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ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! PROFESSOR Dr. José Gilberto Pereira Introdução à Profissão Farmacêutica https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/1001 FICHA CATALOGRÁFICA C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. PEREIRA, José Gilberto. Introdução à Profissão Farmacêutica. José Gilberto Pereira Maringá - PR.: Unicesumar, 2021. 288 p. “Graduação - EaD”. 1. Introdução 2. Profissão 3. Farmacêutica. CDD - 22 ed. 615.4 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-65-5615-390-2 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Pró Reitoria de Ensino EAD Unicesumar Diretoria de Design Educacional NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador de Conteúdo Sidney Edson Mella Junior Designer Educacional Ana Salvadego Revisão Textual Nagela Naves, Ariane Fabreti e Meyre da Silva Editoração Isabela M. Belido e Andre Morais Ilustração Natalia Scalassara Realidade Aumentada Matheus Guandalini, Maicon Curriel e Cesar Seidel Fotos Shutterstock. PRODUÇÃO DE MATERIAIS EXPEDIENTE DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e Planejamento Educacional Tania C. Yoshie Fukushima Head de Recursos Digitais e Multimídias Franklin Portela Correia Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção Digital Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Recursos Educacionais Digitais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Design Educacional e Curadoria Yasminn T. Tavares Zagonel Supervisora de Produção Digital Daniele Correia BOAS-VINDAS Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Reitor Wilson de Matos Silva A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade, ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diariamente para que nossa educação à distância continue como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre quatro pilares que consolidam a visão abrangente do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o profissional, o emocional e o espiritual. A nossa missão é a de “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio importante para o cumprimento integral desta missão: o coletivo. São os nossos professores e equipe que produzem a cada dia uma inovação, uma transformação na forma de pensar e de aprender. É assim que fazemos juntos um novo conhecimento diariamente. São mais de 800 títulos de livros didáticos como este produzidos anualmente, com a distribuição de mais de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nossos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700 polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina, Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre os 10 maiores grupos educacionais do país. Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima história da jornada do conhecimento. Mário Quintana diz que “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportunidade de fazer a sua mudança! Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre mim, além das informações do meu currículo. Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre mim, além das informações do meu currículo. MEU CURRÍCULO MINHA HISTÓRIA Olá, gostaria de contar a você um pouco sobre mim e minha formação. Sempre muito estudioso, a escola era para mim motivo de alegria e satisfação. No Ensino Mé- dio, percebi que me entusiasmavam os ensinamentos de Química, Biologia e Língua Portuguesa. Ainda muito jo- vem, decidi cursar Farmácia e, no ano de 1982, escolhi a Universidade Estadual de Maringá para estudar. Comecei minha carreira profissional ainda na graduação, quando optei pelo núcleo das disciplinas farmacêuticas e, em es- pecial, aquelas voltadas para a indústria. Colei grau, em 1986, sem cursar a habilitação em Bioquímica, pretendia mesmo era seguir carreira acadêmica como professor e pesquisador, mas, por questões pessoais, retornei à cidade natal onde montei uma farmácia comunitária de bairro e atuei por dez anos. Em 2000, mudei-me para Curitiba, onde trabalhei dois anos no Conselho Regional de Farmácia e, neste período, cursei o aperfeiçoamento em Farmacologia, na Universidade Federal do Paraná. Em 2003, voltei para Maringá para atuar como docente no Curso de Farmácia, da UniCesumar, onde estive por dez anos, período em que fiz mestrado em Ciências da Saúde, na Universidade Estadual de Maringá (2006) e doutorado em Saúde Pública, na Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (2013). Hoje, atuo como farmacêutico no Hospital Universitário Regional de Maringá e como professor convidado na Especialização em Farmacologia Clínica e no Curso de Farmácia EaD da UniCesumar. Dr. José Gilberto Pereira Lattes: https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8628 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8627 IMERSÃO RECURSOS DE Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS EU INDICO Enquanto estuda, você pode acessar conteúdos online que ampliaram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tecnologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experience. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recursos em Realidade Aumentada. Explore as ferramentas do App para saber das possibilidades de interação de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o código, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido PÍLULA DE APRENDIZAGEM Professores especialistas e convidados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discutido, de forma mais objetiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 INICIAIS PROVOCAÇÕES INTRODUÇÃO À PROFISSÃO FARMACÊUTICA Seja bem-vindo(a)! Começo a apresentação da disciplina Introdução à Profissão Farmacêutica com a seguinte pergunta: De onde veio e para onde vai o farmacêutico? Quando fazemos a nossa opção profissional, nem sempre estamos seguros de ter feito a escolha correta. Ao longo do processo de formação, surgem dúvidas constantes a respeito do caminho a seguir, em especial no Curso de Farmácia que possui um currículo tão heterogêneo e diversificado, pois envolve conhecimentos de Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências humanas e, até mesmo, um pouco das Engenharias. Caminhar por todas estas áreas poderá trazer muitas incertezas, já que o egresso do Curso de Farmácia é essequebra-cabeças com competências e habilidades para atuar em várias frentes de trabalho. Somente um planejamento coordenado da carreira poderá nos transformar no farmacêutico que queremos ser. O farmacêutico, em essência, é um profissional da saúde, que tem no medicamento sua principal ferramenta. É descobrindo, experimentando, produzindo, dispensando e monitorando o uso de medicamentos que ele mais contribui para a promoção, pre- venção e recuperação da saúde das pessoas. Com isso, o farmacêutico tem lugar de destaque nos sistemas de saúde, e é, principalmente na farmácia, sua casa de ofício, onde ele atua, de forma integrada à equipe multiprofissional de saúde, na prestação dos cuidados farmacêuticos em favor dos pacientes que a ele acorrem. Nesta disciplina, convido você, a viajar comigo pela história da Farmácia e da Medicina a fim de entender como o ser humano tem lidado com o processo saúde-doença e o modo como o método científico clássico surgiu e se desenvolveu nas civilizações antigas. Conheceremos os primórdios da profissão farmacêutica e a figura do boticário como o dedicado produtor de medicamentos desde os tempos da Idade Média. Acompanhare- mos cada etapa da evolução da farmácia em nosso país, desde a época colonial até as drugstores dos nossos dias, entendendo como se deu a regulamentação da profissão ao longo do tempo, em seus aspectos históricos, éticos e