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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTIITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO FLÁVIA D’ALBERGARIA FREITAS DESAFIOS DA INCORPORAÇÃO DE NEGÓCIOS SOCIAIS A ONGS: O caso CDI RIO DE JANEIRO 2012 ii iii FLAVIA D’ALBERGARIA FREITAS DESAFIOS DA INCORPORAÇÃO DE NEGÓCIOS SOCIAIS A ONGS: O caso CDI Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Denise Lima Fleck Rio de Janeiro 2012 iv F862d Freitas, Flávia d´Albergaria Desafios da Incorporação de Negócio Sociais a ONGs: O caso CDI / Flávia d´Albergaria Freitas . – Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. 208 f.: il.; 31 cm. Orientador: Denise Lima Fleck Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, 2012. 1. Organização. 2. Crescimento da Firma. 3. Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. CDD: 658.4 v FLAVIA D’ALBERGARIA FREITAS DESAFIOS DA INCORPORAÇÃO DE NEGÓCIOS SOCIAIS A ONGS: Caso CDI Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.). Aprovada em: _______________________________________________________ Profa. Denise Lima Fleck, Ph. D. - Orientadora (COPPEAD/UFRJ) _______________________________________________________ Profa. Maribel Carvalho Suarez, D.Sc (COPPEAD/UFRJ) _______________________________________________________ Profa. Tania Nunes da Silva, D. Sc (UFRGS) vi vii Para Rubens, Guilherme e Arthur viii ix AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar ao meu marido, Rubens, que sempre me incentivou e tornou o sonho de fazer o Mestrado possível, e aos meus filhos, Guilherme e Arthur, por serem minha inspiração diária. Sem vocês três nada disso faria sentido. Agradeço aos meus pais, Victoria e Carlos Fernando, por terem sempre me ensinado o valor dos estudos e da educação, por todo amor incondicional e exemplos de vida. Às demais pessoas da minha família que sempre me deram carinho e apoio, em especial minhas duas avós Eunice e Stella, que sempre me atribuíram qualidades maiores dos que as que realmente tenho, e aos meus irmãos Alexandre e Eduardo pela amizade e cumplicidade. Aos professores do COPPEAD por todo o conhecimento adquirido durante essa jornada, pelos exemplos que se tornaram para mim, pela inspiração na busca pelo conhecimento e pela excelência. Algumas aulas ficarão guardadas na minha memória para sempre. Meu carinho especial pelos professores Celso Lemme, Denise Fleck, Otavio Figueredo e Victor Almeida, cujas aulas serão eternas fontes de inspiração para mim. Meu agradecimento reforçado à professora Denise, agora como minha orientadora. Obrigada pelas perguntas que não deixavam me acomodar com as primeiras impressões, me fazendo refletir em busca do conhecimento mais apurado. Agradeço também as professoras Maribel Suarez e Tania Silva por terem aceitado participar da banca dessa dissertação e pelas valiosas contribuições. Ainda à professora Maribel Suarez, agradeço por ter compartilhado comigo valioso material que tinha sobre o CDI. À todos os funcionários do COPPEAD, em especial ao pessoal da secretaria acadêmica do Mestrado que nos auxiliam sempre com carinho e atenção. O trabalho valioso de vocês permite aos alunos focar nos estudos. À todos os meus colegas da turma 2010, em especial aos meus companheiros de Seminário de Pesquisa: Laura, Monique Stony, Camila Caldeira, Raphael, Gustavo Sarkovas e Rodrigo. Nesses dois anos trocamos experiências, incentivos e, como gostamos de dizer, formamos uma família. Com certeza cada um de vocês contribuiu para essa dissertação. Meu carinho e agradecimento especial também a Beatriz, a Monique Perin, a Izabelle e João, nosso Grupo 7 foi a melhor forma de iniciar o mestrado. À todos os meus amigos que souberam entender as minhas ausências por conta das noites e fins de semana de estudos, e que muitas vezes trouxeram palavras de carinho nas horas certas. E por fim, agradeço em especial a toda a equipe do CDI que me recebeu e permitiu que esse estudo pudesse ser melhor desenvolvido. x xi RESUMO Freitas, Flavia d’Albergaria Freitas. Desafios de continuidade da existência das Organizações do terceiro Setor: o caso CDI. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. As organizações do Terceiro setor no Brasil vêm enfrentando nos últimos anos mudanças no ambiente que afetam principalmente a sua capacidade de captação de recursos. Com o desenvolvimento econômico brasileiro, as agencias de fomento diminuíram o nível de investimento no país. Além disso, com o desenvolvimento da responsabilidade social corporativa, muitas empresas vêm reduzindo os investimentos em filantropia para investirem em seus próprios programas sócio ambientais. Essas mudanças afetam a disponibilidade e o perfil das verbas captadas pelas organizações não governamentais (ONGs). Para enfrentar essa mudança de contexto, algumas dessas ONGs vêm adotando práticas comerciais como forma de diminuir a sua dependência em relação à filantropia. Essas organizações estão sendo chamadas de Negócios Sociais. Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi responder a seguinte pergunta de pesquisa: “Quais são os desafios de continuidade enfrentados pelas organizações do terceiro setor ao se diversificarem, incorporando Negócios Sociais, como forma de captação de recursos?” Por ter um caráter exploratório, o método de pesquisa escolhido foi de estudo de caso. Foi estudado o CDI (Comitê de Democratização da Informática), uma ONG Brasileira com atuação no país e em 12 países, e que, desde de 2009, está diversificando seu portfólio de atividades desenvolvendo negócios sociais. Para atingir o objetivo de pesquisa, foram usados os referenciais teóricos do terceiro setor e de negócios sociais para analisar as diferentes fases da organização e a teoria de crescimento da firma para analisar se a adoção de tais práticas comerciais e a diversificação do portfólio de negócios estão levando a organização a uma longevidade saudável ou a está direcionando a uma trilha de fracasso. Após análise do caso, foram identificadas evidências de que a organização vem respondendo de forma saudável ao desafio do crescimento contínuo, mas vem respondendo de forma fragmentada aos desafios da existência continuada. O quadro análise resultado desse estudo pode contribuir para a reflexão dos gestores desse tipo de organização, para que eles enfrentem de forma saudável aos desafios da incorporação de Negócios Sociais no seu portfólio. Palavras chaves: Terceiro Setor, ONGs, Negócios Sociais, Crescimento Organizacional, CDI. xii xiii ABSTRACT Freitas, Flavia d’Albergaria Freitas. Desafios de Continuidade da existência das Organizações do terceiroSetor: o caso CDI. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Third Sector Organizations in Brazil have been facing, in recent years, environmental changes that primarily affect its ability to raise funds. With the Brazilian economic development, bilateral agencies decreased the level of investment in the country. Moreover, with the development of the Corporate Social Responsibility, many companies have been reducing their investment in philanthropy in order to invest in their own social-environmental programs. These changes affected the availability and profile of the funds raised by Non- Governmental Organizations (NGO). In order to address this context change, some of these NGOs are adopting commercial practices as a way to reduce its dependence on philanthropy. These organizations are been called Social Enterprises. In this context, the aim of this study was to answer the following research question: “Which are the challenges of continuity faced by third sector organizations when they diversify, incorporating Social Enterprise, as a way of fundraising?” As it is an exploratory study, the research method chosen was case study. The organization studied was CDI (Committee for Digital Inclusion), a Brazilian NGO with operations in 12 countries, that since 2009 is diversifying its portfolio developing Social Enterprises. To achieve the research goal, it was used third sector and Social Enterprise theories to analyze the different stages of the organization; and the growth theory to analyze whether the adoption of such commercial practices and the portfolio diversification are driving the organization to a health longevity or to a failure. After analyzing the case, it was identified evidences that the organization is responding in a health way to the continuing growth challenges, but it was responding in a fragmented way to the continued existence challenges. Therefore, the analysis framework resulted from this study may contribute to the reflection of this king of organization’s managers, helping then to face in a health way the challenges of including Social Enterprises into their portfolio. Keywords: Third Sector, NGO’s, Social Enterprise, Organizational Growth, CDI. xiv xv LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Figura 1-1 Building Blocks da Pesquisa Acadêmica ................................................................. 6 Figura 1-2 Representação do Estudo .......................................................................................... 8 Figura 2-1 Ciclo vicioso das Organizações do Terceiro Setor ............................................... 19 Figura 2-2 Classificação dos tipos de organização segundo seus propósitos .......................... 26 Figura 2-3 Processo Estratégico em seis estágios .................................................................... 35 Figura 2-4 Desenvolvimento de Negócio cíclico .................................................................... 