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PSICOBIOLOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever o surgimento da psicobiologia como disciplina do conhecimento. > Definir o objeto de estudo e os objetivos da psicobiologia. > Identificar tendências de atuação na área de psicobiologia. Introdução A psicobiologia é considerada uma disciplina atribuída à formação em psicologia, que, por sua vez, está alicerçada no campo da biologia para explicar comporta- mentos. Portanto, há uma interlocução entre esses campos de conhecimento, a fim de apreender a complexidade, a diversidade e a multideterminação do fenômeno psicológico em suas interfaces com fenômenos sociais e biológicos. Dessa formação, fazem parte os estudos em genética e evolução — métodos de estudo em psicobiologia —, levando-se em consideração a neurociência do comportamento para além dos aspectos neuronais anatomofisiológicos ou hormo- nais. Nesse sentido, as bases biológicas das emoções também são consideradas, como aprendizagem e memória, fome, sono, dependência química e circuito de recompensa do cérebro, lateralização cerebral e linguagem. Neste capítulo, você vai conhecer as raízes do campo da psicologia e da biologia que integram a psicobiologia. Além disso, vai conferir a influência dessa área sobre os estudos científicos em comportamento humano e seus desdobramentos para a prática do profissional em seus diferentes campos de atuação e na integração de saberes interdisciplinares. Introdução à psicobiologia Fernanda Egger Barbosa Psicobiologia como conhecimento científico A palavra psicobiologia parece, em um primeiro momento, uma aglutinação dos termos “psico”, psiquê, mente, alma, e “biologia”, o estudo da vida, que demarcam também dois campos de conhecimento aparentemente distintos: psicologia e biologia. A psicologia representa a área de estudos ou conhecimento acerca do psiquismo (mente, comportamentos, subjetividade), ao passo que a biologia busca descrever os fenômenos que ocorrem no corpo físico dos seres vivos (organismos anatômico, fisiológico e homeostático). No entanto, pode-se considerar que, como disciplina científica, a psicobiologia demarca um campo de conhecimento em que essas duas áreas não se mostram tão afastadas e distintas, uma vez que existe uma inter-relação entre elas, em que uma influencia a outra. De acordo com Pinel (2005), a psicobiologia, ou biopsicologia, é uma dis- ciplina acadêmica que também pode ser chamada de: psicologia fisiológica, cérebro e comportamento, neurociência comportamental ou neurobiologia comportamental. A partir da etiologia da palavra psicobiologia, podemos nos perguntar como surgiu essa concepção epistemológica, que foi se di- ferenciando de um entendimento puramente psíquico ou puramente físico sobre os fatores psicofísicos relacionados com a existência humana. Ou, ainda, qual é o contexto de surgimento da psicobiologia como campo de conhecimento científico? Ao retomar a história do pensamento científico, desde o fim da era me- dieval e o início da era moderna, pode-se observar que houve diversas mo- dificações na forma de pensar e de conhecer a realidade. Então, pode-se afirmar que a origem desse campo do conhecimento (ou desses campos, abrangendo biologia e psicologia) coincide com as próprias raízes da ciência, aproximadamente no século XVII, ainda que a ciência moderna seja decorrente do pensamento positivista, tendo como marco emblemático os estudos de René Descartes (1596–1650) (FELDMAN, 2015). A observação e as inferências epistêmicas sobre o conhecimento, a mente (ideias) e o corpo (postural) são antigas, sendo motivo de debates desde a filosofia clássica. Todavia, é a partir do advento da ciência moderna que esses aspectos se tornam parte de um campo médico-científico e que são estabelecidos critérios e métodos investigativos alicerçados por práticas baseadas em evidências. Na área médica, a ciência baseada na prática clínica (i.e., em evidências) se desenvolve com os estudos de anatomia e fisiologia, componentes de uma Introdução à psicobiologia2 ciência mais ampla, a biologia, que pode ser resumida a uma definição mais simples: o conhecimento acerca da vida. Segundo Pinel (2005), a biologia moderna teve início em 1859 com a