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Conselho Editorial 
Av. Carlos Salles Block, 658
Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21
Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100
11 4521-6315 | 2449-0740
contato@editorialpaco.com.br
©2016 Leandro R. Pinheiro (Org.)
Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra 
pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, 
em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a 
permissão da editora e/ou autor.
P6551 Pinheiro, Leandro R. 
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano/Leandro 
R. Pinheiro (Org.). Jundiaí, Paco Editorial: 2016.
400 p. Inclui bibliografia. 
ISBN: 978-85-462-0355-0
1. Periferia 2. Cotidiano 3. Ativismo 4. Porto Alegre-RS I. Pinheiro, Leandro R.
CDD: 300
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Índices para catálogo sistemático:
Processos sociais 303
Problemas sociais 304
Grupos sociais 305
Profa. Dra. Andrea Domingues
Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna
Prof. Dr. Carlos Bauer
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista
Prof. Dr. Fábio Régio Bento
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes
Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna 
Prof. Dr. Marco Morel
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins
Prof. Dr. Romualdo Dias
Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus
Profa. Dra. Thelma Lessa
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt
Àqueles que, generosamente, aceitaram partilhar suas 
experiências conosco.
Realização junto ao projeto ‘Para enunciar cotidianos, imagens da pe-
riferia (FACED/UFRGS)’. Iniciativa realizada com apoio do Programa 
de Extensão Universitária (PROEXT 2015 – MEC/Sesu).
Sumário
Apresentação.........................................................................7
Parte 1 – Questões... perspectivas e inspirações no
itinerário......................................................................................15
 Entrevista com Enzo Colombo
Diferença, cotidiano e pesquisa reflexiva..............................17
 Entrevista com Danilo Martuccelli
Sociologia, singularização e individualismo latino
americano.............................................................................49
Parte 2 – Sintonias... Aproximações em contextos de
periferia......................................................................................71
 Alicia Lindón
A periferia metropolitana da Cidade do México: do
cronotopo fundacional vallechalquense às identidades 
do e com o lugar..................................................................73
 Ana Maria Loforte
Mulher, poder e tradição: reflexões sobre gênero e
percepções de pobreza em Moçambique............................115
 Liliane Leroux
Anne Clinio
Produção audiovisual com celular – periferias, gambiarras
e deslocamentos estéticos....................................................141
 Mônica Peregrino
Juliana Prata
Juventude, políticas de correção de fluxo escolar e direito
ao uso da condição juvenil – o caso dos jovens estudantes
da EJA no município de Mesquita/Rio de Janeiro.............159
Parte 3 – Narrativas... Singularidades e reverberações nos
encontros.................................................................................183
 Leandro R. Pinheiro
Bruna D. Junqueira
Conversando com elas: itinerários possíveis no reverberar
das memórias.......................................................................187
 Márcio Amaral
Maurício Perondi
Nos labirintos da vida, os arranjos de se viver: a experiência
de jovens numa periferia.....................................................225
 Leandro R. Pinheiro
Carla B. Meinerz
Entre jovens e adultos na escola, reflexões de uma
aproximação inconclusa......................................................249
 Leandro R. Pinheiro
Bruno H. S. de Castilhos
Rodrigo S. F. A. Teixeira
Do contraste de narrativas, o ensaiar de um inventário.....289
As imagens na Restinga.......................................................313
Referências .........................................................................353
Apêndice.............................................................................363
Sobre os autores.............................................................395
7
Apresentação
Ao final de um percurso, situados neste lugar onde se assen-
tam algumas proposições e outras nos invadem e provocam a se-
guir, contemplamos nossas atividades e vemos alguns encontros. 
Vemos momentos construídos para estar e perguntar juntos, 
interpelados pelas alteridades que nos mobilizavam, lançados 
ao desafio de compreender o que admiramos e nos inquieta. 
Não muito mais podemos narrar aqui, senão o que estivemos 
a produzir juntos em campo e o esforço de interpretação em-
preendido aí, para o qual dispusemos das proposições e escritas 
provocadoras de pesquisadores que, invitados, colaboraram co-
nosco na composição dos alinhavos desta coletânea.
Nossos projetos têm sido realizados em localidades reco-
nhecidamente vulnerabilizadas de Porto Alegre/RS e, por 
ocasião desta produção, no bairro Restinga especificamente, 
no extremo sul da cidade. Neste caso, as discussões que im-
pulsionaram nossas articulações foram gestadas na realização 
de duas iniciativas interligadas: a pesquisa “Quando as iden-
tidades enunciam cotidianos” e o projeto de extensão “Para 
enunciar cotidianos, imagens da periferia”. O primeiro obje-
tivava conhecer a vida cotidiana em realidades consideradas 
periféricas e, a partir daí, elaborar interpretações sobre as 
identidades-diferenças construídas. O segundo se orientava à 
produção de imagens junto a moradores das mesmas, toman-
do fotos e vídeos como motes para promoção de narrativas 
reflexivas e para a aproximação entre as produções de nossos 
interlocutores nos projetos e o público acadêmico, sobretudo 
os graduandos da universidade1.
1. É preciso mencionar, o projeto de pesquisa contava com fomento da Fundação 
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e a ação de ex-
tensão com apoio do Programa de Extensão Universitária (Proext/MEC - 2015).
Leandro R. Pinheiro (Org.)
8
Contudo, essas diferenciações se esmaeceram nos diálogos 
em campo. O desejo de conhecer e compreender não se sepa-
rava de nossa intencionalidade educativa. Configurava-se já a 
intervenção pela circunstância de estarmos lá, compartilhando 
momentos e estabelecendo perguntas como pesquisadores. De 
outra parte, nossa prática de extensão apostava justamente na 
apresentação de propostas que estimulassem diálogos e tomadas 
de posição (e não exatamente capacitações). Cremos que nos 
achegarmos à vida cotidiana carrega tal potencialidade: partici-
par dos enunciados sobre as realidades desde a pergunta sobre 
o trivial, sobre as pertenças e os agenciamentos construídos aí.
Ir ao cotidiano, essa esfera analítica que inventamos no 
contraponto ao histórico ou às estruturas macrossociais, levou-
-nos ao rotineiro, ao sequencial dos ciclos que atualizamos dia-
riamente, mas também, como já é reconhecido nas ciências 
humanas, ao disruptivo, às fugas e às astucias produzidos pelos 
sujeitos. Aí dedicamos nossas energias, no tensionamento entre 
as “grandes categorias” e a “concretude irredutível”, fazendo 
o esforço (difícil, inacabado) de dispor nossas interpretações às 
sutilezas e às “insignificâncias”. Lefebvre lembra-nos da inspi-
ração dos músicos aos filósofos: “na música tudo é número e 
quantidade (os intervalos, os ritmos, os timbres) e tudo é liris-
mo, orgia ou sonho. Tudo é vital e vitalidade, é sensibilidade, 
e tudo é igualmente análise, precisão, fixidez”2.
Considerando, ademais, certo redimensionamento da vida 
cotidiana na atualidade como arena para produção de senti-
dos da ação, dada a ampliação das possibilidades de perten-
ça, a intensificação da circulação de informações e o relativo 
descentramento de aparatosinstitucionais nos processos de 
socialização, parece-nos pertinente levar a pesquisa ao quefazer 
cotidiano. Mais além, quando “lá”, fazer da interlocução um 
2. Lefebvre, Henri. Filosofia e conhecimento do cotidiano. In: ______. A vida 
cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. p. 17-33 (p. 26).
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
9
processo permeável a alterações de curso, sensível às oscila-
ções na tessitura das relações. Ao estar com as pessoas e com-
por parte de seus dias, as interações que constituímos descon-
certavam nossos interesses originais e a tarefa de compreender 
suas experiências se fazia mais complexa.
Nesse caso então, seja por efeito da abordagem metodoló-
gica, relativamente aberta às interações em campo, seja pelo 
encontro com novas referências, as interpretações que grada-
tivamente produzíamos tensionaram nossas problematizações 
sobre as identidades rumo às condições de individuação. A 
ação dos sujeitos, os sentidos e os agenciamentos com que ope-
ram no cotidiano demandavam atenção e, da mesma forma, 
lançavam-nos à busca por análises que apoiassem a compre-
ensão de algumas das dimensões do vínculo social que perpas-
savam os itinerários de vida que conhecemos em campo. 
E fizemos de nossos esforços de interpretação contextua-
lizada também o vetor de nossas escolhas quando do convite 
aos autores que compõem este conjunto de artigos. A cole-
tânea tem o cariz do processo e das tessituras em curso. Os 
pesquisadores que contribuíram conosco constituem referen-
tes ao nosso trabalho, apresentando abordagens e/ou temati-
zações que atravessam nossas análises adensando-as. A uma só 
vez, cada escrita se mostra peculiarmente provocante e gesta 
inferências que podemos apropriar, conforme os contextos em 
que realizamos incursões de pesquisa e extensão.
Organizamos a coletânea em três seções. A primeira, 
Questões – perspectivas e inspirações no itinerário, é composta por 
entrevistas com autores cujas abordagens nos aproximamos 
em busca de inspirações. Desta maneira, atenderam às nossas 
perguntas pelas especificidades de seus enfoques e por temas 
com os quais temos trabalhado, como identidades-diferenças, 
individuação, cotidiano, periferias e narrativas. Em Diferen-
ça, cotidiano e pesquisa reflexiva, Enzo Colombo nos resume sua 
trajetória à medida que nos apresenta a abordagem a que se 
Leandro R. Pinheiro (Org.)
10
filia, que conhecemos também pela obra de Alberto Melucci. 
