da 
política” em relação à moral, por exemplo, não é fácil de circunscrever: diz, 
naturalmente, respeito ao fortalecimento da política em relação à moral em certos 
contextos históricos, mas, justamente por isso, não dá conta de uma relação universal ou 
fixa entre os dois âmbitos. Além do citado MAQUIAVEL e de sua dissociação entre 
uma moral de cunho, à época, fortemente religioso, e o exercício soberano da política 
pelo Príncipe, podemos pensar em PLATÃO e sua elevação da política a píncaros 
superiores aos planos da moral e do direito. O muito falado rei-filósofo da República 
estava claramente acima, em sua pretensa sabedoria, de qualquer conjunto de leis ou 
costumes vigentes na polis ateniense. Esse sentido ideal, quase “divino” dado por Platão 
ao exercício do poder público era, por sua vez, muito distinto do sentido plural, mais 
atento aos costumes e às leis vigentes, verificado na democracia ateniense do seu tempo. 
O paradigma democrático, hoje hegemônico, nos incentiva a pensar a política 
como negociação plural e institucionalizada, que visa o estabelecimento e 
 
 
17 
aprimoramento de leis capazes de regular a vida na polis, bem como a conquista das 
melhores decisões e práticas administrativas. Essas mesmas leis e decisões 
administrativas, entretanto, na medida em que precisam garantir sua legitimidade, 
devem expressar a atualidade da reflexão ética da sociedade. Em outras palavras, pode-
se dizer que “política com ética” significa que “há coisas que não são negociáveis”. E a 
tarefa incansável da ética seria refletir sobre a determinação de tais limites. 
 
 
A difícil relação entre política, moral e ética pode ser observada na atualidade quando, por 
exemplo, os políticos, legalmente, reformam ou aprovam leis em seu próprio benefício, sendo 
isso percebido como inaceitável pelo restante da sociedade. É comum, inclusive, que desses 
episódios se origem clamores por “ética na política” ou por “moralização da vida pública”. 
Certamente,a primeira expressão parece mais adequada, de acordo com o ponto de vista 
conceitual aqui adotado, pois tais clamores fundamentam-se em princípios éticos que 
gostaríamos de ver efetivados na vida pública. Se pensarmos em termos morais, uma 
significativa parcela da população brasileira acaba por “legitimar” tais costumes em 
numerosas ações cotidianas, tais como: oferecer suborno a um policial ou agente público, 
desrespeitar uma fila, burlar os impostos públicos, “indicar” um parente sem qualificação para 
um determinado trabalho, estacionar em um lugar proibido, etc. Não podemos esquecer que é 
este conjunto de micro-práticas cotidianas que visualizamos, em um universo ampliado, a 
conduta de nossos representantes eleitos. 
. 
2.3.4 Distinção preliminar entre ética e religião. 
 
Um último ponto a ser considerado nessas distinções preliminares é o da relação 
entre a moral e os princípios religiosos. O problema diz especial respeito à ética, ou 
seja, à questão da fundamentação da moral. Tal questão se torna cada vez mais 
premente num contexto planetário de proliferação de múltiplas formas de 
religiosidade, muitas vezes conflitantes entre si, assim como de ateísmos, também 
divergentes entre si e mais ou menos engajados na secularização definitiva da moral. 
Tugendhat observa, com um tom algo iluminista: 
 
(...) na discussão destas questões, remontamos explícita ou 
implicitamente a tradições religiosas. Isso, porém, é ainda possível 
para nós? A dificuldade não é a de que as questões que podem ser 
 
 
18 
resolvidas com normas fundadas na religião envelheceram, mas sim 
a de que se deve pôr em dúvida a possibilidade de ainda fundamentar, 
sobretudo, religiosamente, as normas morais. Uma tal fundamentação 
pressupõe que se é crente. Seria, ademais, intelectualmente desonesto 
manter-se ligado a respostas religiosas para as questões morais apenas 
porque elas permitem soluções simples, pois isto não corresponderia 
nem à seriedade das questões, nem à seriedade exigida pela crença 
religiosa. (TUGENDHAT, 1997, p. 13, trad. mod.) 
 
Uma fundamentação exclusivamente religiosa da boa conduta enfrenta a 
seguinte dificuldade capital: como a observância de normas morais é algo que devemos 
poder exigir de quaisquer pessoas esta forma de fundamentação só pode se dar no 
interior de comunidades religiosas definidas, ou em contextos teocráticos. 
Faz-se, por conseguinte, necessário que a reflexão ética sobre os fundamentos da 
moral não esteja aprisionada nos limites da crença, mas se constitua de forma plausível 
e maximamente compartilhável, independente da fé religiosa, ainda que possa, em 
muitos casos, convergir com ela. 
Trata-se, enfim, da necessidade ética de preservar um âmbito de discussão que 
permita refletir sobre, e mesmo mediar, conflitos entre morais religiosas diversas. 
Não se pode, contudo, cometer o erro de desprezar a força das morais religiosas, força 
que tende a ser tanto maior quanto mais débil for a capacidade do Estado de garantir 
política e juridicamente a mediação das diferenças e dos conflitos no interior das 
sociedades. 
 
