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1 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 OBJETIVOS 1. Descrever o conceito e a epidemiologia das leucemias agudas. 2. Caracterizar a etiopatogenia, fatores de risco e manifestações clínicas das leucemias agudas. 3. Classificar os tipos e caracterizar suas especificidades . 4. Identificar e analisar exames necessários para o diagnóstico e possíveis diagnósticos diferenciais. 5. Discutir aspectos básicos de tratamento. 6. Reconhecer as repercussões na vida dos pacientes e seus familiares. REFERÊNCIAS HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand. 7ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. ZAGO, Marco Antônio; FALCÃO, Roberto Passetto; PASQUINI, Ricardo. Tratado de hematologia. São Paulo: Atheneu, 2013. LEUCEMIA LINFOIDE AGUDA (LLA) DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA É uma doença que decorre da proliferação clonal de precursores linfoides anormais na medula óssea. A LLA é a leucemia mais comum na infância (90% dos casos). Um pico de incidência entre 2-10 anos (maior aos quatro anos) é registrado. Apesar disso, ela pode também acometer adultos, principalmente entre os 25 e 37 anos de idade, sendo que nesse grupo, o prognóstico da doença é pior em relação ao acometimento pediátrico. É mais comum na raça branca e tem discreta predominância no sexo masculino (57%). FATORES DE RISCO Radiação ionizante: geralmente doses altas em indivíduos jovens, como na radioterapia para tumores sólidos. FISIOPATOLOGIA Em mais de 50% dos casos de LMA são observadas alterações cromossomiais no clone leucêmico. As mais importantes e mais cobradas em provas de residência são as translocações e as inversões... Algumas são específicas para determinado subtipo de leucemia, por exemplo: t(15;17) na M3 (promielocítica), inv (16) ou t(16;16) na M4 (mielomonocítica) com eosinófilos, e t(8;21) na M2 (mieloide diferenciada). A doença começa assim que uma determinada célula progenitora (ao sofrer mutações genéticas) se torna incapaz de prosseguir na diferenciação hematopoiética. Esta célula não vai além da forma “jovem” (blasto) e começa a se proliferar descontroladamente, ocupando a medula óssea e impedindo o crescimento e a diferenciação das células normais. A célula-tronco (célula totipotente ou stem cell) inicialmente se diferencia em dois tipos celulares (progenitores multilinhagem ou “CFU”): um comprometido com a linhagem linfoide (formação dos linfócitos), e outro comprometido com a linhagem mieloide (formação de granulócitos, monócitos, hemácias e plaquetas). Leucemia Agudas Problema 08 2 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 Na LLA, como vimos, o clone neoplásico deriva de um progenitor linfoide, uma célula pré-T ou pré-B “precoce”, uma célula pré-T ou pré-B ou mesmo um linfócito B que assume características de blasto. Todas essas células são consideradas linfoblastos. Em 80% das LLA, a origem da neoplasia é na linhagem B. No restante (20%), a fonte é a linhagem de células T. Neste último caso, a leucemia pode cursar com proliferação de linfoblastos do timo, levando a uma entidade análoga ao linfoma linfoblástico, um tipo de linfoma não Hodgkin de alto grau de malignidade, típico de crianças. Os blastos leucêmicos primeiramente infiltram a medula óssea, ocupando mais de 20% (pela OMS) ou mais de 30% (pela FAB) do total de células nucleadas, podendo chegar a 80-100% de ocupação A primeira consequência, portanto, é a supressão da hematopoiese normal.Essa expansão do clone neoplásico ocupa o espaço necessário à produção das células hematológicas normais, culminando em pancitopenia (anemia, leucopenia e plaquetopenia),o grande marco clínico da doença. Esses blastos podem ser lançados na corrente sanguínea, justificando o termo leucemia (“células brancas no sangue”), com frequência atingindo um número suficientemente grande a ponto de determinar leucocitose. E como tais células não são capazes de “amadurecer”, elas não exercem qualquer função fisiológica! As defesas do organismo continuam dependendo dos poucos neutrófilos e monócitos existentes... Uma vez na corrente sanguínea, os blastos também podem infiltrar órgãos, com preferência para linfonodos, baço, fígado, gengiva, órbita, sistema nervoso central, meninges, testículos, pele etc. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A dor óssea é muito frequente – 80% dos casos Adenomegalia cervical ou generalizada é mais frequente – 75% dos casos; Podem ocorrer massas mediastinais no subtipo de células-T do timo; O acometimento do SNC e dos testículos (especialmente na recidiva) é mais comum. A febre neoplásica é mais comum – 70% dos casos DIAGNÓSTICO Hemograma: leucocitose com presença de blastos, porém, pode haver leucopenia devido a ausência de blastos na circulação (presente apenas na medula óssea), cursando com pancitopenia. Aspirado do sangue periférico: presença de > 5% de blastos no sangue periférico Mielograma: presença de blastos na medula óssea em proporção ≥ 25% do total de células nucleadas. Pelos critérios da FAB, existem três subtipos de LLA. L1: é o mais comumente encontrado na LLA infantil (80% dos casos), apresentando o melhor prognóstico e resposta à terapêutica. O linfoblasto possui núcleo arredondado e citoplasma escasso. L2: é a forma mais comum no adulto (70% dos casos). O linfoblasto é maior que o L1, tem nucléolos, mais citoplasma e núcleos irregulares. L3: é o menos comum (< 5% dos casos) e representa a forma leucêmica do linfoma de Burkitt, caracterizado por linfoblastos de tamanho intermediário, com citoplasma proeminente, basofílico e cheio de vacúolos. A LLA de células T é menos frequente. Nesse caso, o clone neoplásico é idêntico ao do linfoma 3 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 linfoblástico, e geralmente se apresenta com massa mediastinal (origem no timo). TRATAMENTO A quimioterapia da LLA divide-se em quatro fases: 1. Indução da remissão: corticosteroide, em três tomadas diárias por via oral por 28 dias + vincristina semanal por 4 doses + L-asparaginase 3x/semana por 12 doses. O esquema dura quatro semanas 2. Profilaxia do SNC: o SNC funciona como um “santuário” para os linfoblastos, pois os quimioterápicos da indução e consolidação não passam pela barreira hematoencefálica. A profilaxia é iniciada junto com o esquema de indução, sendo feita com Metotrexate (MTX) intratecal (infundido por punção lombar), na dose 10 mg/m2 a cada 20 dias por 8 doses (duração do tratamento: 3-6 meses). 3. Consolidação da remissão: sem esta fase, virtualmente todos os casos recidivam em poucos meses... A consolidação da remissão é realizada com esquemas contendo drogas diferentes das utilizadas na indução, geralmente MTX em doses intermediárias (1-2 g/m2 IV quinzenal). 4. Manutenção: deve ser feita com 6- mercaptopurina 50 mg/ m2/dia, via oral + metotrexate 30 mg/m2 semanal num período total de 2-3 anos. PROGNÓSTICO Com as 4 fases da quimioterapia, a LLA pode ser curada em 90% das crianças e em cerca de 30- 40% dos adultos. Os principais fatores de prognóstico desfavorável são de maior peso são a idade < 1 ano ou > 10 anos, a hiperleucocitose e o cromossomo Filadélfia ou t(9;22). Os lactentes costumam ter a translocação t(4;11). Os pacientes de prognóstico favorável são as crianças entre 1-10 anos com cariótipo apresentando hiperploidia, ou t(12;21), ou trissomias dos cromossomos 4, 10 ou 17. LEUCEMIA MIELÓIDE AGUDA (LMA) DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A LMA é a leucemia mais comum no mundo como um todo, devido à sua maior incidência em populações orientais. Sua incidência começa a se elevar a partir dos 15 anos e tende aaumentar progressivamente com a idade, sendo a idade média de diagnóstico de 67 anos, e é maior em homens do que em mulheres. FATORES DE RISCO Radiação ionizante: a