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MARINA DE OLIVEIRA RELATO DE CASO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO O USO INDISCRIMINADO DE ANTIBIÓTICOS EM LAGOMORFOS Relato de Caso do Estágio Supervisionado do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da UniSul, Campus Itajaí/SC como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Medicina Veterinária. Supervisor: Catharina Fonseca Coelho Orientador: Cibele Fraga ITAJAÍ/SC, JUNHO DE 2022 O uso indiscriminado de antibióticos em lagomorfos Marina de Oliveira¹; Catharina Fonseca Coelho²; Cibele Fraga3 1 Acadêmica do curso de Medicina Veterinária, UniSul, Itajaí /SC. 2 Médico Veterinário Clínico Geral, Vet Exóticos, Camboriú/SC. 3 Professor do Curso de Medicina Veterinária, UniSul, Itajaí /SC. Resumo Este relatório apresenta as atividades desenvolvidas e acompanhadas durante o estágio supervisionado obrigatório em medicina veterinária, que foi realizado no período entre o dia 28/02/2022 à 07/05/2022 na clínica veterinária Vet exóticos situada no município de Camboriú (SC), na área de animais silvestres e exóticos. Dentre as atividades desenvolvidas estão os atendimentos clínicos, procedimentos cirúrgicos e ambulatoriais. Um dos procedimentos de atendimento clínico e ambulatorial, onde foram utilizadas técnicas menos invasivas no tratamento de uma série de afecções tais como: miíase, disbiose, caquexia, desidratação e correção de manejo inadequado em um coelho de oito anos de idade, foi relatado e discutido. Palavras-chave: Lagomorfos, disbiose, correção de manejo, antibióticos, automedicação. Introdução O estágio supervisionado obrigatório foi realizado no período de 28/02/2022 a 07/05/2022 na Clínica veterinária Vet Exóticos, localizada no município de Camboriú - Santa Catarina. O local de estágio foi escolhido por se destacar pelo seu primo-atendimento e estrutura projetada desde sua fundação para atender animais silvestres e exóticos, além da perspectiva de abrir novas portas e aprimorar o conhecimento obtido nesses anos de formação. Durante o estágio curricular supervisionado tive a oportunidade de vivenciar uma rotina clínica vinculada ao ensino, acompanhando as profissionais em atendimentos e cirurgias, e assim, adquirindo novos conhecimentos teóricos e práticos na área de animais silvestres e exóticos. Um caso acompanhado durante o estágio foi escolhido para ser relatado e discutido. 1.1 Lagomorfos A ordem lagomorpha possui pequenos mamíferos em sua constituição, tais como os coelhos, as lebres e os ocotonídeos, estes animais são confundidos com os roedores (ratos, hamsters) com certa frequência, pois em ambas as ordens os dentes incisivos crescem por toda a vida, fazendo com que os animais necessitem desgastar os dentes (roer) em alimentos fibrosos. As principais características desse grupo são a presença de dois pares de dentes incisivos posteriores e um par na mandíbula, além disso, o trato digestivo desses animais é adaptado para digerir uma dieta com uma grande quantidade de fibras. 1.2 Coelhos como animais de companhia Os coelhos são animais herbívoros cuja presença como animais de companhia tem sido cada vez mais vista, fazendo com que a demanda por atendimento clínico desses animais nas clínicas de pets não convencionais aumente cada vez mais. Apesar dos coelhos se adaptarem facilmente como animais domésticos eles não são pets convencionais, e por serem diferentes dos habituais animais de companhia precisam de cuidados e manejos específicos para sua espécie, por esse motivo nota-se em consultas clínicas alguns erros de manejo, relacionados à alimentação e automedicação desses animais. 1.3 A importância da microbiota nos lagomorfos A mucosa do ceco é vascularizada e rica em células muco secretoras e absortivas, sua porção distal contém células linfóides, que estão relacionadas com a pressão arterial e secreção de íons bicarbonato (HCO3), tamponantes dos ácidos graxos voláteis produzidos durante a fermentação cecal. No apêndice cecal ocorre também uma fagocitose bacteriana. Como Ferreira et al. (2006) relata, uma apendicectomia reduz em níveis significativos a vitamina B12 no conteúdo cecal, em uma relação direta com a fermentação microbiana, demonstrando a importância desse órgão para a espécie. A microbiota intestinal exerce muitas funções que são benéficas, tais como a produção de vitaminas do complexo B e K e a estimulação do sistema imunológico, quando a flora intestinal está em desequilíbrio causa uma série de problemas e sintomas no organismo, tais como, diarréia, gases, dores abdominais. 