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Experimentos de Joule e a 1ª Lei da Termodinâmica

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Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 31, n. 3, 3603 (2009)
www.sbfisica.org.br
Os experimentos de Joule e a primeira lei da termodinâmica
(Joule’s experiments and the first law of thermodynamics)
Júlio César Passos1
Laboratórios de Engenharia de Processos de Conversão e Tecnologia de Energia, Departamento de Engenharia Mecânica,
Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário, Florianópolis, SC, Brasil
Recebido em 18/12/2008; Aceito em 14/5/2009; Publicado em 12/10/2009
A formulação do prinćıpio da conservação da energia é um exemplo de longo amadurecimento, quase dois
séculos e meio, de uma idéia que se tornou uma das leis básicas da f́ısica e cuja generalização foi alcançada ao
ser formalizada como primeira lei da termodinâmica. No presente artigo, apresenta-se uma análise das diferentes
formulações da primeira lei com o objetivo de resgatar informações históricas que poderão contribuir para o
ensino da termodinâmica. O estudo mostra que no final do século XIX já se considerava dif́ıcil afirmar quem
teria descoberto o prinćıpio da equivalência entre calor e trabalho, já que diversos estudiosos haviam abordado
o tema, e como as meticulosas pesquisas experimentais de Joule permitiram a demonstração da equivalência de
diferentes tipos de energia e contribúıram de forma definitiva para a elaboração da primeira lei da termodinâmica.
Palavras-chave: conservação da energia, primeira lei, termodinâmica, história da ciência.
The formulation of the principle of conservation of energy is an example of the long maturation, almost two
and a half centuries, of an idea that became one of the fundamental laws of physics whose generalization was
attained when it was formalized as the first law of thermodynamics. In this paper, an analysis of the different
formulations of the first law is presented, aimed at rescuing historic information that could contribute to the
teaching of thermodynamics. It is shown that by the end of the nineteenth century it was already difficult to
affirm who discovered the principle of equivalence of energy, because several scholars were interested in this
subject, and how the meticulous experiments of Joule allowed the demonstration of equivalence among different
kinds of energy and contributed definitively to the elaboration of the first law of thermodynamics.
Keywords: energy conservation, first law, thermodynamics, history of science.
1. Introdução
No ińıcio de um curso de termodinâmica, pode ocor-
rer que estudantes mais curiosos ou impacientes façam
a pergunta “o que é entropia?” e, muito mais raro,
que perguntem “o que é energia?”. Uma ou outra
dessas questões é certamente motivo de tergiversação
para quase todos os professores, embora muitos autores
definam termodinâmica como a ciência que trata da
energia e da entropia ou, simplesmente, a ciência que
estuda a energia e suas transformações. Apesar de am-
bas as palavras serem bastante empregadas no cotidi-
ano de jornalistas, economistas e pessoas de um modo
geral, seus respectivos conceitos em termodinâmica não
são evidentes e, em geral, acabam reportando-se ao
papel que cada uma dessas propriedades desempenha
na formulação matemática da disciplina. Tais dificul-
dades também são discutidas no texto básico de Van
Hess [1]. É costume associar energia à sua capacidade
de produzir trabalho enquanto que entropia é definida
como uma função que mede a irreversibilidade de um
processo. No caso da energia, parece que todos conhe-
cemos o seu significado, ficando mais claro quando o
associamos a “algo que devemos pagar para poder re-
alizar coisas” ou “àquilo que é necessário para realizar
o que chamamos de trabalho” [2]. De fato, ninguém
“pensa em pagar por uma força, por uma aceleração ou
por uma quantidade de movimento”, sendo “a energia
a moeda” [2]. French [2] lembra que Newton em sua
dinâmica do universo não utiliza nem cita o conceito
de energia em nenhum momento, apesar de alguns de
seus contemporâneos, como Huygens e Leibniz, terem
reconhecido a importância de uma magnitude similar
a da energia, a chamada força viva ou vis viva, em
latim, que indicava a energia cinética. “A chave do
imenso valor da energia como um conceito baseia-se na
sua transformação”, “e esta se conserva” [2].
O prinćıpio de conservação da energia que domina
a f́ısica moderna foi estabelecido por volta da metade
do século XIX [3-5]. Bem antes disso, era comum que
1E-mail: jpassos@emc.ufsc.br.
Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil.
3603-2 Passos
inventores tentassem registrar patentes de máquinas
que pretendiam produzir trabalho do nada, o chamado
moto perpétuo, conforme registram Kuhn [5] e Hog-
ben [6]. Em 1775, a Academia de Ciências de Paris
passou a recusar a publicação em seus anais de des-
crições de invenções de motos perpétuos [3]. Apesar da
aparente ingenuidade, quando vistas com o olhar dos
dias de hoje, muitas daquelas tentativas de criação do
moto perpétuo acabaram por contribuir para o estabe-
lecimento da primeira lei [3].
No presente artigo, pretende-se resgatar alguns dos
aspectos históricos, com ênfase nos resultados de Joule
e de Mayer para o equivalente mecânico do calor. As
principais formulações para a primeira lei são apresen-
tadas no Anexo, como indicador de caminhos que po-
dem ser pesquisados visando a futuras contribuições
ao ensino da termodinâmica. Dentre os vários tra-
balhos consultados e estudados destacamos o estudo
de Kuhn [5] sobre a “simultaneidade” das descobertas
concernentes à conservação da energia, o curso de ter-
modinâmica de Poincaré [7], alguns dos artigos de Joule
[8], e os dados históricos apresentados no caṕıtulo I do
livro de Bejan [4] e na primeira parte do livro de Hog-
ben [6], dedicada à conquista da energia. O objetivo
da pesquisa, Passos [9-11], é tentar mostrar a ponte en-
tre o ensino atual da termodinâmica e as suas origens,
buscando, sempre que posśıvel, os textos originais dos
pioneiros da termodinâmica.
2. Um longo processo de amadureci-
mento
“A produção moderna de energia começa com o em-
prego do vapor em meados do século XVII” [6]. As
máquinas térmicas que então passaram a ser desen-
volvidas e utilizadas inicialmente para bombear água
das minas de carvão, foram aos poucos substituindo as
rodas d’água e os rotores eólicos em várias atividades
industriais. Mas o advento da máquina a vapor e a
consequente revolução técnica que originou a revolução
industrial também se beneficiou do desenvolvimento de
mecanismos ocorrido durante os três séculos anteriores
em que o vento e a água, além da força animal, reinaram
como fontes absolutas de energia, conforme se lê em
Hogben [6]. Foi preciso preparar o terreno para o flo-
rescimento de novas idéias e a cristalização do prinćıpio
de conservação da energia como lei geral e invariante
da natureza.
Kuhn [5] mostra que já existia um conjunto de dife-
rentes processos de conversão devido à proliferação de
inúmeros fenômenos descobertos ao longo do século
XIX, como a pilha de Volta, em 1800, que permitiu
obter eletricidade por meio de reações qúımicas. Em
1822, Seebeck descobriu o efeito que leva o seu nome que
relaciona o efeito térmico a um sinal elétrico (tensão)
quando as extremidades de dois fios de materiais dis-
tintos estão em contato com meios a temperaturas dife-
rentes [12]. Em 1834, Peltier verificou um efeito, que
também leva o seu nome, reverso ao de Seebeck, que
permite transferir calor de um ponto frio a um ponto
quente, como um refrigerador, por meio da aplicação
de uma tensão elétrica [12]. Também foi descoberta a
relação do magnetismo com a eletricidade, dentre ou-
tros fenômenos.
Na segunda metade do século XVIII, Lavoisier e
Laplace publicaram em 1783 [13], o resultado de seus
estudos sobre a fisiologia da respiração em um tratado
sobre o calor (“Mémoire sur laChaleur”), onde rela-
cionavam o oxigênio inspirado com o calor perdido
pelo corpo, conforme Kuhn [5], que permitiram que as
primeiras idéias sobre o balanço de energia começassem
a ser consideradas. Os conceitos de Lavoisier sobre a
bioqúımica e relacionados à oxidação do sangue foram
retomados pelo médico alemão Julius Robert Mayer
(1814-1878). Em 1840. Mayer estava a serviço da ma-
rinha holandesa, na ilha de Java [14], quando perce-
beu que o sangue de seus pacientes, no clima mais
quente, era mais escuro do que no clima mais frio da
Europa, e associou esta diferença da cor a maior quan-
tidade de oxigênio no sangue, nas condições tropicais
da ilha, causadas pela menor combustão dos alimentos
para manter o calor do corpo [15]. Destas observações
Mayer concluiu que a energia mecânica dos músculos
provinha da energia qúımica dos alimentos, sendo in-
tercambiáveis a energia mecânica, o calor e a energia
qúımica [15]. Mayer considerou que a oxidação in-
terna deve balancear-se com respeito à perda de calor
pelo corpo bem como com respeito à atividade f́ısica
que o corpo desempenha, conforme Kuhn [5]. Eis áı o
prinćıpio da conservação da energia e da equivalência
dos processos de conversão de energia.