38 Figura 2-5 Modelo dos Requisitos para o desenvolvimento da Propensão a autoperpetuação organizacional ........................................................................................................................... 41 Figura 2-6 Configurações da Estrutura Organizacional .......................................................... 52 Figura 3-1 Representação da organização do estudo................................................................ 61 Figura 3-2 Tipo básicos de Design para estudo de casos ....................................................... 63 Figura 3-3 Estrutura do CDI com o número de entrevistados por área .................................... 69 Figura 3-4 Quadro de Dados e Fatos utilizado para análise dos dados ................................... 72 Figura 4-1 Slide de apresentação Institucional do CDI ........................................................... 87 Figura 4-2 Atuação CDI .......................................................................................................... 88 Figura 4-3 Estrutura Operacional do CDI ............................................................................... 88 Figura 4-4 Metodologia dos 5 passos ...................................................................................... 99 Figura 5-1 Cadeia de Valor do CDI no estágio 1 ................................................................... 112 Figura 5-2 Stakeholders do CDI no estágio 1 ........................................................................ 112 Figura 5-3 Cadeia de Valor do CDI no estágio 2 ................................................................... 114 Figura 5-4 Stakeholders do CDI no estágio 2 ........................................................................ 115 Figura 5-5 Cadeia de Valor do CDI atualmente .................................................................... 117 Figura 5-6 Stakeholders do CDI no estágio 3 ........................................................................ 118 Figura 5-7 Análise da Periodização ........................................................................................ 118 Figura 5-8 Criação de valor no Estágio 1 .............................................................................. 145 Figura 5-9 Criação de Valor no Estágio 2 ............................................................................. 152 Figura 5-10 Criação de Valor no Estágio 3 ........................................................................... 163 Figura 5-11 Captura de Valor no Estágio 1 ........................................................................... 170 Figura 5-12 Captura de valor no Estágio 2 ............................................................................. 175 Figura 5-13 Captura de valor no estágio 3 ............................................................................. 185 Figura 5-14 Respostas do CDI aos desafios do Crescimento. ................................................ 231 QUADROS Quadro 2-1 Agentes e Fins Públicos e privados ...................................................................... 11 Quadro 2-2 O espectro dos Negócios Sociais .......................................................................... 26 Quadro 2-3 Síntese dos critérios usados para definição de Negócios Sociais.......................... 33 Quadro 2-4 Quadro Análise ...................................................................................................... 59 Quadro 5-1 Resultado da Dimensão Propósito Social ........................................................... 124 Quadro 5-2 Resultado da Análise da Estratégia Financeira ................................................... 127 Quadro 5-3 Resultado da Análise do Retorno sobre investimentos ....................................... 128 Quadro 5-4 Resultado da Análise do Meio Ambiente ............................................................ 130 Quadro 5-5 Resultado da Análise de Recursos Humanos ...................................................... 132 xvi Quadro 5-6 Resultado da Análise do Ambiente Organizacional ........................................... 137 Quadro 5-7 Resultado da Análise da Governança ................................................................. 140 Quadro 5-8 Analise do CDI em relação aos critérios das definições de Negócios Sociais ... 140 Quadro 5-9 Respostas do CDI ao Desafio do Empreendedorismo ........................................ 165 Quadro 5-10 Revisão quadro de análise – Empreendedorismo ............................................. 166 Quadro 5-11 Respostas do CDI ao Desafio da Navegação .................................................... 188 Quadro 5-12 Revisão quadro de análise - Navegação ...........................................................189 Quadro 5-13 Respostas do CDI ao desafio da Diversidade ................................................... 202 Quadro 5-14 Revisão Quadro de análise - Diversidade ......................................................... 203 Quadro 5-15 Comparação do Corpo Gerencial do CDI (2010 e 2012) ................................ 213 Quadro 5-16 Respostas do CDI ao Desafio do Provisionamento de RH ............................... 216 Quadro 5-17 Revisão do Quadro de Análise - Provisionamento de Recursos Humanos ...... 218 Quadro 5-18 Respostas do CDI ao desafio da Complexidade ............................................... 224 Quadro 5-19 Revisão do quadro de análise para o Desafio da Complexidade ...................... 224 Quadro 5-20 Respostas do CDI ao desafio da Folga Organizacional .................................... 229 Quadro 5-21 Revisão do Quadro de análise - Folga .............................................................. 230 Quadro 5-22 Quadro Análise Revisado ................................................................................. 233 Quadro 0-1 Organizações de fomento ao Empreendedorismo Social ................................. 277 GRÁFICOS Gráfico 2-1 Percentual de ONGs por faixa de Orçamento ..................................................... 15 Gráfico 3-1 Evidências por dimensão da pergunta 1 ............................................................... 73 Gráfico 3-2 Evidências por dimensão da pergunta 2 ............................................................... 73 Gráfico 4-1 Alunos Formados .................................................................................................. 90 Gráfico 4-2 Número de CDIs Comunidade ao longo do tempo .............................................. 94 Gráfico 4-3 Recursos Recebidos .............................................................................................. 97 Gráfico 4-4 Recursos Recebidos por projeto ........................................................................... 98 Gráfico 5-1 Variação do número de CDIs Comunidades no Brasil ....................................... 154 xvii LISTA DE TABELAS Tabela 2-1 Participação das fontes de financiamento no orçamento das organizações (%) .... 16 Tabela 2-2 Dimensões da Sustentabilidade de Organizações do terceiro setor ....................... 22 Tabela 2-3– Realidade Brasileira dos Negócios Sociais .......................................................... 34 Tabela 2-4 Dimensões da Gestão de Negócios Sociais ............................................................ 39 Tabela 2-5 Os 5 desafios do Crescimento ................................................................................ 45 Tabela 2-6 Dimensões do Desafio do Empreendedorismo ...................................................... 48 Tabela 2-7 Respostas estratégicas para processos institucionais.............................................. 49 Tabela 2-8 Dimensões do Desafio da Navegação .................................................................... 50 Tabela 2-9 Criação e destruição de valor entre empresas Parentais ......................................... 53 Tabela 2-10 Dimensões do Desafio da Diversidade ................................................................. 54 Tabela 2-11 Dimensões do Desafio do Provisionamento de RH ............................................. 55 Tabela 2-12 Dimensões do Desafio da Complexidade ............................................................. 56 Tabela 3-1 Táticas do estudo de caso para os quatro testes...................................................... 64 Tabela 3-2 Lista dos entrevistados ........................................................................................... 67 xviii xix LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC – Agência Brasileira de Cooperação ABONG – Associação Brasileira de Organizações não-Governamentais BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento BBS - Bulletin Board System CAMPO - Centro de Apoio a Movimentos Populares CDI – Comitê de Democratização da Informática CEMPRE – Cadastro Central de Empresas CIC – Community Interest Company CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CSR - Corporate Social Responsibility DTI - Department of Trade and Industry EIC – Escola de Informática e Cidadania EMES - European Research Network IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IR – Imposto de Renda NIED – Núcleo de Informática Aplicada a Educação OAB – Ordem dos Advogados do Brasil xx OECD - Organization for Economic Co-operation and Development ONG – Organizações não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas PIPAR – Pagadoria de Inativos e Pensionistas da Aeronáutica RH – Recursos Humanos SIG – Sistema de Informações Gerenciais SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SIG – Sistema de Informações Gerenciais SPC – Serviço de Proteção ao Crédito UNCED – United Nations Conference on Environment and Development UPP – Unidade de Polícia Pacificadora USAID - United States Agency for International Development xxi SUMÁRIO 1 Introdução ............................................................................................................................ 