1.4 Automedicação A automedicação atualmente ocorre por conta de ritos culturais ou por baixo orçamento financeiro. Assim como nos humanos, o uso indiscriminado de medicamentos e a utilização de receitas caseiras em pets sem orientação profissional representam um grande risco à saúde, configurando uma das principais causas de intoxicação em cães e gatos (QUESSADA et al., 2010). Segundo Nascimento (2019) os principais medicamentos utilizados são anti-inflamatórios não esteroidais (aines), antiparasitários, antibióticos e anticoncepcionais. Durante a consulta nesses casos se torna extremamente necessário esclarecer para o proprietário os erros de manejo e os riscos da automedicação, visto que pode se tornar um caso de saúde pública. 1.5 Uso de antibióticos Um dos problemas que envolve o uso indiscriminado de antibióticos é a resistência bacteriana, que pode ser adquirida ou acontecer de forma natural. Essa resistência é um efeito colateral inevitável do uso destes medicamentos e alguns fatores como erros de dosagem, uso indevido, tempo de terapia inadequado e combinações de antibióticos contribuem para que isso aconteça. O uso indiscriminado de antibióticos seleciona bactérias resistentes, que podem se tornar predominantes em uma população. Os antibióticos são os protagonistas no tratamento de inúmeras doenças bacterianas que poderiam levar até a morte, sendo um dos remédios mais utilizados no mundo todo, a indicação dessa classe de medicamentos precisa ser feita com cautela e em casos onde realmente se faça necessário, pois esses mesmos medicamentos que podem salvar vidas não tem distinção entre bactérias essenciais para o funcionamento do intestino e bactérias patogênicas. A microbiota de todo ser vivo é formada por incontáveis bactérias de diversas espécies diferentes e que são afetadas diretamente pelo uso de antibióticos, a disbiose (condição clínica em que as bactérias intestinais sofrem um desequilíbrio) pode causar diarréia, aumento de gases e dores abdominais e em espécies mais sensíveis, onde o intestino é um órgão extremamente importante para a homeostase, pode causar uma série de afecções que resultam em óbito. Descrição do caso O paciente do caso era um coelho macho de 8 anos de idade, no relato dos proprietários o animal apresentou miíase três semanas antes da consulta a qual os proprietários trataram por conta utilizando Duotrill 50mg ( um comprimido por dia durante 3 dias, direto na boca), banho e as pomadas minancora, hipoglos e vaselina. Uma semana antes da consulta o paciente apresentou uma ferida pelve dorsal com presença de miíase , os donos trataram novamente por conta lavando e passando uma pomada a qual não conseguiram identificar. Na consulta foi também informado que por o animal não estar abrindo os olhos foi aplicado colírio humano, não identificado pelos proprietários. Ao questionados sobre a dieta do animal, os responsáveis informaram que o paciente nunca comeu feno e a base de sua alimentação era batata-doce, frutas, gramíneas e ração. O ambiente onde o animal vivia era um quintal espaçoso onde ficava solto e sem supervisão. No exame físico o animal apresentava 2.8 kg, temperatura 39 ° C, desidratação de 8%, tempo de preenchimento capilar (TPC) de 3 segundos, os olhos estavam fechados e com muita secreção e narinas com grande abertura na respiração. Na ausculta pulmonar o pulmão esquerdo apresentava sons mais abafados se comparado ao pulmão direito,o paciente só se mantinha em decúbito lateral e tinha lacerações distribuídas na região pélvica-dorsal. Foi dado início a internação com o animal apresentando taquicardia, taquipneia e desidratação em 8%. Logo foi feita