 
2.3.5 A filosofia e a ética aplicadas à formação 
profissional 
 
A filosofia, por tudo o que foi dito, acaba sendo o lugar da ética no sentido até 
aqui definido e tem sido chamada, na contemporaneidade, a fornecer auxílio a uma 
humanidade imersa num mar de impasses e perigos. Como já abordado no início deste 
capítulo, florescem na atual conjuntura histórica uma série de questões novas e agudas, 
carentes de digestão e de propostas de encaminhamento consequente. 
 
 
19 
Além dos clamores onipresentes por uma “ética na política” e, por exemplo, da 
demanda por critérios capazes de fazer frente aos poderes recentes disponibilizados pelo 
desenvolvimento técnico-científico, fala-se hoje, mais e mais, da necessidade de uma 
“ética empresarial” ou “corporativa”. Faz-se referência tanto a um papel da ética na 
formação profissional, quanto à necessidade de observância de parâmetros que 
viabilizem a perpetuação do atual modelo global, baseado no capital e na liberdade de 
comércio. Termos como “sustentabilidade e desenvolvimento sustentável”, 
“responsabilidade social e responsabilidade ambiental” ampliam-se no discurso 
empresarial contemporâneo. 
Fala-se, aqui e acolá, da exigência crescente por profissionais críticos, 
reflexivos, questionadores, capazes de observação cuidadosa, de descobrir problemas 
antecipadamente e se posicionar previamente diante deles. A possibilidade de 
“estranhar” a realidade que imediatamente se apresenta e de levantar questões, 
criticamente, parece hoje fundamental para quem pretenda conquistar funções de 
liderança e consolidar uma boa gestão, diz-se, ao mesmo tempo eficiente e ética. 
Já a opção pelo termo “ética”, ao invés de “moral”, conforme aqui delineada, 
denota apreço pela capacidade de reflexão. A capacidade de pensar ampla, profunda e 
tempestivamente em face de conflitos passa a ser condição básica para o exercício de 
funções estratégicas: quem não o faz permanece confinado em posições meramente 
reprodutoras de procedimentos “previamente fixados”, em outras palavras, fica relegado 
a funções de reprodução técnica. 
Há inclusive quem entenda a atual quantidade de cursos e discursos sobre ética 
com um aporte mais filosófico como forma de fazer frente à taxa de crescimento de um 
sistema no qual abundam bons técnicos, mas falta gente com visão de conjunto e 
capacidade crítica. Nesse sentido, contudo, a questão já migra para o âmbito das 
capacidades de gestão e liderança, ficando por discutir em que medida a postura 
genuinamente ética, que vai além da agilidade reflexiva adequada à expectativa de 
solução eficiente de problemas, é, ou não, uma dessas capacidades. 
A idéia de que a ética, na sua acepção mais reflexiva ou filosófica, possa ser 
inequivocamente útil ao mundo capitalista, corporativo, empresarial, não é, enfim, 
uma idéia líquida. Há enfoques que, na esteira de uma matriz utilitarista, sustentam 
que hoje é empresarialmente vantajoso ser ético, cultivando responsabilidades sociais e 
ambientais, e zelando por uma reputação sólida (cf. p. ex. SROUR: Ética Empresarial, 2003). 
O problema é que, levada a reflexão às suas últimas consequências, é o modelo 
 
 
20 
capitalista-empresarial que acaba por ser examinado em si mesmo, isto é, em sua 
“eticidade”. Talvez seja disso mesmo que se trate nos discursos mais sérios sobre 
responsabilidade sócio-ambiental e sustentabilidade. Seja como for, sendo o 
capitalismo a realidade do mundo globalizado, é no seu seio que as ações 
transformadoras têm que se exercer; o que, mais uma vez, reabre a problemática das 
relações entre ética, gestão e liderança, combinadas, agora, com questões de natureza 
jurídica, religiosa e política. 
É, no fim, todo esse novelo de questões que torna aconselhável revisitarmos a 
história das tentativas amplas e sérias de formular os problemas que dizem respeito à 
humanidade no exercício do seu arbítrio e conduta. O ponto de chegada é a cena 
contemporânea. 
2.4. A fundamentação da Ética: da Grécia à 
Modernidade. 
2.4.1 O nascimento da ética na Grécia 
 
A ética como campo de investigação filosófica nasce na Grécia, com 
SÓCRATES e desenvolve-se como teoria em PLATÃO e ARISTÓTELES. Sócrates, 
por sua postura crítica e questionadora, inicia historicamente tal atividade filosófica 
de interrogação sobre os costumes e normas morais estabelecidas em um dado contexto 
cultural. 
 
Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido 
dos costumes estabelecidos (ethos com eta: os valores éticos ou 
morais da coletividade, transmitidos degeração a geração), mas 
também indagava quais as disposições de caráter (ethos com epsilon: 
características pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais) 
que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade, 
e por quê. 
Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade 
duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o 
que ela costuma (ethos com eta) considerar virtuoso e bom 
corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, 
interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente 
 
 
21 
consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu 
caráter ou sua índole (ethos com epsilon) são realmente virtuosos e 
bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao 
indivíduo. (CHAUÍ, 1994, pp.340/341). 
 