Assim, discute a compreensão de uma “realidade socialmente 
construída” e expõe as condições para apropriação deste en-
foque, associadas aos legados da modernidade e à produção 
histórica de uma sociedade informacional e globalizada. No 
deslindar de sua interpretação, traz também considerações 
sobre seus estudos acerca dos usos contextualizados da “dife-
rença” e comenta a relevância da vida cotidiana como arena 
para pesquisas nas relações sociais contemporâneas. Ao final, 
discute o lugar da escrita sociológica entre outras formas de 
produção social de conhecimento.
A entrevista de Martuccelli, Sociologia, singularização e indivi-
dualismo latino americano, inicia com sua tese acerca do proces-
so de singularização que vivenciamos contemporaneamente, 
para trazer, depois, os operadores analíticos que desenvolve 
no marco de sua sociologia do indivíduo. Então, explora os 
limites e potencialidades dos temas “cotidiano” e “identida-
des” para investigações sensíveis às mudanças gestadas nas 
interações sociais da atualidade e nos processos de individu-
ação que ambientam. Discute, ainda, suas inferências sobre 
o “individualismo agêntico latino-americano” e as potenciais 
repercussões éticas para a prática educativa.
Para a seção seguinte, Sintonias – aproximações em contextos de 
periferia, convidamos autores cujas análises guardassem relação 
com os contextos em que pesquisamos e/ou que abordassem 
temas que pudessem, a uma só vez, enunciar conexões entre 
cotidianos de diferentes localidades e nos apoiar na problema-
tização dos itinerários de vida dos sujeitos com quem estive-
mos dialogando. Uma forma de sinalizarmos para as tessituras 
que podemos compor nas incursões que fazemos e quando mi-
ramos os arranjos que contribuem para singularizar cenários 
e sujeitos. Começamos, neste sentido, com o artigo de Alicia 
Lindón, A periferia metropolitana da Cidade do México: do cronoto-
po fundacional vallechalquense às identidades “do e com” o lugar, que 
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
11
analisa em escrita detalhada a construção sócio espacial do 
território, abordando a formação de cronotopos em Valle de 
Chalco, bairro de periferia da Cidade do México. Ao longo 
do texto, a autora associa fabricação do lugar e produção de 
identidades, articulando referências biográficas à narrativi-
zação do discurso social que enuncia a apropriação do locus 
como espaço experiencial.
Em Mulher, poder e tradição: reflexões sobre gênero e percepções de 
pobreza em Moçambique, Ana Maria Loforte discute a atuação da 
mulher em contextos empobrecidos de Moçambique, conside-
rando as mudanças políticas e econômicas ocorridas no país a 
partir das últimas décadas do século XX. Analisa diferentes as-
pectos dos vínculos sociais, incluindo relações de parentesco, se-
xualidade e religião, e destaca a conservação de relações de po-
der e valores tradicionais na configuração da posição feminina. 
A partir daí, aborda as concepções de pobreza em integração 
às dinâmicas familiares e às formas de participação construídas 
pelas mulheres, sinalizando-nos para estratégias de manutenção 
da vida em situações de elevada vulnerabilidade social.
O artigo de Liliane Leroux e Anne Clinio, Produção au-
diovisual com celular - periferias, gambiarras e deslocamentos estéticos, 
traz considerações sobre os usos e produções de imagens com 
tecnologias móveis e ubíquas realizados por moradores de 
periferias. Inicialmente, tecem reflexões sobre a elitização da 
produção cinematográfica para ambientar sua discussão sobre 
diferentes tentativas de representação audiovisual em contex-
tos vulnerabilizados. Comentam, neste ínterim, as buscas por 
“dar voz” aos que antes eram apenas retratados e as iniciativas 
de formação em cinema, cujas práticas, ao final e ao cabo, não 
deixavam de pautar o que seria “assunto de periferia”. Este 
será o cenário para as autoras destacarem as potencialidades 
estéticas e políticas da produção audiovisual possibilitada pelo 
acesso crescente a dispositivos móveis de gravação e socializa-
ção de imagens, quando os sujeitos interpõem modos de atu-
Leandro R. Pinheiro (Org.)
12
ar, destacadamente o “faça-você-mesmo” e a “gambiarra”, e 
exercem o direito de perspectiva.
O último texto nesta parte, Juventude, políticas de correção de flu-
xo escolar e direito ao uso da condição juvenil – o caso dos jovens estudantes 
da EJA no município de Mesquita/Rio de Janeiro, problematiza os 
processos de ingresso, permanência, correção de fluxo escolar e 
o direito ao uso da condição juvenil. Mônica Peregrino e Julia-
na Prata abordam, primeiramente, as condições de acesso à es-
colarização e à educação de jovens e adultos no Brasil nos anos 
1990 e 2000, sinalizando para as desigualdades sociais que as 
perpassam. Então, discutem a “separação” operada pelo pró-
prio sistema escolar, entre alunos de grupos etários diferentes 
que se encontram nas salas de aula da EJA. As autoras aventam 
a hipótese de que a expansão do ensino fundamental, iniciada 
a partir de meados da década de 1990, demarca a linha di-
visória entre as gerações que frequentam hoje a modalidade. 
Consideram-na tomando dados de pesquisa realizada em es-
colas públicas da cidade de Mesquita, na região metropolitana 
do Rio de Janeiro, analisando os efeitos da ampliação de acesso 
à escola e das políticas de correção de fluxo para a vivência da 
condição juvenil por alunos de grupos populares.
Na seção Narrativas – singularidades e reverberaçõesnos encontros, 
as escritas apresentadas acima configuram discussões que pro-
curamos apropriar ou, em alguns casos, tomamos como pro-
vocações e inspirações reflexivas. Nela, procuramos elaborar 
o que produzimos em campo, fazendo da exposição de itine-
rários biográficos o meio para trazer um pouco da dramatici-
dade dos contextos que estivemos a conhecer. Configura-se aí, 
ademais, uma opção político-estética por sinalizar as contin-
gências do encontro, os limites das tessituras que conseguimos 
estabelecer juntos a nossos sujeitos de diálogo.
São quatro textos na seção. O primeiro, Conversando com 
elas: itinerários possíveis no reverberar das memórias, que escrevemos 
Bruna D. Junqueira e eu, apresenta o bairro de nossas inter-
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
13
locuções recentes, a Restinga, e, então, narra os percursos 
biográficos de mulheres idosas que residem e atuam naquela 
localidade, e às quais chegamos por contatos com uma das 
escolas de samba de lá. Nossa “narrativa intencionada” des-
taca aspectos das condições materiais e culturais de vida, as 
diferenciações de gênero e étnicas e as pertenças ao trabalho e 
ao lugar. Desta forma, esboçamos inferências sobre as condi-
ções de produção de suas experiências e sobre as formas como 
constituíam seus processos de individuação.
No segundo artigo, Nos labirintos da vida, os arranjos de se viver: 
a experiência de jovens numa periferia, dos colegas Márcio Amaral e 
Maurício Perondi, são abordadas as práticas do cotidiano de 
dançarinos de breaking do Restinga Crew. Ao analisar suas expe-
riências do território, da produção artística e dos laços de amiza-
de, conduzem-nos ao cenário das culturas juvenis contemporâ-
neas, indicando formas de conformação desta em contextos de 
periferia. Depois, discutindo as relações que estabelecem com a 
escola, o trabalho e o consumo, levam-nos às trilhas construídas 
pelos jovens no confronto e produção de suas trajetórias, para as 
quais a metáfora do “labirinto” pode ser expressiva.
Em Entre jovens e adultos na escola, reflexões de uma aproximação 
inconclusa, Carla Meinerz e eu narramos os itinerários de vida 
de educandos da modalidade EJA de uma escola pública se-
diada na localidade em foco. Adultas e jovens que aceitaram 
partilhar conversações conosco e cujas experiências procura-
mos interpretar, a exemplo do que fizemos no primeiro artigo 
da seção. Assim, uma vez mais, condições materiais e culturais, 
as diferenciações de gênero e étnicas e as relações com traba-
lho e o território compuseram nossas análises, acrescidas ain-
da de menções às filiações religiosas de nossas interlocutoras. 
Neste texto, ainda, reservamos espaço para ponderações sobre 
relação daqueles sujeitos com a escola. Partindo dos percursos 
narrados, ousamos algumas inferências sobre os sentidos da 
escolarização no contexto em que situamos nossos diálogos.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
14
Encerramos nossas escritas com o ensaio Do contraste de nar-
rativas, o ensaiar de um inventário, escrito por mim, Bruno H. S. 
de Castilhos e Rodrigo S. F. A. Teixeira. Trata-se de um es-
boço analítico elaborado a partir dos textos que o antecedem 
na seção. De uma parte, visávamos inventariar experiências e 
condições de individuação em contextos de periferia, conside-
rando os desafios e os suportes que constituíam itinerários e 
cotidianos. De outra, intentamos novas bases para continuida-
de em pesquisas. Foi este o texto em que formulamos algumas 
considerações sobre as produções narrativas, refletindo sobre 
suas potencialidades para compreender formas de configura-
ção identitária.
Assim partilhamos as problematizações de nossos encon-
tros, visando discutir as condições de produção das experiên-
cias e, modestamente, apoiar iniciativas de educação em peri-
ferias urbanas.
Parte 1
Questões... perspectivas e inspirações no itinerário
17
Diferença, cotidiano e pesquisa reflexiva
Entrevista com Enzo Colombo
Quando começamos a organização desta coletânea, desejá-
vamos compartilhar reflexões resultantes de nossas incursões em 
campo e, assim, pensamos que seria importante abri-la apresen-
tando contribuições de autores de nos inspiram. Mas queríamos 
que estas fossem apresentadas na forma de uma conversação, 
para indicar já de início nossa forma de relação com o que estes 
pesquisadores nos propõem: um diálogo que instiga questões e 
faz pensar sobre como apropriar noções à compreensão de con-
textos que precisamos conhecer em suas peculiaridades.