Um dado interessante sobre o pioneirismo do avanço
da engenharia do vapor, termo bastante frequente em
Kuhn [5], é o fato, conforme descrito por Hogben [6,
p. 59], de “Boulton e Watt terem vencido a descon-
fiança contra a máquina a vapor graças a uma curiosa
cláusula de venda do seu produto que consistia, en-
quanto vigorasse a patente - entre 1769 e 1800 - na
concordância de que os compradores da máquina pa-
gassem um prêmio igual à terça parte da economia de
combust́ıvel conseguida pela substituição da máquina
de Newcomen pela de Watt”. O que significava basear
o lucro dos dois sócios no custo da produção de ener-
gia [6]. A necessidade de se determinar com precisão o
custo da energia produzida fez com que a determinação
de fatores de conversão, como o equivalente mecânico
do calor, passasse a ser uma exigência dos novos tempos
em que a máquina a vapor passou a ter um importante
papel na economia. Porém medir não é, e nunca foi,
tarefa fácil: vários sistemas, instrumentos e métodos
tiveram de ser desenvolvidos, além de meios para se
evitar a fraude, como um contador mecânico fixo ao
eixo da máquina que servia para contar o número de
cursos do êmbolo e que era mantido em caixa fechada
Os experimentos de Joule e a primeira lei da termodinâmica 3603-3
à chave, conforme citado por Hogben [6, p. 59].
Sobre o significado da energia e do prinćıpio da con-
servação da energia, é interessante reler a passagem
que Poincaré escreveu em seu livro Ciência e Hipótese,
em 1902 [16, p. 143]: “não nos resta mais que um
enunciado para o prinćıpio da conservação da ener-
gia; existe alguma coisa que permanece constante” -
“sob esta forma ele se acha protegido da experiência
e se reduz a uma espécie de tautologia”. No mesmo
artigo, descrevendo sobre a termodinâmica, Poincaré
repete o prefácio do seu livro de termodinâmica de
1892, Poincaré [7], perguntando : “por que o primeiro
prinćıpio ocupa um lugar privilegiado entre todas as
leis da f́ısica?”. Ele responde que rejeitar o primeiro
prinćıpio implicaria aceitar a possibilidade do movi-
mento perpétuo.
Ao se tentar vislumbrar o que existia, quais eram as
idéias dominantes e as condições de trabalho para um
pesquisador, há um século e meio, não se deve esque-
cer das dificuldades de comunicação e de circulação de
idéias. Um exemplo que ilustra bem este contexto é a
nota explicativa de Clausius [17] , na qual reconheceu
que apesar de a obra de Carnot [18] ser a referência mais
importante de seu trabalho ainda não havia conseguido
uma cópia da mesma e que se familiarizara com ela
através dos trabalhos de Émile Clapeyron (1799-1864)
e Thomson (Lorde Kelvin) (1824-1907). Tais dificul-
dades ocorriam apesar da proximidade geográfica entre
a França e a Alemanha.
3. O prinćıpio da equivalência
A forma como estudamos ou ensinamos termodinâmica,
hoje, quase não nos permite compreender a importância
da descoberta do prinćıpio da equivalência mecânica do
calor ou da “equivalência da unidade de calor” [17], ou
o “equivalente mecânico da caloria”, conforme Nussen-
zveig [19]. Após uma retrospectiva histórica conclui-se
que o seu papel transcendeu a mera determinação de
um coeficiente de conversão de unidades e foi deter-
minante para o desenvolvimento do prinćıpio de con-
servação da energia na sua forma geral.
Com a adoção do sistema internacional de unidades
de medidas – SI e a utilização da unidade Joule (J) para
energia o fator de conversão entre a unidade de ener-
gia de origem térmica e a unidade de energia de origem
mecânica praticamente foi apagado dos livros de ter-
modinâmica. No entanto, este problema esteve no cen-
tro das atenções de importantes pesquisadores ao longo
da primeira metade do século XIX e, segundo Kuhn [5],
doze pessoas entre 1830 e 1850, de forma mais ou menos
independente e em vários páıses da Europa, ocuparam-
se do problema da conservação da energia. Nesta lista,
encontramos os seguintes nomes: Mayer, Joule, Cold-
ing, Helmholtz, Sadi Carnot, Marc Séguin, Boltzmann,
Hirn, Mohr, Grove, Faraday e Liebig. Apesar de Kuhn
ter inclúıdo Carnot, não é certa a data em que teria
descoberto o equivalente mecânico do calor pois este
resultado que aparece em suas notas póstumas pode
ter sido obtido entre 1824 e 1832. Benjamin Thompson
(Conde Rumford) também se ocupou do problema do
equivalente mecânico, talvez em 1788.
Seguir as pegadas deixadas no tempo sobre os es-
forços realizados para a determinação do equivalente
mecânico do calor representa um desafio aos que se in-
teressam pela história da ciência e da termodinâmica,
em particular. Segundo Poincaré [7], já em 1892, era
muito dif́ıcil saber a quem se devia a honra da des-
coberta do prinćıpio da equivalência entre calor e tra-
balho mecânico.
3.1. O pioneirismo de Rumford e o “azar” de
Mayer
Benjamin Thompson (1753-1814), o conde Rumford,
nasceu nos EUA e realizou a maior parte de suas
pesquisas sobre transferência de calor, em Munique-
Alemanha, onde permaneceu por 14 anos, até 1798 [20].
Outros aspectos curiosos de sua biografia incluem, ao
que tudo indica, ter sido espião a serviço do governo
inglês, e ter-se casado com a viúva de Lavoisier, morto
na guilhotina durante a revolução francesa [20]. Obser-
vando a fabricação de canhões quando era diretor do
arsenal de Munique concluiu que o aquecimento provo-
cado pelo atrito entre a broca e o tubo de canhão po-
dia gerar calor, indefinidamente. Tal conclusão der-
rubava a teoria do calórico que era defendida por vários
pesquisadores. O calórico era visto como um fluido
imponderável contido nos materiais e, portanto, a sua
quantidade deveria ser finita. Com o aux́ılio de uma
junta de cavalos Rumford fez girar um tubo de canhão
de bronze contendo em seu interior uma bucha que,
devido ao atrito, liberava o calor que causava o der-
retimento de gelo ou a ebulição da água colocados em
contato, em volta do tubo [3, 20, 21]. Eis o comentário
de Rumford, conforme Goldstein [20], “o calor gerado
por atrito, nesses experimentos, era ilimitado... o que
me pareceu extremamente dif́ıcil, ou quase imposśıvel,
imaginar qualquer coisa capaz de ser provocada e comu-
nicada, nesses experimentos, exceto pelo movimento”.
Ganhava força a associação entre calor e movimento ou
vibração das part́ıculas. Mesmo após as observações
emṕıricas de Rumford a teoria do calórico ainda conti-
nuou sendo admitida por diversos pesquisadores, como
Carnot [18] e Kelvin. Rumford também determinou,
através dessas observações e com os conhecimentos de
calorimetria da época, que o equivalente mecânico do
calor valia 5,5 J/cal, conforme dado apresentado por
Prigogine e Kondepudi [21].Mayer considerou que era preciso fornecer uma
quantidade maior de calor para provocar uma diferença
de temperaturas ∆T em uma determinada massa de gás
a pressão constante do que a volume constante e que o
calor adicional era equivalente ao trabalho realizado so-
3603-4 Passos
bre a atmosfera para aumentar de ∆V = m∆v o volume
do gás, conforme as Refs. [4] e [6]. Na equação, abaixo,
é apresentada a formulação matemática do racioćınio
de Mayer, seguindo a notação matemática de nossos
dias
J [mcp∆T −mcv∆T ] = W = pm∆v, (1)
onde J , m, cp, cv, W , p e ∆v representam o equiva-
lente mecânico do calor, a massa do sistema, o calor
espećıfico a pressão constante, o calor espećıfico a volu-
me constante, o trabalho de expansão do gás, a pressão
e a variação do volume espećıfico. A Eq. (1) pode ser
reescrita da seguinte forma
J (cp − cv) = p
(
dv
dT
)
p
. (2)
Utilizando os valores de cp e cv aceitos em sua época,
Mayer obteve J = 365 kgm/kcal [3], e publicou os seus
resultados em 1842.
Hoje, trabalhando no SI, demonstra-se sem dificul-
dades que a expressão geral para a diferença (cp – cv)
é fornecida pela equação seguinte [22]
cp − cv = T
(
∂p
∂T
)
v
(
∂v
∂T
)
+ T
(
∂v
∂T
)
p
(
∂p
∂T
)
, (3)
que aplicando-se a um processo a pressão constante,
como no problema de Mayer, obtém-se
cp − cv = T
(
∂p
∂T
)
v
(
∂v
∂T
)
p
. (4)
As Eqs. (1) e (4), quando aplicadas a um gás per-
feito, pv = RT, onde R representa a constante do gás,
conduz, no SI, à equação conhecida como equação de
Mayer
cp − cv = R (5)
c
Tabela 1 - Dados sobre a determinação do equivalente mecânico do calor.
Ano Autor Detalhamento e referências Equivalente mecânico
1788 Benjamim Thomp-
son (Conde de
Rumford) (1753-
1814)
Com cilindros metálicos mergulhados em água através do atrito fez
ferver a água [21].
Na condição de diretor do Arsenal de Munich, Rumford fez com que
dois cavalos fizessem girar no interior de um tubo de canhão de bronze,
envolto por 13 litros de água, uma peça. Ao final de duas horas a água
começou a ferver [3].
5,5 J/cal =
560,65 kgf.m/kcal
1824-1832 Sadi Carnot (1796-
1832)
[28] 3,7 J/cal =
377,17 kgf.m/kcal
1842 Julius Robert
Mayer
(1814-1878)
Obteve o equivalente mecânico por meio de cálculo para o ar [3, 13]. 3,6 J/cal =
365 kgf.m/kcal
1854 Hirn A experimento de Hirn consistia de um cilindro girante no interior de
outro cilindro, cujo espaço anular entre os cilindros era preenchido com
um ĺıquido em escoamento cujas temperaturas de entrada e sáıda eram
medidas. Com uma balança media-se o torque exercido sobre o tambor
externo.
Joule [29] faz referência à seriedade do trabalho de Hirn sobre o equi-
valente mecânico.