incidência de leucemia aguda mieloide aumentou muito no Japão após a explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki; Exposição a benzeno e derivados do petróleo, pesticidas e herbicidas Agentes alquilantes: a leucemia se apresenta 4-6 anos após a exposição à droga e é quase sempre precedida por uma síndrome mielodisplásica; Inibidores da topoisomerase II: a leucemia se apresenta precocemente (1-2 anos após a exposição à droga) e não se associa à síndrome mielodisplásica. Esses fármacos também são chamados de epipodofilotoxinas; Distúrbios hereditários (LMA): aqueles que levam à instabilidade cromossomial (anemia de Fanconi, síndrome de Bloom, ataxia-telangiectasia, síndrome de Kostman ou neutropenia congênita); FISIOPATOLOGIA Na LLA as alterações cromossomiais são bastante frequentes, sendo observadas em mais de 85% dos casos. A hiperploidia descreve um número de cromossomos superior a 46 (que pode chegar a > 60), e é uma alteração típica da forma infantil desta leucemia, indicando bom prognóstico. Em 4 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 contrapartida, a translocação t(9;22) – ou cromossomo Filadélfia – e as translocações t(4;11), t(8;14) e t(1;19) denotam prognóstico reservado, sendo mais comuns nos adultos. A translocação t(12;21) é a única translocação de bom prognóstico, sendo a anormalidade citogenética mais comum nas crianças, porém rara em adultos. Os progenitores multilinhagem se diferenciam em progenitores de linhagem única, os quais se destinam a produzir um tipo celular específico. Qualquer uma dessas células pode sofrer uma transformação neoplásica, inviabilizando o processo normal de maturação e resultando em proliferação e acúmulo de um “clone” (população de células idênticas). Na LMA, o clone pode ter origem: na célula- tronco, CFUmieloide, CFU-GM ou CFU-E/mega, mieloblasto/ pró-mielócito, monoblasto, eritroblasto ou megacarioblasto, entre outras células intermediárias. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A evolução dos sintomas pode ser aguda (dias) ou subaguda (semanas). A tríade sintomática da leucemia aguda é: (1) astenia; (2) hemorragia; e (3) febre, todos sintomas relativos à insuficiência hematopoiética medular. Essa tríade é a mesma da anemia aplásica, sendo este o diagnóstico diferencial mais importante, principalmente quando não houver leucocitose no hemograma. A astenia (ou fadiga) é o sintoma inicial em metade dos casos e é o principal componente da síndrome anêmica. Estes pacientes normalmente desenvolvem uma anemia moderada a grave de instalação rápida. Os outros comemorativos da síndrome anêmica também podem estar presentes: dispneia, cefaleia e tontura postural. O sangramento reflete a plaquetopenia grave e, eventualmente, um distúrbio da coagulação. Quando o distúrbio é secundário apenas à plaquetopenia, manifesta-se com sangramento cutâneo (petéquias, equimoses) e mucoso (sangramento gengival, epistaxe, metrorragia, hemorragia digestiva). A febre pode ser decorrente de dois mecanismos: (1) neutropenia ou disfunção neutrofílica, que favorece infecções bacterianas e fúngicas sistêmicas(mecanismo mais comum); (2) febre neoplásica, consequente à rápida proliferação clonal. Outros sinais e sintomas são decorrentes da infiltração leucêmica de órgãos e tecidos. Hepatoesplenomegalia é uma manifestação frequente e pode diferenciar clinicamente a leucemia aguda de uma anemia aplásica (que não cursa com hepatoesplenomegalia). A esplenomegalia das leucemias agudas não é tão proeminente quanto a da LMC. A linfadenopatia pode ocorrer, embora seja mais comum na LLA. A dor óssea (também mais comum na LLA) é um sintoma decorrente da expansão medular pela proliferação dos blastos ou da invasão do periósteo. Algumas manifestações infiltrativas são características de certos subtipos. O exemplo mais clássico é o da hiperplasia gengival, comum nos subtipos M4 e M5 (monocíticos). A infiltração