Então, contatamos Enzo Colombo, professor do Departa-
mento de Ciências Sociais e Política da Università degli studi di 
Milano, que pronta e generosamente aceitou participar da en-
trevista de que dispomos abaixo1. Colombo trabalhou com Al-
berto Melucci e construiu uma trajetória de pesquisa atenta ao 
tema da diferença nas relações sociais contemporâneas, com 
ênfase às apropriações contextualizadas destas. Nas linhas que 
seguem, ele nos apresenta sua abordagem e trata, ainda, de 
questões sobre cotidiano, pesquisas reflexivas e narrativas.
O itinerário e as escolhas como pesquisador
Primeiramente, a modo de introdução, gostaríamos de lhe solicitar a genti-
leza de uma breve apresentação de seu itinerário como pesquisador, desta-
cando suas escolhas teórico-metodológicas. 
1. Entrevista realizada por e-mail, em inglês. Versão para o português: Leandro 
R. Pinheiro.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
18
Os meus primeiros passos em sociologia, no final dos anos 
1980, foram dados em um contexto altamente educativo, o 
“Laboratorio di ricerca sul Mutamento Sociale (LAMS)”, con-
duzido por Alberto Melucci, que reuniu vários estudiosos, com 
diferentes habilidades e interesses de pesquisa e em diferentes 
fases da carreira acadêmica. Em seminários mensais, professo-
res, pesquisadores e estudantes de doutorado discutiam ques-
tões metodológicas e epistemológicas com igual intensidade.
Nesse contexto desafiador, nós trabalhamos no que eu cha-
maria, agora, “construcionismo factual e radical”, tentando 
vincular, de um lado, os interesses teóricos pela relação recur-
siva entre estrutura e agência e, de outro, questões metodoló-
gicas e epistemológicas concernentes ao trabalho do pesquisa-
dor, entendido como produtor de conhecimento social.
Nós estávamos interessados em desenvolver uma perspec-
tiva construcionista que fosse além da concepção em voga, 
pelos menos no final do século passado, que reconhecia as 
realidades como socialmente construídas enfatizando a “oni-
potência criativa dos indivíduos” envolvidos na produção de 
novos sentidos, tendo suas preferências estéticas e sua inven-
tividade como as únicas restrições. Nossos interesses residiam 
em reconhecer a relevância – tanto como condicionamento 
quanto como recurso – de contextos, estruturas sociais e ca-
pacidades pessoais2. Focávamos não só nas capacidades sub-
jetivas para criar novos sentidos e práticas e resistir a poderes 
hegemônicos; considerávamos também as condições sociais e 
as capacidades individuais que permitiam a algumas constru-
ções específicas se tornarem “fatos sociais”, enquanto outras 
permaneciam tentativas transitórias meramente individuais 
e localizadas. Interessava-nos a relevância dos contextos, da 
disposição social e das hierarquias de poder: as capacidades 
2. Conforme: Melucci, Alberto. The playing self. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 1996.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
19
para produzir e gerir novos códigos, significados, categorias 
e as condições sociais que as impediam ou suportavam. Nós 
não considerávamos suficiente reconhecer a realidade como 
construção e, então, denunciar sua parcialidade e desconstruir 
suas bases. Orientávamo-nos ao como a realidade social é cons-
truída, aos processos e condições de possibilidade que transformam 
algumas construções – e não outras – em realidade social, isto 
é, concentrávamo-nos sobre aquilo que informa, circula e é 
institucionalizado.Desde um ponto de vista epistemológico, 
nós estávamos interessados em transformar o que usualmente 
servia como explicação em algo a ser explicado.
Com essas premissas em mente, nós tentamos desenvolver 
uma forma de construcionismo histórica e socialmente embasada, re-
alista em sua dimensão substantiva, radical em sua dimensão 
epistêmica.
Histórica e socialmente embasada porque a construção social da 
realidade é uma característica da sociedade contemporânea. 
Nossos interesses atuais pela construção social da realidade 
não se tornaram importantes porque os processos de cons-
trução representariam uma característica “objetiva”, “univer-
sal” ou “perpetua” da realidade humana. Ao contrário, ela 
se tornou uma questão, uma chave para conduzir e compre-
ender ações sociais, por causa de alguns atributos específicos 
das sociedades globais da atualidade, nas quais a centralidade 
da informação, a necessidade de escolha e a capacidade para 
atuar como subjetividades autônomas se tornaram necessida-
des estruturais para produzir, manter e transformar relações 
sociais. É somente neste contexto histórico que a perspectiva 
de construção social da realidade se torna plausível e útil. Por-
tanto, não representa uma “descoberta” de um aspecto da re-
alidade social previamente ignorada; ao contrário, representa 
um exemplo de produção de uma interpretação da realidade 
que tem consequências sociais. É com a modernidade e, mais 
rápida e radicalmente, com o fluxo de ideias, imagens, imagi-
Leandro R. Pinheiro (Org.)
20
nários, bens, tecnologias e pessoas – o que, muitas vezes, resu-
mimos sob o termo “globalização”3 –, que a atenção para os 
processos da construção social da realidade torna-se crucial.
Como Melucci coloca, com o desenvolvimento do poten-
cial da modernidade, nossas vidas estão se tornando cada vez 
mais presas em uma realidade construída por informação; a 
nossa experiência mais pessoal: 
Tanto em suas rotinas quanto em seus momentos mais 
dramáticos, é criada por informações da mesma maneira 
que depende delas. [...] Uma sociedade que usa informa-
ções como seu recurso vital altera a estrutura constitutiva 
da experiência. O modo como concebemos a realidade 
e a nós mesmos é alterada em suas dimensões cognitivas, 
perceptivas e emocionais: a representação do espaço e do 
tempo, a relação entre possibilidade e realidade, a ligação 
entre os fenômenos naturais e sua elaboração simbólica 
são afetados. A experiência se torna uma construção “ar-
tificial”: o produto de relações e representações, e não de 
circunstâncias, leis da natureza ou “contingências”.4
Em uma sociedade tradicional, na qual discursos e prá-
ticas compartilhados privilegiam estabilidade à mudança, a 
ideia da construção social da realidade não é muito útil e soa 
implausível inclusive. Num mundo globalizado, todos os dias 
nos confrontamos com diferença, mobilidade, mesclas e a ne-
cessidade de nos movermos de um contexto a outro; e, em 
cada um destes contextos:
há uma cultura, uma língua e um conjunto de regras em 
relação aos quais nós precisamos nos adaptar sempre 
que migramos de um para o outro. Assim, nós estamos 
3. Appadurai, Arjun. Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization. 
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.
4. Melucci, Alberto, op. cit., p.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
21
sujeitos a uma pressão crescente para mudar, transferir, 
traduzir o que nós éramos há apenas um momento atrás 
segundo novos códigos e novas formas de relação.5
Esta experiência fenomenológica torna crucial a atenção 
para a produção social da realidade, tanto como indivíduos 
frente aos processos de globalização quanto estudiosos engaja-
dos na interpretação da realidade social.
Realista porque estávamos interessados em nos distanciar 
de certa postura pós-moderna superficial que considerava a 
realidade (porque construída) como “falsa”, “enganosa” ou 
“frágil”. A capacidade social para construir a realidade torna-
-se efetiva apenas quando o que é construído torna-se “fato”, 
produz efeitos, disciplina comportamentos e cria poder. Tal 
realidade não é apenas um “truque” que deve ser denunciado 
e desconstruído; ao invés disso, ela representa o ambiente ne-
cessário para qualquer ação possível e para interpretação da 
experiência social; sua construção é o que está realmente em 
jogo na corrente capacidade/necessidade/esforço para dar 
sentido à existência humana.
Ao sugerir que a ideia de construção social da realidade é 
o produto de uma situação sócio histórica específica, a análise 
evita a armadilha de uma contraposição binária absoluta en-
tre “natureza” e “cultura”, “real” e “produzido”, bem como 
“material” e “social”.
Destacar a importância da construção coletiva de senti-
dos compartilhados não implica um solipsismo radical que 
nega à realidade externa qualquer consistência autônoma. Ao 
contrário, sublinha o fato de que, em situações significativas 
da sociedade contemporânea, questões relevantes e disputas 
expressivas estão relacionadas com certa “realidade grau n”, 
sempre vista através de lentes socialmente construídas, uma 
realidade que está cada vez mais distanciada de qualquer re-
5. Ibidem, p. 43.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
22
ferência a uma condição pré-social que impõe o seu domínio 
sobre a capacidade humana para a ação.
Esse último ponto sugere a necessidade de um construcio-
nimo radical para compreendermos as sociedades contempo-
râneas: se compreendermos a ação social nas sociedades glo-
balizadas da atualidade como a necessidade/capacidade dos 
atores sociais construírem os sentidos de suas ações dentro das 
redes que os permitem partilhar a produção de significados, 
então a ação social não pode ser reduzida ao comportamento. 
Ao contrário, esta se torna produção continuada de sentidos 
intersubjetivos através de interações sociais. Dadas as caracte-
rísticas estruturais de uma sociedade baseada na informação, 
a liberdade de escolha e capacidade individual de agir como 
sujeitos autônomos, a nossa interpretação possível da experi-
ência social é sempre e inevitavelmente emoldurada por cate-
gorias sociais, línguas e significados institucionalizados, bem 
como por hierarquias específicas de poder. Conhecimento e 
compreensão da realidade social requerem uma análise dos 
processos sociais de produção de sentidos e sua interpretação 
só pode se basear em categorias sociais: entidades extra ou 
pré-sociais tendem a não ser mais usadas na feitura dos senti-
dos da realidade social em um mundo informacional e globa-
lizado. Um dos legados da modernidade é que não podemos 
agir sem alguma representação social da sociedade em que nós 
vivemos. Nossas práticas cotidianas precisam alguma compre-
ensão da realidade que é socialmente construída e transmiti-
da. Logo, os modos pelos quais representamos o mundo social 
se tornam parte de nossa realidade; eles são incorporados a 
expectativas compartilhadas, são institucionalizados, tomados 
por certo e se tornam fatos sociais.