3,6 J/cal =
370 kgf.m/kcal
4,2 J/cal =
432 kgf.m/kcal
1875 Maxwell Experimento semelhante ao de Hirn. Utilizou, porém, canais cônicos,
com o eixo de revolução vertical.
Não encontrado
d
Comparando as Eqs. (2) e (4) vê-se que Mayer
chegou a um resultado correto, considerando os valo-
res de cp e cv de sua época, por vias errôneas, pois a
Eq. (1) só é correta para um gás perfeito, ver Ref. [23].
De acordo com Maury [24], Mayer foi o mais
“azarado” dos pesquisadores pois, embora tenha publi-
cado os seus resultados sobre o equivalente mecânico do
calor, em maio de 1842, foi Joule quem teve o próprio
nome imortalizado como unidade de energia do SI. De
acordo com Bruhat [3], Mayer também foi o primeiro a
formular, em 1845, o prinćıpio geral de conservação da
energia e sugeriu aplicá-lo aos fenômenos elétricos, às
reações qúımicas e aos processos biológicos. Na Tabela
1, são resumidos os valores do equivalente mecânico do
calor obtidos por diferentes autores e as descrições re-
sumidas dos métodos empregados. Os valores obtidos
por Joule serão apresentados na próxima sub-seção.
3.2. Os experimentos de Joule
James Prescott Joule (1818-1889) caracterizou-se por
ter realizado várias contribuições importantes para a
termodinâmica, a principal delas um minucioso e perse-
verante trabalho experimental para determinar o equi-
valente mecânico do calor onde, ao longo de 35 anos,
aperfeiçoou métodos experimentais a fim de conseguir
crescente precisão, como se observa em seus sucessivos
trabalhos [25, 26, 29]. Chegou a estudar com Dalton
por dois anos, em um grupo privado de estudantes, fi-
lhos de famı́lias que professavam a doutrina quacre [27],
Os experimentos de Joule e a primeira lei da termodinâmica 3603-5
de quem recebeu grande influência, mas foi um cien-
tista “amador” filho de proprietário de uma cervejaria
[21]. Realizou os seus trabalhos experimentais em Oak
Field, perto de Manchester, na Inglaterra. Um traço
comum a Joule e Mayer é que tendo sido ambos cien-
tistas “amadores” tiveram dificuldades para apresentar
os seus resultados perante as Academias de Ciências.
A precisão ou incerteza experimental do valor do
equivalente mecânico do calor dependia da precisão dos
valores dos calores espećıficos de várias substâncias.
Joule [26, 29] analisou os diferentes métodos até então
empregados: como o do caloŕımetro empregado por
Lavoisier e Laplace, o de dois corpos com massas co-
nhecidas a temperaturas diferentes colocados em con-
tato, e um terceiro que consistia em comparar as taxas
de resfriamento de diferentes materiais submetidos às
mesmas condições de resfriamento. Considerou que
poderia obter melhor precisão com um novo método
[26], baseado na dissipação de calor em um corpo atra-
vessado por uma corrente elétrica. Este fenômeno é
hoje conhecido como efeito Joule. A quantidade de
calor dissipado quando uma corrente elétrica de inten-
sidade i atravessa um fio com resistência elétrica R,
durante um intervalo de tempo t, é Q = Ri2t. Joule
utilizou dois fios de platina de mesma resistência, com
os mesmos comprimentos e diâmetros, o primeiro mer-
gulhado em água e o segundo em outro ĺıquido, cujo
calor espećıfico devia ser determinado, ambos ligados
em série e fazendo parte de um mesmo circuito elétrico
alimentado por uma bateria. Após um intervalo de
tempo de 5 a 10 min e tendo medido a variação de tem-
peratura no ĺıquido e na água podia-se chegar ao calor
espećıfico. Uma das dificuldades era a necessidade de se
medir com precisão a corrente elétrica, o que exigia gal-
vanômetros suficientemente precisos, tarefa não muito
fácil, em 1845. O método exigia, ainda, a determinação
experimental da capacidade térmica dos vasos utiliza-
dos, cuja espessura de parede era bem fina de forma
a se chegar a uma capacidade térmica bem menor do
que a do material nele contido e podia ser aplicado na
determinação do calor espećıfico de sólidos e gases.
As publicações de Joule [8] mostram um conjunto
de estudos com forte embasamento experimental que
certamente pesaram para que o seu nome ficasse mais
fortemente associado à determinação do equivalente
mecânico do calor, além, é claro, de ter tido o privilégio
de ter suas idéias defendidas por William Thomson
(lorde Kelvin), um dos mais respeitados cientistas da
época. O primeiro encontro entre William Thomson e
Joule ocorreu em 1847, [27]. Joule [29] relembra a sua
primeira comunicação à Sociedade Real da Inglaterra,
em 1843, e à qual retornava a fim de apresentar o “valor
exato” do equivalente mecânico do calor, cuja comu-
nicação foi feita por Michel Faraday. O artigo de Joule
[26] demonstra que foi realizado um cuidadoso e meticu-
loso trabalho experimental, com a repetição de vários
testes e a análise estat́ıstica dos resultados. Chama
atenção a informação sobre a incerteza do termômetro,
cerca de 0,008 ◦F (= 0,0044 ◦C), utilizado para medir
a temperatura do banho, o que, mesmo para os dias de
hoje seria algo bastante duvidoso. Na Fig. 1 é apresen-
tado o esquema do caloŕımetro utilizado. Vários outros
detalhes do aparato foram omitidos, como os três com-
partimentos de madeira que compõem o aparato a fim
de reduzir perdasde calor para o exterior, além de su-
portes hidráulicos para o caloŕımetro que mostram que
Joule era um minucioso experimentalista. Todos os re-
sultados foram apresentados em forma de tabelas. O
caloŕımetro era um vaso ciĺındrico de latão contendo
em seu interior placas verticais fixas, em intervalos de
90◦ e um agitador com dez pás presas a um eixo ver-
tical capaz de girar quando as massas totais M , si-
tuadas no exterior, cáıam de uma altura H, conforme
mostrado na Fig. 1. Várias operações de descida das
massas eram repetidas enquanto o número de rotações
do eixo era determinado por um contador. A variação
de energia potencial da massa total M transmitida ao
eixo proporcionava o aquecimento do ĺıquido contido no
caloŕımetro devido ao atrito com as pás em movimento.
Figura 1 - Esquema do caloŕımetro utilizado por Joule [25].
Diâmetro: 0,84 m; altura: 0,34 m.
A fim de determinar, com precisão, a capacidade
térmica do latão que constitúıa o caloŕımetro, Joule
não se contentou em utilizar dados aceitos à época e
construiu um aparato auxiliar para a determinação do
calor espećıfico utilizando um bloco compacto de latão
conformado a partir do mesmo material utilizado na
fabricação do caloŕımetro e das pás, conforme a Fig. 2.
O bloco de latão era aquecido por três horas, suspenso
por um fio no interior de um poço C aquecido por um
banho de água, este aquecido com o aux́ılio de um bico
de Bunsen b. O banho de água era aquecido de forma
homogênea com o aux́ılio de um misturador S munido
de pás e mantido em rotação. Após três horas, o bloco
aquecido era retirado, rapidamente, a temperatura do
3603-6 Passos
banho anotada e mergulhado em um outro vaso com
água destilada à temperatura uniforme. Cinco minutos
após, era anotada a temperatura e realizado o balanço
de energia, determinando-se o calor espećıfico do latão.
A fim de calcular a incerteza experimental dos resul-
tados, também determinou o calor espećıfico do co-
bre. Joule analisou, ainda, a influência da tempera-
tura do ar exterior sobre as medições de temperatura
no caloŕımetro. Os valores do equivalente mecânico
obtidos por Joule foram: 424,77 kgf.m/kcal, utilizando
água, 435,36 kgf.m/kcal, mediante o resfriamento do ar
por rarefação e 451,66 kgf.m/kcal, utilizando um ex-
perimento eletro-magnético [26]. Em publicações pos-
teriores, forneceu os valores de 424 kgf.m/kcal, em
1850, com um experimento de atrito em fluidos, e
429,4 kgf.m/kcal, em 1867, com um experimento de
dissipação do calor em uma resistência elétrica per-
corrida por corrente elétrica [25]. Os últimos valo-
res do equivalente mecânico fornecidos por Joule [25]
foram bem próximos de 424 kgf.m/kcal (= 772,55
lbf.pé/BTU). O valor aceito, hoje, é 427 kgf.m/kcal (=
778,16 lbf.pé/BTU). Como se pode observar, além da
experiência clássica, Fig. (1), Joule também utilizou
outras formas de energia, além da mecânica, como o
calor dissipado por uma resistência elétrica, em uma
experiência realizada em 1867.
Figura 2 - Aparato auxiliar para a determinação dos calores
espećıficos do latão e do cobre [26].
Eis como Joule conclui um de seus trabalhos, con-
forme citado por Prigogine e Kondepudi [21, p. 34],
“De fato, os fenômenos naturais, sejam eles mecânicos,
qúımicos ou da vida, consistem quase unicamente em
conversão entre a atração através do espaço (energia
potencial), a força viva (energia cinética) e o calor.
É assim que a ordem é mantida no universo - nada
é perturbado, nada é nunca mais perdido, mas toda
máquina, por mais complicada que seja, trabalha de
forma continuada e harmoniosa” e conclui da seguinte
forma “no entanto tudo é preservado com a mais per-
feita das regularidades – o todo sendo governado pela
soberana vontade de Deus”.