legais. Veremos o papel da vigilância sanitária de medicamentos e a consolidação da legislação sanitária do setor, assim como a importância do controle sanitário de medicamentos na manutenção da saúde da população. Conheceremos todas as possíveis áreas de atuação do farma- cêutico na atualidade com ênfase na farmácia clínica e atenção farmacêutica, que são consideradas práticas de vanguarda. Por fim, lançaremos um olhar sobre o impacto das tecnologias nas ciências farmacêuticas e sobre as perspectivas do futuro da profissão. É hora de lançar um desafio para você. Esta disciplina foi concebida para ser uma diretriz na sua carreira de farmacêutico, no sentido de expor grande parte dos aspectos que estruturam a profissão, os quais subsidiarão os fundamentos da sua jornada acadêmica durante o Curso de Farmácia e tornarão sólidas suas convicções na escolha profissional realizada. Para obter este êxito, fique atento a cada detalhe apresentado e se dedique integralmente aos objetivos que a disciplina propõe. Na Unidade 1, você terá a oportunidade de caminhar pela História da Farmácia e da Medicina ao longo do tempo, desde as épocas mais primitivas até a contemporânea. Você compreenderá como o processo saúde-doença era abordado pela sociedade na busca do vigor físico e da sobrevivência humana, bem como conhecerá as várias formas terapêuticas empregadas e a evolução das ciências médicas. Também terá o entendimento de como surgiram e se desenvolveram a Farmácia e as atividades farma- cêuticas, assim como o contexto no qual foi reconhecido o profissional Farmacêutico. Historicamente, a Farmácia e a Medicina são ciências indissociáveis, pois a primeira surgiu como consequência da segunda e, assim, permanecem atreladas até hoje. Na Unidade 2, você terá a oportunidade de lançar um olhar aos primórdios da profissão e entender a dinâmica da construção de um profissional, considerando todas as vitórias e os percalços que fizeram seu o caminho até aqui. Nas palavras do poeta espanhol Antônio Machado: “Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”. Ao voltarmos a vista atrás e vislumbrarmos o caminho percorrido, o nosso passo será adiante, em direção ao futuro. Na Unidade 3, você terá a oportunidade de conhecer o modo como as farmácias brasi- leiras vêm se organizando e desenvolvendo ao longo dos anos, bem como identificar as diferentes atividades nelas executadas e as tendências mercantis. Terá oportunidade, também, de refletir sobre a função social da farmácia enquanto unidade de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva. Na Unidade 4, você terá conhecerá toda a base legal que regulamenta a profissão far- macêutica no Brasil em cada uma das espécies legislativas. Entender os fundamentos e a organização da hierarquia das normas no Direito brasileiro. Acompanhar a evolução histórica desta legislação, considerando os aspectos políticos, sociais e econômicos, que a cada época influenciaram a dinâmica da regulamentação profissional e, conse- quentemente, o reflexo dessas mudanças na atuação do farmacêutico. INICIAIS PROVOCAÇÕES Na Unidade 5, você terá a oportunidade de conhecer a legislação sanitária aplicada às empresas e aos estabelecimentos farmacêuticos, que refletem, diretamente, no exercício profissional farmacêutico. Apresentaremos o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a criação e o desenvolvimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa e seus mecanismos regulatórios para o setor farmacêutico. Na Unidade 6, você terá a oportunidade de conhecer os aspectos básicos da forma- ção profissional, tais como a legislação que a regulamenta, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia, o Projeto Pedagógico e os requisitos curriculares mínimos do Curso. Conhecerá, também, a diversidade e as oportunida- des disponíveis na pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu bem como cada área de atuação do farmacêutico, no mercado de trabalho, na atualidade, e sua respectiva regulamentação. Na Unidade 7, você terá a oportunidade de conhecer os fundamentos de duas práticas avançadas da profissão farmacêutica. Ambas surgiram nos anos 1960 e se disseminaram como resposta ao movimento de reprofissionalização do farmacêutico e de definição do seu papel no sistema de saúde. A primeira, a Farmácia Clínica, trata-se de uma prá- tica que surgiu na Farmácia Hospitalar e oportunizou a aplicação de conhecimentos do farmacêutico de forma direta à assistência à saúde dos pacientes em cooperação com a equipe multiprofissional de saúde. A segunda, a Atenção Farmacêutica, compreende uma ação conjunta do farmacêutico com paciente para a otimização da farmacoterapia, visando resultados definidos na saúde, com base em responsabilidades e valores éticos de compromisso e competência profissional. Na Unidade 8, você terá a oportunidade de conhecer as linhas gerais do processo de desenvolvimento de novos medicamentos, desde a concepção da molécula até o uso pelo paciente. Entenderá como se dá a descoberta de um novo fármaco e conhecerá todos os testes a que é submetido antes de ser experimentado em seres humanos. INICIAIS PROVOCAÇÕES Acompanhará os testes pré-clínicos realizados em laboratórios e cada uma das etapas dos ensaios clínicos. Assim, terá uma visão geral dos aspectos que compõem o mercado farmacêutico e a indústria farmacêutica no país, como também entenderá o conceito de Complexo Industrial da Saúde. Na Unidade 9, você terá a oportunidade de entender, na perspectiva de uma visão global, como o farmacêutico se encontra inserido nos sistemas de saúde e o modo como o conceito de saúde e a organização desses sistemas define o espaço de atuação profissional e orienta a capacitação para sua inserção e desenvolvimento das práticas profissionais necessárias ao atendimento das demandas por saúde e medicamentos da população, no que se denominou farmacêutico sete estrelas. Verá também a maneira como se estruturam as carreiras dos farmacêuticos de acordo com seus inte- resses, seus objetivos e sua visão de futuro, conhecendo as diretrizes e um modelo de desenvolvimento da carreira bem como conhecer as competências, as habilidades e as razões para se tornar um farmacêutico de sucesso. Conhecerá as áreas emergentes e especializadas da farmácia, que geram novas tecnologias e que impulsionam os limites do conhecimento farmacêutico, em médio e longo prazo. E, por fim, entenderá como os farmacêuticos se organizam em defesa e pelo progresso da profissão,no Brasil e no mundo, por meio das associações e das sociedades corporativas. Ao cursar a disciplina Introdução à Profissão Farmacêutica, você compreenderá as ca- racterísticas envolvidas desde o surgimento da farmácia e do farmacêutico, que foram evoluindo conforme o desenvolvimento da profissão, bem como olhará para as pers- pectivas de futuro e vislumbrará o(a) farmacêutico(a) que você pretende se tornar. Minha maior expectativa com relação à disciplina é que você realmente possa se fun- damentar, com base nos conceitos e nos ensinamentos propostos nos vários recursos empregados, a se encontrar, de modo significativo, com sua escolha profissional. Bons estudos! APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 43 5 13 69 43 97 HISTÓRIA DA FARMÁCIA E DA MEDICINA: DOIS SABERES INDISSOCIÁVEIS 6 153 ÁREAS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO FARMACÊUTICO: FORMAÇÃO, DIVERSIDADE E POSSIBILIDADES EVOLUÇÃO DA FARMÁCIA NO BRASIL. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DO PRIMÓRDIOS DA PROFISSÃO FARMACÊUTICA. FARMACÊUTICO NO PAÍS: ASPECTOS HISTÓRICOS, ÉTICOS E LEGAIS PAPEL DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE MEDICAMENTOS: A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA BRASILEIRA 125 7 183 8 209 IMPACTO DAS TECNOLOGIAS NAS CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS VANGUARDA DA FARMÁCIA CLÍNICA E A ATENÇÃO FARMACÊUTICA 9 231 PERSPECTIVAS DO FUTURO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO 1 Na Unidade 1, você terá a oportunidade de caminhar pela História da Farmácia e da Medicina ao longo do tempo, desde as épocas mais primitivas até a contemporânea. Você compreenderá como o processo saúde-doença era abordado pela sociedade na busca do vigor físico e da sobrevivência humana bem como conhecerá as várias formas terapêuticas empregadas e a evolução das ciências médicas. Você também terá o entendimento de como surgiram e se desenvolveram a Farmácia e as atividades farmacêuticas, assim como o contexto no qual foi reconhecido o profissional farmacêu- tico. Historicamente, a Farmácia e a Medicina são ciências indisso- ciáveis, pois, a primeira surgiu como consequência da segunda e assim permanecem atreladas até hoje. História da Farmácia e da Medicina: Dois Saberes Indissociáveis Dr. José Gilberto Pereira 14 UNICESUMAR Você sabe como surgiu a profissão que escolheu? Revisitar o passado nos permite traçar novas pers- pectivas de futuro para a profissão e, para entender o farmacêutico da atualidade, é preciso refazer o caminho que o trouxe até aqui, afinal, o farmacêutico de hoje é reflexo da evolução ao longo do tempo. Desta forma, o sentido primário das atividades farmacêuticas está em usar a natureza e as suas fontes de recursos como forma de curar as doenças que podem afetar o ser humano ao longo de sua vida e, com isso, aumentar a expectativa média de vida. É desta maneira que o farmacêutico tem se tornado um elemento essencial à saúde das pessoas, por isso, a sua profissão não terá fim. Certamente, durante a sua educação escolar, você foi apresentado(a) aos vários períodos em que a História da humanidade é dividida. Resumindo e, em ordem cronológica, temos a Pré-História, com seus períodos Paleolítico, Neolítico e Idade dos Metais, seguida por um período de transição denominada Proto-História e, por fim, a História, propriamente dita, dividida em Idade Antiga – Clássica e Oriental – Idade Média, Moderna e Contemporânea. A escrita, as escavações arqueológicas, as artes e as ciências são os principais elementos de registro e perpetuação da História, por isso, bibliotecas, museus, sítios arqueológicos e arquivos de documen- tos são os locais mais apropriados para aquisição e entendimento dos conhecimentos históricos. O advento da tecnologia da informação possibilitou a criação virtual desses vários ambientes que são fontes de informação histórica e, com isso, sem necessidade de deslocamento, você terá acesso e realizará buscas por elementos da História da Farmácia e da Medicina para compor o seu próprio campo de conhecimento da disciplina. Que tal você buscar algumas informações e entender, por exemplo, como se desenvolveu a Far- mácia da Idade Média, também chamada Idade das Trevas, quando práticas como magia, bruxaria e alquimia eram, comumente, empregadas tanto para fazer viver como para fazer morrer? Considerando a Tecnologia da Informação, proponho uma pesquisa no maior sítio de busca da internet, o Google, utilizando os seguintes termos, escritos entre aspas: “História da Farmácia na Idade Média”. Você se deparará com quatro resultados: dois deles referem-se a teses acadêmicas de universidades portuguesas, outro direciona ao sítio do Museu da Farmácia de Portugal e, por último, o blog Plantas Medicinais Brasileiras. Em algumas dessas fontes, você encontrará, relatado, um marco importante para a História da Farmácia na Idade Média, que aconteceu no ano de 1240. A seguir, sugiro que utilize o Diário de Bordo para relatar como foi a sua experiência de entrar em contato com as fontes de informação que resultaram da busca no Google e, também, discorrer sobre a qualidade da informação encontrada em cada uma delas. Por fim, aponte qual foi o marco importante para a História da Farmácia, na Idade Média, que você identificou. DIÁRIO DE BORDO 15 UNIDADE 1 Iniciemos a nossa jornada histó- rica sobre a Farmácia no Período Paleolítico da Idade da Pedra. É óbvio que, naquele tempo, a es- crita ainda não havia sido desen- volvida, então, por analogia his- tórica, é possível inferir o modo como a sociedade da época, que se organizava em pequenas tri- bos, lançava mão do uso de plan- tas medicinais e substâncias de origem animal. Estas, em con- junto com as crenças e práticas relacionadas à saúde, compu- seram a denominada Medicina Primitiva (MENEZES, 2005). Dessa forma se baseava a terapêutica, com forte componente místico e psicológico. Veja você que o uso de plantas medicinais, como o emprego da Matricaria recutita (camomila) para tratar cólicas intestinais, quadros leves de ansiedade e como calmante suave, ou, de substâncias animais como a heparina, a princí- pio, extraída de fígado de porco, hoje, amplamente, usada na prevenção e no tratamento de distúrbios de coagulação do sangue, afora as tecnologias, seguem o mesmo princípio empregado há cerca de 50.000 anos A escrita surge por volta do ano 4.000 a.C. com as primeiras sociedades urbanas arcaicas, que se estabeleceram numa região denominada Crescente Fértil, formada pelo Egito – ao longo do rio Nilo – e pela Mesopotâmia – banhada pelos rios Tigre e Eufrates. Ali, se desenvolveram a agricultura e a pecuária e, dessa região, também, são os mais antigos registros médico-farmacêuticos, inscritos em pequenas “tábuas” de argila, que existem até hoje (MENEZES, 2005). Figura 1 - Crescente Fértil Fonte: Menezes (2005, p. 8). Descrição: a ilustração traz um mapa em escala de 1:600 km com a terra de cor laranja e a água em azul claro. Na parte central, está representada a região do Crescente Fértil, identificada com uma meia-lua, num tom de rosa mais claro, o contorno pontilhado de verde, com o arco voltado para o norte (parte superior da figura). No terço superior esquerdo, surge o Mar Mediterrâneo, que avança até o terço central da figura. Um pouco abaixo do terço central superior, surgem os rios Tigre à direita e Eufrates à esquerda, que se estendem, lado a lado, até desembocarem no Golfo Pérsico, representado no terço médio da lateral direita do mapa. No terço inferior do Mar Mediterrâneo, de- semboca o Rio Nilo, vindo do terço inferior esquerdo do mapa. Paralelo ao Rio Nilo está o Mar Vermelho, que surge no terço central inferior e segue até a proximidade da foz do Rio Nilo. No interior do terço direito da meia-lua está a Mesopotâmia, onde se encontram, identificadas, ao norte, às margens do Rio Tigre, as cidades de Nínive e Assur, e, na parte central da Mesopotâmia, próximo à intersecção dos rios Tigre e Eufrates, está a cidade de Babilônia. Na parte leste da Mesopotâmia, bem próximo ao Mar Mediterrâneo, encontram-se as cidadesde Biblos, Sidon e Tiro, um pouco mais à direita estão Damasco e Jerusalém. Este conjunto de cidades forma o chamado Corredor Sírio-Palestiniano. No terço esquerdo da meia-lua está representado o Egito, que se estende do Mar Mediterrâneo, ao longo do Rio Nilo, até alcançar, ao sul, a linha imaginária do Trópico de Câncer. No Egito, às margens do Rio Nilo, ao norte, estão as cidades de Sais e Mênfis, e, ao sul, Tebas. 