Sociólogos e pesquisadores interessados em temas sociais 
estão entre os principais contribuintes para a produção da re-
presentação do ‘social’. Este tópico caracteriza um segundo im-
portante percurso de reflexão trilhado no curso das reuniões do 
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
23
LAMS, e foi o foco de nosso trabalho coletivo Verso una sociologia 
riflessiva6. Orientamo-nos ao “fazer” da pesquisa social: como um 
pesquisador produz conhecimento através de interpretações 
de interpretações, narrações de narrações? Observamos o pes-
quisador como sujeito personificado, envolvido na construção 
de uma narração significativa do social e imerso em redes es-
pecíficas de relações – com os temas em estudo, os colegas, o 
público – que constituem os limites e oportunidades à capaci-
dade do pesquisador para compreender e narrar o campo de 
pesquisa. Nossos interesses sobre como sociólogos produzem seu 
conhecimentoe como os contextos influenciam a este não era 
direcionado a “desmascarar” o que dificulta a compreensão, a 
fim de produzir um conhecimento verdadeiro. Ao invés disso, 
nós estávamos interessados em destacar a pesquisa como uma 
prática social não radicalmente diferente de outras práticas cujo 
propósito é produzir interpretações significativas e viáveis – par-
ciais e incompletas, mas efetivas – das experiências humanas.
Ainda sobre as escolhas, o tema da “diferença”
Considerando o que assinalas acima, gostaria que explicasse a apropria-
ção contextualizada com que você tem abordado a noção de “diferença”. 
E, ousando uma aproximação a pesquisas realizadas em/sobre comuni-
dades de periferia, solicito ponderações suas acerca das experiências da 
“diferença” conforme estas se articulam a distintas condições econômicas 
e culturais de vida.
Nos limites do quadro esboçado acima, a minha contri-
buição tem sido a de desenvolver uma perspectiva reflexiva e 
construcionista da produção social da diferença cultural.
6. Melucci, Alberto (ed.). Verso una sociologia riflessiva. Bologna: Il Mulino, 1998. 
(Publicado em português: “Por uma sociologia reflexiva” – Editora Vozes, 2005).
Leandro R. Pinheiro (Org.)
24
O interesse pelo tema da “diferença” tem sido uma marca 
da teoria social nos últimos cinquenta anos. A “virada linguís-
tica”, a semiótica7, a desconstrução8, os estudos feministas9, 
estudos pós-coloniais10, o pós-estruturalismo11, os estudos cul-
turais12 e o multiculturalismo13, todos enfatizaram a importân-
cia das diferenças. De formas diversas e específicas, concen-
traram-se nos limites sócio epistemológicos do trabalho e da 
produção de categorias, desconstruindo o que era entendido 
como dicotomias básicas e expondo o poder que estas estabe-
leciam, legitimavam e reproduziam.
Uma das mais poderosas dicotomias é a distinção entre 
“nós” e “eles”. A produção da diferença é uma forma de criar 
identidade social; considera e explora alguns traços e desconti-
nuidades como marcadores de uma pertença social, enquanto 
ignora e desconstrói outras.
Nós precisamos construir diferença afim de dar sentido 
para a realidade social. De acordo com Max Weber14, nós po-
demos dizer que a diferença é o “material bruto” para a cons-
7. Mais especificamente: Barthes, Roland. Mythologies. Paris: Seuil, 1957; Eco, 
Umberto. Trattato di semiotica generale. Milano: Bompiani, 1975.
8. Derrida, Jacques. De la grammatologie. Paris: Minuit, 1967.
9. Bell Hooks. Ain’t I a woman? Black women and feminism. Boston: South End 
Press, Boston, 1981.
10. Fanon, Frantz. Les damnés de la Terre. Paris: Maspero, 1961; Said, Edward. 
Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978.
11. Foucault, Michel. Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical. 
Paris: Presses Universitaires de France, 1963; Foucault, Michel. Surveiller et punir. 
Naissance de la prison. Paris: Gallimard, 1975.
12. Hall, Stuart (ed.). Representation: cultural representations and signifying prac-
tices. London: Sage, 1997.
13. Taylor, Charles. The politics of recognition. In: Gutmann, Amy (ed.). Mul-
ticulturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton Univer-
sity Press, 1994.
14. Weber, Max. Die “Objektivität” sozialwissenschaftlicher und sozialpoli-
tischer Erkenntnis. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, xix, 1904, p. 22-87; 
Weber, Max. Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologies. Tübingen: Mohr, 1920.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
25
trução da cultura: produzir a diferença é selecionar e cortar 
um segmento finito da infinidade sem sentido dos processos 
do mundo, um segmento ao qual os seres humanos conferem 
sentido e significado. Como observa Gregory Bateson15, a ca-
pacidade humana para produzir informações está baseada na 
capacidade de produzir diferença que gesta diferença. Seguin-
do Emile Durkheim16, nós podemos acrescentar que a produ-
ção de diferença é sempre a expressão de um julgamento mo-
ral: não só se reconhecem diferenças objetivas, funda-se uma 
lógica de ordenação hierárquica. Produzir diferença nunca é 
um ato inocente; gera um espaço para o sagrado – carregado 
com valor positivo – excluindo, minimizando, silenciando e 
culpando o que serve como uma referência negativa para de-
finir outro espaço – o profano.
Ao invés de olhar para a diferença como um “fato”, meu 
campo de interesse reside em observar a diferença como um 
processo social de construção de distinções; um processo de 
“delimitação” que produz identidade e poder, recursos para 
ação e exploração, pertenças e exclusão.
Diferença, em minha perspectiva, não é somente um obje-
to de pesquisa – uma categoria da prática –, mas também um 
ponto de vista epistemológico – uma categoria de análise – 
que se presta a uma análise crítica do real, bem como das lutas 
que tomam forma em torno desta construção da realidade.
O debate atual sobre a relevância deste tema na sociedade 
contemporânea frequentemente define dois sentidos opostos 
para a diferença. De uma parte, a diferença é concebida como 
um tipo de essência que determina a existência de indivíduos 
e grupos. Diferença é, assim, vista como o núcleo autêntico e 
“natural” da identidade pessoal ou como a herança forjada 
15. Bateson, Gregory. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago 
Press, 1972. 
16. Durkheim, Émile. Les formes élémentaires de la vie religieuse. Paris: Alcan, 1912.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
26
por longos períodos de história comum, consistindo nas “mais 
sagradas verdades” do grupo.
De outra parte, a diferença é vista como uma pura con-
tingência, uma construção continuada com uma existência 
temporária, efêmera e enganosa. Uma ênfase demasiada 
na capacidade de mesclar e produzir híbridos (com seu foco 
sobre a capacidade humana de criar distinções e seu esfor-
ço para desconstruir qualquer reivindicação da diferença em 
se apresentar como natural e inevitável) arrisca dissimular as 
dinâmicas de poder envolvidas na produção de qualquer dife-
rença. Concentrando-se na capacidade humana para mesclar, 
resistir e produzir novas distinções, arrisca-se desconsiderar a 
relevância dos processos de institucionalização das diferenças 
produzidas. Assim, acaba-se favorecendo uma imagem exces-
sivamente fluida e contingente destas, uma imagem em nítido 
contraste com a observação empírica que mostra até que pon-
to elas são percebidas pelos atores sociais como um elemento 
concreto que molda as percepções e as ações.
A fim de dar consistência sociológica para a ideia de di-
ferença, penso ser importante assumir uma perspectiva cons-
trutivista informada e analisar como, por quem, em quais 
contextos e com que propósitos, a diferença é apropriada con-
cretamente nas interações sociais. Um primeiro passo nesta di-
reção poderia focar no que eu, junto a outros colegas (Giovan-
ni Semi, numa elaboração compartilhada17; Anita Harris18, 
Amanda Wise e Selvaraj Velayutham19, seguindo em experi-
ências de pesquisa autônomas), chamo multiculturalismo cotidia-
no (everyday multiculturalism). Refere-se a situações concretas de 
17. Colombo, Enzo; Semi, Giovanni (eds). Multiculturalismo quotidiano. Le pratiche 
della differenza. Milano: Franco Angeli, 2007.
18. Harris, Anita. Young people and everyday multiculturalism. New York: Routledge, 
2013.
19. Wise, Amanda; Velayutham, Selvaraj (eds). Everyday multiculturalism. Basing-
stoke: Palgrave, 2009.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
27
interação onde a diferença se torna, para pelo menos alguns 
dos atores envolvidos, um importante elemento na construção 
da realidade social e no sentido atribuído a ela. 
Em meu ponto de vista, o multiculturalismo cotidiano nos 
convida a ir além da simples observação de que a diferença é 
construída socialmente para considerar os modos pelos quais 
tal construção é possível e efetiva. Sugere considerar a diferen-
ça como uma prática, uma performance em curso,na qual o 
que está em jogo é a produção de sentidos compartilhados de 
uma experiência contextual. A diferença é concebida, então, 
como uma “ferramenta” política: algo que as pessoas podem 
usar para produzir uma realidade social específica, caracteri-
zada por uma ordem específica e por fronteiras que produzem 
hierarquias de poder particulares, regras para inclusão e exclu-
são, formas de pertencimento e identidades. Como ferramen-
ta política, a diferença é sempre caracterizada por ambivalên-
cia, é tanto restrição quanto recurso. Uma restrição quando 
é externamente imposta, como um rótulo restritivo difícil de 
remover ou ignorar e que pode ser usado para justificar exclu-
são, discriminação e exploração. Um recurso quando pode ser 
usado para promover identificação e ação social. Neste caso, a 
diferença pode promover estratégias orientadas à aquisição de 
visibilidade, respeito, justiça ou privilégios ou, o mais comum, 
é base para táticas que suportam formas de resistência tempo-
rária, atos que não são completa e conscientemente subversi-
vos e tentam tirar vantagem de situações favoráveis.