4. Conclusões
A formulação geral do prinćıpio de conservação da ener-
gia exigiu um longo processo de amadurecimento até
ter sido demonstrado, de forma experimental, não ape-
nas que a energia se conserva mas que os diversos tipos
de energia são equivalentes. Vários pesquisadores es-
tiveram trabalhando, de forma mais ou menos inde-
pendente, sobre o problema do equivalente mecânico
do calor. Destaque-se a mente iluminada de Mayer que
conseguiu, a partir dos fenômenos relacionados à fisiolo-
gia da respiração e da análise do corpo humano, visto
como uma máquina, generalizar o prinćıpio de con-
servação da energia para diferentes fenômenos. Mayer,
porém, obteve menor reconhecimento do que Joule, em-
bora tenha enunciado o prinćıpio da equivalência entre
trabalho e calor, em maio de 1842, um ano e meio antes
da publicação de Joule. Este último, apesar de ter pu-
blicado os resultados da sua análise sobre o prinćıpio
da equivalência, somente em agosto 1843, realizou um
meticuloso e criativo trabalho experimental que levou a
comunidade cient́ıfica a imortalizá-lo ao associar o seu
nome à unidade de energia, no sistema internacional
de unidades. Sem dúvida, o apoio de William Thom-
son, o lorde Kelvin, a suas idéias também contribúıram
para a sua glória. A presente pesquisa também mostra
que Poincaré [7], em seu livro sobre termodinâmica, de
1892, chama o primeiro prinćıpio da termodinâmica de
prinćıpio de Mayer, conforme mostrado no Anexo.
Agradecimentos
O autor agradece o apoio do CNPq e o incentivo que
tem recebido de colegas e estudantes através dos co-
mentários recebidos, e ao revisor deste trabalho pelos
questionamentos e sugestões apresentados.
Apêndice - Formulações distintas para o
primeiro prinćıpio da termodinâmica
A seguir, são apresentadas diferentes formulações para
o primeiro prinćıpio da termodinâmica. Embora to-
das essas formulações sejam equivalentes, representam
diferentes caminhos para tentar explicar o que Henri
Poincaré (1854-1912) chamou de espécie de tautologia
do primeiro prinćıpio [16], conforme ressaltado na seção
2 do presente artigo.
A.1 Formulação de Poincaré
Sonntag et al. [30], por exemplo, apresentam o prin-
ćıpio da conservação da energia partindo da formulação
do prinćıpio da equivalência tal como apresentado por
Poincaré [7]. Bejan [4] nomeia este enfoque de esquema
de Poincaré que por sua vez chama o primeiro prinćıpio
da termodinâmica de prinćıpio de Mayer [7]. De acordo
com esta formulação, em um sistema fechado submetido
Os experimentos de Joule e a primeira lei da termodinâmica 3603-7
a uma transformação ćıclica, a integral ćıclica do calor
é igual à integral ćıclica do trabalho [7]
J
∮
δQ =
∮
δW. (A-1)
A Eq. (A-1) pode ser aplicada à água contida no
caloŕımetro de Joule (ver Fig. 1). Considerando-se uma
transformação adiabática 1-2 em que o sistema-água é
aquecido devido ao atrito com as pás do eixo que gira
ao receber o trabalho
1W2 = MgH = mcp(T2 − T1). (A-2)
Para que o sistema retorne ao estado 1, retira-se
o isolamento térmico do caloŕımetro permitindo que o
sistema perca calor para o exterior, durante a trans-
formação 2-1, 2Q1 = mcp(T1−T2), com M mantida na
posição h = 0, 2W1 = 0.
Uma vez aceito como verdadeiro o prinćıpio da
equivalência entre calor e trabalho tal como formulado
na Eq. (A-1), demonstra-se que a diferença Q−W in-
depende da transformação, sendo função apenas dos es-
tados inicial e final e que, portanto, trata-se de algo que
se conserva. Na Fig. A-1 é apresentado um esquema
que permite que se aplique a Eq. (A-1) e se obtenha
o seguinte resultado, para duas transformações ćıclicas
1A2C1 e 1B2C1
(1Q2 −1 W2)A = (1Q2 −1 W2)B = U2 − U1, (A-3)
onde U1 e U2 representam as energias internas nos es-
tados inicial e final, respectivamente.
2
p
re
ss
ão
volume
1
A B
C
Figura A1 - Esquema para a demonstração da invariabili-
dade de (Q−W ) em um processo.
A.2 Formulação de Carathéodory
Borel [22] apresenta o seguinte enunciado do primeiro
prinćıpio da termodinâmica: “para se fazer passar um
sistema termodinâmico, adiabático e fechado,de um
estado 1 a um estado 2, é necessário que o meio ex-
terior realize um certo trabalho sobre o sistema. Este
trabalho é independente: a) da sucessão de estados in-
termediários entre os estados inicial -1 e final -2 ; b) do
tipo de energia – mecânica , elétrica ou outra. Mate-
maticamente, tem-se
∆U ≡ U2 − U1 = −1W2, (A-4)
onde ∆U e 1W2 representam a variação de energia
interna, entre os estados final e inicial, e o trabalho
que o meio exterior realiza sobre o sistema, respecti-
vamente. O sinal negativo diante do trabalho é uma
questão de convenção que, neste caso, considera posi-
tivo o trabalho que o sistema realiza sobre o meio ex-
terior. Esta também é considerada uma notação coe-
rente com o funcionamento de uma máquina térmica.
Como observado por Fermi [31], a Eq. (A-4) é conside-
rada uma definição experimental para a energia interna
do sistema. A Eq. (A-4) é também uma representação
matemática do experimento de Joule e informa que o
trabalho em um processo adiabático não depende do
caminho, o que ficou provado pelos resultados de Joule.
O enfoque apresentado por Borel [22] também é ado-
tado por Moran e Shapiro [32] e representa a segunda
forma de apresentar o primeiro prinćıpio e é atribúıda
a Carathéodory, conforme Bejan [4].
A.3 Formulação de Keenan e Shapiro
Uma terceira formulação atribúıda a Keenan e Shapiro
[4], e análoga à da Eq. (A-4) considera uma trans-
formação sem realização de trabalho
∆U ≡ U2 − U1 = 1Q2, (A-5)
onde 1Q2 representa o calor fornecido do meio exterior
ao sistema. Neste caso, o calor em um processo sem
trabalho não depende do caminho.
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[27] C. Smith, The Science of Energy – A Cultural History
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[29] J.P. Joule, On the Mechanical Equivalent of Heat, 1849,
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 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 492 
DOI: 10.5007/2175-7941.2013v30n3p492 
CONCEPÇÕES SOBRE A NATUREZA DO CALOR 
EM DIFERENTES CONTEXTOS HISTÓRICOS + * 
 
Ana Paula Bispo Silva 
Departamento de Física 
Universidade Estadual da Paraíba 
Campina Grande – PB 
Thaís Cyrino de Mello Forato 
Departamento de Ciências Exatas e da Terra 
Universidade Federal de São Paulo 
Diadema – SP 
José Leandro de A. M. Costa Gomes 
Departamento Acadêmico 
Instituto Federal de Alagoas 
Arapiraca – AL 
Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática 
Universidade Estadual da Paraíba 
Campina Grande – PB 
Resumo 
As diversas interpretações que o conceito de calor apresentou ao 
longo da história ilustram exemplos de mudanças que ocorrem na 
ciência, e, estabelecem modos particulares de se observar e se in-
terpretar os fenômenos, vinculados ao contexto histórico de cada 
sociedade. Compreender tais mudanças, em seus respectivos arca-
bouços teóricos, pode fornecer exemplos explícitos, para o ensino 
de ciências, de que a ciência não progride linearmente, bem como 
criticar a existência de verdades finais. Além disso, pode-se co-
 
+
 The nature of heat in different historic contexts 
* Recebido: abril de 2013. 
 Aceito: agosto de 2013. 
Silva, A. P. B. et al. 493 
nhecer inúmeros fatores que interferem na construção da ciência, 
mostrando que as observações são influenciadas teoricamente e 
estão sujeitas ao contexto social de cada época. Com tais objeti-
vos, este trabalho pretende explorar alguns episódios delimitados 
da história do calor desde a Antiguidade até o século XVIII. Fo-
ram escolhidos alguns eventos que apresentam distintas teorias 
contemporâneas, enfatizando duas ou mais interpretações para o 
mesmo fenômeno, e como elas influenciam a adoção de diferentes 
explicações para a natureza do calor. Discute-se como não é pos-
sível optar por uma explicação sobre o calor sem admitir concep-
ções teóricas para o funcionamento da natureza. Esta narrativa 
histórica é voltada para professores e constitui parte de uma pes-
quisa que desenvolveu uma metodologia para inserção da história 
da termodinâmica na escola básica. 
 
Palavras-chave: Calor. História das ciências. Natureza das ciên-
cias. Ensino de ciências. 
 
Abstract 
The multiple meanings that a concept can have throughout history 
illustrate changes in science. Once the nature of something is 
defined, its consequences involve a change in the way of looking at 
and interpreting phenomena and vice versa. Attempts at 
understanding how a concept haschanged requires knowing the 
context of the science and a given society, namely where and when 
the change is taking place. Such a complex requirement can be 
applied in the context of Science teaching as a way to explicitly 
demonstrate the nonlinear advance of science and the inexistence 
of final truths, among other issues related to the nature of science 
such as the importance of the social context and that observations 
are theory-laden. With these goals, this paper intends to explore 
the complex history of the concept of heat from antiquity until the 
18th century. We chose to divide the history of heat into some 
historical moments which can show antagonistic theses. We fo-
cused on showing two or more interpretations of the same 
phenomenon and how these interpretations contributed to adopting 
a different theory of the nature of heat. This paper is part of a 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 494 
study which intends to prepare historical material for teachers and 
High School students linking historiography of science and 
educational aspects. 
Keywords: Heat. History of science. Nature of science. Science 
Education. 