16 UNICESUMAR O registro farmacêutico mais antigo conhecido é uma tabuinha suméria (região ao sul da Mesopotâmia), que teria sido escrita no final do terceiro milênio antes de Cristo e descoberta em Nippur (uma das principais cidades sumérias da época), contendo 15 receitas medicinais. No primeiro milênio antes de Cristo, foram identificadas cerca de 20.000 tabuinhas médicas, muitas delas com informação sobre medicamentos empregados, na época, naquela região. No Egito, as fontes de registros médicos eram os papiros (folhas de papel confeccionadas a partir das fibras da planta Cyperus papyrus). O Papiro de Ebers é considerado o mais importante da História da Farmácia, datado de 1.550 a.C., ele faz referência a mais de 7.000 substâncias medicinais incluídas em cerca de 900 fórmulas farmacêuticas e, atualmente, está sob a guarda da Biblioteca da Universidade de Leipzig, na Alemanha (MENEZES, 2005). Os principais povos que viveram na Mesopotâmia à época eram os assírios e babilônios, cujos conceitos terapêuticos ainda perpetua- vam a crença de que os fenômenos da natureza eram comandados por deuses, dentre os mais poderosos estavam Marduk e Gula, que podiam dar saúde ou doença como forma de castigo. A terapêutica visava à purificação do indivíduo por meio de um tipo de catarse (li- bertação) cujo medicamento era um elemento mágico usado nessa purificação. Acreditava-se, também, que demônios específicos eram responsáveis por doenças ou sintomas específicos, por exemplo, a peste era causada por Nergal, a febre, por Ashakku, a cefaleia, por Ti’u e as doenças do peito, por Sualu, desta divisão resultaram as práticas de diagnósticos e terapêuticas específicas. O diagnóstico tinha, por objetivo, conhecer o pecado que o doente havia cometido, e a terapêutica objetivava a sua reconciliação com os deuses por meio de sacrifícios, e amuletos eram utilizados como profilaxia ao adoecimento (MENEZES, 2005). Embora poucos registros históricos tenham sido encontrados com referência ao mesmo período, os povos chineses e indianos na Ásia bem como os maias e os incas nas Américas tinham a sua terapêutica baseada, principalmente, no uso de plantas medicinais. A civilização hindu – também chamada Ayurvédica – além de se preocupar em como agiam os medicamentos nas doenças, se ocu- pavam da sua conservação e potência, determinando os seus prazos de validade (MENEZES, 2005; ANDRÉ, 2013). Figura 2 - Asclépio Descrição: a figura é uma da fotografia da escultura, em mármore branco, de Asclépio, em tamanho natural, apoiada sobre uma base quadrada. Na escultura, Asclépio está repre- sentado como um homem de meia-idade com porte atlético, cabelos cheios e ondulados, bar- ba com os mesmos aspectos e sem cobrir o pescoço. O corpo é coberto por uma túnica desde o ombro esquerdo até as canelas, deixando o lado direito do tórax exposto. Os pés estão calçados por sandálias fechadas até os tornozelos, deixando à vista as pontas dos pés. Os braços estão estendidos ao longo do corpo com a mão direita sobre a lateral do quadril, e a mão esquerda se- gura o caduceu, que se estende da altura da cintura até o chão. No caduceu está enrolada uma serpente com o rabo voltado para o chão, a cabeça toca a mão que segura o caduceu. 17 UNIDADE 1 Continuaremos o roteiro da nossa história com a clássica medicina greco-romana da Antiguidade, que, no princípio, conservava os mesmos aspectos mitológicos de então. A serpente que, hoje, é símbolo da Medicina, da Farmácia e de outras profissões da Saúde, teve origem na lenda de um herói chamado Gilgamesh, baseada na história de um rei sumério do terceiro milênio antes de Cristo. Conta a lenda que o herói mergulha até o fundo do mar para colher a planta da eterna juventude, mas, ao regressar, uma serpente rouba-lhe a planta. O animal, ao engoli-la, rejuvenesce, mudando a pele. Contam que a medicina clássica grega, em sua mitologia, tinha em Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis, a sua representação. Tirado do ventre da mãe pelo pai, no momento em que ela se encontrava na pira funerária (onde os mortos eram queimados), Asclépio sobreviveu e foi considerado o deus da Medicina desde o nascimento: a vitória da vida sobre a morte. A Medicina foi ensinada a ele por um centauro (ser metade homem, metade cavalo) de nome Quíron. Asclépio aprendeu com uma serpente como usar certa planta para fazer viver os mortos e, por isso, acusado de diminuir o número de mortos, Figura 3 - Hígia Fonte: ES’TAS a ver (2012, on-line)1. Descrição: a figura mostra a fotografia da escultura, em mármore branco, de Hígia em tamanho natural, com recorte na parte inferior, na altura das coxas. O aspecto é de uma mulher jovem, bela e esguia, com cabelos curtos e ondulados envoltos por uma faixa larga do alto da cabeça até a nuca, sem cobrir as orelhas. Com pescoço esguio e colo exposto, ela veste um vestido fino de manga curta, sendo perceptível no braço direito desnudo, sobre o vestido, uma túnica um pouco mais grossa, que inicia sobre o ombro esquerdo e desce cobrindo o braço e o seio esquerdos, prolongando-se por todo corpo. O braço esquerdo está estendido ao longo do corpo com a palma da mão voltada para a coxa, e o direito, com uma leve flexão, pois segura um pequeno prato na mão direita com a palma voltada para frente. No ombro esquerdo, apoia-se a parte do rabo de uma serpente, a qual está disposta sobre o tórax e o abdome, contornando o seio esquerdo na forma de um S, e a cabeça apoiada sobre o antebraço e a mão direita, a boca da serpente toca o pequeno prato. foi aniquilado por um raio de Zeus (deus grego absoluto do Olimpo). Com isso, passa a ser cultuado como deus da Medici- na e era representado trazendo à mão o “caduceu” – bastão com uma serpente enrolada – o qual, mais tarde, se tornaria o símbo- lo da área médica. Duas filhas de Asclépio se tornaram figuras simbólicas: Hígia, também conhecida como Higeia, era a deusa da Farmá- cia e da Higiene, e Panaceia, remédio para todos os males. De acordo com o princípio de Hígia, a saúde dependia do es- tilo de vida das pessoas, sendo a higiene uma das mais signi- ficativas preocupações médi- cas. Com isso, as prescrições eram medidas higiênicas, re- gimes dietéticos, hidroterapia, repouso, clima e atmosfera de tranquilidade; a esperança e a confiança, por sua vez, visavam à manutenção da saúde. Ao mé- 18 UNICESUMAR dico cabia o papel de orientar sobre as restrições comportamentais e dietéticas, já que a cura viria da natureza, a doença vinha como consequência da relação inadequada com a natureza e atribuía-se caráter de culpa e vergonha por este comportamento. Este conceito ficou inserido na cultura dos povos greco- -romanos durante toda a Idade Antiga e permaneceu até a Idade Média (KOCH, 2011; UJVARI, 2020). Em Epidauro, uma cidade da Grécia Antiga situada às margens do mar Egeu, por meio do culto a Asclépio, desenvolveu-se uma escola de medicina com métodos mágicos, que evoluíram e prepararam o caminho da medicina científica (KOCH, 2011). Figura 4 - Hipócrates Descrição: a figura compreende a foto do busto de Hipócrates, em mármore branco, com sulcos escure- cidos. A imagem aparenta ser um homem cinquen- tenário com uma vasta cabeleira, mas com falhas na testa, tornando-se um pouco mais volumosa nas têm- poras, onde tem aspecto ondulado, e desce até uma barba cheia que cobre todo o queixo até a metade do pescoço. Uma túnica grossa cobre o ombro esquerdo, deixando a maior parte do peito à vista. O busto se sus- tenta em umabase quadrada de dupla camada, sendo a superior menor e com a inscrição “Hippocrates”. Pitágoras, filósofo e matemático da época, con- siderava que a doença era resultado da quebra ou perturbação do estado de harmonia (equilíbrio), o qual se baseava em proporções numéricas defi- nidas. Segundo ele, exercícios físicos, passeios ao ar livre, audição de músicas suaves, alimentação à base de frutas e vida austera eram os meios mais adequados para restabelecer a saúde. Discípulo de Pitágoras, o médico e filósofo Alcméon pos- tulava o princípio da isonomia das qualidades dos componentes do corpo – quente e frio, seco e úmido, amargo e doce – e o predomínio de uma dessas