 
SÓCRATES nos deixou como legado o ensinamento de uma atitude filosófica 
diante da vida, consolidada em sua célebre frase “só sei que nada sei”. Trata-se de 
enfatizar a importância de uma atitude crítica e questionadora diante da realidade, a 
fundamental necessidade de “espanto” (thauma) diante do que parece comum, do que é 
aceito sem exame. Sócrates nos convida, em suma, a uma atitude de inquietação perante 
o senso comum, a uma postura de dúvida e interrogação em relação aos 
procedimentos e costumes da vida cotidiana. 
Sócrates, todavia, foi condenado à morte num julgamento processualmente justo. 
Prevaleceu a acusação de que ele seria um elemento fortemente nocivo à polis 
ateniense, precisamente por seus questionamentos e pela eloquência com que os 
disseminava. Condenado em “primeira instância” por maioria simples, facultavam-lhe 
as leis de Atenas, mediante reconhecimento da culpa, a proposição de pena alternativa à 
pedida pela acusação. Mas regressou para o segundo turno do julgamento com uma 
estratégia que praticamente definiu sua condenação à morte. Afirmava não só não haver 
cometido nenhum delito, como ser um equívoco do júri não perceber que sua conduta 
era aquela mais desejável para um habitante da polis. 
Apesar de sua atitude permanentemente crítica, as fontes permitem inferir que 
Sócrates prezava profundamente o modo de vida ateniense, a ponto de ser fiel às leis 
que viabilizavam esse modo de vida mesmo quando elas contra ele se voltaram. 
Provavelmente por tanto prezar a cidade e compreender o papel das leis, julgava 
necessário cuidar do seu correto exercício e aprimoramento, o que, segundo seu 
entendimento, devia ser feito mediante questionamento constante dos seus fundamentos 
e do modo como as compreendiam as várias autoridades e demais formadores de 
opinião. 
 
 
É importante aqui perceber que a tragédia de Sócrates repete-se 
simbolicamente todos os dias, sobretudo, no escopo das relações trabalho, e que nos 
 
 
22 
convoca a refletir sobre temas atuais, por exemplo, concernentes aos limites entre o 
conformismo e a crítica inconsequente, por exemplo, sobre a desejável responsabilidade 
para com a melhoria das regras de conduta e a necessidade de agir com cautela e 
diligência. 
 
Foi também nesse mesmo contexto grego que atuaram os sofistas, mestres da 
retórica, como Sócrates, mas não exatamente dispostos a colocar seu dom e técnica a 
serviço de um questionamento essencialmente comprometido com a Justiça e a 
Verdade. Há toda uma crônica dessa atuação dos sofistas, tendo prevalecido para a 
posteridade o juízo que sobre eles fizeram os filósofos Platão e Aristóteles: os sofistas 
venderiam sua eloquência a quem lhes interessasse ou a quem pudesse pagar-lhes, tanto 
em litígios e outras causas, quanto para fins de instrução. Para que se tenha uma noção 
da importância da retórica na Grécia de então, vale indicar a remuneração percebida por 
Górgias. Segundo Olivier Reboul, na sua Introdução à Retórica, Górgias teria sido um 
homem riquíssimo, recebendo por suas lições de retórica o equivalente à remuneração 
de “dez mil operários!” (REBOUL, 2004, p. 6). 
Há muitos matizes cercando o poder da palavra no contexto grego. 
Particularmente importante é que aí começa a história de uma forma de poder, de 
formação de opinião e modificação dos costumes que desemboca na atual cena 
midiática, numa diversificação do discurso que hoje vai decerto muito além das 
palavras, mas que delas jamais se livrou. 
 
 
É constatável, novamente no âmbito das relações de trabalho, a visibilidade que 
têm os indivíduos dotados de capacidade de expressão e poder de persuasão – ao 
mesmo tempo as oportunidades, riscos e responsabilidades que essa capacidade lhes 
confere. 
 
Fato é que, desde então, passou a ser recorrente a discussão sobre que tipo de 
mediação poderia garantir que tal poder fosse exercido de forma justa, virtuosa, para o 
bem e para a felicidade dos homens. Foram precisamente estes os contornos que 
assumiram as éticas desenvolvidas por Platão e por Aristóteles, éticas que, no fim, por 
levarem em conta todos os elementos acima, ligaram-se estreitamente à política, às leis 
e aos demais costumes. 
 
 
23 
– Como subordinar as ações em geral, incluído o discurso, a fins ou princípios 
que as justifiquem e dignifiquem? – Como ensinar e disseminar esses princípios 
reguladores, de modo a fazer deles a medida para a vida na polis? Tais são as questões 
que deram origem às teorias éticas que floresceram daí em diante no mundo ocidental. 
 
 
O problema ético, apresentado inicialmente no contexto da polis ateniense, diz 
respeito hoje a quaisquer coletividades; coloca-se em todos os âmbitos da convivência 
humana, com entrelaçamentos diversos. 
 