1 1.1 Apresentação dos building blocks do estudo ........................................................... 6 2 Referencial teórico............................................................................................................... 9 2.1 Terceiro Setor .......................................................................................................... 9 2.1.1 Conceituação de Terceiro Setor .................................................................. 9 2.1.2 Perfil das ONGs no Brasil ......................................................................... 14 2.1.3 Histórico das ONGS no Brasil .................................................................. 17 2.1.4 Gestão de Organizações do Terceiro Setor ............................................... 19 2.2 Negócios Sociais .................................................................................................... 22 2.2.1 Introdução a Negócios Sociais .................................................................. 22 2.2.2 Definições de Negócios Sociais ................................................................ 28 2.2.3 Contexto Brasileiro ................................................................................... 33 2.2.4 Gestão de Negócios Sociais ...................................................................... 35 2.3 Teoria de Crescimento das Organizações .............................................................. 40 2.3.1 Empreendedorismo ................................................................................... 45 2.3.2 Navegação no ambiente dinâmico ............................................................ 48 2.3.3 Gerenciamento da diversidade .................................................................. 50 2.3.4 Provisionamento dos Recursos Humanos ................................................. 54 2.3.5 Gerenciamento da Complexidade ............................................................. 55 2.3.6 Folga organizacional ................................................................................. 57 2.4 Quadro de Análise ................................................................................................. 57 3 Método de pesquisa ........................................................................................................... 60 3.1 Pergunta de Pesquisa ............................................................................................. 60 3.2 Caso Estudado....................................................................................................... 61 3.3 Tipo de Pesquisa .................................................................................................... 62 3.4 Planejamento da Coleta de Dados ......................................................................... 63 3.5 Coleta de Dados ..................................................................................................... 66 3.6 Preparação e Análise dos dados ............................................................................. 71 4 Descrição ........................................................................................................................... 75 4.1 História do CDI...................................................................................................... 75 4.2 Portfólio de áreas de atuação ................................................................................. 86 4.2.1 CDI ONG .................................................................................................. 87 4.2.2 CDI Lan ................................................................................................... 101 4.2.3 Conexão .................................................................................................. 105 xxii 4.2.4 CDI Consulting ....................................................................................... 108 5 Análise ............................................................................................................................. 110 5.1 Características de Negócios Sociais na organização ........................................... 119 5.1.1 Propósito Social ...................................................................................... 119 5.1.2 Estratégia Financeira .............................................................................. 124 5.1.3 Retorno dos Investimentos ..................................................................... 128 5.1.4 Meio Ambiente ....................................................................................... 129 5.1.5 Recursos Humanos ................................................................................. 130 5.1.6 Ambiente Organizacional ....................................................................... 132 5.1.7 Governança ............................................................................................. 138 5.1.8 Resultado de Negócios Sociais na Organização ..................................... 140 5.2 Os desafios do Crescimento ................................................................................ 141 5.2.1 Empreendedorismo ................................................................................. 141 5.2.2 Navegação no Ambiente ......................................................................... 166 5.2.3 Gerenciamento da Diversidade ............................................................... 190 5.2.4 Provisionamento dos Recursos Humanos............................................... 203 5.2.5 Gerenciamento da Complexidade ........................................................... 218 5.2.6 Folga organizacional............................................................................... 225 5.2.7 Resultado da Análise dos desafios do Crescimento ............................... 230 6 Conclusão ......................................................................................................................... 234 6.1 Implicações gerenciais ........................................................................................ 239 6.2 Sugestões de pesquisas futuras ............................................................................ 239 6.3 Limitações do estudo ........................................................................................... 239 Referências .............................................................................................................................. 241 APÊNDICES ........................................................................................................................... 247 ANEXOS ................................................................................................................................ 270 1 1 INTRODUÇÃO Em 2008, o Banco Mundial (World Bank) publicou estimativas de que 1,4 bilhões de pessoas vivem com menos de U$ 1,25/dia, o que representa um quarto da população mundial, e uma redução de 26% em relação ao total de 1981. No entanto, ainda está abaixo da meta definida para 2015 pelo Millenium Development Goals de atingir a marca de somente 12,5% da população vivendo com menos do que U$ 1,25/dia. Ao longo dos anos, a sociedade civil vem buscando colaborar na melhora de resultados como esses. Vários esforços organizacionais sempre tiveram o papel de debaterem questões da sociedade civil. Ridley-Duff e Bull (2011) definem o terceiro setor como um grupo de organizações não estatais e não capitalistas que estão comprometidas em avançar um ou mais aspectos da sociedade civil. Assim, segundo os autores, o terceiro setor captura uma perspectiva que não motiva nem a busca por poder político usando o aparato do Estado, nem a busca pelo objetivo de acúmulo de capital através das transações do mercado, oferecendo produtos e serviços que não são providos por nenhum desses setores. Com isso, essas organizações operam em uma série de contextos: político, saúde, religioso, educação, cultura. Para conceituar Terceiro Setor faz-se necessário esclarecer que aqueles que utilizam este termo consideram o Estado como o Primeiro Setor e o Mercado como o Segundo (SILVA e AGUIAR, 2001). O terceiro setor agrega organizações como, Fundações, Associações, Institutos, Entidades que, utilizando recursos privados ou parcerias com o próprio Estado, atuam atendendo demandas sociais, as quais o Estado em crise de legitimidade e incapacidade de financiar não consegue atender (RIDLEY-DUFF e BULL, 2011). Ao mesmo tempo em que surgiam essas organizações no interior da sociedade civil, uma série de denominações passaram a ser dadas às mesmas - organizações voluntárias, organizações não-governamentais (ONG’s), organizações sem fins lucrativos, setor independente, terceiro setor (SILVA e AGUIAR, 2001). No Brasil, o crescimento das ONGs está relacionado ao aumento do volume de recursos internacionais alocados para esse tipo de instituição. Entre os anos 60 e 80, houve um crescimento de 68% na ajuda externa para o “Terceiro Mundo” (LANDIM, 1993). No entanto, até hoje, não há no direito brasileiro qualquer