a coleta de sangue para acompanhamento hematológico e administrado fluidoterapia intravenosa (IV) com ringer lactato. As medicações administradas foram: Meloxicam 2% (0,8 mg/kg) - 0,1ml subcutâneo (SC), SID/3 dias; Dipirona 50% (20mg/kg) - 0,1ml SC BID/2 dias; Simeticona gotas - 0,5 ml via oral (VO) BID/10 dias; Probiótico - 0,8ml VO SID/15 dias, frequência cardíaca (FC) 115 batimentos por minuto (bpm), frequência respiratória (FR) normopnéia, também foi feita a inclusão de vitamina B12 (0,4 ml) SC, diluído com soro fisiológico (SF) SID/3 dias. Os achados hematológicos não foram de tanta relevância para o auxílio de um diagnóstico, como pode ser observado nas figuras de 1 a 4. Figura 1 - resultado do hemograma. Fonte: Banco de dados da clínica Vet exóticos. Figura 2 - resultado da dosagem de ureia. Fonte: Banco de dados da clínica Vet exóticos. Figura 3 - resultado da dosagem de fosfatase alcalina e glicose. Fonte: Banco de dados da clínica Vet exóticos. Figura 4 - resultado da dosagem de ALT/TGP, AST/TGO e creatinina. Fonte: Banco de dados da clínica Vet exóticos. Depois de algumas horas internado o paciente com ajuda conseguia permanecer em posição anatômica e se movimentar pela baía, começou a beber água sozinho e a se limpar, a temperatura estabilizou (37.9 °C) e o mesmo se alimentava bem, aceitou couve, salsinha, pepino, ração, cenoura em pouca quantidade e 6 ml de papinha. Foi realizada limpeza das feridas da região pélvica dorsal e a retirada das crostas de pomada que ficaram grudadas na pele do paciente, foi administrado ivermectina, com redosagem em 7 dias, pois o animal apresentava miíase de baixo das crostas (Figura 5). Figura 5 - larvas retiradas de miíase do paciente. Fonte: Elaborada pelo autor. Após 4 dias de internação o paciente mostrou melhoras significativa no quadro, as fezes estavam levemente amolecidas e a urina normal para o padrão da espécie, com permanência em estação com mais facilidade, continuou aceitando ração e verduras com o mesmo apetite, comia pouca quantidade de feno. Foi iniciada hidroterapia com água morna até o tornozelo a fim de fortalecer e estimular a movimentação do paciente com boa aceitação. A propriocepção estava normal no membro posterior direito (MPD) e ausente no membro posterior esquerdo (MPE). Paciente pesava 2,650 kg. As medicações administradas foram Meloxicam 0,2% - 0,26ml SID SC/3 dias; Dipirona 50% - 0,1ml BID SC/2 dias; Roevit - 3gts SID VO/15 dias. Na imagem seguinte (figura 6) registra o paciente em repouso na sua baia ( figura 6A ) e antes dos procedimentos de limpeza e administração de medicamentos diários ( figura 6B ). Figura 6 - paciente. Fonte: Elaborada pelo autor. Houve perda do acesso IV da orelha do animal, o que ocasionou necrose local, foi feita a limpeza com soro fisiológico e sulfadiazina de prata, foi dado início ao tratamento com antibiótico, administração de Enrofloxacino 5% (5 mg/kg) - 0,24 ml SID IV/7 dias. Foi feito a partir disso acesso venoso pela veia cefálica esquerda. Após o quinto dia de internamento o paciente começou a perder força nos membros pélvicos, havendo quedas de cabeça e a não manter seu peso, reduzindo de 2,650 para 2,450kg. Durante os primeiros dias de internação, os proprietários não estavam se dando conta da gravidade do caso do paciente, conforme a semana foi passando e o animal piorou, a situação mudou. Foi conversado sobre a possibilidade de ser realizado eutanásia, mas teve resistência da parte de um dos tutores. Nos últimos dois dias do paciente na clínica foi realizada hidroterapia e dado continuidade a administração de antibiótico como última alternativa de tratamento. Porém, antes que o paciente apresentasse qualquer reação, os proprietários optaram pela retirada do animal da clínica sem indicação médica. O paciente veio a óbito na manhã seguinte. Discussão No caso relatado, podemos observar que o animal apresentava disbiose como um dos sintomas, condição clínica que pode ter sido causada pelo tempo de manejo alimentar inadequado e se agravado pela automedicação feita pelos proprietários do animal. O uso indiscriminado de medicamentos