pu- blicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, que descreve a teoria mais influente e mais aceita no campo da biologia sobre a origem da vida. Para Darwin, as espécies evoluem a partir de espécies preexistentes. Como base para essa teoria, ele apresenta três tipos de evidências: documentos com base em registros fósseis de camadas geológicas progressivamente mais recentes; descrição das similaridades estruturais notáveis entre espécies vivas, comprovando que a evolução se dá a partir de ancestrais comuns; e apontamentos sobre as principais mudanças ocorridas em acasalamentos seletivos. As observações diretas da evolução em andamento, realizadas por Grant, em 1991, nas ilhas Galápagos, tornaram-se evidências mais convincentes sobre o evolucionismo da vida. Desse modo, pode-se afirmar que a biologia é um campo científico que estuda a vida em seus mais diferentes aspectos. Ela pode ser dividida em vários campos e especialidades, como anatomia e fisiologia, genética e evo- lução dos seres vivos, biologia celular e bioquímica, microbiologia e ecologia humana, sendo estas as principais áreas nas quais os cientistas se baseiam para influenciar ou determinar os comportamentos dos seres vivos. Para Kandel et al. (2014), compreender a base biológica da consciência e os processos encefálicos que determinam as ações humanas, como sentir, aprender e lembrar, é o último desafio das ciências biológicas, unindo o es- tudo do comportamento (ciência da mente) com as neurociências (estudo do encéfalo). Assim, começamos a definir o campo de estudos da psicobiologia. Para saber mais sobre as bases e as disciplinas da biologia, muito im- portantes para os estudos e as práticas em psicobiologia, leia o livro Biologia de Campbell, de Reece et al. (2015), que trata de aspectos da genética (p. ex., relação entre gene e proteína e bases cromossômicas e moleculares da hereditariedade); mecanismos da evolução e história da vida na Terra; química da vida, presente no contexto mais elementar, como o da água; organização celular e sua estrutura; metabolismo e funções; diversidade biológica e ecologia; e diversidade do bioma. Feldman (2015) descreve as raízes da psicologia como provenientes da filo- sofia clássica. Para ele, durante o desenvolvimento do pensamento filosófico, os debates confrontados com inúmeras questões práticas, como a realidade, também precisaram ser explicados empiricamente. Como exemplo desses Introdução à psicobiologia 3 embates epistemológicos, desde o século XVII, filósofos como John Locke (1632–1704) acreditavam que a mente do ser humano era vazia no momento do seu nascimento (teoria da tábula rasa), sendo formada com a experiência, ao contrário de Descartes, que defendia um certo inatismo da razão humana. No entanto, o marco da psicologia como campo e disciplina científica se configura formalmente no final do século XIX, a partir da criação do labora- tório experimental em Leipzig, na Alemanha, por Wilhelm Wundt (1832–1920), dedicado aos fenômenos psicológicos. O objeto primordial de Wundt era conhecer as funções mentais dos seres humanos por meio do que chamou de método de introspecção treinada. Nesse método, os pesquisadores pediam ao paciente para descrever tudo aquilo que estava sentindo mediante um estímulo específico. Wundt é reconhecido como o precursor da corrente estruturalista da psicologia, pois ele desejava delimitar a estrutura da mente consciente (FELDMAN, 2015). Nessa época, o campo da psicologia estava se expandindo, com a eclosão de vários estudos na Europa e nos Estudos Unidos que buscavam representar a conexão entre mente e corpo e influenciavam as pesquisas sobre os pro- cessos psicológicos (percepção, emoção, aprendizagem, etc.) e os distúrbios clínicosobservados na prática. A corrente estruturalista dos fenômenos psicológicos buscava elucidar os componentes mentais fundamentais da consciência, ao passo que a corrente funcionalista, que surgiu de estudos críticos à escola de Wundt, se concen- trava mais nas funções mentais, ou seja, mais naquilo que a mente é capaz de fazer do que nas suas estruturas de base. Os estudos funcionalistas têm como marco a trajetória científica de Willian James (1842–1910), no início do século XX, que se dedicava ao estudo da importância do