designação de ONG. Não há uma 2 espécie de sociedade chamada ONG no Brasil, mas um reconhecimento supralegal, de cunho cultural, político e sociológico que está em vigor mundo afora. O que há é um entendimento social do papel dessas organizações, sendo estas classificadas como associações civis, sem fins lucrativos, de direito privado e interesse público. (fonte: SEBRAE em 25/10/2011). Sendo entidades civis sem fins lucrativos, as ONGs, para efeitos de enquadramento legal, podem constituir-se quer como associações ou como fundações. A heterogeneidade de constituições legais dificulta o mapeamento, a quantificação e a qualificação de tais organizações, e com isso dificulta o estabelecimento de normas, incentivos e políticas para o setor (Relatório setorial BNDES). Além disso, essa heterogeneidade torna ainda mais complexa a generalização dos conceitos a respeito do Terceiro Setor. Ao longo dos anos de 1990, cresceram no País diversos tipos de arranjos entre Estado e organizações da sociedade na implementação e na co-gestão de políticas públicas, particularmente, as de caráter social. Assim, a avaliação e a qualificação desses arranjos requer, dentre outros subsídios para a análise, um melhor conhecimento do papel queos diversos atores não-governamentais vêm desempenhando no País. (fonte: SEBRAE em 25/10/2011) Segundo levantamento do IBGE, em 2005, no Brasil, haviam 338 mil Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos, o que representa 5,6% do total de 6 milhões de entidades públicas e privadas, lucrativas ou não, que compunham o CEMPRE (Cadastro Central de Empresas). Em 1996, o número de Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos era de 105 mil, ou seja, houve no período um crescimento de 222%. Esses dados mostram a importância e a relevância que esses tipos de entidade têm na economia e na sociedade brasileira (IBGE, 2005). Como apresentado anteriormente, o crescimento acentuado das ONGs no Brasil a partir dos anos 80 está intimamente ligado ao aporte de capital feito pelas Agências Internacionais de Cooperação. Outra fonte eram as doações das empresas privadas. No entanto, a partir da segunda metade da primeira década dos anos 2000, ocorreu uma mudança de contexto. Primeiro, com o aumento do nível de desenvolvimento econômico e social do Brasil, as agências deslocaram seu foco do Brasil para países mais pobres, em regiões da África e da Ásia. Além disso, com o aumento da responsabilidade social corporativa, as empresas diminuíram os níveis de doação, passando a investir em programas próprios de responsabilidade e em suas próprias fundações. Com isso, as ONGs tiveram suas fontes de 3 recursos comprometidas. Como forma de diminuir essa dependência de recursos, as ONGs Brasileiras passaram a buscar formas de se perpetuar (IBGE, 2005). Segundo Dees (1998), muitos líderes de organizações sem fins lucrativos buscaram na comercialização de bens e serviços formas alternativas de crescer. O autor enumera que os líderes estariam buscando essas oportunidades comerciais por uma série de razões. Primeiro, porque essa alternativa comercial é atualmente aceita e sugere que a disciplina de mercado pode exercer uma influência positiva no setor social. Segundo, porque seria uma forma de diminuir a dependência dos beneficiários, ajudando-os mais a caminhar com as próprias pernas do que ser assistencialista. Terceiro, por enxergarem que seria uma forma mais sustentável e confiável de financiamento de suas atividades do que as doações e subsídios. Quarto, porque a competição pelas verbas de filantropia está aumentando, e os doadores estão mais preocupados com o valor que suas doações estão proporcionando. Quinto, por ser um movimento institucionalizado no setor social e ficar de fora teria um risco associado. Concluindo, ao buscarem formas de comercialização, as organizações sem fins lucrativos poderiam tanto diminuir sua dependência de doações e subsídios, quanto fortalecer a performance de suas missões sociais. Nos últimos anos, uma nova denominação de organização vem sendo usada – Negócios Sociais – que ainda carece de uma definição precisa, mas diz respeito a organizações que têm objetivos primariamente sociais, combinado com uma estratégia para sustentabilidade econômica (RIDLEY-DUFF e BULL, 2011). O crescimento dos Negócios Sociais nos países industrializados vem sendo bem documentado (DOHERTY, FOSTER, et al., 2009). O crescimento é devido a um grande número de fatores, incluindo: o despertar da cidadania ativa devido ao avanço da tecnologia da informação e o aumento da alfabetização; o crescente número de pessoas que veem o terceiro setor como o veículo para fazer a diferença em sociedades afetadas pelo Estado perverso e as falhas de mercado; o desenvolvimento liberal de instituições como a Igreja Católica, que estimulam a formação de grupos comunitários; o trabalho das fundações de caridade comprometidas com o “empoderamento” dos pobres; o reconhecimento de organizações multilaterais como o Banco Mundial da importância dos cidadãos quando implementando agendas de desenvolvimento; e a desregulamentação e privatização do setor de saúde ao longo do mundo (DOHERTY, FOSTER, et al., 2009). 4 No entanto, o que pode parecer uma transição fácil, de organização sem fins lucrativos para negócios sociais, na verdade, pode trazer desafios perigosos. Ao buscar novas fontes de verbas, utilizando oportunidades comerciais, a organização pode se distanciar de sua missão social e pode, de forma incremental e não intencional, ir parar em arenas muito distantes da sua original. Além da perda do foco social, há um risco potencial pelo fato de essas organizações não terem habilidades específicas de negócio, capacidade de gestão e credibilidade para ter sucesso em mercados comerciais. Não é meramente uma questão de contratar pessoas com essas habilidades, a organização precisa estar preparada para receber e apoiar essa nova atividade, e integrar os valores e competências do novo staff com o existente. Isso porque, a cultura comercial pode entrar em conflito com a existente no setor social de muitas formas. Vale ressaltar, que essas dificuldades não são restritas ao ambiente interno. A mudança pode também afetar como a organização é vista pela comunidade, minando o papel que ela tinha. Além disso, essas organizações também podem encontrar fortes resistências de organizações do setor privado (DEES, 1998). Essa migração se refere a uma transição entre uma organização puramente filantrópica e uma organização com caráter híbrido, tendo atividades tanto filantrópicas quanto comerciais. Assim sendo, essa migração pode ser entendida como parte do processo de crescimento da organização, isso porque, segundo definição de Penrose (1959), crescimento organizacional implica em um aumento de tamanho ou a melhoria da qualidade como um resultado de um processo de desenvolvimento, na qual uma série de mudanças internas levam ao aumento do tamanho acompanhado por mudanças das características dessa organização. Assim, esse processo de se tornar “Negócio Social” pode ser analisado como uma forma de crescimento das Organizações Não Governamentais. Além dos desafios ligados à captação de recursos, as organizações do terceiro setor também convivem com outros desafios de gestão, como por exemplo, o de manter sua relevância perante a sociedade que atendem, o de manter sua capacidade e competência operacional, e o de estabelecer parcerias estratégicas com o Estado e empresas (SALAMON, 1998). Ao alterar sua forma de captação passando a buscar atividades comerciais por conta da mudança de contexto, as organizações do terceiro setor são obrigadas a se reestruturar, e isso pode afetar não só o desafio da captação, como também a forma como a organização atua. Sendo assim, torna-se preponderante entender se o processo de crescimento vivenciado por essa organização é um processo saudável ou não. As organizações em 5 crescimento podem desenvolver habilidade de renovação e autoperpetuação, no entanto, esse crescimento também pode representar as sementes para a autodestruição (FLECK, 2011) A forma pela qual a organização responde aos desafios do crescimento é que pode definir se ela seguirá uma trajetória de autoperpetuação ou autodestruição (FLECK, 2009). Segundo o modelo de Fleck (2009), a capacidade de autoperpetuação das organizações está correlacionada às respostas a dois processos, o crescimento continuado e a existência continuada. Esses dois processos, por sua vez, são afetados pela forma como a empresa responde aos desafios de empreendedorismo, navegação, diversidade, provisionamento de Recursos Humanos e complexidade. Ao crescer, a organização pode não responder a esses desafios de forma saudável e com isso trilhar o caminho da autodestruição. Além do desafio de negócios, o entendimento desse processo levanta também um desafio acadêmico no que se refere à conceituação de Negócios Sociais. Se a conceituação de terceiro setor ainda está incipiente, a conceituação de Negócios Sociais é ainda mais incipiente. O termoNegócios Sociais ainda está sendo usado em um grande número de contextos, o que dificulta o seu entendimento, pois significa coisas diferentes para pessoas diferentes (RIDLEY-DUFF e BULL, 2011). Isso porque, o conceito de negócios sociais está ainda em fase de desenvolvimento através das diversas experiências que estão aparecendo. O ponto em comum de todas as definições de Negócios Sociais parte do conceito de que Negócios Sociais são vistos como organizações socialmente orientadas com objetivos sociais e/ou ambientais combinado com uma estratégia para sustentabilidade econômica (RIDLEY- DUFF e BULL, 2011). Esse é um conceito que tem suas raízes no cooperativismo e no terceiro setor, uma vez que na prática, os negócios sociais são muitas vezes derivados de organizações do terceiro setor (DOHERTY, FOSTER, et al., 2009). As diferentes estruturas legais e formas organizacionais possíveis para os Negócios Sociais tornam a generalização do seu conceito um desafio (DEES, 1998), o que acaba por ser um obstáculo para o desenvolvimento da pesquisa do setor (DOHERTY, FOSTER, et al., 2009). Esse ponto é reforçado por Ridley-Duff e Bull (2011) ao citarem Kuhn (1970) para afirmarem que a pesquisa é baseada em frameworks teóricos aceitos, que constituem o paradigma científico, uma vez que esses paradigmas legitimam a identificação de questões de pesquisa. Ainda segundo os autores, onde frameworks aceitos não existem, o campo é considerado como pré-paradigmático, e nesse caso, a tarefa da comunidade de pesquisa é montar um framework a partir de dados e conceitos dispersos. 