qualidades levaria ao desequilíbrio, isto é, à doença, assim, a cura corresponderia ao restabele- cimento da isonomia (MENEZES, 2005; ANDRÉ, 2013). As doutrinas de Pitágoras e Alcméon foram assimiladas e desenvolvidas em escolas médicas como Knidos, Crotone e Kos (MENEZES, 2005). Hipócrates, nascido na ilha de Kos (460 a.C.), recebeu de seu pai, Heráclides, a formação médi- ca básica, e foi contemporâneo de várias figuras intelectuais, como Péricles, Empédocles, Sócrates, Aristóteles e Platão. É atribuída a Hipócrates e a seus discípulos uma vasta obra de literatura mé- dica composta por 53 livros, que se denominou Corpus Hippocraticum. A patologia geral descri- ta por ele segue as teorias dominantes na escola de Kos e, de acordo com essas teorias, a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, pro- cedentes, respectivamente, do coração, cérebro, fígado e baço. Cada um desses humores teria di- 19 UNIDADE 1 ferentes características e tipos fisiológicos: o sanguíneo era quente e úmido, o fleumático, frio e úmido, o colérico (bílis amarela), quente e seco, o melancólico (bílis negra), frio e seco, e eram articulados, respectivamente, aos elementos da natureza: terra, água, fogo e ar. “ A saúde resultava assim do equilíbrio entre os humores (eucrasia); sendo a doença o resultado do desequilíbrio entre estes (discrasia). A medicina hipocrática acreditava que a causa das doenças podia ser externa (temperatura, clima, alimentação, venenos, parasitas de origem animal), ou interna (diferentes raças, sexo, idade, meio de onde eram provenientes as pessoas) (ANDRÉ, 2013, p. 7). Era, então, fundamental analisar todo líquido excretado pelo doente, na investigação de qualquer alteração dos humores, nascia aí o nosso primitivo laboratório de análises clínicas. Avaliava-se a cor, o cheiro e, até mesmo, o gosto da urina, esmiuçavam-se as fezes, o escarro, o suor e o sangue em busca de qualquer alteração na consistência, no odor e na viscosidade, ou a presença de elementos estranhos (UJVARI, 2020). Figura 5 - Teoria dos Humores Fonte: adaptada de Menezes (2005, p. 11) Descrição: a ilustração representa um esquema da Teoria dos Humores com seus elementos. Trata-se de um retângulo verde-claro entremeado por um losango branco cujos vértices tocam o meio de cada lado do retângulo, dando forma a quatro triângulos-retângulos de mesmo tamanho. Na parte exter- na dos vértices do quadrado, leem-se as inscrições Coléricos, Sanguíneos, Fleumáticos e Melancólicos, respectivamente, no vértice superior esquerdo e direito e no inferior direito e esquerdo. Na parte externa dos vértices do losango, leem-se as inscrições Quente, Úmido, Frio e Seco, respectivamente, nos vértices superior esquerdo e inferior direito. No interior do triângulo- -retângulo superior direito estão os termos Bílis amarela, Fígado e Fogo, no triângulo superior esquerdo constam os termos Sangue, Coração e Ar, no triângulo inferior esquerdo, os termos Linfa, Cérebro e Água. Por fim, no triângulo inferior direito, os termos Bílis negra, Baço e Terra. Quente Frio Bílis Amarela Bílis Negra Linfa Sangue Fígado Fogo Terra Baço Seco Húmido Água Cérebro Ar Coração Fleugmáticos SanguíneosColéricos Melancólicos REALIDADE AUMENTADA ORIGEM DO SÍMBOLO DA FARMÁCIA 20 UNICESUMAR O termo phármakon é atribuído a uma substância introduzida no organismo para modificar o seu estado, sendo referido nos poemas de Homero, algumas vezes, como remédio, em outras, como vene- no. A melhor definição dada para phármakon é: toda substância exterior ao corpo capaz de produzir sobre esse uma modificação favorável ou desfavorável. Os phármakon eram classificados como purgantes (eméticos, diuréticos e laxantes) e não purgantes, à medida em que os purgantes possuíam ação evacuante, agindo de forma purificadora, mediante a expulsão da matéria patogênica pelo organismo (MENEZES, 2005; ANDRÉ, 2013). Na Grécia, eram várias as denominações utilizadas para definir os profissionais que lidavam com medica- mentos. Os mais comuns eram os vendedores de medicamentos (pharmakopoloi), que também teriam outras funções no campo da saúde e cuja situação social e cultural não era das mais elevadas. De mais importância havia o grupo dos raizeiros ou cortadores de raízes (rhizotomoi) dos quais era exigido menos conhecimen- to. Outros grupos no campo farmacêutico incluíam os preparadores de medicamentos (pharmakopoeioi), os preparadores de unguentos (myropoeioi), os vendedores de misturas (migmatopoloi), os vendedores de especiarias (aromatopoloi), os vendedores de mirra (muropoloi), entre outros (MENEZES, 2005). A formação do Império Romano teve influências diretas do mundo grego, este foi a principal fonte de inspiração daquele. Dessa forma, tem sido difícil distinguir, com exatidão, os elementos gregos dos romanos, adotando-se, então, a designação “greco-romana”. Isso também teve reflexos na medicina romana, por exemplo, Asclépio é denominado Esculápio e muitos médicos influentes em Roma são de origem grega, sendo as figuras mais marcantes da medicina e da Farmácia: Celso; Plínio, O Velho; Scribonius Largus; Dioscórides e Claudius Galeno (MENEZES, 2005; ANDRÉ, 2013). O Corpus Hippocraticum foi o marco da mudança na maneira de fundamentar o atendimento aos doentes. Em vez de atribuir as doenças às influências mágicas e religiosas, elas passam a receber explicações racionais baseadas em quatro princípios: observar tudo (diagnóstico pelo uso dos sentidos); estudo do paciente em vez da doença (aplicação da anamnese); avaliação honesta (divulgar os fracassos médicos em diagnosticar e tratar); ajudar a natureza (sempre se posicionar em benefício do bem-estar e da saúde do paciente). O prognóstico passa ser uma das partes mais importantes da medicina, pois, para o médico, prever o curso de uma doença é a conclusão racional construída com base na experiência e no conhecimento. Hipócrates foi considerado o fundador da medicina científica e da ética médica. Esta é resumida na famosa regra da honra médica primum non nocere (antes de tudo, não causar dano). O tratamento era orientado pela utilização de ações e medicamentos contrários (contrário cura contrário), semelhantes (semelhante cura semelhante) e dessemelhantes (futura alopatia). Em geral, os recursos terapêuticos empregados, à época, eram as dietas, a farmacoterapia e a cirurgia. Fonte: adaptado de André (2013). 21 UNIDADE 1 Embora seja grande a dimensão da medicina greco-romana, nos limitaremos, aqui, a falar so- bre Galeno e a importância do seu legado para as ciências médicas da atualidade. Conhecido como pai da Farmácia, Galeno nasceu em 129 d.C., em Pérgamo, uma cidade grega localizada na atual Turquia. A medicina hipocrática foi a grande influenciadora da sua formação de mé- dico nas escolas de Pérgamo e Corinto. A aber- tura de cadáveres era proibida, na época, pela lei romana, com isso, Galeno dissecava animais, como porcos e macacos, e descrevia, com deta- lhes, todos os seus achados. O seu conhecimento de anatomia e fisiologia do corpo humano foi aprimorado na escola médica de Alexandria e quando trabalhou como médico na escola de gladiadores de Pérgamo (ANDRÉ, 2013; STÜLP; MANSUR, 2019). Na obra De Methodo Medendi(em portu- guês, A Arte de Curar), Galeno tratou de assuntos como as propriedades e a composição dos me- dicamentos simples e compostos, descrevendo inúmeras substâncias de origem vegetal, animal e mineral. Do ponto de vista farmacêutico, o ápice do “galenismo” foi a transformação da patologia humoral hipocrática numa teoria racional e sis- temática, em que se faz necessária a classificação de medicamentos. Ao utilizar remédios que ti- vessem propriedades opostas à causa da doença, Galeno diferenciou três classes