comportamento humano em relação às mudanças em seu ambiente. Outra escola, a Gestalt, se debruçava sobre as questões sensório-motoras e perceptivas das raízes do campo da psicologia. Essa escola se preocupava prioritariamente com a forma como a percepção se organizava, e teve como precursores os cientistas alemães Hermann Ebbinghaus e Max Wertheimer, no início do século XIX. A Gestalt ficou conhecida como a psicologia da forma e defendia que o todo perceptivo que compõe o conhecimento é mais do que a soma de suas partes. Essas correntes de pensamento estão embasadas nos estudos dos meca- nismos associados à vida e às bases da biologia; ou seja, focam na investigação dos mecanismos psicológicos baseados na neuroanatomia e na neurofisiologia (neurociências) e nas formas como os organismos vivos se adaptam ao meio. Introdução à psicobiologia4 Assim, pode-se afirmar que as raízes do campo da psicobiologia se confundem com as dos estudos científicos da psicologia. Para Pinel (2005), o estudo da biologia do comportamento tem uma longa história, porém ela apenas se tornou uma disciplina importante no século XX. O autor afirma que, “Embora não seja possível especificar a data exata do nascimento da biopsicologia, a publicação do livro The Organization of Behavior, em 1949, por D. O. Hebb, desempenhou papel fundamental no seu surgimento” (PINEL, 2005 p. 32). Mas, afinal, o que é psicobiologia? É apenas a junção de dois campos de conhecimento científico, a psicologia e a biologia? De acordo com Silva (1981), a psicobiologia, por definição, é uma área interdisciplinar e se atém a técnicas de várias disciplinas, métodos de investigação científica, estilos de pensamento e hábitos de percepção da realidade diferentes, porém com- binados. A psicobiologia se insere perfeitamente dentro de uma subárea da psicologia, chamada de neurociência comportamental, que “[...] examina as bases biológicas do comportamento” (FELDMAN, 2015, p. 7). Hoje, a psicobiologia é uma disciplina que pesquisa os aspectos comuns às duas ciências que a nomeiam, visando a desenvolver conhecimentos a partir das bases biológicas do comportamento, que podem ser observados na prática. Os temas centrais dessa área são: aprendizagem e memória; sensações e estímulos sensoriais; estados psicológicos; comportamentos que geram dependência química, considerando a dinâmica neural de recompensa; e doenças mentais. Assim, a psicobiologia utiliza os princípios básicos da biologia, a saber: anatomia, fisiologia, genética e evolução, bioquímicos e homeostáticos, que determinam os comportamentos de animais, incluindo o do ser humano, em sua relação com o meio ambiente. Portanto, trata-se de uma área que investiga os comportamentos humanos tendo por base a dinâmica neuronal dos sistemas nervosos central e periférico, incluindo as funções hormonais; ou seja, o método de investigação está baseado em evidências. As disciplinas que integram a psicobiologia são comuns à formação de biólogos, médicos, biomédicos e psicólogos, abordam temas como ecologia humana e defen- dem os aspectos sociais que influenciam as dinâmicas neurais e o caráter multidisciplinar do campo de estudo. Segundo Feldman (2015), a perspectiva epistemológica da psicobiologia pode ser localizada na área da neurociência e nos estudos do comportamento, que consideram como as pessoas e os animais funcionam biologicamente, incluindo estudos de hereditariedade e evolução para a determinação de Introdução à psicobiologia 5 certos tipos de comportamento. Portanto, essa área traz importantes con- tribuições para a vida humana e o entendimento dos distúrbios mentais. Nesse sentido, pode-se considerar a inter-relação entre a mente ob- servável e o corpo físico, proposta pela psicobiologia, e começar a propor diversas questões, tais como: qual é a relação entre a anatomia e a fisiologia humanas e o nosso comportamento? O que determina biologicamente nosso comportamento? Quais aspectos do nosso psiquismo são determinados geneticamente? Como o ambiente em que vivemos influi no nosso organismo? Enfim, quais são os objetos e os objetivos da psicobiologia? Vamos tratar desses aspectos a seguir. O amplo campo da psicobiologia Como visto, a psicobiologia é um campo científico, metodológico e técnico de