6 Os desafios apresentados – conceituação do Terceiro Setor e principalmente de Negócios Sociais não definidas e os desafios de sobrevivência enfrentados pelas organizações do terceiro setor - foram os motivadores para essa pesquisa. Assim, o objetivo geral do presente trabalho é entender quais são os desafios de continuidade enfrentados pelas organizações do terceiro setor ao incorporarem Negócios Sociais como forma de captação de recursos. 1.1 Apresentação dos building blocks do estudo Fleck (2010) sugere que os estudos científicos no campo das ciências sociais estrutura-se em termos de quatro pilares (building blocks) (Figura 1-1). São eles: framework teórico que ajudaria a responder à pergunta de pesquisa que será investigada com base em análise de um dado site de pesquisa, aplicando um método de pesquisa. Figura 1-1 Building Blocks da Pesquisa Acadêmica (Fonte: Fleck, 2010) A pergunta dessa pesquisa será: “Quais são os desafios de continuidade enfrentados pelas organizações do terceiro setor ao se diversificarem, incorporando Negócios Sociais, como forma de captação de recursos? Com a pergunta de pesquisa já definida, o método de pesquisa escolhido para auxiliar na pesquisa foi o estudo de caso. Esse método se mostra o mais relevante, pois essa é uma pesquisa que tem um caráter exploratório, que pretende responder a questionamentos de natureza “como e porque” usando dados contemporâneos, condições definidas como sendo ideais para um estudo de caso (YIN, 1989). Além disso, o estudo de caso é um método que 7 permite uma abordagem em profundidade, o que se torna relevante para entender fenômenos complexos (VERGARA, 2005). Para a condução desse estudo de caso foi escolhido o CDI (Comitê para a Democratização da Informática). O site foi escolhido por diversos motivos. A organização iniciou as suas atividades em 1995, e por isso já tem uma história que permite uma análise longitudinal dos desafios enfrentados. A organização que iniciou suas operações como ONG hoje tem em seu portfólio Negócios Sociais, sendo reconhecida como uma organização do terceiro setor de sucesso no Brasil, com atuação em diversos países, tendo já recebido uma série de prêmios por sua atuação social. Por fim, a conveniência, uma vez que sua sede é no Rio de Janeiro, local de residência da pesquisadora. Três referenciais teóricos auxiliarão a análise dessas evidências (Figura 1-2). Primeiro, será feito, conforme mencionado anteriormente, um levantamento teórico sobre terceiro setor, que permitirá entender a organização, enquanto ONG (Estado 1). Depois, será feito um levantamento sobre Negócios Sociais, destacando as definições de negócios sociais e confrontando os diferentes conceitos hoje presentes na literatura. Esse referencial auxiliará no entendimento da organização quando se torna híbrida, isto é, sendo uma ONG que diversifica suas atividades incorporando negócios sociais (Estado 2). O terceiro referencial teórico, que será usado para entender os desafios do crescimento e sustentabilidade da organização analisada será o modelo dos arquétipos de Fleck (2009). Esse modelo foi escolhido porque ele apresenta os desafios que uma organização precisa enfrentar para ter um crescimento saudável. Assim, ele ajudará a entender os desafios enfrentados pela organização na sua perpetuação, bem como ajudará a entender o movimento entre uma organização sem fins lucrativos, com caráter filantrópico para uma organização híbrida (Negócios Sociais). A Figura 1-2 representa como o referencial teórico auxilia o entendimento do fenômeno estudado. 8 Estágio 1 ONG Estágio 2 Híbrida Arcabouço teórico do Terceiro Setor Teoria de Crescimento da Firma Arcabouço teórico de Negócios Sociais CDI Diversificação com Negócios Sociais Figura 1-2 Representação do Estudo Concluindo, nessa dissertação, para ajudar a responder à pergunta de pesquisa será feito um estudo de caso com o CDI, utilizando os frameworks teóricos de Terceiro Setor, e de Negócios Sociais para analisar a organização, e as teorias de crescimento das firmas, para identificar os desafios enfrentados por esta organização na sua passagem de uma organização filantrópica para uma organização híbrida. 9 2 REFERENCIAL TEÓRICO Esse capítulo tem como objetivo apresentar o referencial teórico que auxiliará na compreensão e análise do fenômeno pesquisado. A primeira parte abordará o referencial teórico sobre organizações do Terceiro Setor, com vistas a compreender a organização no seu estágio 1. A segunda parte abordará o referencial teórico de Negócios Sociais, enfatizando a conceituação presente atualmente na literatura sobre esse tema, esse referencial tem como objetivo ajudar a entender a organização no estágio 2. Por fim, a terceira parte do capítulo apresentará a teoria de crescimento da firma que servirá de arcabouço teórico para analisar os desafios enfrentados pela organização estudada no processo de crescimento entre o estágio 1 e 2, o que auxiliará na análise se esse processo construiu um caminho de autoperpetuação ou de autodestruição. 2.1 Terceiro Setor Para que se possa melhor entender as questões de pesquisa e principalmente o site a ser analisado, a primeira preocupação teórica dessa dissertação foi fazer uma revisão dos conceitos de terceiro setor. Para tanto, será abordada a conceituação de terceiro setor, depois, será feita uma reconstituição histórica do terceiro setor no Brasil e por fim, serão apresentados os estudos relativos à gestão de organizações do terceiro setor. 2.1.1 Conceituação de Terceiro Setor O campo de estudos do Terceiro Setor é multidisciplinar e na Administração, só recentemente, os pesquisadores começaram a estudar esse fenômeno. Segundo Falconer (1999), no Brasil, a pesquisa sobre esse setor é ainda insignificante e pouco abrangente, já nos EUA, onde a tradição do setor já está mais enraizada, a partir da década de noventa o assunto começou a ganhar maior evidência. Ainda segundo o autor, questionar o que constitui o Terceiro Setor é primordial antes de se tentar a mera transposição de conhecimento acumulado sobre gestão de empresas privadas para gestão de organizações sem fins lucrativos. É importante entender que embora otermo Terceiro Setor seja o mais usado para designar as organizações que são voltadas para o bem público, uma série de outras 10 designações aparecem, como por exemplo: ONGs, sociedade civil, nonprofit, associações, organizações filantrópicas (FALCONER, 1999). A expressão terceiro setor, oriunda do inglês Third Sector, classifica as organizações que não se enquadram na categoria de atividades estatais – primeiro setor - ou das atividades de mercado – segundo setor (CARTILHA DA OAB, 2007). Elas são mais conhecidas pelo que não são do que pelo que são: nem público, nem privado, nem governamental, nem comercial (FALCONER, 1999). Além disso, mobilizam particularmente a dimensão voluntária do comportamento das pessoas (FERNANDES, 1994). Sob o impacto de um Estado que vem diminuindo sua ação social e de uma sociedade com necessidades cada vez maiores, cresce a consciência das pessoas de que é necessário posicionar-se no espaço público para construir o desenvolvimento social sustentado (IOSCHPE, 2005), espaço este de experimentação de novos modelos de pensar e de agir sobre a realidade social (CARDOSO, 2005). Resumindo, o Terceiro Setor é composto por organizações estruturadas, localizadas fora do aparato formal do Estado, que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre os seus diretores ou acionistas, autogovernadas, envolvendo voluntários esforços de indivíduos (SALAMON, 1993 apud FERNANDES, 1994). Se a distribuição de lucros não lhes é permitido e não resultam de uma ação governamental, a sua criação é fruto do ato de vontade de seus fundadores, e normalmente duram devido a um conjunto complexo de adesões e contribuições voluntárias (FERNANDES, 2005). Segundo a definição da OAB (2007), o Terceiro Setor é “o espaço ocupado especialmente pelo conjunto de entidades privadas sem fins lucrativos que realizam atividades complementares às públicas, visando contribuir com a sociedade na solução de problemas sociais e em prol do bem comum” (CARTILHA DA OAB, 2007, p. 8). O Quadro 2-1 ajuda a conceituar o terceiro setor, considerando-o como uma das possibilidades entre as possíveis combinações público-privado em relação aos agentes e aos fins, sendo as organizações do terceiro setor as que visam à produção de bens e serviços públicos. A expressão “bens e serviços públicos” resume