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CAUSALIDADE EM EPIDEMIOLOGIA Aula 10 – Internato APS – Profª Denise Motta 02/06/22 “Causa é um objeto precedente e contíguo a outro, e de tal forma unido a ele que a ideia de um determina na mente a formação da ideia do outro, e a impressão de um determina a formação de uma ideia mais nítida do outro.” - David Hume Segundo Hume, para que um objeto fosse causa de outro, essa "coisa" deveria vir antes. Quando pensamos, por exemplo, no paciente câncer de pulmão, o tabagismo deveria vir antes. Quando o paciente aparece com câncer de pulmão, precisamos pensar que ele fumou antes. Contudo, na medicina essa associação nem sempre acontece Existem associações causais e não causais e isso é debatido há séculos em diversos campos do saber Postulados de Koch Assertivas simples que determinavam que os agentes infecciosos estavam sempre presentes quando o sujeito morria (eram as infecções que mais matavam as pessoas na época). Não são mais utilizados na atualidade. 1. A presença do agente deve ser sempre comprovada em todos os indivíduos que sofra da doença em questão e, a partir de então, isolada em cultura pura 2. O agente não poderá ser encontrado em casos de outras doenças 3. Uma vez isolado, o agente deve ser capaz de reproduzir a doença em questão, após a sua inoculação em animais experimentais 4. O mesmo agente deve poder ser recuperado desses animais experimentalmente infectados e de novo isolado em cultura pura A causa seria um agente e desvendá-lo seria a garantiria do conhecimento maior a respeito do fenômeno estudado, uma vez que é possível intervir sobre um efeito quando se remonta sua origem. Uma causa pode ser entendida como qualquer evento, condição ou característica que desempenhe função essencial na ocorrência de uma doença. TEORIA DA MULTICAUSALIDADE É uma teoria com variados modelos explicativos, tem hoje seu papel definido na gênese das doenças Substitui a teoria da unicausalidade, cujo único modelo existente era chamado de “biomédico” Considera que a maioria das doenças advém de uma combinação de fatores que interagem entre si e acabam desempenhando importante papel na determinação delas. Esse fato deve ser levado em conta sempre que um trabalho ou uma pesquisa epidemiológica são desenvolvidos ou simplesmente acessados para estudos Para uma consequência acontecer precisamos de um número mínimo de causas Causa necessária é uma das causas componentes, sem ela não é possível ter consequências CAUSA SUFICIENTE Uma consequência não tem apenas uma causa, sendo composta de várias causas, ou seja, componentes contribuindo em conjunto para a consequência. Os fatores em conjunto são chamados de CAUSA SUFICIENTE e cada componente da causa suficiente é a CAUSA COMPONENTE. Causalidade em medicina tem variáveis complexas e que muitas vezes interagem entre si e os pesquisadores podem sequer ter conhecimento de todas. Assim, partimos do princípio de que várias causas componentes da causa suficiente são, na realidade, causas DESCONHECIDAS. Isso é importante porque quando formos falar de BEM, vamos tentar associar uma causa componente com uma consequência. Os melhores estudos são os que lidam com as causas componentes que podem ser fatores confundidores. Exemplo: Causa suficiente para ocorrência de fratura de quadril em idosos: (A) clima ruim; (B) calçada não adaptada para pedestres; (C) escolha inadequada de calçado; (D) ausência de corrimão; (E) fatores desconhecidos e inespecíficos. Causalidade de Rothman Cada causa suficiente é composta por várias causas componentes 3 viéses óbvios: Seleção e aferição pensar na amostra Acaso Confundidor O melhor modelo em CAUSALIDADE para lidar com os fatores confundidores é: randomização Estudos que não permitem randomização: observar ao longo do tempo – estudos longitudinais: coortes, ensaios clínicos, casos controles O ensaio clínico tem todos os componentes do eixo de causalidade: randomizado (controla os fatores de confusão), duplo cego (controla os fatores de aferição), N amostral grande (pouca probabilidade de acaso), sendo uma associação causal por englobar todos os conceitos da causalidade Quando não pudermos usar o eixo da causalidade, vamos fazer estudos observacionais, realizando avaliação de causalidade indireta, inferindo-as pelas