I. Introdução 
O estudo das interpretações que um fenômeno, ou de um grupo de fenô-
menos, recebeu ao longo da história, abarca uma infinidade de perspectivas, o que 
requer a definição de recortes bem delimitados para o enfoque, tanto do ponto de 
vista temporal, quanto temático. Este trabalho faz uma opção pelo recorte temático 
– algumas diferentes interpretações que o conceito de calor apresentou ao longo da 
história –, ao invés do estudo de um único episódio histórico. Contudo, não é ele-
mentar enfrentar o desafio de se construir uma versão histórica que contemple um 
amplo período sem incorrer em equívocos historiográficos que ocasionam proble-
mas epistemológicos (MARTINS, 2001). Tal escolha foi motivada pelos propósi-
tos educacionais postos pela pesquisa para uma dissertação de mestrado, para a 
qual tal narrativa foi inicialmente construída. Essa versão aqui apresentada, de 
aspectos da história da termodinâmica, configura-se a síntese histórica que funda-
menta a construção de uma proposta didático-metodológica para a escola básica
1
. 
Além disso, pretende-se que esta narrativa possa ser útil a todo professor que tenha 
interesse em utilizar uma abordagem histórica sobre o calor, tanto na escola básica, 
quanto na formação inicial ou continuada de professores. 
Buscou-se atender aos requisitos da nova historiografia da história das ci-
ências (KRAGH, 1987; MARTINS, 2004), mas sempre tendo em vista o contexto 
educacional e os objetivos formativos estabelecidos pela pesquisa, bem como as 
recomendações para a transposição didática da História e Filosofia das Ciências 
(HFC) para a sala de aula (FORATO, 2009). Desse modo, atendendo aos nossos 
principais objetivos educacionais, esta abordagem histórica busca favorecer o a-
prendizado de conceitos das ciências, tanto quanto a compreensão de aspectos da 
natureza das ciências. 
 
1 Tal proposta busca atender as solicitações da literatura especializada, por exem-
plo, explicitada por André Martins (2007), exemplificando ações concretas para a 
sala de aula, e será objeto de outra publicação. 
Silva, A. P. B. et al. 495 
Como objetivos epistemológicos pretende-se oferecer exemplos históricos 
que permitam problematizar algumas das concepções deformadas sobre as ciên-
cias, presentes no ambiente educacional, apontadas por Gil-Pérez e colaboradores 
(2001), basicamente concepções empírico-indutivistas ingênuas e a-teóricas, a-
históricas, dogmáticas, elitistas, exclusivamente analíticas, acumulativas e lineares 
dos processos históricos, protagonizados por insights individuais de grandes gê-
nios. 
Conciliar as exigências da metodologia histórica com as necessidades da 
didática das ciências requereu enfrentar obstáculos, além de se fazerem escolhas 
que significaram, necessariamente, a assunção de alguns riscos (FORATO et al., 
2011). Fizemos algumas opções visando abordar certos aspectos contextuais e 
buscamos, na medida do possível, evitar reducionismos e simplificações, ao mes-
mo tempo em que pretendemos apresentar uma história complexa, que transcende 
uma divisão analítica da ciência e é rica quanto à influência que teve e proporcio-
nou à ciência e à técnica. O principal referencial teórico que utilizamos para sele-
cionar conteúdos e seus enfoques, visando a coerência com os objetivos pedagógi-
cos e epistemológicos estabelecidos, são os parâmetros para a transposição didática 
da HFC para a sala de aula propostos por Forato (2009). Um dos desafios aponta-
dos pelos parâmetros é a mediação entre omissão, simplificação e ênfase. Os riscos 
envolvem, por exemplo, negligenciar e omitir aspectos conceituais de inúmeras 
teorias contemporâneas diferentes, sugerir indevidamente uma evolução linear da 
ciência, ou ainda, omitir aspectos pessoais, sociais e políticos, apresentando uma 
ciência objetiva. Por outro lado, uma crítica exagerada ao empirismo ingênuo, 
pode fomentar o relativismo. Buscamos minimizar tal problema, tanto no enfoque 
narrativo, quanto indicando algumas referências ao longo do texto, nas quais o 
leitor poderá aprofundar-se nos aspectos omitidos. 
Assim, apresentamos inicialmente as interpretações de fenômenos quanto 
à natureza do calor, dentro das concepções de alguns filósofos da Antiguidade 
clássica e que são reinterpretados, de certa forma, no arcabouço alquímico de al-
guns pensadores. Posteriormente, exploramos alguns pontos das discordâncias 
quanto à natureza substancial do calor ou relativa ao movimento, detalhando certos 
aspectos dos estudos do século XVIII, quando surge uma compreensão do calor 
como energia, claro, diferente do que consideramos hoje. 
II. O calor na Antiguidade 
Um estudo sobre as explicações para calor na Antiguidade nos leva, inva-
riavelmente, à compreensão que se tinha na época sobre o Universo. Isto porque, 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 496 
na Antiguidade, havia um grande enfoque voltado para questões cosmogônicas na 
construção de explicações sobre o mundo natural, ainda que existissem também a 
preocupação com questões práticas. 
Dentro da interpretação cosmogônica, calor está relacionado ao elemento 
Fogo para vários pensadores, e este último assumiu vários significados. Por exem-
plo, Empédocles de Agrigento (493-433 a.C), filósofo pré-socrático, propunha que 
o Fogo correspondia a um dos elementos primordiais, assim como a Terra, Água e 
Ar, que se unem em diferentes proporções para formar todas as coisas. Haveria 
ciclos no Universo em que estas coisas estariam sujeitas a união, pela força do 
amor; ou à separação, pelo ódio. Assim, se formaram a Terra, o Sol, a Lua, etc., 
tudo aquilo que existe no mundo (MARTINS, 2012, p. 46). Empédocles não estava 
preocupado com questões como a temperatura dos corpos, funcionamento de ins-
trumentos, ou qualquer causa de outros fenômenos em que o Fogo estivesse en-
volvido. Sua preocupação era explicar do que o Universo era constituído, ou seja, 
estava preocupado com a natureza dos seres e de tudo aquilo que formava o Uni-
verso, assim como vários outros filósofos do mesmo período
2
. 
Possivelmente influenciado por Empédocles, Aristóteles (384-322 a. C.) 
adotou a ideia dos quatro elementos e associou-lhes propriedades como umidade e 
secura, quentura e frieza, além de adicionar um quinto elemento para explicar o 
mundo natural, o éter (a quinta essência), elemento constituinte dos corpos celes-
tes, ao qual não é associada qualquer propriedade desse tipo (MARTINS, 2012, p. 
91).Aristóteles acrescentava à constituição do Universo, a necessidade de explicar 
a causa daquilo que existia, o que ampliava o conhecimento da natureza. Segundo 
ele, seria possível atribuir a constituição e propriedades de qualquer corpo existen-
te, em função da proporção de elementos primordiais que ele continha. Assim, à 
fumaça, por exemplo, que era constituída de Fogo e Ar, poderia ser atribuída as 
propriedades características destes elementos, como quentura e secura. Aristóteles 
ainda associava movimentos naturais aos elementos primordiais. Para ele, Fogo e 
Ar possuem o movimento natural reto para cima, enquanto Terra e Água possuem 
movimento natural reto para baixo. Ou seja, a fumaça irá possuir movimento natu-
ral para cima, tendendo a “subir”, assim como a chama de uma vela, que queima 
para cima, ainda que a vela seja colocada de cabeça para baixo. A associação feita 
por Aristóteles, em relação a Empédocles, já mostrava outra tendência do pensa-
mento filosófico, que não se restringia a explicar a criação do Universo, mas tam-
 
2
 Outra concepção de fogo aparece em Heráclito, de Éfeso, que considerava o Fogo a maté-
ria básica do Universo (<http://plato.stanford.edu/entries/heraclitus/>) . 
http://plato.stanford.edu/entries/heraclitus/
Silva, A. P. B. et al. 497 
bém pretendia explicar os fenômenos da natureza (ARISTÓTELES in COHEN e 
DRABKIN, 1958, p. 201). 
No mesmo período de Aristóteles, Epicuro (341-270 a.C.) defendia o a-
tomismo de Demócrito (~460 a.C.), em que o Universo e tudo que nele existia 
seria constituído por minúsculas partículas de diferentes formatos, denominadas 
átomos, que se enganchavam uns nos outros formando toda a matéria existente e 
cujas diferentes combinações e formatos explicavam todos os fenômenos naturais. 
Segundo os atomistas, o calor seria produzido por átomos esféricos que se movi-
mentariam livremente no espaço vazio entre os demais átomos
3
. 
Apesar de não apresentar uma explicação mais aprofundada sobre o calor, 
o atomismo de Epicuro estava, assim como Aristóteles, voltado para explicar as 
causas dos fenômenos. A escola atomista buscava explicar o mundo em termos de 
matéria e movimento, ao acaso, sem intervenção de seres sobrenaturais. Epicuro, 
particularmente, enfatizava sua utilidade para livrar o homem do temor de algum 
castigo eterno e da necessidade de atribuir o desconhecido aos deuses (MARTINS, 
2012, p. 49). Aristóteles foi um crítico do atomismo, principalmente quanto à exis-
tência do espaço vazio entre os átomos, mas não se pode afirmar nada quanto à sua 
crítica sobre a concepção de fogo, já que isso não está claro nem mesmo entre os 
atomistas (BARNETT, 1946a). A tradição aristotélica pressupunha que não existia 
o vazio (ou vácuo
4
) absoluto. Tal fato levava, consequentemente, aos estudos de 
pneumática no período, que buscavam entender se em um aparente vazio haveria 
uma combinação de ar com algum outro elemento. 