deles: aqueles que atuam sobre uma qualidade elementar; aqueles que atuam sobre várias qualidades elementares e os dotados de uma ação específica. À época de Galeno, os romanos salientaram a importância da saúde pública, melhorando as condições de higiene e introduzindo o uso de plantas medi- cinais. As obras de Galeno, conhecidas até hoje, dominaram a Medicina e a Farmácia até o século XVII, ou seja, por 15 séculos, tendo vasta influên- cia no Ocidente cristão e no mundo árabe até o século XVIII (ANDRÉ, 2013). Listamos, a seguir, algumas espécies vegetais utilizadas e descritas por Galeno com suas res- pectivas aplicações terapêuticas e que, ainda, são conhecidas e usadas na atualidade: a abóbora macerada crua, na forma de emplastro, comba- te inchaços; o absinto para tratar perturbações digestivas; o açafrão tem propriedades expec- torantes e laxativas; o agrião combate a anemia; o alecrim para a epilepsia; o anis e o seu óleo aromático; a arruda também aromatizante; o aspargo é muito benéfico para o estômago; a couve é usada como remédio digestivo, tônico para as articulações, para problemas de pele e no combate à febre; o cravo-da-índia aromático é usado em cerimônias religiosas; o feno-grego, muito valorizado por Hipócrates para facilitar o parto e aumentar a secreção do leite materno; a seiva da figueira usada no combate à sarna, para queimaduras do sol e manchas pelo corpo; a erva-de-são-joão (hipérico) com proprieda- des antidepressivas, como se diziam, esconjura- va os maus espíritos; da macela se preparavam clisteres laxativos; mandrágora, uma planta mística, era usada como analgésico, afrodisía- co, ansiolítico e alucinógeno, era destinada a tratar a esquizofrenia; o milefólio (mil-folhas) tratava a hemorragia das feridas de soldados devido às suas propriedades anticoagulantes; o sabugueiro era empregado como expectorante, diurético e laxativo potente; o salgueiro-branco foi a fonte da salicina, substância precursora da aspirina, era um remédio muito antigo e o mais empregado como analgésico (ANDRÉ, 2013). Muitas espécies vegetais utilizadas na Antiguida- de deram origem a medicamentos que passaram a ser sintetizados, quimicamente, e tiveram o uso perpetuado até os nossos dias. 22 UNICESUMAR A Idade Média, comumente, de- nominada “Idade das Trevas”, da intolerância religiosa, do obscu- rantismo e do misticismo por excelência, inicia-se em 476 d.C., com a queda do Império Roma- no do Ocidente, o que conduziu à perda do conhecimento greco- -romano para os mais instruídos, ficando, apenas, a língua latina como elo de união entre os po- vos. Este acontecimento levou a Europa Ocidental à perda do acesso aos trantados da Antigui- dade Clássica, escritos em gre- go, ficando, somente, as versões incompletas, a maior parte das vezes, cheias de erros, traduzidas para o latim. A vida intelectual e cultural e o parco conhecimento médico clássico remanescente concentraram-se nos mosteiros, local onde os monges copiavam textos e faziam compilações, mui- tas vezes, deturpadas, da informa- ção existente, introduzindo, como novidade, ilustrações nos manus- critos, todos escritos em latim. Nisibis PONTO Bizâncio Alexandria EGIPTO MACEDÔNIA HISPANIA ITÁLIA GÁLIA Mérida Roma BRETANHÃ I.R do Ociente I.R do Oriente Divisão do Império Romano depois da morte de Teidósio (395 d.C.) Figura 6 - Divisão do Império Romano Fonte: Menezes (2005, p. 15). Descrição: a figura traz um mapa do ano de 395 d.C., composto pela Europa e pelo norte da África centralizado no Mar Mediterrâneo. As terras fora dos limites do Império estão coloridas em rosa escuro e as águas em azul com pontilhados escuros representando ondas. Uma linha vertical pontilhada, que sai do norte da África e vai até o limite da Macedônia com a Itália, divide o mapa em duas partes iguais. A parte da direita configura o Império Roma- no do Oriente, colorido em laranja até os seus limites, composto, à leste, pela Macedônia com a sua capital Bizâncio, à oeste o Ponto com sua capital Nisibis, ao sul pelo Egito, com sua capital Alexandria. O Império Romano do Ocidente, colorido de verde, é composto, ao sul, por uma faixa do norte da África que vai do Egito até o que, hoje, é o Estreito de Gibraltar, à leste, pela Itália, com a sua capital Roma, à oeste, pela Hispania e a sua capital Mérida, ao centro, pela Gália, e, ao norte, pela Bretanha. Na parte inferior esquerda da figura há a inscrição “Divisão do Império Romano depois da morte de Teodósio (395 d.C.)”. Simultaneamente, no Império Romano do Oriente, historicamente, denominado Império Bizantino, constituído por diversos povos, dentre os quais, gregos, persas e egípcios, verificava-se a continuidade do conhecimento, uma vez que o acesso às fontes originais foi mantido. E foi assim, de forma natural, que a cultura clássica foi passada do Império Bizantino ao mundo árabe (ALMEIDA, 2009; ANDRÉ, 2013). As ciências médicas, na Idade Média, configuram-se em três vertentes principais: uma medieval, ocorrida na Europa Ocidental, a medicina bizantina e a árabe (islâmica) no mundo oriental. Na Europa Ocidental, como religião, predomina o Cristianismo e os princípios da Medicina passam a ser tratados, metaforicamente, pela Igreja. Cristo, o Redentor, é comparado a um médico – Christus 23 UNIDADE 1 medicus – e, ao mesmo tempo, o remédio para todos os males. Os padres e os monges detiveram o que restou da medicina clássica hipocrática. Aplicando esses conhecimentos e realizando curas, se auto- denominavam médicos da alma – medici animarum. Com isto, o doente estava associado à condição de pecador, e a medicina, ao Cristianismo redentor. Veja você que este pensar médico do início da Idade Média liga-se, diretamente, ao modo de repre- sentação do processo saúde-doença pelas crenças sumérias e assírio-babilônicas da Antiguidade. As doenças eram consideradas possessões demoníacas cujo remédio era o exorcismo (MENEZES, 2005). O Evangelho de Mateus, capítulo 9, versículos 32-33, relata: “Mal tinham saído, trouxeram a Jesus um possesso que era mudo. Quando o demônio foi expulso, o mudo começou a falar” (BÍBLIA, 2016, p. 1724). Muitas outras curas foram operadas por Jesus Cristo segundo os evangelhos, prática continuada pelos apóstolos e primeiros cristãos. A associação entre doença e pecado permanece até a atualidade e não, apenas, na visão popular da medicina. O Cristianismo dá uma nova dimensão ao pecado como causa da doença, a do pecado coletivo, aquele original que retirou a imortalidade da raça humana e atribuiu a doença e o sofrimento. A doença passa a ser considerada um sacrifício humano para a expiação dos pecados, a salvação da alma para alcançar a vida eterna prometida por Cristo. A Igreja Católica combateu, veemente, todas as práticas religiosas alheias à doutrina cristã, com destaque à superstição, à bruxaria e a todas as formas de demonologia, assim como condenou o poli- teísmo egípcio, mesopotâmico e greco-romano e o tão difundido culto a Asclépio. A necessidade de afirmar a superioridade do poder curativo do Cristianismo fez do culto aos santos e das suas relíquias as fontes de cura pela produção de milagres, o que levou vários povos à conversão ao Cristianismo. A medicina monástica (praticada pelos monges) expandia-se pela Europa e foi usada como meio de difusão da religião cristã. O mosteiro Monte Cassino, da ordem beneditina (fundada por São Bento de Núrsia), na atual Itália,tornou-se um centro importante de conhecimento médico, um depósito valioso de manuscritos clássicos, tanto originais como cópias. Instalações anexas aos mosteiros que funcionavam como nosocomium (hospitais primitivos) recebiam e cuidavam dos enfermos (MENE- ZES, 2005; ALMEIDA, 2009; ANDRÉ, 2013; UJVARI, 2020). A peste negra (uma combinação de peste bubônica com pneumonia), que matou, aproximada- mente, um terço da população europeia, no início do século XII, foi um dos fenômenos epidêmicos que mais contribuiu para as mudanças profundas na mentalidade do indivíduo medieval com relação ao processo saúde-doença. Pelo fato de os conhecimentos médicos da época serem insuficientes para tratar a peste, predominou uma atitude que variava entre a fuga e o fatalismo, encarando a epidemia como castigo divino. Pois o fato de leigos exercerem a medicina não significa que explicações religiosas, influência dos astros e conspirações de envenenamento dos poços eram deixadas de lado, na verdade, as autoridades urbanas, por sua vez, tomaram uma série de medidas tentando “aplacar a ira divina”, por exemplo, intensificar o controle moral sobre os seus habitantes e reforçar as atividades religiosas, tais como procissões, cultos aos santos, culto mariano etc., que passaram a ser obrigatórias. 