pesquisa, investigação e ensino que tem como base a biologia do com- portamento ou os processos neurais que determinam ou influenciam os comportamentos. Segundo Pinel (2005), o comportamento é o objeto principal da psicobiologia, tendo como foco o método científico. Na verdade, o cérebro e os processos neurais são de grande importância para os cientistas, pois o cérebro humano se configura como uma rede intrin- cada de neurônios (100 bilhões) e suas infinitas interconexões e sinais eletro- químicos, de modo que é muito difícil descrever toda a sua potencialidade e complexidade (PINEL, 2005). A neurociência assume o desafio de descrevê-lo, e a psicobiologia é uma de suas disciplinas. Os neurônios, como elementos básicos do comportamento, são os objetos de estudo da psicobiologia Mas quais são os objetivos das pesquisas em psicobiologia? Os objetivos são amplos e variados, e podemos descrevê-los aqui sem nunca os esgotar. Segundo Pinel (2005), a psicobiologia é uma disciplina integradora, pois reúne diversos métodos investigativos para o estudo do comportamento, como neuroanatomia e neurofisiologia, neuroquímica, neuropatia, entre outros. A pesquisa se volta para sujeitos humanos e não humanos (em geral, ratos, camundongos e demais mamíferos), analisando seus componentes biológicos e comportamentos. Apesar da simplicidade dos fenômenos mentais dos seres não humanos em relação aos dos humanos, os estudos desses seres possibilitam localizar estruturas fundamentais que, por meio de método comparativo, podem revelar interações entre cérebro e comportamento. Introdução à psicobiologia6 No Brasil, existem normas e diretrizes básicas que orientam e con- trolam os critérios éticos para as pesquisas com seres humanos e não humanos. No caso das pesquisas que utilizam seres humanos, existem alguns sites que disponibilizam as normas regulamentadoras, como o site da Biblioteca de Saúde do Ministério da Saúde (BVS/Bireme) e o próprio Scielo. Para saber mais sobre os critérios éticos dessas pesquisas, em seu mecanismo de busca, pesquise por diretrizes ou normas regulamentadoras de pesquisas com sujeitos humanos e não humanos e explore as informações encontradas. Em relação às pesquisas que utilizam sujeitos humanos e não humanos, é importante ressaltar que todo cuidado é pouco, pois deve-se levar em consideração o bem-estar desses sujeitos. Nesse sentido, Feldman (2015) chama a atenção para a obrigação dos pesquisadores em seguir diretrizes éticas rígidas. O autor defende o uso das diretrizes propostas pela American Psychological Association e propõe as seguintes diretrizes como base dos es- tudos psicológicos e comportamentais em psicobiologia para os participantes: � proteção contra danos físicos e mentais; � direito à privacidade, no que diz respeito ao seu comportamento; � garantias de que a sua participação é totalmente voluntária; � informações sobre a natureza dos procedimentos antes do aceite da participação; � análise dos experimentos utilizados na pesquisa por uma equipe in- dependente; isso é possível quando o experimento passa por uma avaliação por um comitê de ética em pesquisa. Naspesquisas em psicobiologia, podem ser utilizados diferentes métodos, como experimentais, semiexperimentais e estudos de caso. Os métodos serão escolhidos de acordo com a abordagem da pesquisa (p. ex., psicofarmaco- logia, neuropsicologia, psicofisiologia), porém o profissional pode optar — e geralmente o faz — por sobrepor métodos e abordagens. De acordo com Pinel (2005), o método científico é um sistema utilizado para descobrir informações por meio de observação direta e cuidadosa, porém muitos processos não podem ser observados, como é o caso dos conheci- mentos sobre a era glacial ou a fissão nuclear. Com relação à psicobiologia — que tem como um de seus principais objetivos caracterizar, por meio de métodos empíricos, os processos não observáveis realizados pelo sistema nervoso para controlar o comportamento —, muitas vezes, o pesquisador precisa utilizar um método não observável, chamado de inferência científica. Introdução à psicobiologia 7 As perguntas a serem feitas em pesquisas em psicobiologia devem ser elaboradas não para responder se o comportamento é hereditário ou apren- dido, mas para detectar, delimitar