as duas vertentes das organizações do terceiro setor, elas não geram lucro e respondem a necessidades coletivas. Esses bens e serviços públicos podem ser de uso coletivo ou pertencer a uma categoria específica. (FERNANDES, 1994) 11 AGENTES PARA FINS IGUAL A: SETOR Privados Privados Mercado Públicos Públicos Estado Privados Públicos Terceiro Setor Públicos Privados (corrupção) Quadro 2-1 Agentes e Fins Públicos e privados (Fonte: Fernandes, 1994) Falconer (1999) faz menção a um estudo de O’Neill que aponta oito diferenças entre organizações do terceiro setor e outros tipos de organização: (i) Propósito ou missão - enquanto nas organizações do terceiro setor o propósito financeiro é subjacente ao propósito de prover bens ou serviços para a sociedade, para as organizações privadas tem esse objetivo primário; (ii) Valores - em nenhum setor os valores são tão centrais quanto no terceiro setor; (iii) Aquisição de recursos - no setor privado ela se dá pela venda de produtos e serviços, no setor público pela cobrança de impostos e no terceiro setor por uma série de diferentes fontes (doações individuais, empresariais, vendas de serviços, subsídios governamentais), tornando essa questão mais complexa que nas demais organizações; (iv) Bottom line - não há clareza do que representa um bom resultado no terceiro setor; (v) Ambiente legal - as leis que incidem são completamente diferentes, principalmente no que diz respeito a recursos e tributos; (vi) Perfil do trabalhador - no terceiro setor uma parcela do trabalho é realizada por voluntários, o que afeta como se dá remuneração, atividades realizadas e a qualificação; (vii) Governança - a estrutura de poder e tomada de decisão no terceiro setor atribui um papel importante ao conselho da entidade, formado por voluntários que não devem se beneficiar dos resultados da organização; (viii) Complexidade organizacional - uma organização sem fins lucrativos é tipicamente mais complexa do que uma organização empresarial, no tipo e variedade de serviços prestados, na relação com múltiplos públicos, na dependência de fontes variadas de recursos e outras dimensões. É importante abordar que concepções errôneas podem atrapalhar o desenvolvimento do terceiro setor, pois limitam sua capacidade de lidar com os seus verdadeiros desafios. 12 Algumas concepções errôneas já rondam a percepção das pessoas. Uma delas é o mito da virtude pura. Uma vez que as organizações do terceiro setor foram constituídas em cima de valores tais como ajuda e realização de anseios humanos. No entanto, elas são organizações, e à medida que crescem em escala e complexidade tornam-se vulneráveis a todas as limitações que atingem as instituições burocráticas (SALAMON, 1998). De acordo com Salamon (1998), embora importante, o levantamento de impacto das organizações do terceiro setor é uma tarefa difícil, pois essas organizações são diversificadas, há grande variação terminológica (não há uma definição única de termo), e seus dados não são coletados de forma sistemática. Já para Fernandes (2005), o Terceiro Setor é mais rico em sua eficácia simbólica que em resultados quantitativos. O terceiro setor compreende organizações tais como: organizações não governamentais (ONGs), fundações e institutos empresariais, associações comunitárias, entidades filantrópicas, organizações religiosas, entre outros. Fernandes (1994) as agrupa em quatro principais segmentos: (i) Formas tradicionais de ajuda mútua, (ii) Movimentos Sociais e associações civis; (iii) ONGs; (iv) Filantropia Empresarial. Falconer (1999) acrescenta um quinto segmento – empreendimentos sem fins lucrativos do setor de serviços constituídos por hospitais privados e universidades. Conforme defendido por Fernandes (2005), se os componentes são tão variados, agrupá-los sob um mesmo nome é importante por quatro razões: (i) Faz contraponto às ações do governo, chama a atenção que os bens e serviços públicos não resultam somente da ação do Estado, e ao agrupá-las obtém-se uma ideia maior de escala; (ii) Faz contraponto às ações do mercado e sua presença sinaliza que o mercado não satisfaz a totalidade das necessidade e dos interesses; (iii) Empresta um sentido maior aos elementos que o compõe, pois traz o sentido de sociabilidade, legitima ações antes entendidas como perigosas e de subversão, estimula o desenvolvimento da filantropia empresarial e difunde a ideia do voluntariado como expressão de cidadania; (iv) Projeta uma visão integradora da vida pública, enfatizando a complementaridade entre as ações públicas e privadas. Especificamente sobre ONGs, essa expressão é antiga, nasceu na ONU no pós-guerra, no entanto, nunca foi muito usada no Brasil até o início da década de 1980 quando passou a figurar na grande imprensa, principalmente nas áreas de política nacional (LANDIM, 1993). E o fenômeno só se tornou mais claro depois de décadas de experimentação, tendo a primeira 13 geração de ONGs na América Latina surgido como uma solução ad hoc para a falta de opção conjuntural do sistema social vigente. Imaginava-se que essas soluções fossem ser temporárias, sendo questionada a sua permanência enquanto instituição. Ao longo da década de 1980, elas foram se firmando (FERNANDES, 1994). Mas foi em 1992 que elas ganharam notoriedade ao se realizar, no Rio de Janeiro, o “Forum Global” – encontro definido por uns como “Conferência Paralela” à UNCED, por outros como “Conferência da Sociedade Civil Mundial”no Parque do Flamengo com várias entidades civis presentes e visitação diária de milhares de pessoas. Todas essas organizações do Terceiro Setor, conforme já mencionado, não têm uma forma jurídica própria. O direito prevê, na realidade, cinco modalidades de pessoas jurídicas: associações, fundações, sociedades, organizações religiosas ou partidos políticos, sendo que somente as duas primeiras modalidades podem ser consideradas como ONG, uma vez que as demais possuem fins lucrativos, confessionais ou político-partidários (CAMARGO JR, 2009). Essas duas modalidades são regidas pelo Código Civil (Lei nº 10.406/02, com as introduções trazidas pelas Leis nºs. 10.825/03 e 11.127/05). Como não há dispositivo jurídico que diferencie as “ONGs” de qualquer outra organização sem fins lucrativos, elas precisam adaptar seus estatutos aos casos previstos na lei (LANDIM, 1993). Assim, todas as formas chamadas de ONGs, instituição, instituto ou qualquer outra denominação, juridicamente só podem ser classificadas como associação ou fundação (CARTILHA DA OAB, 2007). O Anexo A apresenta as diferenças entre essas denominações. As ONGs, enquanto “sem fins lucrativos” são sujeitas a imunidade fiscal, isso porque instituir impostos sobre “patrimônio, renda ou serviço dos partidos políticos, inclusive de suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei” (Art.150 da Constituição). Além disso são também isentas de apresentar declaração do Imposto de Renda pelo artigo 126 (LANDIM, 1993). Já a sua capacidade para receber subsídios governamentais ou doações de particulares através de deduções fiscais depende de serem reconhecidas como de Utilidade Pública. Considera-se Utilidade Pública o conjunto de condições através do qual o Estado reconhece formalmente em uma entidade o caráter “assistencial” ou “cultural”, qualidades que a tornam de interesse para a coletividade, fazendo jus ao auxílio financeiro por ele fornecido (Ministério da Justiça, 1990). Entre os direitos das entidades declaradas de Utilidade Pública 14 Federal estão o não recolhimento da contribuição do empregador para o custeio do sistema previdenciário, ou a dispensa dos depósitos mensais para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Do ponto de vista legal, as organizações do terceiro setor não gozam de tratamento jurídico diferenciado em relação às regras trabalhistas e por isso as regras devem ser observadas de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No que tange aos voluntários, a lei nº 9.608/98 regula o serviço voluntário e o caracteriza como a atividade não remunerada feita por pessoas físicas em organizações que tenham objetivos sociais. Nesses casos, é assinado um Termo de Adesão e não é gerado vinculo empregatício com esse voluntário. (CARTILHA DA OAB, 2007) 2.1.2 Perfil das ONGs no Brasil Estudo recente da Associação Brasileira de Organizações não Governamentiais (ABONG), conduzido em 2008, mostra que a maioria das associadas da ABONG foram fundadas nos últimos 28 anos (a partir de 1980), com um pequeno destaque para o período que vai de 1981 a 1990, que representa 38,6% da amostra, enquanto aquelas fundadas entre 1991 e 2000 representam 36%. Com relação à distribuição geográfica, 80% delas estão no Sudeste (40,2%) e Nordeste brasileiro (39,2%), 9% na região Sul, 6,9% na região Norte e 4,2% na região Centro-oeste (GOUVEIA e DANILIAUSKAS, 2010). Outros dados interessantes são que quase metade das associadas tem sede própria. Embora seja uma tradição desse tipo de organização trabalhar com equipes pequenas há uma tendência de redução, já que em estudo conduzido em 2004, 69% das ONGs empregavam até vinte pessoas, enquanto no estudo mais recente 71,5% emprega até vinte trabalhadores, sendo que destas, 38,5% empregam somente cinco pessoas. Essa tendência também aparece na análise das ONGs com maior número de empregados. Em 2004, 10,9% das ONGs possuíam mais de 51 pessoas, esse número caiu para 2,7% em 2008. Essa tendência pode ser resultado da redução e mudança de perfil dos recursos arrecadados. As ONGs pesquisadas apresentam como principais temas trabalhados a educação (48,9%), a organização e participação popular (33,8%) e as relações de gênero (27,1%). Muitas dessas ONGs têm mais de um tema de trabalho. No que diz respeito às perspectivas desses temas, 82% tem como objetivo desenvolver a consciência crítica e a cidadania e 57% 15 tem como objetivo transformar ações em políticas públicas. Essas perspectivas esperam ser alcançadas, principalmente, através de articulação política, capacitação técnica e assessoria. Os principais beneficiários dessa luta social são, na resposta das ONGs, as organizações populares ou movimentos populares (54,8%), as mulheres (36,3%) e as crianças e adolescentes (32,9%). O anexo B mostra esses resultados de forma detalhada. O estudo apresentou o perfil orçamentário das ONGs associadas (Gráfico 2-1), e mostra uma grande concentração na faixa de R$ 200 mil a R$ 2 milhões. Essa concentração aumentou no período analisado, em 2004 ele representava 53,6% das associadas, em 2008 ele passou a representar 59,2%. Gráfico 2-1 Percentual de ONGs por faixa de Orçamento (fonte: ABONG, 2010) Ao se analisar a relação entre a faixa orçamentária e a região demográfica, chama a atenção o fato de ela ser alta nas duas extremidades das faixas orçamentárias. Nas faixas que vão de menos de 10 mil reais a 50 mil reais há uma prevalência das organizações do Nordeste, com 50% delas. Já nas faixas que vão de mais de 6 milhões a mais de 15 milhões, 66,7% estão localizadas no Sudeste. Se a leitura da evolução orçamentária em quatro anos não revela uma situação de crise financeira em termos dos volumes acessados, a análise da composição do orçamento mostra uma mudança importante de perfil (Tabela 2-1). Os dados relativos à Cooperação e Solidariedade Internacional, por exemplo, mostram uma queda acentuada de como essa fonte 16 de financiamento diminuiu a sua relevância. No estudo feito em 2003, 57,7% do orçamento vinha dessa fonte, enquanto em 2008 esse número caiu para 39,2%. Como os orçamentos não sofreram grandes variações, o que se deu foi uma mudança no perfil orçamentário, com uma maior dispersão das fontes de financiamento. As fontes que nos últimos sete anos têm apresentado uma tendência crescente no financiamento das organizações associadas à ABONG são as Empresas, Institutos e Fundações Empresariais, os Recursos Públicos Municipais e as Doações de Indivíduos (GOUVEIA e DANILIAUSKAS, 2010). Tabela 2-1 Participação das fontes de financiamento no orçamento das organizações (%) Fonte de Financiamento até 20% 21% a 40% 41% a 60% 61% a 80% 81% a 100% Cooperação e solidariedade internacional 20,6 20,6 18,5 21,7 18,5 Empresas, institutos e fundações empresariais 57,4 21,3 12,8 4,3 4,3 Agências multilaterais e bilaterais 83,4 16,6 0 0 0 Contribuições associativas 94,1 5,9 0 0 0 Recursos públicos federais 80 5,7 8,6 2,9 9,8 Recursos públicos estaduais 80 5,7 8,6 2,9 2,9 Recursos públicos municipais 71,4 14,3 11,4 0 2,8 Doações de indivíduos 90,9 0 2,3 2,3 4,5 Comercialização de produtos e serviços 79,2 14,6 2,1 4,2 0 Fonte: ABONG (2010) A ABONG declara que “As associadas à ABONG tiveram - e ainda têm - seu lastro de sustentação na Cooperação e Solidariedade Internacional e assim sendo, seus modelos organizativos tendem a ser dinamizados de modo a responder aos requerimentos dessa relação que em geral é mais simples, flexível, com temporalidades maiores e com cobertura de um conjunto mais amplo de gastos institucionais. Podemos afirmar que a lógica da Cooperação e Solidariedade Internacional no Brasil foi marcada muito mais por um compromisso com as organizações do que com a execuçãode uma determinada ação” (GOUVEIA e DANILIAUSKAS, 2010). Ou seja, essa mudança de perfil afetou a complexidade da captação de recursos e também a possibilidade de investimento na estruturação interna das ONGs. O investimento feito por empresas, por exemplo, na maioria das vezes está relacionado a um investimento direto na causa, ficando pouca verba para a estruturação da organização. Além disso, elas têm um perfil mais curto, o que faz com que as interações para captação dos recursos precisem ser mais constantes. 17 2.1.3 Histórico das ONGS no Brasil Como mencionado anteriormente, o fenômeno das Organizações sem fins lucrativos, embora tenha alcançado maior evidência a partir da década de 1980, é um fenômeno antigo no Brasil (LANDIM, 1993). Para resgatar a história desse fenômeno, foram analisados os estudos de Landim (1993) e Fernandes (1994). Os autores dividem a história das ONGs em quatro momentos distintos: da colonização ao início do século XX, a era Getúlio, a era do Regime Militar e a Redemocratização. No primeiro momento, que vai desde a colonização até o início do século XX, o movimento do terceiro setor era muito ditado pela atuação da igreja, principalmente da Igreja Católica. A primeira entidade do país criada para atender desamparados foi a Irmandade da Misericórdia, instalada na Capitania de São Vicente em 1543. O Brasil era muito ligado à Igreja Católica e as comunidades religiosas, principalmente as portuguesas e espanholas, acabavam provendo apoio a sociedade que o Estado falhava em prover naquele momento. Essas entidades eram principalmente asilos, orfanatos Santas Casas de Misericórdia, colégios católicos. As ações de assistência social eram de caráter principalmente assistencialista permeadas de valores da caridade cristã. O segundo momento se inicia com as diretrizes do governo de Getúlio Vargas que apoiavam a intervenção estatal na economia e na sociedade. O Estado passa a ser o formulador e implementador de políticas públicas e conta com a colaboração das organizações sem fins lucrativos para a sua implementação. Para tal, o governo editou, em 1935, a primeira lei brasileira que regulamentava as regras para declaração de Utilidade Pública Federal: dizia seu artigo-primeiro que as sociedades civis, as associações e as fundações constituídas no país deveriam ter o fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade. Mais a frente, em 1938, formalizou-se a relação do Estado com a assistência social com a criação do Conselho Nacional do Serviço Social. Paralelamente à atuação do Estado, surgiram ações filantrópicas a partir de senhoras de famílias economicamente privilegiadas; e os grandes mecenas, oriundos das principais cidades e líderes de indústrias, como os Matarazzo, Chateaubriand, entre outros. A Igreja continuou, no entanto, tendo papel importante na prestação dos serviços sociais, e passou, em alguns casos, a receber financiamento do Estado. 18 O terceiro momento é marcado pelo Regime Militar. Esse período é caracterizado por uma intensa mobilização da sociedade em resistência ao regime da ditadura militar, muitas instituições de caráter filantrópico e assistencial se unem às organizações comunitárias a aos movimentos populares para serem porta vozes dos problemas sociais. É nesse período que surgem as ONGs, que nesse momento eram instituições ligadas à mobilização social e à contestação política. A partir dos anos 70 as ONGs se multiplicam durante o processo de gradual redemocratização, com o diálogo e a colaboração começando a fazer parte do relacionamento com o governo frente à reivindicação e ao conflito. O quarto momento surge com a redemocratização e o declínio do modelo intervencionista do Estado que ocorreram na década de 1980. Assim, a partir da década de 1990 a questão da cidadania e dos direitos fundamentais passa a ser o foco das instituições sem fins lucrativos. Surge, então, m novo padrão de relacionamento entre os três setores da sociedade. O Estado começa a reconhecer que as ONGs acumularam um capital de recursos, experiências e conhecimentos, sob formas inovadoras de enfrentamento das questões sociais, que as qualificam como parceiros e interlocutores das políticas governamentais. Segundo Salamon (1998), o fenômeno do Terceiro Setor cresceu no final da década de 1990 para preencher inúmeros objetivos não atendidos pelo Estado e pelo mercado. O alcance e escala do fenômeno foram grandes, atingindo países de desenvolvidos a países em desenvolvimento, de regimes totalitários a regimes democráticos. Ainda de acordo com o autor, o resultado é um terceiro setor global formado por uma rede de organizações privadas autônomas que atendem a objetivos públicos embora não estejam localizadas no Estado formal. Esse crescimento decorre de um conjunto de mudanças sociais e tecnológicas aliadas a uma crise de confiança na capacidade do Estado de prover alguns serviços. Continuando, o autor explica que esse crescimento pode ser explicado não só pela pressão de “baixo”, vinda na forma de movimentos populares espontâneos, como também de “fora”, através da ação de instituições públicas e privadas, e de “cima”, como forma de políticas de governo. No entanto, segundo Falconer (1999), vale ressaltar que a atividade realizada pelas organizações privadas sem fins lucrativos não é nova. Essas entidades, segundo ele, são tão antigas quanto as empresas e outras instituições existentes em quase todas as sociedades. Um marco importante ocorreu em agosto de 1991. Funda-se no Rio a primeira “Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais”. Isto, imediatamente após realizar-se, também no Rio de Janeiro, o bilíngue “First International Meeting of NGOs and 19 United Nations System Agencies (Primeiro Encontro International de ONGs e Agências das Nações Unidas)”. Foram reunidas no Hotel Glória mais de 100 “ONGs” brasileiras e algumas estrangeiras, além de representantes de órgãos das Nações Unidas e da ABC, Agência Brasileira de Cooperação, organismo ligado ao Ministério das Relações Exteriores. 