 
Mas falemos primeiro de PLATÃO: distanciando-se da proposta socrática, 
baseada no puro questionamento (“só sei que nada sei”) Platão elaborou uma forma de 
“intelectualismo moral”, associando a prática do Bem a um conhecimento positivo da 
Verdade. Fez isso, segundo muitos intérpretes, em função do destino trágico do mestre e 
do inconformismo com o relativismo sofístico vigente na Grécia, que estaria por trás 
desse destino. 
Como seja, segundo Platão somente o ignorante realizaria ações não-virtuosas, 
por desconhecer a Ideia de Bem, absoluta, universal, medida de todos os bens 
particulares. O problema ético-político seria, então, acima de tudo um problema de 
educação para a contemplação desse Bem absoluto. Por meio de uma pedagogia que 
tinha como vértice a dialética, processo de destruição e reconstrução de conceitos 
progressivamente mais verdadeiros, alguns indivíduos poderiam libertar-se das crenças 
e ilusões, chegando ao conhecimento puro do qual derivam as ações virtuosas. Seria 
esse conhecimento genuíno que, em última instância, legitimaria o exercício do poder, 
desempenhado idealmente na sua República pelo “rei-filósofo”. 
 
 
É interessante observar que a formulação platônica do “rei-filósofo” não é tão 
anacrônica quanto se costuma julgar. Podemos facilmente perceber seus ecos em nossas 
reinvindicativas éticas por administradores públicos que ocupem seus cargos por mérito 
(afastando o nepotismo e o populismo), ou no clamor por gestores que apresentem 
qualificação e competência para o exercício de suas funções. 
 
 
 
 
24 
Platão dá a entender em alguns dos seus principais diálogos que a 
contemplação da Ideia suprema do Bem seria possível aos homens mais sábios, mas nos 
lega, no fim, apenas indicações sobre o que seja essa Ideia; sobretudo nos mantém 
gravitando reflexivamente em torno dela, como se seguisse o conselho dado por um dos 
seus antecessores, o pré-socrático Parmênides, no seu Poema:[...] é preciso que de tudo 
te instruas,/ do âmago inabalável da verdade bem redonda,/ e deopiniões de mortais, 
em que não há fé verdadeira. Percebe-se, Parmênides nos exorta à fidelidade a uma 
Verdade talvez jamais alcançável, ao mesmo tempo em que adverte que não devemos 
nos descuidar do mundo comum, pautado em opiniões, no qual temos forçosamente que 
viver. 
Embora Platão não nos tenha legado um tratamento mais sistemático da 
ética,algumas das passagens da sua obra se prestam admiravelmente como pontos de 
apoio para discussões contemporâneas. A impressionante Alegoria da Caverna, 
presente no livro VII da República, é a mais conhecida dessas passagens e merece ser 
lida (ver anexo 1). A imagem ali concebida por Platão é universal, sendo aplicável a 
praticamente qualquer contexto onde haja problemas éticos, políticos e pedagógicos. 
Quem, todavia, trabalhou mais explicitamente a realidade humana concreta, 
menos idealizada, foi ARISTÓTELES, discípulo de Platão. Enfatizando a distinção 
entre os âmbitos teórico (da theoria) e prático (da práxis), permitiu-se escrever uma 
ética com “a precisão adequada à natureza do assunto”. O saber teórico, segundo ele, se 
refere àquilo que existe ou acontece independente de nós (obra da Natureza) e demanda 
um tratamento científico, matemático, não admitindo aproximações; já os assuntos 
práticos, ligados às nossas ações, não comportam busca de exatidão. Por isso a ética não 
pode ser uma ciência exata ou ideal, devendo lidar com o cultivo permanente de uma 
sabedoria aplicada (phronesis). O homem ético não é o teórico, o que tem a visão da 
Verdade, mas aquele que sabe discernir sobre sua adequação aos contextos de ação. 
Aristóteles decerto também valoriza a razão. Entende que ações em 
conformidade com a racionalidade que nos é própria (e nos distingue dos animais), têm 
como fim último a felicidade. É fundamental, por isso, que ao longo da vida as 
deliberações sejam cada vez mais orientadas pelo Logos, concretamente, pela prudência 
necessária à sua conservação e desenvolvimento em nós. Essa prudência é, por sua vez, 
definida como obediência à regra do meio-termo virtuoso, situado sempre entre dois 
vícios. A coragem, por exemplo, notória virtude, é a boa medida entre o vício da 
 
 
25 
covardia e o da temeridade. Enquanto a covardia peca pela falta, a temeridade o faz 
pelo excesso. 
Deve-se ainda acrescentar que a felicidade de que fala Aristóteles é, no seu 
sentido mais genuíno, a felicidade da polis, ou seja, o bem-estar coletivo. O âmbito da 
ética, novamente, não se separa do da política, como observa Chauí: 
 
 
A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito 
moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para 
orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para formá-lo como 
membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia 
entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também 
deveriam ser virtuosos. (CHAUÍ, 1994, p. 342). 
 