24 UNICESUMAR Houve, também, avanços na Europa Ocidental da Idade Média, em diferentes áreas, dentre eles, a criação de universidades, que permanecem até hoje. As melhorias na agricultura fomentaram o comércio e, com isso, o desenvolvimento urbano e o crescimento da população, o que culmi- nou no fenômeno conhecido como Renascimento. A Escola de Salerno, na Itália, e a de Mon- tpellier, na França, foram alguns dos contrapontos da medicina laica da Europa cristã do século X. Essas escolas tiveram influência da civilização muçulmana, o que permitiu o intercâmbio de estudiosos de medicina de várias regiões, como Índia, China e Pérsia, além das contribui- ções originais e da experimentação e observação médicas desenvolvidas na medicina árabe. Figura 7 - A Peste Negra Descrição: a figura mostra a fotografia da cena de um filme sobre a Peste Negra e que caracteriza a paramentação médica da época. O médico, apresentado à frente e à direita da cena, está em pé, de perfil, vestido com uma pesada e comprida capa preta, que cobre os pés, de mangas longas e calçado e luvas pretas grossas. Sobre a cabeça, há uma espécie de capuz preto, que cobre até os ombros, acoplado a uma máscara de metal com dois orifícios fechados com vidros, para permitir a visão do médico, abaixo, um grande e longo bico, semelhante ao de um pássaro, para manter a reserva de ar. Ainda sobre a cabeça, encontra-se uma cartola preta para firmar o capuz. À tiracolo, uma bolsa branca com a alça transpassada no peito e conteúdo aparente. O braço direito encontra-se estendido ao longo do corpo com a mão sobrepondo a bolsa, e o braço esquerdo, flexionado. Na mão, uma bengala de madeira escura é segurada pelo meio. Logo à direita e um pouco mais ao fundo está um grupo de quatro pessoas, três mulheres e um homem, todos de costas. As mulheres, com vestidos longos de tecidos escuros e toucas brancas, e o homem, com calça, botas e um casaco cingido à cintura, todos escuros. Ao lado esquerdo do grupo de pessoas, há um cavalete feito de madeira para amarrar cavalos. Atrás do grupo e do cavalete, há uma tenda de lona branca no formato de cone. O chão é calçado com pedras desordenadas e apresenta grama entre os rejuntes. Ao fundo, tomando a metade esquerda da figura, há uma parede de pedras com duas janelas estreitas e altas. Na outra metade, um pouco mais distante, há um muro alto no estilo medieval e, acima do muro, o céu muito nublado e acinzentado. Entre a parede o muro, encontra-se um monte de feno, ao lado, uma pequena tenda com pessoas e objetos, os quais não são possíveis de definir, adequadamente. 25 UNIDADE 1 Nas obras de conteúdo farmacêutico e tera- pêutico, originárias de Salerno, destacam-se o Antidotarium e o De Simplici Medicina. A pri- meira contém umas 140 fórmulas farmacêuti- cas ordenadas, alfabeticamente, e um apêndice sobre pesos e medidas. Foi um dos receituários mais utilizados por médicos e farmacêuticos durante a Idade Média e, no século XII, o seu uso passou a ser obrigatório em todas as boticas de Paris. A segunda obra inclui mais de 250 artigos referentes a drogas medicinais, também, dispostas, alfabeticamente, em que são aborda- das as suas propriedades, etimologia e história (MENEZES, 2005). Também teve participação, neste renascer, a tradição médica judaica, fundada no conhe- cimento continental adquirido pelo processo migratório ocorrido na diáspora, que levou ao desenvolvimento de expressivo conhecimento médico, tendo Moisés Maimônides (médico, filósofo e rabino) como um dos maiores no- mes da medicina na Idade Média da Europa Ocidental. Hildegard von Bingen, religiosa e médica alemã, foi um dos raros destaques fe- mininos na medicina da época. As suas obras mais importantes são Scivias, Physica e Causae et Curae, a primeira de natureza religiosa, e as duas últimas fazem uma ponte entre a medicina da Antiguidade e o seu conhecimento prático, como o uso de plantas com propriedades cura- tivas, contendo, igualmente, fundamentos de farmacologia e de botânica aplicada à medicina, na qual se destaca o uso de produtos caseiros, como óleo de oliva, lanolina, vinho e vinagre, funcho, lavanda, noz moscada, camomila etc. Von Bingen tratou, com sucesso, casos de fe- bre, epilepsia, laringite, depressão, ansiedade, tumores, problemas de pele e de olhos, entre outros, dando muita importância à natureza e à alimentação equilibrada como forma de preservar e, muitas vezes, restituir a saúde. Essa médica soube separar religião e cuidados médi- cos (MENEZES, 2005; ALMEIDA, 2009). O desenvolvimento do ensino universitário de medicina impulsionou o comércio de espe- ciarias orientais por meio do Mediterrâneo e cresceu o número dos “especieiros” – aqueles que se dedicavam ao comércio ambulante de drogas e especiarias – os quais desenvolveram progres- sivo processo de especialização na preparação de medicamentos, aumentando, assim, as suas perícia e formação técnica. Esse processo deu origem ao profissional denominado “boticário”, que não era mais um ambulante, mas sim, esta- belecido em armazéns fixos, as boticas, e já usa- vam instrumentos e ferramentas específicas no preparo dos medicamentos (MENEZES, 2005). Na Europa, a separação, de fato, entre as pro- fissões do médico e do boticário (farmacêutico) ocorreu por ordem legal do rei Frederico II da Sicília, no ano de 1240, por meio do Édito de Melfi, que reafirmou a obrigatoriedade de um curso de tipo superior para o exercício da medicina, ao mesmo tempo em que proibiu qualquer tipo de sociedade entre médicos e boticários e determinou que esses deveriam dispensar os medicamentos de acordo com as receitas médicas e as normas éticas universitá- rias. O mesmo édito introduziu o princípio da necessidade de algum controle dos preços dos medicamentos e do licenciamento e inspeção da atividade farmacêutica. Este legado difun- diu-se por toda Europa até meados do século XIII (MENEZES, 2005; ANDRÉ, 2013), e, como você pode observar, permanece, ainda hoje, em quase todo o mundo. 