É buscando mostrar a inexistência do vácuo absoluto, e que o vácuo con-
tínuo só pode ser obtido artificialmente, que Heron de Alexandria (130 a.C.) pro-
põe a aeolípia, que às vezes é anacronicamente considerada como um primeiro 
modelo de máquina térmica. 
Alguns argumentam que não há vácuo absoluto; outros que, enquanto ne-
nhum vácuo contínuo é exibido na natureza, [este] será encontrado distri-
buído em pequenas porções através do ar, água, fogo, e todas as outras 
 
3
 É importante não comparar a ideia de átomo e espaços vazios dos atomistas da Antiguida-
de com modelos atômicos posteriores. Cada época interpreta tais princípios mediante dife-
rentes critérios. Sobre o atomismo de Demócrito, veja mais em 
<http://plato.stanford.edu/entries/democritus/>. 
4
 Na fonte traduzida para o inglês que utilizamos, a palavra usada por Aristóteles é void, o 
que pode significar vácuo ou vazio; enquanto que vácuo é expresso por vacuum. 
http://plato.stanford.edu/entries/democritus/
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 498 
substâncias: e esta última opinião, que demonstraremos aqui ser verdadeira 
para os fenômenos sensíveis, é a que adotamos (HERON DE ALEXAN-
DRIA in COHEN e DRABKIN, 1958, p. 249)5. 
A aeolípia consiste de um globo oco que gira em torno de um suporte de 
madeira, quando dois tubos presos em sua superfície são preenchidos com o vapor 
de água que sai de uma caldeira. A intenção seria mostrar que a combinação de 
elementos pode gerar o movimento e há sempre pequenas quantidades destes em 
qualquer espaço onde parece haver vazio total (HERON DE ALEXANDRIA in 
COHEN e DRABKIN, 1958, p. 255; BUSTOS e SOTELO, 2008). Heron chegou a 
utilizar o princípio de funcionamento da aeolípia (movimento gerado pelo aqueci-
mento do ar) para propor um método de abrir porta, conhecido como o famoso 
experimento dos “Portões de Alexandria” (HERON DE ALEXANDRIA in CO-
HEN e DRABKIN, p. 329-330). Entretanto, não havia nenhuma conjectura sobre a 
transformação de calor em trabalho mecânico nas suas hipóteses, apenas conside-
rações pneumáticas. Costuma-se considerar a aeolípia de Heron como a primeira 
máquina térmica, mas os conceitos de energia e de conversão entre modalidades de 
energia desenvolvem-se nos séculos XVIII e XIX
6
. Tais conceitos constituem-se a 
fundamentação teórica para explicar o funcionamento do que hoje denominamos 
máquina térmica. Se admitimos que o vocabulário próprio da ciência e da técnica 
pressupõe ideias, concepções de mundo e de conceitos intrínsecos a cada época, 
usá-los inadequadamente provoca inconsistências teóricas. Interpretar o passado 
mediante conceitos aceitos na ciência de outras épocas fomenta visões deformadas 
sobre a natureza da ciência (GIL-PÉREZ et al., 2001; MARTINS, 2001; 2006). 
Independente da natureza atribuída ao calor, porém, sob influência do 
pensamento aristotélico, outros instrumentos foram construídos baseados em fe-
nômenos em que havia aquecimento e resfriamento, como os primeiros termoscó-
pios. Em alguns deles, observa-se a referência aos elementos de Aristóteles, como 
a que Philo de Bizâncio (~200 a. C.) faz ao descrever o funcionamento do seu 
termoscópio: “Fogo, também, por sua natureza está muito relacionado com ar, e 
por esta razão, ar passa por ele” (PHILO in COHEN e DRABKIN, 1958, p. 255; 
 
5
 As traduções de extratos de fontes primárias ao longo do texto são de nossa responsabili-
dade. 
6
 Veja sobre a formulação do primeiro princípio da termodinâmica em Martins (1984). 
Mayer e Joule adotavam uma ideia de força para se referir ao que poderíamos considerar 
hoje como energia. Somente no século XIX é que as concepções de energia e trabalho co-
meçam a se definir, de modo como ainda as adotamos. 
Silva, A. P. B. et al. 499 
BARNETT, 1956). O termoscópio de Philo consistia em dois recipientes ligados 
por um tubo. Num dos recipientes colocava-se água, e deixava-se o outro, no for-
mato de uma esfera, vazio. A esfera era colocada na presença do Sol, e quando 
aquecida gerava bolhas na água, pois o Fogo seria transportado entre os recipientes 
através do ar que havia no tubo. Quando a esfera esfriava, a água subia pelo tubo. 
Com este instrumento, Philo conseguia mostrar a interação entre os quatro elemen-
tos e a transformação de um no outro, como pressupunha o pensamento aristotéli-
co. 
O mesmo princípio de combinação dos quatro elementos e suas proprie-
dades foi utilizado por Galeno (129-199) na construção de termoscópios. Os pri-
meiros termoscópios, que indicavam “graus” de calor ao estado do paciente, asso-
ciavam o aumento do “quente” às propriedades de substâncias especiais, como o 
ar, a água, etc., pois já se conheciam fenômenos que denominamos dilatação e 
expansão térmicas (BARNETT,1956). Apesar da profusão de tipos de termoscó-
pios ou mesmo outros instrumentos baseados nos estados de quente e frio que 
surgiram durante o período medieval, havia mais um interesse prático do que a 
relação entre o fenômeno e a tentativa de compreender a natureza do calor (BAR-
NETT, 1956). 
Explicações sobre a natureza do calor fundamentadas nessas duas concep-
ções distintas sobre a natureza da matéria, o atomismo ou os quatro elementos, 
costumam ser as mais conhecidas do período compreendido entre o século VI a.C. 
e o século II. Por um lado, a escola atomista defende o mundo formado pela com-
binação de diferentes átomos, movimentando-se no vazio, cujas diferenças expli-
cam as características de cada substância. Já pensadores como Empédocles, Aristó-
teles, Heron, Philo e Galeno, naturalmente com distintas especificidades em suas 
ideias, relacionavam os fenômenos do calor ao elemento Fogo, e não aceitavam a 
existência de vazio na natureza, a não ser aquele artificialmente produzido. 
A concepção cosmogônica desses filósofos permeava suas observações 
dos fenômenos naturais, por exemplo, admitindo ou não a existência do vazio, na 
aceitação ou rejeição de teorias. Independente da época ou dos métodos aceitos 
como válidos para o que se considera como ciência em cada cultura, essas obser-
vações não são neutras, mas são influenciadas pela visão de mundo de cada pensa-
dor. Em uma mesma época, encontramos explicações diferentes e bem fundamen-
tadas para um mesmo fenômeno natural. Tais ideias devem ser entendidas e inter-
pretadas mediante seu contexto histórico, e não avaliadas anacronicamente como 
“primitivas” ou “ridículas”, ou embriões de teorias atuais. Em geral, esse tipo de 
anacronismo fomenta a visão linear e acumulativa de uma ciência que evoluiria em 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 500 
direção a verdades absolutas, cujo único empecilho seria a limitação tecnológica de 
cada época
7
. 
III. A interpretação da alquimia 
Em diferentes culturas da Antiguidade, desenvolveu-se também outro 
modo de interpretar o mundo, a alquimia. Fala-se, pelo menos, em alquimia persa, 
egípcia, chinesa, grega e árabe, como origem dos diferentes saberes e fazeres que 
teriam servido para seu desenvolvimento, mas não há uma gênese “exata” para a 
alquimia, que seja consenso entre especialistas. Ela é, em geral, vinculada ao traba-
lho prático da metalurgia, quando a arte da transformação dos metais adquiria 
conotações de uma arte sagrada. Seria uma tentativa de compreender os segredos 
mais íntimos da matéria, de encontrar a cura de todos os males, do aprimoramento 
do espírito, da busca pela eternidade, da fabricação de ouro. A compreensão do 
homem através da interpretação dos céus estava também entre suas práticas e me-
tas (ALFONSO-GOLDFARB, 2001). Quando os processos envolvendo o calor 
surgem vinculados ao ideário alquímico, por exemplo, em materiais didáticos, 
costumam estar associados à ideia de Fogo, purificação, alcahest. Discutiremos, 
brevemente, tais interpretações a seguir. 
Documentos do século XV mostram uma forma de compreensão da natu-
reza e explicação das causas dos fenômenos naturais envolvendo princípios alquí-
micos vinculados à transformação da matéria (transmutação). Mencionam a trans-
formação de um metal em outro e a busca pela pedra filosofal. Diversos filósofos 
naturais do período, entre eles alguns alquimistas, buscavam a causa dos fenôme-
nos e associavam os questionamentos de pensadores e filósofos da Antiguidade à 
prática experimental. Tais trabalhos, que vinham desde, pelo menos, o século X, 
parecem constituir uma tentativa de formalização de receitas medicinais e de trata-
dos diversos e suas compilações, que descreviam métodos para se encontrar novos 
elementos na natureza a partir da manipulação de substâncias (BELTRAN, 2006). 
O ambiente do Renascimento, em que estes estudiosos viviam, favorecia e 
estimulava novas experiências: a Europa estava redescobrindo os antigos textos 
médicos e os filósofos gregos; com as expedições marítimas, novas plantas e ani-
mais eram encontrados nas Índias oriental e ocidental e novas doenças tinham 
aparecido como a sífilis e o escorbuto (PORTO, 2002). É neste contexto que al-
 
7
 Veja sobre distorções causadas pela pseudo-história em Allchin, 2004; Gil-Pérez et al., 
2001; Martins, 2001 e 2006. 