Aristóteles escreveu um texto de fôlego intitulado Ética a Nicômaco, bastante 
sistemático e, por isso mesmo, impossível de ser examinado no escopo deste curso. 
Mas, precisamente pela sua concretude, suas indicações encontram aplicação em todos 
os âmbitos da vida. 
 
 
A regra da virtude como meio-termo pode ser aplicada à maioria das situações 
decisórias com que nos deparamos hoje, seja na vida pessoal, seja na profissional. É 
uma regra tão disseminada que parece só encontrar rival na famosa Regra de Ouro do 
cristianismo, que abordaremos mais adiante. 
2.4.2 Da Grécia à Modernidade 
 
O período do helenismo, que sucede à época áurea da filosofia grega, é marcado 
tanto por uma por disseminação quanto por uma fragmentação do legado grego. É nesse 
cenário de “diáspora” que se instaura a chamada Filosofia Medieval. A razão, entregue 
a si mesma, teria se perdido em divergências e originado várias escolas, com 
concepções filosóficas e éticas divergentes, gerando dissidência como aquelas que se 
estabeleceram entre epicuristas e estóicos, entre céticos pirrônicos e céticos 
acadêmicos. 
 
 
26 
A verdade, isto é, Deus, teria então se feito carne e se revelado aos homens 
através do Cristo. Prevaleceu durante o milênio medieval uma moral cristã baseada no 
Novo Testamento e na exegese da Igreja. À filosofia coube o papel subalterno de 
confirmar os dogmas religiosos, sobretudo aproximando da Igreja os ateus e pagãos 
afeitos à filosofia grega. Doutores da Igreja como SANTO AGOSTINHO, SANTO 
ANSELMO e SÃO TOMÁS DE AQUINO foram finos leitores católicos do legado 
grego, reinterpretando-o com vistas aos fins religiosos. Muitos foram os fatores, na 
outra ponta, que definiram o declínio da mentalidade medieval. A reorganização dos 
Estados, o advento das Universidades, as circunavegações, o mercantilismo, os cismas 
da Igreja, o advento da imprensa, enfim, todos esses fatores combinados conspiraram 
para o Renascimento da crença na capacidade do homem de valer-se exclusivamente da 
sua razão na sua relação com a verdade e o seu destino. 
Como seja, o Ocidente viveu mil anos de domínio cristão e, portanto, pautados 
por uma Verdade bíblica e pela moral decorrente dessa Verdade, cuja expressão mais 
formal são os Dez Mandamentos, em si mesmos, é bom lembrar, objeto de 
divergências entre católicos, protestantes e judeus. Estamos aí, portanto, novamente no 
âmbito de uma distinção necessária entre ética e moral. 
O que de mais universal se encontra na moral cristã é, certamente, a já aludida 
Regra de Ouro de Jesus de Nazaré, declinada no Evangelho de São Mateus: “Assim, 
tudo o vós quereis que os homens vos façam, fazei-o vós também a eles” (Mt 7,12). 
Mas justamente a pretensa universalidade dessa regra de reciprocidade moral, declinada 
com variações em culturas diferentes, desde muito antes do nascimento do Cristo, nos 
leva de volta ao âmbito da ética. Temos entre essas formulações desde a Lei de Talião, 
que manda retribuir “olho por olho, dente por dente”, até as versões “negativadas” da 
mesma lei, como a que se encontra no hinduísmo: Esta é a suma do dever: não faças 
aos outros aquilo que se a ti for feito, te causará dor (Mahabharata 5:15:17). 
A regra de ouro cristã, costuma-se dizer, se difere claramente da lei de Talião, 
posto que envolve um mandamento de caridade e não de justiça; mas essa diferença nos 
remete de volta a questões que dizem respeito ao Bem universal, ou seja, aquilo que 
temos o direito de querendo para nós, querer também para os outros. 
2.4.3 A fundamentação dos princípios de 
orientação da conduta na Modernidade 
 
 
27 
 
É difícil delimitar exatamente quando começa o “período moderno”. Certo é 
que o ocaso da religiosidade medieval coincide com o Renascimento (séc. XV-XVI), 
renascimento, no caso, da confiança grega na razão. À diferença dos gregos, entretanto, 
a razão moderna se comprometeu com a sistematicidade e desenvolveu obsessivo 
apreço pelo método, sendo este quase um sinônimo do espírito moderno. 
O filósofo contemporâneo Jürgen HABERMAS afirma que a modernidade pode 
ser compreendida como um projeto baseado em uma ampla confiança na Razão 
humana, na possibilidade de emancipação, progresso, acesso à verdade. A tentativa de 
realização de tal perspectiva expressou-se frequentemente pela elaboração de grandes 
sistemas especulativos, um esforço da Razão para sistematizar a totalidade da realidade 
ou do mundo. 
Após o Renascimento, foi se formando e amadurecendo o discurso iluminista 
de revolução pelo saber. Como observa outro contemporâneo, Cassirer: 
 
A época em que viveu D’Alembert sentiu-se empolgada por um 
movimento pujante e, longe de abandonar-se a esse movimento, 
empenhou-se em compreender-lhe a origem e odestino. O 
conhecimento de seus próprios atos, a autoconsciência e a previsão 
intelectual, eis o que lhe parecia ser o verdadeiro sentido do 
pensamento, de um modo geral, e a tarefa essencial que, acreditava 
ele, a história lhe impunha. Não se trata apenas de que o pensamento 
se esforça por alcançar novas metas, desconhecidas até então; é que 
quer saber para onde o seu curso o leva e quer, sobretudo, dirigir o seu 
próprio curso. Aborda o mundo com a nova alegria de descobrir e com 
um novo espírito de descoberta; todos os dias aguarda novas e 
infalíveis revelações (CASSIRER, 1994, p.21). 
 