O multiculturalismo cotidiano pode ajudar a conceber a 
diferença como um trabalho de produção, tradução e supe-
ração de distinções constante e situado. A produção de dife-
renças requere um certo grau de credibilidade, autoridade e 
estabilidade para ser persuasiva e eficaz, mas arrisca perder 
sua efetividade se não conseguir se ajustar continuamente às 
especificidades dos contextos em que é usada. A capacidade 
Leandro R. Pinheiro (Org.)
28
de produzir socialmente a diferença não depende somente da 
vontade, da criatividade ou da sensibilidade do indivíduo. Ao 
contrário, ocorre sob constrangimentos estruturais e hierar-
quias de poder específicas que transcendem as habilidades ra-
cionais e as estratégias dos sujeitos.
Isso nos permite trazer a dimensão do poder à tona: preci-
samente porque é construída, e porque é um recurso político 
para definir a realidade, a diferença inclui uma visão particular 
e situada de mundo, inclui regras específicas para mirar a rea-
lidade e configurar restrições, modelos e expectativas alinhados 
aos pontos de vista e interesses de grupos sociais específicos.
Uma perspectiva construcionista que não se contenta em 
apenas assinalar a natureza socialmente construída da reali-
dade, permite-nos trazer a questão das fronteiras e distinções 
concretas: dentre as muitas igualmente possíveis e plausíveis, 
quais são efetivamente “desenhadas”, por quem e por que. Su-
blinha o fato de que o interesse sociológico não é só capturar 
a dinâmica de produção contínua da diferença, mas também 
as formas pelas quais esta construção é representada como le-
gítima e estável, bem como as condições contextuais históricas 
que fazem hegemônica uma diferença particular: o resultado 
de uma luta de poder que tende a impor um ponto de vista 
particular, embora sempre de uma forma parcial e temporá-
ria20. E é essa luta incessante entre o estabilizar e o contestar 
de uma diferença específica, em um contexto de continuado 
conflito entre distintos interesses e visões de mundo, que re-
presenta o principal foco da análise sociológica da diferença.
Concebida como uma ferramenta política para dar senti-
do à experiência social, a diferença se configura tanto como 
uma construção social situada quanto como um fato que im-
põe sua lógica e organiza interações sociais. Como observou 
20. Gramsci, Anthony. Selections from the prison notebooks. London: Lawrence & 
Wishart, 1971.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
29
Gerd Baumann21 em seu estudo sobre bairros de periferia em 
Londres, as pessoas não são nem totalmente livres para usar 
como desejam a diferença, nem totalmente tolhidas por dife-
renças fixas externamente impostas. Elas são capazes de usar 
uma dupla competência: elas as consideram tanto como um 
dado constitutivo, reificado e essencial quanto como um cons-
truto processual, em constante mudança.
O multiculturalismo cotidiano pode ser particularmente útil 
se observarmos contextos de periferia. É aí que se torna eviden-
te a coexistência de representações hegemônicas da diferença, 
produzidas no nível macro dos discursos políticos e de mídia, e 
de discursos populares que adaptam e traduzem tal representa-
ção reificada em ferramentas para interação ordinária.
A periferia é um ponto de partida privilegiado para ana-
lisar os processos de construção social da realidade. Contudo, 
desde um ponto de vista sociológico, creio importante consi-
derar a “periferia” como uma forma cultural topológica ao 
invés de uma disposição topográfica. Isto reforça a importân-
cia das relações e sentidos; ajuda a levar a diferença de uma 
categoria ‘a priori’ para uma ‘a posteriori’22. Periferias, desde 
uma perspectiva topológica, são locais de sentidos, poder, ex-
ploração, disciplina, emoções, pertencimentos, proteção, gue-
tização e resistências23. Elas não são nem exclusivamente luga-
res de marginalização e de subordinação, nem o espaço para 
escapar do poder e produzir perspectivas novas e autônomas. 
Periferias topológicas são lugares de ambivalência, onde o que 
está claro no centro torna-se turvo, impreciso e distorcido. Elas 
mostram o contraditório da existência social, sempre marcada 
por, de um lado, poderes preexistentes, certezas estabelecidas e 
21. Baumann, Gerd. Contesting culture. Cambridge: Cambridge University Press, 
1996.
22. Lury, Celia; Parisi, Luciana; Terranova, Tiziana. Introduction: the beco-
ming topological of culture, Theory, Culture & Society, 29, (4/5), 2012, p. 3-35.
23. Bell hooks, op. cit.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
30
a penetração de disciplinamentos instituídos e, de outro, a ca-
pacidade para traduzir, transformar, imaginar e ver de modo 
distinto24. Periferias topológicas não são apenas um possível 
objeto de pesquisa; elas são também um modo de olhar para 
as interações sociais, concentrando-se nas relações recursivas 
entre a realidade em sua dimensão ontológica – como um fato 
social que, simultaneamente, oportuniza e oblitera ações – e a 
realidade em sua dimensão epistemológica – como o contínuo 
e interminável processo de produção e crítica de sentidos e 
saberes. Elas não são nem o lugar em cujo interior realidade e 
poder assumem a consistência de algo determinado, a solidez 
de um fato dado e/ou a evidência que oculta qualquer possi-
bilidade de pensar de forma diversa, nem a exterioridade onde 
tudo é possível, imaginação e ações são livres e as pessoas estão 
liberadas de qualquer obrigação social.
No entanto, não podemos ser ingênuos. Periferias são tam-
bém lugares de privação, falta e marginalização. Imaginação, 
capacidade de aspirar25 e de ser protagonista ativo de mudan-
ças sociais requerem capacidades pessoais adequadas, que, de 
acordo com Melucci26, podem ser definidas como um conjun-
to de recursos disponíveis para se pensar sobre si mesmo e 
atuar como um indivíduo, ser reconhecido como tal pelos ou-
tros e investir na autorrealização como um ser humano. Estes 
recursos nunca são distribuídos em igualdade de condições. 
As intercecções específicas entre recursos econômicos e cultu-
rais, gênero, religião, etnias, deficiências, disposição espacial 
desempenham um importante papel na definição de capaci-
dades para produzir a realidade social de forma “original” e, 
24. Castoriadis, Cornélius. L’institution imaginaire de la société, Paris: Seuil, 1975.
25. Appadurai, Arjun. The Capacity to Aspire: culture and the terms of recog-
nition. In: Rao, Vijayendra; Walton, Michael (eds.). Culture and Public Action. Palo 
Alto: Stanford University Press, 2004, p. 59-84.
26. Melucci, Alberto. The playing self. Cambridge: Cambridge University Press, 
1996.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
31
além disso, para transformar o que tem sido produzido em um 
“fato social”. Então, ater-nos à discriminação e à exclusão é 
necessário quando se trata de periferias.Cotidiano, relações sociais contemporâneas e pesquisa
Atualmente, construímos experiências pessoais sob intensificada produção 
de apelos e vivemos a necessidade de escolhas e renúncias regulares. Situ-
ação que pode engendrar fragmentação social, mas também pode instigar 
os sujeitos à criação de sentidos para suas ações. Considerando estas cir-
cunstâncias, como você analisa a relevância da vida cotidiana nas rela-
ções sociais contemporâneas? Ademais, lembrando a tradição da área em 
pesquisas sobre o cotidiano, que contribuições poderíamos aventar, hoje, a 
partir de pesquisas sociológicas baseadas nas relações cotidianas?
“Cotidiano” é outro conceito reforçado quando concebi-
do em termos topológicos. Classicamente, tem sido considera-
do desde dois modos diferentes, frequentemente vistos como 
contraditórios. De um lado, estudiosos como Alfred Schütz27 
e Anthony Giddens28 sugeriram que a natureza repetitiva e 
recursiva da vida cotidiana fornece uma forma de seguran-
ça ontológica. As rotinas cotidianas asseguram uma forma de 
normalização que, muitas vezes inconscientemente, reproduz 
o tecido do mundano. Categorizações e rotinas não problema-
tizadas constituem ponto de partida fundamental desde o qual 
suposições, comportamentos e práticas são vistos como auto 
evidentes e tidos como certos. De outro lado, pensadores como 
Michel de Certeau29 e Henri Lefebvre30 conceberam a vida 
27. Schütz, Alfred. The Phenomenology of the Social World. Evanston: Northwestern 
University Press, 1967.
28. Giddens, Anthony. Modernity and self-identity. Cambridge: Polity, 1991.
29. De Certeau, Michel. L’invention du quotidien. I Arts de faire. Paris: Gallimard, 
1990.
30. Lefebvre, Henri. La vie quotidienne dans le monde moderne. Paris: Gallimard, 
1968.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
32
cotidiana como um lugar de possibilidades, o reino das ações 
práticas que não se reduzem à disciplina. A vida cotidiana não 
é apenas um locus de derrota ideológica e conformidade, gera 
oportunidades e deixa espaço para a capacidade humana de 
se adaptar. Assim, o cotidiano é um lugar onde questões se ori-
ginam, um possível espaço para crítica do estabelecido31. Nes-
ta perspectiva, é uma ambiência para transformação, adapta-
ção, tradução, improvisação e resistência; o local para arranjos 
criativos e rearranjos da bricolagem32.