Silva, A. P. B. et al. 501 
guns fenômenos (que poderíamos entender como explicitando alguma concepção 
sobre o calor) são explicados pela presença de um elemento novo, semelhante a 
uma substância purificadora, que recebeu diferentes nomenclaturas e explicações. 
Em alguns casos, esta substância poderia ser empregada na transmutação da maté-
ria ou para fins medicinais. 
Segundo alguns historiadores, foi Paracelsus (1493-1541) quem trouxe à 
tona o termo alcahest para tal substância, tratando-o como um remédio a ser mani-
pulado para tratamento do fígado, mas sem explicitar exatamente qual a sua com-
posição, nem mesmo se era uma substância composta (PORTO, 2002; ALFONSO-
GOLDFARB; FERRAZ; WAISSE, 2009). Os seguidores de Paracelsus foram, em 
suas compilações e reinterpretações, modificando o significado do alcahest e uma 
associação com o elemento Fogo aparece com Jan Baptist Van Helmont (1579-
1644), médico belga, que se entusiasmou com as ideias de Paracelsus em oposição 
à medicina tradicional ensinada nas universidades. Com Van Helmont, o alcahest 
passa de um remédio para um “liquor” com propriedades de dissolução universal. 
Porém, essa dissolução não se refere ao processo comum de dissolver, e sim a um 
outro tipo de processo de purificação de uma substância que permitiria levá-la à 
sua matéria essencial, ou estado primordial. 
De acordo com Van Helmont, o alcahest era um liquor capaz de dissolver 
qualquer substância material sem deixar resíduo. Nesse processo, ele não 
sofreria qualquer mudança seja na qualidade ou na quantidade, enquanto 
que a substância a ser dissolvida seria reduzida a seu estado primário – um 
estado em que possui apenas suas virtudes específicas (ou seja, suas propri-
edades medicinais – e livre de qualquer impureza) [...] (PORTO, 2002, p. 
8). 
O alcahest está para Van Helmont na mesma categoria dos quatro elemen-
tos de Aristóteles, ou seja, seria um quinto elemento, ou quinta essência, já que não 
se misturava à substância que dissolvia. A possível associação com o elemento 
Fogo
8
 aparece no sentido de purificação ou capacidade de tornar a substância pura 
e é apresentada no relato que Van Helmont faz de um sonho. A partir do sonho, ele 
 
8
 Note que existe uma diferença entre o elemento Fogo e o fenômeno fogo que provoca a 
queima de algumas substâncias naturais. A associação entre o Fogo elementar da Antigui-
dade com o fogo de uma fornalha não é nada elementar. O primeiro parece estar associado a 
um princípio intrínseco a matéria, que a faria demonstrar certas propriedades e comporta-
mentos. O segundo seria um efeito produzido, por exemplo, quando um raio atinge uma 
árvore seca e provoca chamas. 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 502 
conclui que, assim como fogo possui a virtude de limpar, o alcahest possui um 
Fogo interno que tem a propriedade de limpar o corpo das doenças: há similaridade 
nas ações do fogo e do alcahest (PORTO, 2002). 
Os pensadores que adotavam as ideias de Paracelsus, por exemplo, Van 
Helmont na Bélgica e Herman Boerhaave (1668-1738) na Holanda, mantiveram o 
alcahest como medicinal, e não enfatizaram qualquer relação deste quinto elemen-
to com a transformação de metais explícita em manuscritos considerados alquími-
cos, nem mesmocom as propriedades de quente e combustão que eram associadas 
ao calor. Boerhaave enfatizou ainda mais o caráter purificador do alcahest na des-
crição que faz em seu livro Elements (1735). 
Liquor alcahest é fogo verdadeiro, mas não o fogo elementar, e sim o fogo 
celestial e central, incorruptível e inalterável [...] o fogo central natural que 
é encontrado em todas as coisas e que está abundantemente concentrado no 
liquor alcahest (BOERHAAVE apud ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; 
WAISSE, 2009, p. 29). 
Ainda que diversos pensadores tenham associado explicitamente o Fogo 
aos fenômenos do calor, Van Helmont e Boerhaave não manifestaram qualquer 
menção ou intenção de analisar ou explicar fenômenos vinculados ao calor em suas 
obras analisadas por Porto (2002). Mas, havia, no mesmo período, alquimistas que 
alegavam que os quatro elementos de Aristóteles não eram suficientes para expli-
car as transformações que ocorriam nos metais e atribuíram à constituição da maté-
ria os princípios filosóficos ou propriedades filosóficas, que seriam o princípio 
mercúrio e o princípio enxofre. O primeiro, responsável, entre outras, pela propri-
edade de maleabilidade dos metais; o segundo pela cor, afinidade, peso e combus-
tibilidade (FORATO, 2006). Um terceiro princípio, sal, era o responsável pela 
união dos dois outros princípios e não se alterava no tratamento químico (BAR-
NETT, 1946a). Vários destes alquimistas estavam mais preocupados com a trans-
mutação de elementos e em encontrar a pedra filosofal. 
Seguindo os pressupostos desses alquimistas, o alemão Johann Becher 
(1635-1682) vai denominar o princípio responsável pela combustibilidade de terra 
pinguis – um tipo de terra combustível, presente em todas as substâncias que pu-
dessem queimar. Assim, segundo Becher, quando uma substância queimava, a 
parte correspondente à terra pinguis era expelida, e o que restava podia se trans-
formar em outra substância, com proporções diferentes dos outros dois princípios 
(BECHER apud LEICESTER e KLICKSTEIN, 1952, p. 56; WISNIAK, 2004). 
Tanto o alcahest como a terra pinguis pareciam incertos quanto à sua 
preparação ou obtenção; muitos duvidavam de sua existência, mas, ainda assim, 
Silva, A. P. B. et al. 503 
foram objeto de estudo de várias pessoas durante os séculos XVII e XVIII. Não 
havia uma única maneira de entender e explicar a natureza entre os alquimistas de 
um mesmo período e de uma mesma civilização. Existiam concepções e práticas 
em comum, o que permitia serem entendidos como alquimistas, mas nem todas as 
ideias e propostas eram consensuais
9
. Havia ainda quem não concordava com ne-
nhumas das formas de constituição da matéria baseada nos elementos aristotélicos, 
ou nos três elementos e princípios, na linha do que pensava Becher – como era o 
caso de Robert Boyle (1627-1691). Este adotava uma posição corpuscularista, 
inspirado pelas reinterpretações de teorias atomistas que remontavam à Antiguida-
de, porém possuía diferenças principalmente quanto à existência do vácuo. Boyle 
seguia a vertente de pensadores como Francis Bacon (1561-1626) e René Descar-
tes (1596-1650), que, se por um lado pressupunham a existência corpúsculos (ou 
partículas) como os atomistas, também negavam a existência do vácuo absoluto, 
acreditando que uma espécie de matéria sutil (éter para alguns) permeava toda a 
matéria e os espaços aparentemente vazios em seus interstícios
10
. Tanto Bacon 
como Descartes consideravam o movimento ao tratar de calor, mas de forma dife-
rente. Bacon considerava o calor como o movimento de pequenas partículas do 
corpo sob a ação do fogo. Descartes considerava que a sensação de calor estava 
ligada ao movimento entre as partículas, que era comunicado aos nervos (BAR-
NETT, 1946a). 
Ainda assim, qualquer uma dessas interpretações dadas para calor no con-
texto da alquimia são muito distintas do que adotamos agora. Mesmo a posição de 
Boyle, e também as de Bacon e Descartes que faziam menção a movimento, não 
podem ser comparadas com o que se pensa atualmente. Enquanto a compreensão 
do calor como algum tipo de substância, seja ela primordial ou não, permitiu o 
desenvolvimento dos estudos de calorimetria; aquela que manteve uma interpreta-
ção mais corpuscular contribuiu para o estudo dos gases. Nenhuma das duas apre-
sentou evidências suficientes para ser totalmente descartada durante os séculos 
XVII e XVIII. Pelo contrário, ambas se reforçaram com o estudo de outros fenô-
menos, como os fluidos elétricos, que adotavam uma visão mais contínua da maté-
 
9
 Isaac Newton (1642-1727) fazia parte de um grupo de alquimistas que a entendiam como 
caminho para o aprimoramento do espírito e a compreensão da ação de Deus no mundo 
natural, além, é claro, das supostas influências que seu ideário e experimentos exerceram na 
sua filosofia natural. Veja em Dobbs (1984) e Forato (2006). 
10
 Boyle envolveu-se profundamente com a alquimia, tendo liderado, inclusive, comissões 
na Royal Society para estudos e realização das artes alquímicas. Não abriremos mais esse 
tema neste texto, mas para maiores referências, consulte Alfonso-Goldfarb (2003). 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 504 
ria; enquanto que os estudos da luz como corpúsculo reforçavam a visão mais 
discreta da matéria. 
IV. Os conceitos de flogístico e calórico 
O século XVIII foi um período de várias mudanças em relação à forma 
que se fazia a ciência anteriormente. O “século da razão” estabeleceu prioridades 
quanto à necessidade de sistematização das observações e a comunicação das idei-
as. Além disso, havia uma mudança na forma de se estudar os fenômenos naturais, 
proveniente, principalmente, das necessidades que haviam sido criadas com a Re-
volução Industrial. 
Um dos principais problemas gerados com a Revolução Industrial foi a 
crescente demanda por “combustível” para alimentar as fábricas e impulsionar, 
principalmente, a metalurgia. Além de buscar um combustível que não trouxesse 
os efeitos prejudiciais, como a fumaça e a poluição que vinham das fábricas, como 
ocorria com o carvão mineral, e não levasse à destruição das florestas, como ocor-
ria com o carvão vegetal; era importante manter a qualidade do metal processado 
(ferro), evitando o acréscimo de impurezas que o tornavam impróprio para a fundi-
ção (OLIOSI, 2004, p. 11). 