 A tarefa do pensamento moderno era, em suma, conquistar a autonomia e a 
liberdade crítica que poderiam permitir novas conquistas, abrindo espaço para a 
melhoria da vida humana. Assumir o seu papel na história correspondia a desenvolver 
amplamente a racionalidade, em um processo de revolução contínua – condição para um 
futuro próspero. Segundo Habermas: 
 
Neste quadro se inserem conceitos dinâmicos que no séc. XVIII 
surgem a par da expressão ‘tempos modernos’ ou ‘novos tempos’ ou 
 
 
28 
que ganham então seu novo significado, válido até nossos dias: 
revolução, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise, espírito 
da época, etc (HABERMAS, 1998, p.18). 
 
 Os “tempos modernos” articularam, em suma, um conjunto de conceitos 
constituintes de um “modo de pensar e agir modernos”. Nesse contexto, o 
“desenvolvimento” foi pensado a partir de uma indeclinável linearidade, que envolvia a 
ampla racionalização de todos os setores da vida humana, o avanço da ciência e, sem 
dúvida, a fundamentação da ética a partir do sujeito racional e autônomo. Diz 
Harvey, comentando Habermas: 
 
Embora o termo“moderno” tenha uma história bem mais antiga, o que 
Habermas chama de projeto da modernidade entrou em foco durante o 
século XVIII. Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço 
intelectual dos pensadores iluministas “para desenvolver a ciência 
objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos 
da própria lógica interna destas”. A ideia era usar o acúmulo de 
conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e 
criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento 
da vida diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da 
escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. 
O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de 
modos racionais de pensamento prometia a libertação das 
irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso 
arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria 
natureza humana. Somente por meio de tal projeto poderiam as 
qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a humanidade ser 
reveladas (HARVEY,1992, p.23). 
 
O projeto da modernidade tem, assim, na ciência a reveladora de verdades e leis 
fundamentais: a explicação científica poderia simplificar e nortear a vida humana. Além 
disso, a aplicação irrestrita da racionalidade na organização social prometia a segurança 
de uma sociedade estável, democrática, igualitária (incluindo o fim de estados 
teocráticos, de perseguições sociais produzidas pela superstição, de abusos de poder por 
parte dos governantes etc.). Para tanto, tornou-se essencial a construção de uma 
fundamentação racional que pudesse nortear a conduta humana a partir da 
racionalidade destes “novos tempos”. 
 
 
29 
O que, todavia, se verificou, foi um progresso formidável das aspirações 
racionais apenas no âmbito das chamadas ciências naturais, especialmente da 
matemática e da física. No plano ético, na sua dependência de soluções racionais para os 
grandes problemas metafísicos concernentes à definição universal do Bem, da Justiça, 
da natureza humana e de questões correlatas, as coisas não se desenvolveram de forma 
tão harmoniosa, a ponto de Immanuel KANT (1724-1804), uma das principais 
referências para a formulação de uma ética moderna em bases distintas da tradição 
grega, diagnosticar nesse campo um “teatro de infindáveis disputas”. 
Kant buscou contornar esse teatro propondo uma nova forma de fundamentação 
ética. Embora acompanhasse a distinção aristotélica entre saber teórico e saber prático, 
concebidas por ele como Razão pura teórica (Crítica da Razão Pura, 1781) e Razão 
pura prática (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1785 e Crítica da Razão 
Prática, de 1788), Kant propôs uma nova forma de fundamentação para a conduta 
humana, afastando-se das concepções gregas de “ação pautada no conhecimento do 
Bem” (Platão), “ação virtuosa em conformidade com a natureza racional” ou “ação 
voltada para a felicidade coletiva” (Aristóteles). 
A ação ética é, para Kant, aquela realizada estritamente por Dever – um dever, 
em última análise, de preservar a capacidade de escolha que nos define como homens e 
nos diferencia dos animais. Esta forma de fundamentação baseia-se na universalidade da 
Razão que nos constitui como seres humanos e nos confere certa autonomia frente às 
leis naturais, que comandam imperativamente a vida dos animais. Tal dever constitui-se 
como uma lei geral a ser observada por todos os seres dotados de Razão e de livre-
arbítrio; em consonância com sua própria essência, essa lei moral deve ser obedecida de 
modo autônomo, puramente racional, livre de qualquer imposição ou interesse 
extrínseco, seja ele religioso, profissional, social, econômico, sensual ou mesmo 
fisiológico. A criação e a obediência de normas, no sentido moral definido por Kant, 
visa, no fim, a preservar a própria capacidade humana de elegê-las, isto é, de legislar. 
Num cenário de conflitos ditados pelas muitas tentativas de fundamentar 
teoricamente a ética, Kant retoma, enfim, como já foi dito, a divisão proposta por 
Aristóteles. Parte de um fato da razão: todo homem traz em si a capacidade de distinguir 
o bem do mal, ainda que frequentemente faça mau uso dessa capacidade. Fosse o 
homem indiferente a essa distinção e não teríamos como justificar a própria história da 
ética, com suas duradouras disputas. Propõe então que à sua filosofia caberia o papel de 
fortalecer essa capacidade racional-moral que luta, de um lado, com desejos a ela 
 