por tutores de pequenos animais é bem comum na rotina de clínicas veterinárias (MARTINS et al., 2015), isso se torna uma situação de risco à saúde animal e pública, uma vez que facilita a seleção de microrganismos mais resistentes aos medicamentos antibióticos. De acordo com Leite et al. (2006) isso é comum no atendimento clínico de animais sem que haja uma doença previamente estabelecida. Estes animais geralmente apresentam quadros clínicos das consequências do uso inadequado e irresponsável dos medicamentos, veterinário ou humano, fornecidos pelos tutores. Os antibióticos, por definição, são medicamentos que podem inibir a replicação de bactérias e destruir agentes patogênicos, estes medicamentos estão entre os mais utilizados no mundo para o tratamento de inúmeras doenças bacterianas que podem gerar uma série de afecções, e inclusive levar o indivíduo a óbito. Por isso, a utilização desses medicamentos precisa ser prescrita por um profissional e somente em casos onde se faça necessário. O uso indiscriminado de antibióticos pode levar indivíduos como os coelhos, que possuem um intestino mais desenvolvido a ter um caso de disbiose, isso pode mascarar o problema principal causando uma série de outras afecções e piorando o quadro clínico do indivíduo, podendo inclusive levá-lo a óbito. Acredita-se que no caso relatado isso tenha acontecido. Os coelhos dependem da fermentação microbiana do seu alimento dentro do ceco para obter nutrientes, já em seu estômago e intestino grosso a absorção de nutrientes é semelhante a dos mamíferos monogástricos. O conteúdo resultante da digestão é separado no cólon em matéria indigerível e produtos que podem ser metabolizados por microorganismos cecais. A separação da ingesta vai depender do tamanho das partículas, a parte proximal do cólon dos coelhos é adaptada para fazer essa separação de partículas grandes indigeríveis das pequenas partículas de fibra que podem ser degradadas com o sítio de bactérias fermentadoras do ceco. A matéria indigerível passa pelo cólon e é rapidamente eliminada, enquanto as partículas menores e fluidos digeríveis passam pelo ceco onde a fermentação bacteriana libera ácidos graxos voláteis, sintetizando assim vitaminas e proteínas. O conteúdo cecal é expelido pelo ânus e re-ingerido como fonte de nutrientes, essa estratégia metabólica é chamada de cecotrofia e é um mecanismo fisiológico que melhora a utilização de matéria seca e proteína na dieta desses animais, utilizando a fermentação bacteriana para formar nutrientes e evitando a necessidade de armazenar grandes quantidades de alimento no trato digestivo. Conclusão Analisando o caso relatado e sua discussão, podemos concluir que se torna de extrema importância o diálogo sobre manejo e bem estar com os proprietários durante a consulta clínica, pois essas informações vão ser agregadas à vida do paciente melhorando sua qualidade de vida e facilitando a rotina dos tutores, podemos também observar os riscos da automedicação, principalmente quando tratada de um medicamento tão forte como os antibióticos. O uso indiscriminado desses medicamentos resulta numa alteração desnecessária da microbiota intestinal, que por sua vez é responsável pela degradação e absorção de nutrientes. No caso relatado, os quadros poderiam ter sido evitados se o animal fosse a uma consulta veterinária antecipadamente, visto que o animal apresentou disbiose que possivelmente teve origem na sua dieta desregulada e no uso irresponsável de antibiótico, que pode ter mascarado o diagnóstico principal, dificultando o manejo médico veterinário e levandoo animal a óbito. Referências Bibliográficas BROWN, Frances Harcourt. Textbook of rabbit medicine. Oxford: Reed Educational And Professional Publishing Ltd, 2002. 426p. FERREIRA, W. M. ; BORGES, Flávia Maria de oliveira ; PEREIRA, Renata Apocalypse Nogueira. Fundamentos da Nutrição de Coelhos, In: 3rd American Rabbit Congress, 2006, Maringá. Anais do III Congresso de Cunicultura das Américas. Maringá-PR: American Branch of the World Rabbit Science Association, 2006. v. 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