2.1.4 Gestão de Organizações do Terceiro Setor Há um virtual consenso entre estudiosos e pessoas envolvidas no cotidiano de organizações sem fins lucrativos de que, no Brasil, a deficiência no gerenciamento destas organizações é um dos maiores problemas do setor, e que o aperfeiçoamento da gestão - através da aprendizagem e da aplicação de técnicas oriundas do campo de Administração - é um caminho necessário para o atingir de melhores resultados. O problema fundamental do terceiro setor, nesta visão, é um problema de gestão. (FALCONER, 1999) As organizações do terceiro setor têm uma série de desafios a enfrentar. Salamon (1998) identifica que elas devem dar mais atenção às trocas que ocorrem entre voluntarismo e profissionalismo, entre a informalidade e a institucionalização que se faz necessária para transformar sucessos isolados em realizações permanentes. Com isso, segundo ele, não só gestores terão o desafio de dar mais atenção à capacitação de sua organização, com investimentos em treinamento e assistência técnica, como aqueles que contribuem para essas organizações terão que perceber que terão que ir além da filantropia apenas para sentir-se bem consigo mesmos (feel-good philantropy), passando a dar suporte institucional de longo prazo. Falconer (1999) destaca que o problema do setor no Brasil é, fundamentalmente, um problema de competência na gestão: operando em um meio desfavorável, caracterizado pela falta de recursos e de apoio do poder público, as organizações não conseguem romper o ciclo vicioso apresentado na Figura 2-1. falta de recursos humanos capacitados gerenciamento inadequado falta de dinheiro insuficiência de resultado Figura 2-1 Ciclo vicioso das Organizações do Terceiro Setor (fonte: Falconer, 1999) Ainda segundo Falconer(1999), a gestão de organizações do terceiro setor passa por quatro dimensões principais: 20 (i) Stakeholder accountability - necessidade de transparência e do cumprimento da responsabilidade da organização de prestar contas perante os diversos públicos que têm interesses legítimos diante delas; (ii) Sustentabilidade - capacidade de captar recursos - financeiros, materiais e humanos – de maneira suficiente e continuada; (iii) Qualidade do serviço, substituição da caridade e da filantropia por serviços prestados a consumidores ou a cidadãos conscientes de seus direitos, usando de forma eficiente seus recursos e avaliando de forma adequada o que precisa ser priorizado; (iv) Capacidade de articulação – essas organizações não podem atuar de forma isolada. Salamon (2005), também faz referência aos desafios que as organizações do terceiro setor precisam enfrentar para construir uma trajetória de força permanente e sustentada. Seriam, segundo o autor, quatro os desafios. O primeiro diz respeito à legitimidade, isto é, ao reconhecimento do terceiro setor como um setor real. Isso será conseguido através da disseminação de informações básicas, de um esforço de educação pública sobre o papel do terceiro setor, da constituição de uma forma para que ele possa se registrar formalmente, e da exigência da sua transparência legal. O segundo desafio é o da eficiência, ou seja, o setor necessita mostrar a capacidade e a competência no âmbito administrativo e de controle institucional. O terceiro seria o da sustentabilidade em termos financeiros e de capital humano. Por fim, o quarto desafio seria do da colaboração, isto é, uma colaboração com o Estado, com o setor privado e também com seus pares, a fim de conseguir ampliar a sua atuação. Os estudos dos dois autores são muito parecidos, falam das mesmas esferas só que para níveis de análise diferentes, enquanto Falconer (1999) descreve as dimensões no nível das organizações, Salamon (2005) descreve no nível do setor. Para Gibb e Adhaikary (2000), a estratégia para o desenvolvimento de uma ONG passa por sua capacidade de atingir as expectativas dos stakeholders mais importantes. Os autores chegam a essa conclusão analisando um grupo de ONGs e identificam que aquelas que conseguem desenvolver um bom grau de credibilidade em relação aos seus stakeholders têm maior propensão a se perpetuar. As ONGs, segundo eles, podem desenvolver o papel delas requerido em forma de governança se elas forem vistas como organizações 21 empreendedoras que focam suas energias nos atores principais no ambiente de stakeholders relevantes. Ao analisar o nível de sustentabilidade das ONGs da África Subsaariana, o USAID (United States Agency for International Development) utiliza sete dimensões inter relacionadas: ambiente legal, capacidade organizacional, viabilidade financeira, advocacy, provisionamento de serviços, infraestrutura e imagem pública. O ambiente legal em que as ONGs operam afeta sua habilidade de desenvolver os demais papeis em busca da sustentabilidade, nesse sentido, o ambiente legal pode ser mais incentivador ou restritivo. A capacidade organizacional inclui a capacidade da organização para desenvolver seu planejamento estratégico, sua gestão interna e governança, seus recursos humanos e seu avanço técnico. Outra dimensão importante é a viabilidade financeira, ou seja, quais e quantas são as fontes de captação de recursos. Por advocacy entende-se a capacidade que as organizações do terceiro setor têm de influenciar o processo de formulação de políticas públicas. Provisionamento de serviços está associado à capacidade de prover serviços de qualidade para os beneficiários. A imagem pública é a medição da capacidade de conseguir cobertura de suas ações na mídia (USAID, 2010). Com uma visão semelhante à USAID (2010), Armani (2001) apresenta um conceito de sustentabilidade que divide os desafios em dois grupos: enfoque empresarial, que aborda as questões internas da organização; e enfoque sistêmico, que aborda as questões externas. O enfoque empresarial engloba as seguintes questões: sustentabilidade financeira, organização do trabalho e gestão democrática e eficiente, recursos humanos, sistema de planejamento, monitoramento e avaliação participativos e eficientes, capacidade de produção e sistematização de informação e conhecimento. Já o enfoque sistêmico abrange legitimidade e relevância da missão, stakeholder accountability (transparência com os stakeholders), advocacy, e capacidade de desenvolver parcerias e ações conjuntas. Resumindo os diversos autores chega-se a um quadro (Tabela 2-2) que reúne os principais desafios de sustentabilidade de organizações do terceiro setor. 22 Tabela 2-2 Dimensões da Sustentabilidade de Organizações do terceiro setor Dimensão Descrição Autor (es) Stakeholder accountability Ter transparência e cumprir a responsabilidade da organização de prestar contas perante os diversos públicos que têm interesses legítimos diante delas Falconer (1999); Armani (2001) Captação de recursos Captar recursos - financeiros, materiais e humanos – de maneira suficiente e continuada Falconer (1999); USAID (2002); Armani (2001) Legitimidade Prestar serviços a consumidores ou a cidadãos conscientes de seus direitos Falconer (1999); Salamon (2005); USAID (2002) Capacidade de articulação Construir parcerias com o Estado, Mercado e pares Falconer (1999); Salamon (2005); Armani (2001) Advocacy Desenvolver capacidade de influenciar o processo de formulação de políticas públicas Salamon (2005); USAID (2002) Eficiência Desenvolver capacidade e a competência no âmbito administrativo e de controle institucional Salamon (2005); USAID (2002); Armani (2001) Gestão stakeholders Atingir as expectativas dos stakeholders mais importantes Gibb e Adhaikary (2000) Ambiente Legal Identificar nível de maturidade do ambiente legal USAID (2002) Imagem pública Conseguir cobertura de suas ações na mídia USAID (2002) Gestão da informação Produzir e sistematizar informação e conhecimento Armani (2001) 2.2 Negócios Sociais Um dos objetivos do trabalho é levantar como se apresenta atualmente o debate sobre os conceitos de Negócios Sociais. Como o tema ainda é recente e não há consenso sobre uma única conceituação, o presente trabalho procurou diferentes abordagens, não só no Brasil, como no Mundo, do que seria um negócio social. Sendo assim, essa parte da revisão de literatura primeiro introduzirá o conceito de Negócios Sociais, depois fará uma síntese das diferentes definições constantes atualmente na literatura, e por fim contextualizará como estão os estudos no cenário Brasileiro. 2.2.1 Introdução a Negócios Sociais Uma nova forma de capitalismo e um novo tipo de empreendimento que chamo de negócio social e que se baseia no altruísmo das pessoas (YUNUS, 2010). É assim que Muhammad Yunus (2010) começa seu livro Criando um Negócio Social. Segundo o autor, a pobreza não é criada pelas pessoas pobres, mas sim pelo sistema que construímos, pelas instituições que concebemos e pelos conceitos que formulamos. Desta forma, poderíamos criar um mundo livre de pobreza se redesenhássemos o sistema e 23 eliminássemos as falhas grosseiras que a produzem. Essas falhas, segundo o autor, são decorrentes, principalmente, do foco único na maximização dos lucros estabelecido no sistema capitalista atual. Ainda segundo Yunus, na atual interpretação do capitalismo, os seres humanos são considerados unidimensionais. A única dimensão é a maximização dos lucros. Quando na verdade os seres humanos são multidimensionais. Sua felicidade provém de muitas fontes, não apenas de fazer dinheiro. O autor atribui ainda a esse sistema as crises econômicas, ambientais e sociais que vivemos hoje. Baseado nessas premissas, ele advoga