O “lugar” do cotidiano não pode ser concebido com base 
somente em uma metáfora espacial. Não se limita a referir o 
lugar da privacidade, da intimidade e da familiaridade. Pode 
ser melhor compreendido relacionalmente: as práticas ordi-
nárias partilhadas e mutuamente inteligíveis, ações ordiná-
rias e rotinas que “demandam”, “preocupam”, “engajam” e 
“tocam”. O domínio analítico do cotidiano é a experiência 
situada, mas tal domínio nunca é definido, numa sociedade 
globalizada e informacional, por proximidade, área comunitá-
ria, limites de bairro ou relações familiares. Ao contrário, nas 
sociedades contemporâneas a arena cotidiana é mais e mais 
aberta e conectada a dimensões, símbolos e experiências que 
vão além do aqui e agora de um contexto imediato, transfor-
mando as relações e práticas ordinárias de forma inovadora33.
Visto ao nível do cotidiano, as ações humanas parecem 
fragmentadas, multiformes, não sistemáticas e em constante 
evolução34. Elas parecem um esforço sem fim para adaptar o 
que temos à mão às necessidades específicas da situação. Aten-
31. Smith, Andrew. Rethinking the “everyday” in “ethnicity and everyday life”. 
Ethnic and Racial Studies, 38 (7), 2015, p. 1137-1151.
32. Highmore, Ben. Everyday life and cultural theory: an introduction. London: 
Routledge, 2001.
33. Beck, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage, 1992.
34. De Certeau, Michel. L’invention du quotidien. I Arts de faire. Paris: Gallimard, 
1990.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
33
tar às micro práticas cotidianas nos possibilita resistir à tenta-
ção para reificar ações, relações e categorias35, e trazer à tona a 
dimensão performativa que caracteriza tanto a criação quanto 
a estabilização de diferenças capazes de gerar diversidade.
Além disso, o foco analítico orientado ao cotidiano nos 
permite “levar a sério os atores”36, escutar atentamente suas 
narrativas e fazer observações detalhadas de como eles cons-
troem e justificam suas ações em termos concretos. De outra 
parte, como De Certeau37 salienta, analisar práticas cotidianas 
não implica atomismo ou reduzir as coisas a um nível indivi-
dual. Permite-nos considerar o jogo entre agência e dimensões 
estruturais e destacar como as pessoas podem jogar entre a 
rigidez das estruturas sociais – que raramente podem con-
trolar as ações humanas desde padrões inflexíveis e imutáveis 
sem permitir alguma liberdade de ação – e a originalidade da 
agência – que dificilmente pode se expressar sem considerar 
restrições externas e os recursos disponíveis numa situação es-
pecífica. A dimensão cotidiana contribui, assim, para assinalar 
três elementos importantes para se compreender os processos 
de construção social da realidade: as práticas, os contextos e as 
experiências subjetivas.
Em suas práticas diárias, os sujeitos parecem comprome-
tidos em “ajustar as coisas”, produzir justificações e sentidos 
plausíveis, “traduzir” o que está disponível para eles em re-
cursos passíveis de uso conforme as exigências do contexto. 
A “tradução”, como prática diária chave, refere-se à ideia de 
Latour38: uma contínua produção de evidência, baseada na 
transformação do que as pessoas têm à disposição em “apre-
35. Revel, Jacques (ed.). Jeux d’échelles. La micro-analyse à l’expérience. Paris: 
Seuil, 1996.
36. Touraine, Alan. Le Retour de l’acteur. Paris: Fayard, 1984.
37. Op. cit.
38. Latour, Bruno. Science in action: how to follow scientists and engineers through 
society. Milton Keynes: Open University Press, 1987.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
34
ciações”, “exemplos”, “verificações” apropriados ao trabalho 
que está sendo realizado. Também recorre à ideia de Gerd 
Baumann39 de uma competência cultural caracterizada por 
diferentes registros gramaticais e semânticos dentro dos quais 
as partes sabem se mover competentemente para adaptar as 
macro representações – que caracterizam o contexto da ação 
e que evitam uma possibilidade de mudança imediata basea-
da na vontade individual – em representações demóticas, isto 
é, ferramentas e recursos relacionais usados no conjunto das 
ações. Em vez de “criatividade” ou interesses individuais, o 
trabalho de tradução que caracteriza as práticas cotidianas 
parece voltado para a produção de “ajustes”, discursos e ações 
justificáveis. O elemento central do processo de construção 
social de realidade se torna, portanto, a habilidade para se 
adaptar aos contextos, estabilizar e normalizar o que é produ-
zido, considerando o público e suas expectativas, e não a su-
posta capacidade dos indivíduos para criar sentidos originais 
(ex novo), conforme vontades individuais únicas. Tornar real a 
realidade – ou seja, publicamente reconhecida como real – é o 
ponto central do processo de construção.
A importância da tradução está articulada a característi-
cas específicas da sociedade contemporânea. A variedade de 
situações e possibilidades e a margem de “jogo” possibilitada 
pela pluralidade de regras requer um esforço comprometido 
de interpretação que necessita sujeitos ativos, capazes de ação 
autônoma. Como observa Melucci:
os terminais das redes devem ser relativamente autôno-
mos, capazes de percepção e dotados da faculdade para 
codificar, decodificar e desenvolver linguagens. Deve ha-
ver uma quantidade de recursos socialmente distribuídos 
para garantir que os indivíduos possam funcionar como 
emissores e receptores de fluxos de informação40.
39. Baumann, Gerd. Op. cit.
40. Melucci, Alberto. Culture in gioco. Milano: Il Saggiatore, 2000, p. 35.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
35
A construção de realidadeem sua consistência sociológi-
ca – como “fato social” – é possível hoje em dia através de 
atribuição de sentidos situados em ações-hora, em práticas or-
dinárias, nas relações mais pessoais e íntimas. No entanto, isto 
não ocorre porque os sujeitos se sobressaíram a uma socieda-
de coercitiva e eliminaram as restrições e limitações que opri-
miam sua capacidade de ação e sua liberdade – não porque 
a “sociedade não existe” ou “não existe mais”, como alegado 
por parte do pensamento liberal contemporâneo, neste ponto 
não muito distante de um pós-modernismo radical e sua exal-
tação dos indivíduos. Mais precisamente, isto é viável porque 
a condição social atual faz com que a capacidade de ação e 
escolha independente seja possível, de fato necessária.
No cotidiano, os indivíduos são cada vez mais chamados 
a criar ativamente significados para as ações em seus mundos; 
significados que não são mais mecanicamente designados por 
estruturas sociais nem sujeito a restrições rígidas da ordem es-
tabelecida41. De outra parte, o hiato entre constrangimentos 
externos (gerados em dimensões crescentemente distantes da 
experiência e controle pessoal) e desejos internos (dirigidos por 
um contínuo anseio de afirmação como sujeitos nas interações 
cotidianas) cresce, favorecendo uma percepção generalizada 
de incerteza42.
De um modo cada vez mais direto e generalizado, estamos 
vivendo a experiência de sermos os arquitetos de nosso pró-
prio destino – de ter que escolher quem nós somos e como vi-
vemos – e, ao mesmo tempo, sem garantias e certezas da qua-
lidade das escolhas ou da solidez do que está sendo construído.
Finalmente, a atenção à dimensão cotidiana é também útil 
quando se trata de conhecer espaços de resistência e poder. 
Resistência não é sinônimo de oposição, mas refere a algo que 
41. Colombo, Enzo; Rebughini, Paola. Children of immigrants in a globalized world. 
A generational experience. Basingstoke: Palgrave, 2012.
42. Beck, Ulrich. Op. cit.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
36
obstrui e dispersa o fluxo de energia da dominação, e interfere 
no fluxo “acrítico” e “natural” das representações. A resistên-
cia é algo mais do que a oposição, é uma maneira de conservar 
e criar; em vez de apresentar o oposto do poder, ela oferece 
uma explicação diferente, plural de poder43.
Periferias são tipicamente espaços para resistência44; a po-
sição nas “margens” favorece a resistência, que pode se mani-
festar na forma de estratégias ou, o mais frequente, na forma 
de táticas45. Estratégias implicam consciência, ações planeja-
das e guiadas por um modelo. Táticas exploram e dependem 
das oportunidades, e o que elas conquistam não podem ser 
mantidas por muito tempo. Elas residem em “pontos cegos”, 
áreas de silêncio, brechas que se abrem no controle e na vigi-
lância do poder, sem mudar radicalmente tais condições, mas 
“deslizando”, conquistam certo espaço de independência.
Reconhecer a importância da resistência significa admitir 
a persistente recusa dos atores sociais a se submeterem a ca-
tegorias sociológicas, e em particular, à sua habilidade para 
construir fronteiras aparentemente rígidas que eles, então, 
dispõem-se a desfazer sem pensar duas vezes. Do punk que re-
futa ser categorizado como um “fenômeno social” ao jovem 
de banlieue46 que rejeita o rótulo de “imigrante”, ou ao líder 
de minorias comunitárias que constantemente erige barreiras 
retóricas, este contínuo processo de derrubar e construir fron-
teiras não pode ser ignorado ou simplesmente rejeitado.
43. Highmore, Ben. Op. cit.
44. Bell hooks. Yaerning: race, gender and cultural politics. Boston: South End Press, 
1991.
45. De Certeau, Michel. L’invention du quotidien. I Arts de faire. Paris: Gallimard, 
1990.
46. Na França, expressão que designa subúrbios de grandes cidades.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
37
Reflexividade contemporânea e pesquisa
Entre outros aspectos, as relações sociais da atualidade têm se organizado 
desde um fluxo intensivo de informações, frequentes interações com perten-
ças múltiplas e a “dissolução” de alguns pontos de referência modernos, 
influenciando nossas possibilidades reflexivas. Sua pesquisa destaca certa 
apropriação prática da “diferença”, que pode ser observada como um re-
curso situado e concernente às ações dos sujeitos. Neste sentido, a noção de 
reflexividade (ou autorreflexividade) teria alguma relevância para compre-
endermos as relações sociais contemporâneas?