e compreender os processos anatômicos, fisiológicos, genéticos, evolucionistas e hormonais que influenciam a adoção de certos tipos de comportamentos. Além disso, deve-se buscar entender as possíveis formas de interferir para que a pessoa que sofre por determinado tipo de comportamento possa melhor viver em sociedade em seu meio. Assim, para o psicobiologista, o caminho para conhecer e aprimorar o conhecimento é o viés biológico e o método científico. Dessa forma, pode- -se afirmar que o objeto principal da psicobiologia é o cérebro, ou o sistema nervoso, e sua influência sobre o comportamento dos animais. Mas o que sabemos sobre o sistema nervoso? Quando falamos em sistema nervoso, pensamos logo no cérebro, nos neurônios, em como eles se conectam e se comunicam e como são capazes de controlar todas as funções e capacidades do nosso corpo, não é mesmo? Os neurônios (Figura 1) são as células básicas que formam o nosso sistema nervoso. O que distingue um neurônio das demais células é a sua capacidade de enviar e receber informações rapidamente a uma distância considerável. As células glias apoiam o funcionamento neural, dando estabilidade aos neurônios e reparando seus danos. Já as células neuroniais são diversificadas em suas funções e são inúmeras, porém, em geral, têm a mesma estrutura celular: um corpo e um núcleo diferenciados. O neurônio pode ser dividido em partes funcionais: dendritos, axônio e botões terminais. Introdução à psicobiologia8 Figura 1. Estrutura celular de um neurônio. Fonte: Adaptada de Kandel et al. (2014). Corpo celular Envoltório nuclear Retículo endoplasmático Aparelho de Golgi Vesícula de transporte Axônio Bainha de mielina Vesícula sináptica Botões terminais Dendritos Conforme observado na Figura 1, o núcleo dos neurônios fica no interior do corpo celular, que tem um formato estelar, com pequenos filamentos, chamados de dendritos, similares a galhos, que se ramificam e são respon- sáveis por receber informações de outros neurônios. O axônio, que se parece com o braço do corpo celular, é comprido e delgado, podendo medir até 90 centímetros de comprimento. Ele passa por um canal de proteína e gordura que serve para protegê-lo, chamado de mielina ou canal de mielina, e é Introdução à psicobiologia 9 responsável por levar as mensagens recebidas para os outros neurônios. Os botões terminais, que ficam na camada mais externa dos axônios, efetiva- mente executam a transmissão da informação. Segundo Feldman (2015), assim que há força suficiente para forçar o dis- paro, os neurônios disparam correntes elétricas seguindo a lei do tudo ou nada, sem nenhuma conexão prévia com relação aos estados ativado e não ativado. Os neurônios-espelho, por exemplo, simplesmente disparam quando uma pessoa olha para a outra. Portanto, os neurônios são as células básicas do sistema nervoso (Figura 2). Para a psicobiologia e as demais neurociências, eles são estudados em partes, de acordo com o papel e as funções que comandam em um determi- nado organismo. Figura 2. Representação do sistema nervoso. Fonte: Adaptada de Brandão (2004). Sistema nervoso Central Encéfalo Medula espinal Nervos gânglios Cranianos espinhais Telencéfalo, diencéfalo Mesencéfalo, ponte e bulbo Cérebro Tronco encefálico Cerebelo Sensitivos, autônomos Periférico No meio acadêmico, o sistema nervoso humano é comumente dividido em duas partes: sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado basicamente pelo cérebro (encéfalo, cerebelo e tronco encefálico) e pela medula espinal. O cérebro é responsável pelo controle do comportamento, das emoções, da cognição, do pensamento e da memória; ou seja, de todas as estruturas mentais de base. A medula espinal é como um feixe de neurônios que parte do cérebro e desce por todo o dorso, cuja principal função é transmitir as mensagens neurais que partem do encéfalo para o restante do corpo e das terminações nervosas espalhadas no organismo para o centro cerebral. Contudo, ela também controla os comportamentos reflexivos, independentes do córtex cerebral. Introdução à psicobiologia10 O SNP parte do SNC e vai se ramificando até atingir as extremidades do corpo humano. Ele também se divide em outros dois sistemas: sistema nervoso Autônomo (SNA) e sistema nervoso somático (SNS). O