características da associação para saber se ela é causal ou não. Para isso, vamos usar os critérios de Bradford- Hill (critérios de causalidade que ajudam a determinação e a associação do que é causal ou não) CRITÉRIOS DE BRADFORD HILL Bradford Hill foi um epidemiologista e estatístico inglês, pioneiro no estudo do acaso nos ensaios clínicos e, juntamente com Richard Doll, foi o primeiro a demonstrar a ligação entre o uso do cigarro e o câncer de pulmão Critérios: força de associação, consistência, especificidade, temporalidade, gradiente biológico, plausibilidade, coerência, evidência experimental e analogia Os critérios de Hill comparados aos de Koch mostram uma evolução no modelo de pensamento para o processo saúde-doença, pois passa da ideia de monocausalidade para a de especificidade entre causa e efeito 1. TEMPORALIDADE: Para que uma associação seja causal, a exposição tem que vir antes do desfecho. É fundamental. 2. FORÇA DA ASSOCIAÇÃO: O quanto a variável impacta no desfecho 3. CONSISTÊNCIA: O mesmo efeito é repetido ao longo do tempo 4. ESPECIFICIDADE: Um problema causando um desfecho no fim. É o critério de menor força. 5. GRADIENTE BIOLÓGICO Associação da dosagem do fator de risco com quantidade de desfecho 6. PLAUSIBILIDADE BIOLÓGICA: Agente causal precisa fazer sentido 7. COERÊNCIA: O que conhecemos sobre o assunto não deve entrar em conflito com a ciência atual 8. EVIDÊNCIA EXPERIMENTAL: Fácil de controlar os fatores de confusão dentro de um experimento 9. ANALOGIA: Dois fatores semelhantes causam o mesmo problema 1- TEMPORALIDADE A causa precede o efeito? A exposição ao fator de risco antecede o aparecimento da doença e é compatível com o respectivo período de incubação? Se o estudo não consegue demonstrar o que veio antes e o que veio depois, nós não conseguimos demonstrar causalidade Nem sempre é fácil estabelecer a sequência cronológica nos estudos realizados, quando o período de latência é longo entre a exposição e a doença. Exemplo: a prevalência de fumo aumentou durante a 1ª metade do século, mas houve um lapso de anos até ser detectado o aumento do número de mortes por câncer de pulmão É um dos critérios mais importantes quando associado aos estudos epidemiológicos. Estudos de coorte, ensaios clínicos e o caso-controle são capazes de fazer uma relação cronológica entre a exposição e o desfecho, fenômeno que não poderá ser obtido no estudo transversal, pois o levantamento do desfecho e das exposições ocorrem ao mesmo tempo A temporalidade, na qual a causa precede o efeito, é o ÚNICO CRITÉRIO OBRIGATÓRIO para a avaliação de causalidade. Estudos que não são passíveis de avaliação de temporalidade (estudos transversais) não são capazes de produzir evidências que afirmem que a associação seja causal, ou seja, a temporalidade é um critério necessário, porém não suficiente ASSOCIAÇÃO: se a associação for verificada repetidamente em diferentes populações e diferentes circunstâncias, terá maior probabilidade de ser causal do que de ser observação isolada. No entanto, falta de consistência não afasta ligação causal, e pode acontecer que uma causa apenas o seja na presença de fatores adicionais e/ou concomitantes. Exemplo: a maioria, se não a totalidade, dos estudos sobre câncer de pulmão detectou o fumo como um dos principais fatores associados a essa doença. 2- FORÇA DA ASSOCIAÇÃO Uma associação forte tem maior probabilidade de ser causal do que uma associação fraca, já que esta tem maior probabilidadede ser ilegítima, por viés, confusão ou acaso. No entanto, uma associação fraca pode ser causal. Assim, quanto mais elevada a medida de efeito (risco relativo, odds ratio ou razão de prevalência), maior a plausibilidade da relação ser causal Exemplo: estudo sobre fumo em adolescentes mostrou que a força de associação entre o fumo do adolescente e a presença do fumo no grupo de amigos foi da magnitude de 17 vezes (odds ratio 17 – IC95% = 8,8 a 34,8); ou seja, adolescentes com 3 ou mais amigos fumando têm 17 vezes maior risco para serem fumantes do que aqueles sem amigos fumantes É medida através das medidas de associação e efeito Medida por três fatores: risco relativo, Odds Ratio e Razão de Prevalência COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO (OUTRA FORMA DE AVALIAR A FORÇA DE ASSOCIAÇÃO) A linha reta indica