O sentido e a interpretação produzidos, quando efetivos, 
tornam-se parte do mundo, constituem a realidade e orientam 
percepções, atitudes e ações. Em minha opinião, a reflexivida-
de se refere, principalmente, ao processo recursivo de incorpo-
rar significado socialmente construído na facticidade do real.
Nesta perspectiva, a reflexividade não equivale à “intros-
pecção” ou “autoconsciência”. Não é uma característica racio-
nal individual: ela deve ser contemplada como uma conquista 
social e relacional, um efeito da capacidade compartilhada 
para produzir significados sociais. Enfatizar a importância da 
reflexividade, então, significa concentrar-se nos processos so-
ciais de construção da realidade em que vivemos, e não no 
autoconhecimento. Em vez de destacar a racionalidade indi-
vidual e a autoconsciência, sugere qualificar nossa capacidade 
para reconhecer a produção compartilhada da realidade so-
cial: uma produção que se tornou crucial e inevitável em uma 
sociedade globalizada e informacional.
A reflexividade sinaliza para a natureza construída da re-
alidade social, provoca-nos a ter em conta a responsabilidade 
decorrente da nossa capacidade/necessidade de escolher, de 
tomar uma posição frente ao mundo. É uma resultante espe-
cífica de um mundo globalizado e informacional. Nossas ex-
periências de múltiplas pertenças, a necessidade recorrente de 
Leandro R. Pinheiro (Org.)
38
mudar os códigos a cada vez que nos deslocamos de um con-
texto a outro e a obrigação de escolher entre diferentes opções 
(e, junto, vivenciar as renúncias que as escolhas implicam), 
revelam que as condições para a ação humana são definidas 
principalmente por elas próprias, e menos determinadas por 
fatores externos e extra sociais imutáveis. Ela convida a olhar 
para uma imanente (não transcendente) compreensão da ação 
social e da realidade social.
Assim, a reflexividade não pode ser reduzida a um apelo 
para mais racionalidade individual. Se assim for, a reflexivida-
de continuaria a ser um instrumento muito frágil para a com-
preensão da realidade social. Como uma ferramenta crítica 
erige-se ao questionar a natureza e as bases de poder, e somen-
te um ator “marginal” pode apresentar este tipo perguntas. 
É raro que as pessoas dispostas em posição dominante sejam 
capazes de desconstruir criticamente e francamente a base e a 
origem da sua posição privilegiada. A ativação do processo de 
reflexividade social requer a capacidade de colocar a questão 
indesejada, problematizar o estabelecido e contestar a legiti-
midade do estado atual do mundo. Esta capacidade só pode 
ser ativada de fora da posição dominante; precisa de um “dis-
sidente”, alguém que contraria as categorizações hegemônicas 
e as fronteiras existentes.
A capacidade de fazer as perguntas indesejadas, a interro-
gação “irritante” que discute o naturalizado das categorias e 
hierarquias existentes não é prerrogativa apenas do indivíduo. 
Sempre exige um sujeito que aceita a responsabilidade de di-
zer o que os outros preferem não ouvir, mas esta voz continua-
ria a ser uma “voz no deserto” sem as condições sociais neces-
sárias para que seja escutado, discutido e para que se torne um 
discurso alternativo crível e legítimo. A reflexividade precisa 
tanto de um sujeito criativo, profético e iconoclasta quando de 
um contexto adequado, capaz de propiciar os processos sociais 
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
39
que permitem à construção individual e local se tornar uma 
realidadesocial compartilhada.
A reflexividade é o resultado da pluralidade de opções e a 
“dissolução” de pontos fortes de referência; apenas a pluralida-
de pode realmente apoiá-la e transformá-la em um dispositivo 
crítico para a compreensão da realidade social atual. Este tipo 
de reflexividade requer condições públicas para que seja total-
mente ativada; é o resultado do questionamento público do po-
der desencadeado pelo “marginal”. Em uma realidade em que 
os sentidos construídos socialmente se tornam cada vez mais 
relevantes na definição do que é “real”, ser capaz de assegurar 
um espaço para o dissidente é, de certa forma, uma garantia 
para se evitar a interposição de uma construção parcial espe-
cífica como a única realidade possível. Se reconhecermos que 
a nossa capacidade/necessidade de construir a realidade social 
é sempre parcial, interessada e com base em alguma forma de 
exclusão, então deixar espaço para a crítica das construções he-
gemônicas constitui uma garantia comum contra a reificação 
das – sempre desiguais e injustas – relações de poder existentes. 
Uma sociedade engajada em garantir espaços institucionais 
para questionar a realidade existente define as bases para o de-
senvolvimento de uma reflexividade pública que tem inclusão 
e universalismo como seus – inatingíveis, mas valiosos – objeti-
vos. Promove a consciência de que o mundo em que vivemos é 
o resultado de relações e disputas sociais que produzem privi-
légios e exclusões; que a total igualdade é improvável, mas que 
as desigualdades atuais são sempre o resultado da ação social 
e exigem o reconhecimento da responsabilidade por parte dos 
que estão em uma posição privilegiada.
Este tipo de reflexividade social é também a base para uma 
compreensão coerente e informada das relações sociais con-
temporâneas. Tomemos o exemplo de sociedades multicultu-
rais. Normalmente, o multiculturalismo refere-se a situações 
em que as pessoas com hábitos, costumes, tradições, línguas e/
Leandro R. Pinheiro (Org.)
40
ou religiões “diferentes” vivem lado a lado no mesmo espaço 
social, estando dispostos a manter os aspectos relevantes da sua 
própria diferença e a conquistar para esta o reconhecimento 
público. Quando assumimos uma perspectiva construcionista e 
reflexiva, podemos colocar a “diferença” sob investigação, em 
vez de tomá-la como um fato que determina identidades, ideias 
e ações. Uma postura reflexiva ajuda a olhar para a diferen-
ça como um trabalho constante e situado de produção, fuga e 
apagamento de distinções, como uma espécie de trabalho de 
fronteira contínuo e conflituoso. Um instrumento político ca-
racterizado pela ambivalência e que, portanto, deve ser julgado 
não no termo abstrato de uma suposta “diferença” existente 
– como uma grande parte da discussão normativa sobre o mul-
ticulturalismo tem feito nas últimas décadas –, mas nas condi-
ções empíricas de sua utilização. A reflexividade pode ajudar 
a analisar a diferença como um produto social, questionando 
o seu fundamento supostamente “natural” ou “extrassocial”; 
pode evitar que a diferença seja usada como uma “explicação” 
das relações sociais, transformando-a em algo que precisa ser 
explicado e criticado, compreendendo a forma como é cons-
truída socialmente e como se torna um forte ponto de referên-
cia para avaliar situações e orientar relacionamentos e ações.
Dando espaço para vozes diferentes, orientando-se aos 
processos em que a “diferença” se torna uma ferramenta plau-
sível e útil e concentrando-se em situações cotidianas (e seu 
conjunto específico de restrições e recursos), a reflexividade 
pode ajudar a tornar explícito o tecido das sociedades infor-
macionais globalizadas contemporâneas, cada vez mais cons-
tituídas por produtos de relações e representações (em vez de 
leis da natureza ou requisitos extra sociais).
A inclusão contínua dos produtos da ação social como ele-
mentos da realidade social e a capacidade de ter em conta 
os efeitos do que é produzido em ações futuras – o que eu 
defini, aqui, como reflexividade social – pode ser decisivo. Se 
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
41
nós somos os construtores da nossa realidade, agir e escolher 
se torna uma necessidade. A consciência dos possíveis efeitos 
da nossa ação e de nosso papel na formação do nosso próprio 
futuro destaca a importância de nossas escolhas, bem como a 
sua inevitabilidade. Melucci chama a atenção para o que ele 
define como “o paradoxo da escolha”: 
a ampliação de nossas chances de vida, portanto do espa-
ço de autonomia individual que se expressa nas escolhas 
– sempre associada à ideia de vontade e de liberdade – 
implica também a inevitável necessidade de escolher. Até 
mesmo a não-escolha nos é apresentada como escolha, 
porque significa a renúncia a alguma oportunidade [...] 
O paradoxo da escolha cria, dessa maneira, um novo tipo 
de pressão psicológica e nos sujeita a novos problemas. 
Escolher entre tantas possibilidades é uma tarefa difícil, 
e o que fica de fora é sempre maior do que o escolhi-
do. Não podemos evitar o sentimento de perda, e muitas 
formas de sofrimento psicológico contemporâneo podem 
decorrer daí.47
A conscientização individual sobre a importância da refle-
xividade social pode gerar desconforto, bloqueando qualquer 
capacidade de ação diante da possibilidade de estar errado, 
ou levar os indivíduos a um hiperativismo cuja espiral sem 
fim pode esgota-los eventualmente. Contudo, penso que, em 
nossa situação histórica não podemos deixar de promover a 
reflexividade social. A atual capacidade social para produzir 
as condições para a existência humana impõe atenção coletiva 
constante para os processos de construção social da realida-
de, a fim de trazer para o primeiro plano as responsabilidades 
pelos efeitos das construções que vamos gestar. Como Stuart 
Hall observa, reconhecer que nossas categorias são construí-
47. Melucci, Alberto. Identity and difference in a globalized world. In: Werbner, Pni-
na; Modood, Tariq (eds). Debating cultural hybridity. London: Zed Books, 1997, p. 63.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
42
das socialmente inibe que estas realizem a função que lhes é 
demandada geralmente – fornecendo a verdade e estabelecen-
do esta verdade para além das sombras da dúvida. Ficamos 
sem garantias acerca do que fazemos. Isso pode ser difícil de 
enfrentar, mas reconhecê-lo publicamente pode ser um modo 
de contrariar um poder que promete garantias e certezas à 
custa de que ignoremos sua parcialidade e sua produção ine-
vitável de privilégios e exclusões. Eu só posso concordar com 
Hall quando diz: 
de fato, eu acredito que precisaríamos começar de novo 
sem esse tipo de garantia, começar de novo em outro 
espaço, começar de novo a partir um conjunto diferente 
de pressupostos para tentar nos perguntar o que deve 
existir, na identificação humana, na prática humana, 
na construção de alianças humanas, que sem qualquer 
garantia, sem as certezas da religião ou da ciência ou 
da antropologia ou da genética ou da biologia ou da 
aparência diante os olhos, que sem quaisquer garantias 
enfim, poderia nos conduzir a discursos e práticas huma-
nos eticamente responsáveis48.