Para melhorar as técnicas de aproveitamento do combustível e dos metais 
eram necessários artesãos e filósofos naturais, principalmente os que lidavam com 
questões ligadas à constituição da matéria. Com isso, a experimentação, que se 
aproximava mais da resposta necessária para a técnica, passou a ter grande desta-
que entre os filósofos naturais, não só para adquirir conhecimento, mas também 
para realizar modificações, fazendo um corpo agir sobre o outro: “a experiência 
como um dos instrumentos principais da meditação teórica; pois o objeto a que 
aspira é o conhecimento verdadeiro do mundo material que nos rodeia e que o 
pensamento quer penetrar” (METZGER, 1974 apud ALFONSO-GOLDFARB e 
FERRAZ, 2006, p. 11- 12). 
Estes filósofos naturais estavam ligados às Sociedades, financiadas por 
reis ou grupos locais com posses, em que eram apresentados experimentos e levan-
tadas discussões a respeito de vários temas. São exemplos de sociedades fundadas 
nesse período: a Royal Society, na Inglaterra, criada por estudiosos; a Academie de 
Sciences, em Paris, criada por um ministro de Luís XIV; a Academia de Ciências 
de Berlim, na Prússia, criada e mantida pelo rei da Prússia; e a Sociedade Lunar, 
em Birmigham, fundada por industriais e homens da ciência como Joseph Priestley 
e James Watt, na década de 1760. Nestas sociedades desenvolvia-se uma nova 
forma de fazer ciência, com a discussão e reconhecimento entre pares, a experi-
Silva,A. P. B. et al. 505 
mentação e a observação durante reuniões, funcionando como meio de aprofunda-
mento do conhecimento e sua divulgação (OLIOSI, 2004, p. 15). 
É nesse contexto que podemos destacar duas interpretações diferentes pa-
ra o calor que foram objeto de estudo de vários químicos e físicos: o flogístico 
(flogisto) e o calórico. 
Ainda sob influência do pensamento alquímico, o médico alemão George 
Ernst Stahl (1669-1734)
11
, que deu continuidade às ideias de Becher, atribuiu ao 
princípio inflamável que os corpos possuíam o nome de flogístico (ou flogisto). 
Stahl concentrou-se em tentar entender o que ocorria nos fenômenos como com-
bustão e calcinação. Os dois fenômenos envolviam algum tipo de relação com o 
calor. Segundo ele, o processo de combustão, seria baseado na presença de subs-
tâncias combustíveis como o carbono e o enxofre, que quando aquecidas por uma 
chama, produziam grande quantidade de calor. Enquanto na calcinação, o aqueci-
mento levava à transformação da substância, que se tornaria cal. Tanto a combus-
tão quanto a calcinação seriam devidas à presença de um princípio inflamável 
(flogístico), presente no fenômeno: quanto mais combustível o material, mais flo-
gístico ele possui. Na calcinação, quem possui o flogístico é o metal inicial, en-
quanto que a cal, derivada no processo, não. Portanto, na calcinação, o produto do 
metal fundido seria cal mais flogístico, sendo que o segundo elemento é liberado 
no ar. Já as substâncias como enxofre e carbono possuíam muito flogísto, que 
liberado na atmosfera após a queima, ficaria no seu estado livre (WISNIAK, 2004). 
Stahl considera que o flogístico não pode ser criado nem destruído e se 
constitui naquilo que cria o fogo. Portanto, quando é liberado na calcinação ou na 
combustão, processos que só ocorrem na presença do ar, ele passa para a atmosfera 
e assume diferentes formas, como chamas, nuvens, raios, voltando à sua forma 
terrestre como parte do ar. Ou seja, o flogístico é um elemento eterno na natureza, 
que passa de um ente para o outro, em qualquer um dos reinos, num ciclo eterno e 
também por meio de reações químicas. Isto respondia questões como a impossibi-
lidade de ocorrer combustão de materiais no vácuo, onde não haveria ar para a 
transformação do flogístico. 
É importante observar que apesar de Stahl fazer considerações sobre o 
flogístico, que parecem as mesmas associadas ao princípio filosófico enxofre por 
alguns alquimistas, suas preocupações são diferentes, voltadas a entender a calci-
nação e combustão, e há uma tentativa de associar o flogístico a formas que já 
 
11
 As obras de Stahl que tratam do flogístico foram publicadas entre 1703 e 1731, em latim e 
alemão (WISNIAK, 2004). 
 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 30, n. 3, p. 492-537, dez. 2013. 506 
existem na natureza; enquanto que o princípio, como o próprio nome já diz, tem 
uma conotação mais filosófica, mais próxima da ideia dos elementos primordiais 
constituintes da matéria. 
Entretanto, havia alguns fenômenos que a concepção de flogístico não ex-
plicava. Se ele era o princípio da combustibilidade, então toda vez que uma subs-
tância arde, ela perde flogístico, e como este tem massa, a substância resultante 
deveria ter uma massa menor, o que não ocorre. Por exemplo, o carvão seria ri-
quíssimo em flogístico, pois queima facilmente, deixando pouco resíduo. Carvão 
aquecido adicionado à cal, que resultou do metal na calcinação, regenera o metal, 
cedendo flogístico para a cal, já que o metal seria o composto de cal e flogístico. O 
resíduo da queima do carvão tem um peso menor do que ele. Mas, a cal tem um 
peso maior que o metal que a originou, perdendo flogístico – se perdeu flogístico, 
que tem massa, porque a massa da cal é maior? Mesmo que naquela época os con-
ceitos de peso, massa e densidade não fossem consensuais entre esses filósofos 
naturais, era uma situação difícil de explicar. 
O desenvolvimento de novos instrumentos possibilitava uma precisão 
maior nas medidas de massa e também nos experimentos envolvendo “ares” (ga-
ses, posteriormente), o que tornava cada vez mais difícil explicar a existência de 
algo com “peso negativo” ou imponderável como o flogístico. Para os adeptos do 
flogístico, como Joseph Priestley (1733-1804) e Willian Watson (1715-1787), isso 
parecia não ser problema, já que ele poderia ser colocado na mesma categoria dos 
fluidos elétricos e magnéticos, como argumenta Watson, em 1781: 
Certamente os senhores não esperam que a química seja capaz de apresen-
tar-lhes um punhado de flogisto separado de um corpo inflamável; isto seria 
tão razoável como pedir um punhado de magnetismo, eletricidade ou gravi-
dade extraído de um corpo magnético, elétrico ou pesado; existem poderes 
na natureza que não podem absolutamente tornar-se objetos dos sentidos, a 
não ser pelos efeitos que eles produzem, e o flogisto é deste tipo (WATSON, 
1781, apud FILGUEIRAS, 1995). 
Entretanto, o flogístico e outros fluidos ou entes imponderáveis, como o 
éter e o calórico (do qual trataremos mais adiante), eram controversos no período 
do iluminismo, quando a mensuração era fundamental para a ciência, e tais entes 
eram inobserváveis. Havia um forte desejo de banir a metafísica da ciência, e, na 
época da apologia a racionalidade e ao empirismo, a necessidade de recorrer aos 
entes imponderáveis era, no mínimo, controversa. Desse modo, para tentar com-
preender como se dava a ação ou combinação dos fluidos na matéria, os filósofos 
naturais colocavam nos experimentos e observações uma ferramenta fundamental 
Silva, A. P. B. et al. 507 
para fugir das especulações, ou seja, tentando avaliar os efeitos que produziam, 
como argumentou Watson
12
. 
Para alguns filósofos naturais, tais entes inobserváveis estavam vinculados 
às suas concepções religiosas, por exemplo, justificando a ação de Deus no mundo 
natural, o que poderia comprometer a visão de um suposto método experimental, 
que construiria teorias a partir de observações neutras, apenas matematizando 
elementos detectáveis e mensuráveis. Para eles, o laboratório era, não raramente, o 
meio utilizado para entender as Leis Divinas e “conferir” suas manifestações, nu-
ma mistura de religião e ciência, envoltas na racionalidade suposta do método 
experimental (OLIOSI, 2010, p. 93). 
Havia também elementos sociais do período permeando tais estudos, co-
mo necessidades tecnológicas voltadas à produção de combustível. É da superposi-
ção de racionalidade, metafísica e necessidades sociais que o flogístico fica em 
evidência, tanto nos estudos de pneumática (às vezes pneumática química) quanto 
nos de constituição da matéria. 
 Adepto declarado do flogístico, o teólogo e educador inglês Joseph Pries-
tley (1733-1804) envolveu-se com o estudo dos ares (gases) por volta de 1767, e 
construiu um equipamento que permitia adicionar diferentes ares tanto na água 
quanto em mercúrio para estudar seus comportamentos. Os trabalhos de Priestley 
foram marcadamente experimentais. Para ele 
O objetivo da filosofia experimental é o conhecimento sobre a natureza em 
geral, ou mais estritamente, das propriedades das substâncias naturais e 
das mudanças das propriedades em diferentes circunstâncias. Este conhe-
cimento somente pode ser atingido pelo experimento e observação, da mes-
ma forma que a argila é capaz de se tornar dura através do fogo, sendo as-
sim feitos os tijolos (Priestley, 1772 apud Oliosi, 2010, p. 63). 
Este pensamento representa a união de duas características pessoais de 
Priestley que acabaram definindo toda sua metodologia de trabalho. Uma delas é 
quanto à enorme relevância que ele dá aos experimentos, às observações que levam 
aos fatos, pois os fatos permitiriam encontrar resposta para o funcionamento do 
sistema da natureza,

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