SNS é responsável pelos movimentos voluntários e por interagir com o meio externo, pois é composto por nervos aferentes (também chamados de sensoriais) e eferentes (também chamados de motores). Os nervos aferentes são capazes de levar ao SNC informações dos órgãos mais externos, como a pele, os músculos e a língua. Os nervos eferentes, por sua vez, perfazem o caminho inverso, levando os sinais motores emitidos pelo SNC para os músculos esqueléticos. O SNA controla as funções de manutenção de um organismo vivo (p. ex., pressão arterial, respiração e frequência cardíaca) e regula o meio interno. Ele também é composto por nervos aferentes e eferentes, sendo os dois principais tipos de nervos eferentes responsáveis pelas regulações simpática e parassimpática. Os nervos simpáticos preparam o corpo do indivíduo para enfrentar uma situação estressante. Já os nervos parassimpáticos produzem o efeito inverso, acalmando o corpo após o indivíduo enfrentar uma crise ou uma situação estressante. Acompanhe, a seguir, um exemplo de como os nervos simpáticos agem no SNA. Feldman (2015, p. 62) traz o seguinte exemplo: Vamos supor que você esteja lendo e, de repente, sente que um estranho está observando-o pela janela. Ao levantar os olhos, você vê o brilho de algo que poderia ser uma faca. Enquanto a confusão ofusca sua mente e o medo sobrepuja suas tentativas de pensar racionalmente, o que acontece com seu corpo? Como a maioria das pessoas, você reage imediatamente em um nível fisiológico. Seu coração bate mais rápido, você começa a suar e sente arrepios por todo o corpo. As mudanças fisiológicas que ocorrem durante uma crise resultam da ativação de uma de duas partes do sistema nervoso autônomo: a divisão simpática. Há, ainda, o conceito de nervos entéricos, que têm relação com a saúde emocional e são formados pelos nervos sensíveis de todo o sistema digestório (do esôfago ao ânus). Às vezes, eles atuam de forma tão interdependente que são considerados por alguns neurocientistas como um segundo cérebro. De acordo com um artigo do The Journal of Neuroscience (SPENCER et al., 2018), o sistema nervoso entérico (SNE), que também faz parte do SNA, tem uma infinidade de neurônios e exerce funções sobre o comportamento, as emoções, a digestão e a mobilidade dos seres humanos. Introdução à psicobiologia 11 Outro sistema que serve para regular e controlar comportamentos é o sistema endócrino, que atua na produção de substâncias e é formado por glândulas. ParaFeldman (2015), o sistema endócrino consiste em uma rede química que segrega hormônios que regulam o funcionamento e o crescimento corporal, se comunicam por meio da corrente sanguínea e influenciam o nosso sistema nervoso. O estudo do sistema nervoso é bastante complexo, de modo que apenas vimos um pouco de sua organização anatomofisiológica e tentamos mostrar as bases das áreas da biologia que influenciam o comportamento. A genética e a evolução são campos da biologia relevantes para os estudos do compor- tamento e da psicobiologia. A seguir, confira mais detalhes sobre os campos de atuação em psicobio- logia e as práticas do profissional nessa área. Campos de atuação e práticas em psicobiologia Segundo Pinel (2005, p. 39), “[...] os biopsicólogos que adotam os mesmos enfoques em suas pesquisas tendem a publicá-las nos mesmos periódicos, frequentar os mesmos encontros científicos e pertencer às mesmas sociedades profissionais”. Confira, a seguir, as seis principais divisões da psicobiologia em que o psicólogo pode se inserir (PINEL, 2005). 1. Psicologia fisiológica: estuda, por meio de experimentos controlados (cirúrgicos e elétricos), os mecanismos neurais do comportamento. Na maioria dos casos, são utilizados sujeitos não humanos. A psico- logia fisiológica incentiva pesquisas na área de controle neural do comportamento. 2. Psicofarmacologia: pode-se afirmar que muitos psicofarmacologistas já foram fisiologistas, porém as suas atividades concentram-se no emprego de psicofármacos para a manipulação das atividades neu- rais. Os maiores propósitos do psicofarmacologista são: desenvolver fármacos terapêuticos e reduzir o abuso de drogas. Esses profissionais utilizam seres humanos em suas pesquisas, seguindo estritamente o código de ética. 