Pesquisa, escrita e narrativa
No livro ‘Por uma sociologia reflexiva’, organizado por Alberto Meluc-
ci, no capítulo ‘Descrever o social’, você nos apresenta uma discussão 
interessante sobre estilos narrativos da escrita (elaboração) científica. 
Poderia explorar um pouco mais estas ideias e, solicitando-lhe um pouco 
mais, derivar sua apreciação para a apropriação de narrativas como 
recurso metodológico? A produção de narrativas poderia configurar uma 
mediação reflexiva visando contribuições políticas e educativas durante 
os diálogos de pesquisa?
48. Hall, Stuart. ‘Race, the floating signifier’. Media Education Foundation, p. 
17. In: <https://www.mediaed.org/assets/products/407/transcript_407.pdf>. 
1997.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
43
Antes dequalquer coisa, penso que é importante questio-
nar a visão de que método é um conjunto de técnicas pré-
-determinadas e neutras, que podem ser aplicadas a diversos 
objetos sem alterar fundamentalmente a maneira pela qual 
elas são construídas e compreendidas. Método é tanto algo 
sobre o agir no mundo como é sobre conhecê-lo.
Em minha opinião, o método sociológico é uma manei-
ra específica de narrar a experiência social, nem melhor nem 
pior do que a filosófica, a política, a religiosa, a biológica, a de 
senso comum ou qualquer outro tipo de método possível. To-
davia, permanece particular e tem sua própria lógica. Destina-
-se a promover o que Wright Mills chamou de “imaginação 
sociológica”, isto é, o conceber da integração da experiência 
pessoal ao horizonte mais amplo dos processos sócio históri-
cos. Enquanto outros tipos de métodos – políticos, filosóficos e 
religiosos – podem ser orientados por preocupações normati-
vas e seus interesses ao narrar a realidade social podem repre-
sentar certo “dever” de organizar, julgar ou mudar o mundo, o 
método sociológico, na minha opinião, objetiva produzir uma 
representação plural, complexa e crítica do real. Interessadas 
em assinalar os processos de construção da realidade social, as 
narrativas sociológicas visam apresentar a variedade de inter-
pretações possíveis do real, a diversidade de vozes, interesses, 
expectativas e vontades das diferentes pessoas quando dialo-
gam e/ou disputam os sentidos de suas experiências sociais.
Colocar em cena questões sobre o método no âmbito so-
ciológico envolve “suspender” – recordando uma categoria fe-
nomenológica – o conjunto de práticas disciplinares que apre-
sentam os objetos do conhecimento como já dados, e investigar 
os processos desde os quais tais objetos são constituídos.
Entretanto, salientar a importância do processo de constru-
ção da realidade não significa incidir apenas sobre o método 
ou questões metodológicas. Destaca-se, aí, o caráter “político” 
Leandro R. Pinheiro (Org.)
44
de qualquer construção e conecta-se política e epistemologia, 
porque conhecer e regular-controlar são parte de um mesmo 
processo, como Foucault49 (1980) nos sinalizou com o conceito 
de saber-poder.
Coerente com esse cenário, a reflexividade não é apenas 
um adorno que se pode adicionar aos textos sociológicos. Eu 
diria que ela representa uma das “marcas” da escrita socio-
lógica: a produção de discursos que se abrem para outros 
discursos, que têm como objetivo destacar complexidade ao 
longo da síntese, que aspiram expandir vozes, perspectivas e 
interpretações.
Sociólogos produzem uma narração específica do ‘social’. 
Eles produzem narrações de narrações, que visam produzir 
outras narrações. Um texto sociológico reflexivo é baseado 
principalmente em uma triangulação entre as narrações que 
os sujeitos estavam a construir em/sobre suas práticas, a nar-
ração que o sociólogo produz em sua pesquisa então, e as nar-
rações que os leitores produzem ao conhecer as “narrações 
de narrações” nos textos sociológicos. Todas estas produções 
estão inter-relacionadas, embora elas mantenham certos graus 
de autonomia. A reflexividade se refere ao diálogo dinâmico 
entre estas diferentes narrações; como Bakhtin50 observa, o co-
nhecimento social decorre mais da capacidade para suportar e 
promover o diálogo entre diferentes vozes do que da apresen-
tação de uma verdade exata, última e única.
Então, narrativas reflexivas sociológicas objetivam conec-
tar diferentes narrações e diferentes vozes, sem impor a visão 
do autor sobre outros pontos de vista, sem alegar uma suposta 
“prioridade” da interpretação do autor, mas sem renunciar à 
proposição de uma versão própria. Isso implica reconhecer a 
49. Foucault, Michel. Power/Knowledge: selected interviews and other writings, 
1972-1977. New York: Pantheon Books, 1980.
50. Bakhtin, Mikhail. The dialogic imagination: four essays. Austin: University 
of Texas Press, 1981.
Itinerários Versados: questões, sintonias e narrativas do cotidiano
45
autonomia relativa das várias narrações e as diversas posições 
de poder dos diferentes indivíduos que narram.
Alguns pontos importantes advêm dessa perspectiva. Pri-
meiramente, as narrações sociológicas estão interessadas em 
ampliar o vocabulário para descrever as formas desde as quais 
seres humanos constroem sentidos para suas experiências. 
Isto significa levar a sério os sujeitos de diálogo, deixando que 
eles falem por si e evitando “falar em seu nome” (silencian-
do aqueles a quem fingimos dar voz). Em segundo lugar, esta 
prática implica o reconhecimento de assimetrias de poder. As 
narrativas sobre nossos temas de estudo são sempre o resul-
tado de um diálogo – às vezes, uma interrogação – gerado 
desde propósitos específicos. Propósitos estes que, mesmo se 
inspirados por empatia sincera e pela vontade de promover os 
mais vulnerabilizados, são questões do pesquisador sobretudo. 
A investigação é uma arena social construída e o pesquisador 
está em uma posição de poder que lhe é favorável, podendo 
definir o sistema que orienta percepções, pensamentos e ações 
viáveis no contexto da pesquisa. Em terceiro lugar, reconhecer 
tal posição privilegiada não implica deixar de lado a ambição 
do pesquisador de produzir uma interpretação substantiva, in-
formada e valiosa da realidade. Um dos objetivos de qualquer 
texto sociológico é ser considerado relevante e gerar discus-
são, constituir uma forma efetiva para compreender e falar 
sobre determinada realidade social. E, finalmente, narrações 
sociológicas reflexivas almejam promover o diálogo. Ao invés 
de buscar ter a última palavra, procuram iniciar um novo 
debate em que a interpretação proposta é considerada como 
uma narrativa plausível da realidade social, tornando-se, as-
sim, parte da realidade social compartilhada. Para dar alguns 
exemplos de narrativas sociológicas reflexivas, cito etnografias 
como Contesting culture, de Gerd Baumann51, In search of respect, 
51. Baumann, Gerd. Contesting culture. Cambridge: Cambridge University Press, 
1996.
Leandro R. Pinheiro (Org.)
46
de Philippe Bougois52, Sidewalk, de Mitchell Duneier53 ou, o 
mais recente, Illegality, Inc., de Ruben Andersson54. Em geral, 
aprecio trabalhos de pesquisa qualitativa que relatem extensi-
vamente a realidade a partir do material coletado em campo, 
permitindo que os sujeitos envolvidos falem diretamente, sem 
com isso abrir mão das interpretações do autor, e, ao mesmo 
tempo, estimulando os leitores a encontrar a sua própria inter-
pretação através das diferentes vozes apresentadas.
O ímpeto para produzir narrativas reflexivas está historica-
mente ligado ao desenvolvimento da academia como uma co-
munidade treinada para o debate filosófico e a controvérsia sob 
a proteção do poder e, logo, sem exposição às demandas ur-
gentes, duras e arbitrárias vivenciadas e interpostas por outras 
comunidades (comerciais, religiosas ou políticas). Ela decorre 
de uma posição privilegiada, que permite aos pesquisadores 
abstraírem-se das urgências e restrições do envolvimento direto 
no resultado das ações para se concentrarem em como as ações 
são conduzidas. No entanto, qualquer pesquisa, como “narra-
tiva de experiências”, é também uma oportunidade aos sujei-
tos envolvidos para criar um espaço de reflexão junto ao fluxo 
das ações. Quando convidados a produzir narrativas reflexivas, 
os sujeitos são convocados a se distanciarem de suas próprias 
experiências, para se tornarem etnógrafos de si mesmos, para 
iniciarem um diálogo consigo desde/entre as posições de ator 
e narrador de suas próprias ações. Este é um importante ponto 
de partida para produzir informações sobre o “social” e um 
espaço potencial de resistência e empoderamento.
Promover uma narração reflexiva, uma narração aberta à 
multiplicidade de vozes, aberta a desenvolvimentos inespera-
52. Bourgois, Philippe. In search of respect. Selling crack in el barrio. Cambridge: 
Cambridge University Press, 1996.
53. Duneier,

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