uma correlação diretamente proporcional, ou seja, r ou ró = 1, assim a associação é muito forte Quando a linha é decrescente, a associação é inversamente proporcional perfeita, o coeficiente de correlação é - 1 e também é uma associação muito forte Quando a correlação não é tão perfeita, o coeficiente vai estar entre 0 e 1 ou –1 e 0, a força não é tão grande Coeficiente 0, não existe associação entre as variáveis 3- CONSISTÊNCIA Se a associação for verificada repetidamente em diferentes populações e diferentes circunstâncias, terá maior probabilidade de ser causal do que de ser observação isolada. No entanto, falta de consistência não afasta ligação causal e pode acontecer que uma causa apenas seja na presença de fatores adicionais e/ou concomitantes Exemplo: a maioria, se não a totalidade, dos estudos sobre câncer de pulmão detectou o fumo como um dos principais fatores associados a essa doença 4- ESPECIFICIDADE A causa apenas conduzirá a um efeito e não a múltiplos efeitos Critério que pode ser questionável, uma vez que algumas exposições conferem risco para vários desfechos. Por exemplo, o caso da exposição ao tabaco, que confere risco para câncer de pulmão, bexiga, língua, pode causar também DPOC e doenças cardiovasculares etc Lembra os postulados de Henle Koch Na prática, não é um conceito tão útil Exemplo: poeira da sílica e formação de múltiplos nódulos fibrosos no pulmão (silicose) 5- GRADIENTE BIOLÓGICO O aumento da exposição causa aumento do efeito? Sendo positiva essa relação, há mais um indício do fator causal Exemplo: os estudos prospectivos sobre a mortalidade por câncer de pulmão e fumo nos médicos ingleses tiveram seguimento de 40 anos (1951 a 1991). As primeiras publicações dos autores já mostravam o efeito dose-resposta do fumo na mortalidade por câncer de pulmão; os resultados desse acompanhamento revelavam que fumantes de 1 a 14 cigarros/dia, de 15 a 24 cigarros/dia e de 25 ou mais cigarros/dia morriam 7,5 a 8, 14,9 a 15 e 25,4 a 25 vezes mais do que os não fumantes, respectivamente 6- PLAUSIBILIDADE BIOLÓGICA Associação com explicação concordante com o nível atual de conhecimento A relação entre fumo passivo e câncer de pulmão é um dos exemplos: carcinógenos do tabaco têm sido encontrados no sangue e na urina de não fumantes expostos ao fumo passivo. A associação entre o risco de câncer de pulmão em não fumantes e o número de cigarros fumados e anos de exposição do fumante é, ainda, diretamente proporcional (efeito doseresposta) Úlcera gástrica ou o câncer de colo uterino: componente infeccioso causal, os modelos recentes têm demonstrado ação oncogênica do vírus HPV e também o envolvimento da bactéria Helicobacter pylori no processo inflamatório gástrico 7- COERÊNCIA A assunção de causalidade deverá estar ligada a outras observações, especialmente à história natural da doença. Por exemplo, a relação causal entre consumo de tabaco e câncer de pulmão era coerente com as observações de que os fumantes tinham displasia do epitélio brônquico Ausência de coerência não afasta relação causal, mas a fortlece 8- EVIDÊNCIA EXPERIMENTAL Mudanças na exposição resultam em mudanças na incidência de doença. Por exemplo, sabe-se que os alérgenos inalatórios (como a poeira) podem ser promotores, indutores ou desencadeantes da asma. Portanto, o afastamento do paciente asmático desses alergênicos é capaz de alterar a hiperresponsividade das vias aéreas, a incidência da doença ou a precipitação da crise 9- ANALOGIA O observado é análogo ao que se sabe sobre outra doença ou exposição Exemplo: é reconhecido o fato de que a imunossupressão causa várias doenças. Portanto, explica-se a forte associação entre HIV/AIDS e tuberculose, já que, em ambas, a imunidade está diminuída Um dos mais discutidos critérios de Hill em se tratando de inferência causal, embora raramente seja possível comprovar os nove postulados para determinada associação. A pergunta-chave nessa questão da causalidade é a seguinte: os achados encontrados indicam causalidade ou apenas associação? O critério de temporalidade, sem dúvida, é indispensável à causalidade, pois se a causa não precede o efeito, a associação não é causal. Os demais critérios podem contribuir para a inferência da causalidade, mas não necessariamente determinam a causalidade da associação ESTUDOS