3. Neuropsicologia: estuda os efeitos psicológicos decorrentes de lesões no cérebro em pacientes humanos, optando pelos métodos de estudos de caso e/ou semiexperimentais em pacientes com algum tipo de Introdução à psicobiologia12 lesão. Em geral, são desenvolvidos testes neuropsicológicos nesses estudos, a fim de facilitar diagnósticos, ajudando o médico a direcionar o tratamento de forma mais eficaz. 4. Psicofisiologia: estuda as relações entre as atividades fisiológicas orgânicas e os processos psíquicos dos seres humanos, como a atenção e as emoções. Em geral, os procedimentos de investigação não são invasivos, e as atividades neurais são registradas na superfície dos corpos por meio de exames como encefalograma ou pela observação de movimento dos olhos, frequência cardíaca e dilatação das pupilas. 5. Neurociência cognitiva: considerada a mais nova divisão do campo da psicobiologia. Os neurocientistas cognitivos estudam as bases neurais da cognição, os chamados processos intelectuais superiores, como pensamento, percepção e memória, e a maior parte de suas pesquisas envolve sujeitos humanos. O principal método utilizado é a imagem cerebral funcional, que registra imagens da atividade do cérebro en- quanto os sujeitos estão realizando alguma atividade cognitiva. Em geral, as pesquisas são realizadas por uma equipe interdisciplinar, com psicólogos cognitivos e especialistas em computação gráfica ou matemáticos, e podem se concentrar em patologias cerebrais. 6. Psicologia comparada: lida com a biologia do comportamento, e não apenas com os mecanismos neurais, incluindo abordagens que enfo- cam o animal como um todo; ou seja, considerando a sua fisiologia, anatomia, etologia, ecologia e evolução. Os estudos comparativos entre diferentes espécies visam a compreender a evolução, a genética e a adaptabilidade do comportamento dos seres vivos, e são os principais métodos das correntes evolucionistas de estudos do comportamento humano. Pinel (2005) elaborou um exemplo ilustrativo para o trabalho em neuropsicologia, referindo-se a um trabalho de Kolb e Whishaw (1990), que chamou de “o caso do sr. R.”. Confira a seguir. Sr. R., um homem canhoto de 21 anos, bateu com a cabeça no painel do carro em um acidente automobilístico. Antes do acidente, o sr. R. era um estudante condecorado na universidade. Todavia, um ano após o acidente, ele se tornara medíocre e tinha dificuldade particular para concluir seus exames. Ele nos foi indicado para avaliação neuropsicológica, que revelou alguns fatos interessantes. Em primeiro lugar, sr. R. fazia parte dos mais ou menos um terço de canhotos cujas funções linguísticas são representadas no hemisfério direito e não no esquerdo. Além disso, embora sr. R. apresentasse QI superior, sua memória verbal e velocidade de leitura eram abaixo Introdução à psicobiologia 13 da média, o que é bastante incomum para uma pessoa com a sua inteligência e nível de educação. Esses déficits indicavam que o seu lobo temporal direito poderia ter sido levemente lesionado no acidente, diminuindo sua capacidade linguística. Com base em nossa investigação neuropsicológica, pudemos recomendar ao sr. R. vocações que não exigissem habilidades de memória superiores, e ele atualmente estuda arquitetura (PINEL, 2005, p. 38). De acordo com Zorzanelli e Ortega (2011), atualmente, vivemos em uma cultura somática, ou seja, vivemos considerando o psiquismo e o comporta- mento humano a partir da somatização e da exteriorização da subjetividade. Esse tipo de cultura abriu caminho para a busca de explicações somáticas para as funções superiores humanas e seu comportamento. As pesquisas na área começaram a utilizar o imageamento do cérebro, que se tornou possível por meio das novas tecnologias (p. ex., tomografias e ressonâncias), como o eixo das pesquisas neurocientíficas, colaborando diretamente para estudos do comportamento a partir das bases biológicas. Assim, como desdobramentos do avanço nas neurociências, houve a mudança de foco dos fenômenos psí- quicos, que antes eram estudados por medidas comportamentais e passaram a ser estudados por medidas anatômicas e funcionais do cérebro. Feldman (2015) destaca um campo recente de atuação em psicobiologia, mas que vem se expandindo bastante dentro da perspectiva