cutânea pode levar ao aparecimento de placas eritematosas ou violáceas (leukemia cutis). O sarcoma granulocítico (cloroma) é uma tumoração extramedular de blastos, que pode se apresentar como um tumor de órbita ou em outros locais, como ossos, pulmões, SNC, ovário, útero etc. ACHADOS LABORATORIAIS Hemograma: anemia + plaquetopenia (“bicitopenia”), com leucometria variável. A anemia é geralmente moderada a grave (Hb entre 5-9 g/dl), normocítica, normocrômica e sem reticulocitose. O grau de plaquetopenia varia, com cerca de 25% dos pacientes possuindo plaquetas abaixo de 20.000/mm3. A leucocitose é um achado comum, embora alguns casos abram com leucopenia. A 5 MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 leucocitose é representada por blastos na periferia, geralmente associada à neutropenia. Esfregaço de sangue periférico: > 5% de blastos no sangue periférico Obs: É comum um predomínio superior a 70% de blastos sobre os outros leucócitos! Os blastos são leucócitos de maior tamanho, com cromatina nuclear imatura (mais clara) e, na maioria das vezes, contendo mais de um nucléolo. A presença dos bastonetes de Auer é patognomônica da LMA! Mielograma: > 20% de blastos na medula óssea (critério da OMS) entre as células nucleadas. Além disso, deve-se realizar a análise morfológica (aspectos celulares), análise citoquimica (coloração), imunofenotipagem (marcadores presentes no citoplasma ou na membrana através de imunofluorescência) e análise citogenética (anormalidades cromossômicas). A hiperuricemia está presente em 50% dos pacientes, pelo aumento na produção de ácido úrico decorrente da hiperproliferação celular. TRATAMENTO PLAQUETOPENIA - Transfusão terapêutica: sangramento mucoso ou orgânico, com plaquetometria inferior a 50.000/mm3; - Transfusão profilática: todo paciente com plaquetometria inferior a 10.000/mm3 (ou 20.000/mm3 na presença de febre ou infecção). ANEMIA A transfusão de concentrados de hemácia é indicada especialmente nos pacientes com anemia sintomática. Recomenda-se manter a Hb acima de 8,0 g/dl. TERAPIA ESPECÍFICA DA LMA 1.Indução da Remissão: tem o objetivo de “exterminar” o clone neoplásico (população de blastos). A Remissão Completa (RC) é definida por: (1) desaparecimento dos blastos do sangue periférico; (2) medula óssea com menos de 5% de blastos; (3) ausência de células com bastonetes de Auer; (4) recuperação hematopoiética (hemograma com mais de 1.000/mm3 neutrófilos e mais de 100.000/mm3 plaquetas – a contagem de hemácias não entra nesse critério). 2. Terapia Pós-Remissão (ou “consolidação”): terapia administrada após o paciente atingir a remissão completa com o objetivo prolongar a remissão completa, através da prevenção da recaída da doença. Sem este componente da terapia a recidiva da doença é certa, ocorrendo em poucos meses. Existem três possibilidades: (1) quimioterapia de consolidação: pacientes com cariótipos de bom prognóstico. (2) transplante alogênico de células hematopoiéticas: considerado a terapia mais eficaz da LMA, em termos de cura, embora possua alta toxicidade. Deve ser fortemente considerado como 1ª opção de terapia pós-remissão em pacientes sem cariótipo favorável ou com outros fatores de mau prognóstico. (3) transplante autólogo de células hematopoiéticas PROGNÓSTICO Os fatores de pior prognóstico incluem idade mais avançada ao diagnóstico, maior intervalo sintomático com citopenias anteriormente ao diagnóstico, história pessoal de distúrbios hematológicos, alterações cromossômicas 6 MÓDULO III:ANEMIAS E PERDA DE SANGUE ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 específicas como t(6;9), inv(3), -7 ou cariótipo complexo. A t(15;17) apresenta prognóstico muito favorável com boas chances de cura, e a t(8;21) e inv(16) têm prognóstico favorável. Pacientes que não têm alterações citogenéticas têm prognóstico moderadamente favorável.
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