 
30 
contrários, originados da sociedade ou da natureza animal presente no homem, 
desejos que se beneficiam, por outro lado, da falta de clareza humana em relação ao que 
seja em última instância e em termos universais, o Bem, a Virtude, a Felicidade, a 
Justiça. 
A ajuda que propôs o filósofo Kant a esse ser dividido entre Razão e paixões em 
geral, encontra-se resumida no conhecido imperativo categórico, formulado pela 
primeira vez na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785). É o seguinte: Age 
segundo uma máxima tal, que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma 
lei universal (KANT 1785, BA52). 
 É necessário observar que se trata de uma ética formal: o que nos é 
oferecido é uma lei geral que serve de critério de legitimação para qualquer conduta que 
se pretenda adequada, e que se esquiva de recorrer aos critérios anteriores. Não há 
regras específicas (aja deste modo ou daquele), ou conteúdos fixos, pautado em idéias 
de Bem, Justiça ou Felicidade que definam as virtudes a serem realizadas, mas, sim, um 
princípio geral de orientação, de aplicação universal. Uma ação ética é, no fim, aquela 
que pode ser realizada por todos sem contradição formal. 
Mas, é preciso ilustrar, mostrar com essa ética funciona. 
Aplicado ao problema do cumprimento de tratos e promessas, o imperativo 
categórico leva à seguinte pergunta: – Que sucederia se a ação de descumprir tratos 
visando a vantagens pessoais fosse estendida a todosos homens? O resultado seria um 
cenário de desconfiança generalizada, no qual não haveria sequer haveria a 
possibilidade de escolher não cumprir os tratos, já que não haveria mais tratos. O 
transgressor, portanto, somente pode se beneficiar da sua transgressão caso se exclua 
sozinho do dever de manter a palavra e cumprir seus tratos, ou seja, aproveitando-se da 
honestidade dos demais, que, no caso, estariam sendo oportunamente usados pelo 
“esperto”, reduzidos à condição de instrumentos dessa conveniência egoísta. Nesse 
sentido, também uma outra formulação do imperativo categórico pode ser acionada, na 
sua relação com a anterior: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua 
pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como fim e 
nunca simplesmente como meio (KANT 1785, BA 67). 
 
 
Levando essa especulação disparada pelo imperativo categórico ainda mais adiante, 
percebe-se que, ninguém estando obrigado ou inclinado a cumprir sua palavra, a sociedade, 
 
 
31 
para fugir do caos, muito provavelmente imergiria num excesso legal, com papéis, contratos, 
advogados e ameaças de punição por toda parte. Qualquer semelhança não é mera 
coincidência com o que hoje vivemos. 
 
 
Fica claro, portanto, que se trata, para Kant, sobretudo do dever de preservar a 
nossa liberdade, isto é, de manter abertas as nossas possibilidades de escolha. A melhor 
sociedade seria, no fim, aquela em que cada indivíduo agisse como se fosse ele mesmo 
responsável pelo direito de todos, uma sociedade com menos necessidade de normas e 
coação jurídica. Lidaríamos nessa sociedade, sim, perpetuamente com a possibilidade 
de agir de forma imoral, mas não o faríamos por questões de consciência moral. 
 
 
Percebe-se que as questões ilustradas acima se aplicam com exatidão a situações 
empresariais. Empresas que não investem na autonomia dos seus colaboradores têm que 
trabalhar com padrões de coação muito rígidos no sentido de garantir a ordem interna, o 
que gera desconforto, “engessa” as ações coletivas e acaba por tirar-lhe a flexibilidade. O 
problema sempre é o de como fazer um trabalho constante e duradouro de esclarecimento 
que faça com que a desejável autonomia não se transforme em caos, em exercício 
imprudente da liberdade. 
 
 
De fato, kantianamente falando, aquele que cumpre seus tratos por receio de 
perder a credibilidade ou por medo de punição, não é um sujeito propriamente moral. 
Kant diferencia a ação praticada em conformidade com o dever da ação praticada 
propriamente por dever. Somente aquele que autônoma e racionalmente compreende a 
sua responsabilidade para com os direitos e a liberdade geral, atribuindo a si mesmo o 
dever de cumprir a lei, é moral; não o que os cumpre por interesses pessoais. 
Percebe-se, assim, que a moralidade em Kant caminha pari passu com o 
esclarecimento. Moral é ação cuja máxima foi submetida, autonomamente, ao crivo de 
uma reflexão que considere suas consequências formais relativas à preservação da 
liberdade de todos. O homem ético deve comprometer-se a agir como se fosse 
responsável pela Humanidade mesma, pensada, à diferença dos animais, como lugar do 
exercício da possibilidade de escolha. 
 