evolucionista: a psicobiologia evolucionista. Essa área considera como o comportamento humano é influenciado pela herança genética de nossos antepassados. De forma mais abrangente, os psicobiólogos podem se inserir em estudos e pesquisas nas áreas de aprendizagem, motivação, percepção, psicofísica e processos cognitivos. Além disso, eles podem participar de equipes interdisci- plinares nos campos da medicina e da biomedicina, junto aos demais profissio- nais da área de saúde, para a solução de problemas e distúrbios relacionados a dor e sofrimento e a processos mentais, cognitivos e comportamentais. Em relação às funções neurais de controle de postura e movimentos, o psicobiólogo pode se inserir nas áreas de dança e atividades físicas, auxi- liando os processos de recuperação de movimentos junto a profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia e trabalhando com atletas e equipes esportivas. Atualmente, no Brasil, existem núcleos de formação em psicobiologia em diferentes estados e faculdades que buscam formar o profissional em percepção e psicofísica, nutrição e ganhos cerebrais, neuroquímica, ansie- dade, estresse, dependência química, motivação, aprendizagem e memória e comportamentos e doenças relacionadas com disfunções cerebrais. Além disso, na área do Direito, vem crescendo a necessidade de apoio de psicólogos e biopsicólogos para avaliação mental e comportamental. Introdução à psicobiologia14 Um exemplo disso é a inserção do psicobiólogo em trabalhos que envolvem neuropsicologia forense para embasar métodos e técnicas especializadas para investigações e conclusões judiciais, a fim de melhorar o rigor das avaliações judiciais (SERAFIM; SAFFI, 2015). Além disso, há campos de estudo e pesquisa em psicobiologia que dão ênfase à dimensão social do desenvolvimento e do comportamento, como a psicobiologia antropológica, que ressalta a importância dos fatoressocio- culturais para o desenvolvimento do comportamento, da inteligência e da personalidade humanas. Portanto, pode-se afirmar que o campo da psicobiologia vem crescendo bastante nos últimos anos, uma vez que se estabeleceu como um grande campo de atuação em consonância com o desenvolvimento tecnológico em pesquisas e tratamentos do novo milênio em diversas áreas de pesquisa, intervenção e cuidado nas áreas de saúde, educação, esporte, lazer e cultura em equipes multidisciplinares. Assim, conclui-se que há espaço para a integração de saberes, pois, apesar dos avanços dos instrumentos tecnológicos e de imageamento do cérebro e suas atividades neurais, não devemos recusar a importância dos aspectos não biológicos, sendo função do psicobiólogo atuar para traduzir esses fenômenos em medidas e padrões que envolvam as dinâmicas cerebrais. Referências BRANDÃO, M. L. As bases biológicas do comportamento: introdução às neurociências. São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária, 2004. FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. E-book. KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. E-book. PINEL, J. P. J. Biopsicologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. 10. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014. E-book. SERAFIM, A. P.; SAFFI, F. Psicologia forense. Porto Alegre: Artmed, 2015. E-book. SILVA, M. T. A. Avanços recentes em psicobiologia. Psicologia: ciência e profissão, v. 1, n. 1, p. 61–77, jan. 1981. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v1n1/03. pdf. Acesso em: 11 ago. 2021. SPENCER, N. J. et al. Identification of a rhythmic firing pattern in the enteric nervous system that generates rhythmic electrical activity in smooth muscle. Journal of Neu- roscience, Society for Neuroscience, v. 38, n. 24, p. 5507–5522, June 2018. Disponível em: www.jneurosci.org/content/38/24/5507. Acesso em: 11 ago. 2021. ZORZANELLI, R.; ORTEGA, F. Cultura somática, neurociências e subjetividade contempo- rânea. Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 30–36, 2011. Disponível em: https://www.scielo. br/j/psoc/a/xZ36Gqh3f4mZMXpJHYVftdd/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 11 ago. 2021. Introdução à psicobiologia 15 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Introdução à psicobiologia16
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