OBSERVACIONAIS Não podemos fazer experimentos para detectar informações, porque podemos ser levados a pensar que estudos observacionais, além de serem difíceis, não contribuem tanto para a causalidade como os ensaios clínicos randomizados. Contudo, uma das principais descobertas da humanidade vieram de estudos observacionais com essas características de associação (órbita de planetas ao redor do sol, teoria das placas tectônicas, teoria da evolução, o câncer de pulmão e tabagismo) Observações repetidas com critérios de causalidade úteis para a medicina e para a ciência como um todo As coortes são os estudos observacionais mais importantes para observar causalidade, pois são longos. CAUSALIDADE Fatores de confusão, viés de seleção e aferição, precisamos na hora do acaso, para concluir a causalidade. Para isso, devemos falar sobre como recrutamos os participantes do estudo para que a nossa causalidade seja robusta e, assim, falaremos sobre AMOSTRAGEM A amostra é adequada quando representativa da população de origem: a proporção das múltiplas variáveis encontradas na população seja semelhante à proporção dessas mesmas variáveis na amostra. Não existe método perfeito para que isso seja alcançado, porém a maneira mais precisa é uma seleção probabilística de participantes na população. Quanto mais a amostra se aproximar desse ideal, maior será a capacidade do estudo poder inferir causalidade. AMOSTRAGEM Diferença entre população e amostra População: conjunto completo de pessoas que apresentam características em comum. Dessa forma, respondem a pergunta: queremos demonstrar o que e em quais pessoas? A população nunca é o alvo total do estudo porque não é possível, visto que as generalizações englobam pessoas que já morreram e pessoas que ainda vão nascer, por isso sempre trabalhamos com amostras Amostra: representativa das populações alvo e subconjunto da população. Depende da limitação de orçamento/dinheiro disponível e o tempo AMOSTRAGEM POR CONVENIÊNCIA A amostragem por conveniência é a mais usada pela facilidade de ser obtida, embora a sua seleção não seja aleatória. A amostra por essa estratégia é feita por meio de centros de saúde, instituições acadêmicas ou locais nos quais é fácil a obtenção dos participantes. Não é uma prática incorreta, desde que, na interpretação dos resultados, seja levado em conta a quem eles podem ser aplicados. Entretanto, por conta disso, os resultados das pesquisas clínicas resultam em um grande desafio aos clínicos, pela possibilidade de generalização dos resultados para sua prática. Não probabilística por conveniência É a mais usada,abordagem probabilística é a melhor Padrão ouro na garantia da capacidade de generalização Processo aleatório Cada unidade da população: probabilidade específica de seleção AMOSTRA PROBABILÍSTICA ALEATÓRIA SIMPLES Realizada quando cada indivíduo da população tem a mesma probabilidade de ser selecionado. Quando esse procedimento é feito em um grande tamanho amostral, de modo que subgrupos minoritários da população consigam ser selecionados, é teoricamente o padrão-ouro das amostragens. Entretanto, quando a amostra é pequena, indivíduos de subgrupos pequenos têm pouca probabilidade de entrar na amostra, tornando o estudo deficitário. Esse tipo de amostragem é realizado, por exemplo, em pesquisas de campanhas eleitorais AMOSTRA PROBABILÍSTICA ESTRATIFICADA É realizada quando a população é dividida em diferentes estratos de subgrupos e os indivíduos são selecionados desses subgrupos. É uma forma de garantir que todos os subgrupos, inclusive os minoritários, façam parte da amostra. A desvantagem dessa abordagem é que nem todos os subgrupos ficam representados, por não terem sido identificados, ou que subgrupos com pouca representatividade populacional fiquem super-representados. AMOSTRAGEM SISTEMÁTICA Dados de um banco de dados, como prontuários, nos quais fazemos sistemas de numerações que representem a nossa população AMOSTRAGEM PROBABILÍSTICA POR CONGLOMERADOS Realizada principalmente em estudos multicêntricos, por exemplo, selecionando hospitais representativos de um país. Para que isso ocorra, os conglomerados devem ser selecionados aleatoriamente por meio de sorteio. Caso contrário, torna-se uma amostra de conveniência
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