 
 
32 
 
Fato é que a ética formulada por Kant exerce ainda hoje uma influência subliminar em 
culturas que apostam na possibilidade de continuar falando de liberdade. Princípios como 
racionalidade, autonomia, imparcialidade, responsabilidade, ação por dever, conduta 
desinteressada, altruísta, etc., mostram-se presentes nos clamores éticos contemporâneos, 
até mesmo porque escassos numa sociedade cada vez mais vigiada e assustada com seus 
rumos. 
 
 
Kant é, por fim, autor de uma das mais importantes considerações éticas acerca 
do uso positivo do livre-arbítrio: aquela que se encontra no texto O que é 
Esclarecimento? (ver anexo 2), que trata do exercício da autonomia e detalha esse 
exercício nas figuras do “uso público” e do “uso privado da razão”. 
Resumindo as idéias ali contidas, todo cidadão tem não somente o direito, como 
também o dever, de fazer “uso público” de sua razão, ou seja, tem o compromisso social 
e humanitário de refletir criticamente sobre a sociedade em que vive, tendo em vista sua 
responsabilidade de realizar atos em sintonia com o imperativo categórico. Mas, nesse 
mesmo sentido, deve saber distinguir esse uso público de um “uso privado”. Na medida 
em que exerça um cargo ou função a ele confiado, o cidadão deve restringir o uso de sua 
liberdade e saber respeitar as diretrizes e normas previamente estabelecidas, pois, 
segundo o mesmo imperativo categórico, caso todos se dessem o direito de 
simplesmente desrespeitar as leis vigentes, o Estado de Direito ruiria e tudo teria que 
recomeçar do zero. O cidadão deve, portanto, ao mesmo tempo compreender a 
importância de respeitar as regras vigentes em geral e realizar constante reflexão sobre 
elas, tornando pública essa reflexão sempre que achar necessário fomentar a 
reformulação dos procedimentos que julgue moral e politicamente inadequados. 
 
 
Novamente temos um paralelo bastante claro com situações empresariais que 
dizem respeito, por exemplo, a noções de fidelidade à empresa, de “vestir a camisa” e 
correlatos. O problema será sempre o de separar a esfera pública da privada, ou seja, de 
saber em que âmbitos e de que forma direcionar as críticas e propostas de revisão das 
normas em vigor. Em certas empresas esse se mostra mesmo com um problema central 
de gestão. 
 
 
 
 
33 
Mas a fundamentação kantiana da ética também enfrenta várias dificuldades, 
que foram apontadas por pensadores posteriores. Uma delas é a ausência de 
considerações mais centrais acerca da história, da sociedade, do contexto em que se 
realizam as ações. Em que medida seria possível pedir a alguém que está sendo 
torturado ou morrendo de fome, que aplique o imperativo categórico e diga a 
incondicionalmente a verdade, ou se exima de furtar comida, ciente de que a 
universalização dessas ações seria impossível? Como cobrar de alguém que só vê 
injustiça ao seu redor, que se responsabilize pela Humanidade em seu direito de agir 
livremente. 
Esta lacuna foi apontada, dentre outros, por Georg Wilhelm Friedrich HEGEL 
(1770-1831), que se notabilizou sobretudo por sua filosofia da História. Há quem 
defenda Kant afirmando que Hegel não levou em consideração os textos do seu 
antecessor que se debruçaram sobre a história, sobre a religião, sobre a arte e sobre o 
direito. De qualquer modo, a ênfase hegeliana no contexto histórico em que cada 
individuo e sua consciência já sempre existem é radical. Somos, para Hegel, acima de 
tudo, sujeitos históricos e culturais. Nossa existência individual só pode ser 
compreendida por referência ao momento histórico da humanidade, com suas 
instituições e práticas norteadoras da conduta. Segundo Chauí, para Hegel 
 
a moralidade é uma totalidade formada pelas instituições (família, 
religião, artes, técnicas, ciências, relações de trabalho, organização 
política, etc.), que obedecem, todas, aos mesmos valores e aos 
mesmos costumes, educando os indivíduos para interiorizarem a 
vontade objetiva de sua sociedade e de sua cultura” (CHAUÍ, 1994, p. 
347). 
 
O que Hegel faz é transferir para o âmbito da política e para o Estado aquilo 
que Kant pôs sobretudo no âmbito da ética e do indivíduo. Sendo a consciência 
individual historicamente constituída e, portanto, sempre relacionada a um contexto de 
leis, costumes e esperanças, não faria sentido cobrar moralidade imperativa do 
indivíduo, se o Estado ele mesmo não for defensável moralmente. 
 
 
Novamente temos aqui uma situação

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