26 UNICESUMAR A farmácia europeia medieval reflete a influência árabe. O espaço físico da farmácia era pequeno e aberto para o mercado, sobre o balcão, estavam dis- postos almofarizes, pilões e balanças, por detrás do balcão, as prateleiras estavam preenchidas com me- dicamentos simples e compostos. Apesar de todo este envolvimento com o pensamento místico e religioso, a Farmácia alcançou consideráveis conquistas, como a separação da profissão farmacêutica, a introdução de farmacopeias no exercício profissional, o estabe- lecimento físico da farmácia e o reforço do papel do farmacêutico enquanto agente da saúde pública (MENEZES, 2005).Paralelamente ao desenrolar da organização polí- tico-social da Europa Ocidental, os árabes iniciaram a sua expansão no século VII, depois da conversão dos povos da Península Arábica à fé islâmica, esta revelada por Maomé. O Império Árabe estendia-se desde a Península Ibérica, hoje, compreendida por Portugal e Espanha, até o norte da África, o Oriente Médio, a Pérsia e a Índia. A descoberta e o uso de novos medicamentos, ambos estagnados na Europa Ocidental, foram, de certa forma, compensados pelos árabes. Com o domínio do comércio do Oceano Índico e os caminhos das caravanas provenientes da Índia e da África, os árabes tiveram acesso a muitas plantas dessas regiões e de outras originárias de zo- nas isoladas da Ásia. Neste período, a medicina árabe conheceu a al- quimia e os seus aspectos místicos originários de Alexandria, os quais, somados às técnicas químicas que essa medicina dominava, criaram uma prática científica de grande utilidade para a Farmácia. Outra contribuição muito importante foram os numerosos formulários com compilações de fórmulas e receitas de medicamentos, dos quais se destaca o denomina- do ibn-’AbdRabbih’s al-Dukkan (A Farmácia), que descrevia as composições e doses a serem utilizadas dos medicamentos mais usados pelos árabes (ME- NEZES, 2005; ANDRÉ, 2013). O mais conhecido sábio da tradição médica islâ- mica talvez seja Abu Ali ibn Sina, ou, simplesmente, Avicena, como era chamado pelos latinos. Nascido na Pérsia em 980, desde cedo, estudou filosofia e me- dicina e, aos 16 anos, já a exercia. A sua obra Cânone de Medicina é composta por cinco volumes, dois dos quais dedicados à Farmácia, que tratam da matéria médica e dos medicamentos compostos. A maté- ria médica era dividida em duas partes: a primeira abordava as propriedades das drogas, incluindo as qualidades, as virtudes e os modos de conservação, a segunda continha uma lista de fármacos ordenados, alfabeticamente, com suas indicações terapêuticas (MENEZES, 2005). Estes livros possuíam uma vasta lista de substâncias terapêuticas simples, um tratado sobre venenos e preparações de medicamentos e uma longa lista de receitas medicinais. Apesar do seu saber ter forte influência de Galeno, Avicena con- tribuiu, também, por mérito próprio, para a ciência farmacêutica da época. 27 UNIDADE 1 “ Avicena introduziu também no campo da farmácia as pílulas douradas e prateadas, a cura de glucose, usando frutos ricos em açúcar, inúmeros pensos, compressas, clisteres, ampolas, massagens e diversos métodos terapêuticos entre os quais, a distensão de membros em caso de fratura. Aperfeiçoou o processo da destilação que utilizou para extrair o famoso óleo-de-rosas para ser usado na pele e no cabelo. A água-de-rosas era utilizada como aromatizante da compota chamada lokum. A influência de Avicena foi muito notória, sendo o seu trabalho tão referenciado como Galeno nas áreas da Medicina e da Farmácia (ANDRÉ, 2013, p. 43). Foram os árabes os responsáveis pelo desenvolvimento das técnicas e operações unitárias físico-químicas, como destilação, sublimação, cristalização e filtração e, também, pela introdução de novas formas farma- cêuticas espessas, tais como xaropes, conservas, confecções, julepos e eletuários, todas com a utilização de mel e açúcar, demonstrando, assim, que os remédios amargos não são os únicos a serem eficazes. “ A conservação e o armazenamento de medicamentos e das matérias-primas, foram também uma preocupação dos árabes. Para tal, utilizaram recipientes de madeira, de ouro, de prata e ainda de porcelana. O exercício da prática farmacêutica foi valorizado entre os árabes, que perceberam a necessidade de um local exclusivo para tal prática, mais precisamente, para a preparação e comercialização de medicamentos e também para os profissionais desempenharem a sua atividade, o qual denominaram “sandalinis”. Este local destinava-se também à preparação e venda de espécies e perfumes. É também à farmácia árabe que se deve o desenvolvimento da farmácia hospitalar. [...] O mundo árabe foi o primeiro a desenvolver uma divisão de trabalho entre médicos e farmacêuticos. Em Bagdá criaram-se estabelecimentos de venda de drogas e medicamentos. Muitos desses estabe- lecimentos seriam dirigidos por comerciantes de fraca preparação técnico-científica, os al-attar, mas desde o século VIII passou a existir um outro profissional de mais elevada formação, os Sayadilah. É incontestável a contribuição árabe para o desenvolvimento da identidade do farmacêutico, surgindo assim, um especialista com o conhecimento avan- çado sobre as substâncias terapêuticas, com capacidade de manipular e elaborar formas farmacêuticas agradáveis de administrar ao paciente (ANDRÉ, 2013, p. 44). O Califado de Córdoba, na Península Ibérica, foi considerado um grande centro intelectual islâmico de formação médica e filosófica. Albucasis (Al-Zahrawi Abu’l-Qasim Khalaf ibn ‘Abbas), nascido naquela região, exerceu medicina, farmácia e cirurgia e escreveu uma enciclopédia médica em 30 tratados, que trazia conhecimentos de medicina, farmácia, cirurgia, matéria médica, química farmacêutica e cosmética, entre muitos outros assuntos (MENEZES, 2005). Também natural de Córdoba, o médico e filósofo Averróis (Abulwalid Mohammed ibn-Ahmed ibn-Mohammed ibn-Roschd), nascido em 1126, escreveu o seu Culliyyâth (Tratado sobre a Totalidade do Corpo Humano), que muito contribuiu ao ensino da anatomia humana (PACHECO, 2020). 28 UNICESUMAR “ A queda de Constantinopla em 1453, às mãos dos turcos otomanos, levou a emigração para Itália de grande número de bizantinos, continuadores da cultura de língua grega e portadores de manuscritos de ciência, medicina e outras áreas do saber. Foi essa che- gada que marcou o início do Renascimento, provocando uma enorme renovação do interesse pela cultura clássica, num movimento crescente que foi das letras e das artes à ciência e à tecnologia, potenciado pela introdução dos caracteres móveis na imprensa de Gutenberg (MENEZES, 2005, p. 24). Houve, também, o advento do pergaminho e, depois, do papel, em substituição aos tão difundidos papiros. A reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, depois de sucessivas batalhas, e as Grandes Navegações abrem as portas da Europa ao mundo por novos caminhos e permitem vasto intercâmbio cultural e científico (MENEZES, 2005). “ O Renascimento viu o aparecimento de um novo tipo de literatura sobre plantas, que introduziu a necessidade da representação da realidade natural, tanto através do pró- prio texto como das imagens. A primeira obra desta natureza foi o Herbarum Vivae Eicones (1530) do médico, botânico e teólogo protestante alemão Otto Brunfels, que inclui 238 imagens desenhadas pelo artista Hans Weiditz a partir das formas naturais (MENEZES, 2005, p. 26). Várias obras botânicas com plantas medicinais foram criadas na Alemanha e em outros países da Europa, o que levou ao aparecimento dos jardins botânicos em várias cidades italianas, alemãs, ho- landesas e francesas bem como a inclusão da botânica nos currículos médicos. Os jardins botânicos foram essenciais para o estudo e fornecimento às farmácias de espécies de plantas locais, devidamente, controladas, e, posteriormente, para o estudo e a aclimatação de espécies exóticas provenientes de outras partes do mundo. Realmente, a Medicina e a Farmácia tiveram expressivo avanço no mundo árabe. Para ilustrar, um pouco mais, os fatos que ocorreram na medicina da Idade Média Oriental, indico um vídeo do YouTube que foi produzido por alunos do Curso de História da Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde. Para acessar, use seu leitor de QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6936 29 UNIDADE 1 Pela impossibilidade de ter plantas vivas para se- rem estudadas, tornou-se comum a elaboração de herbários (coleção científica de plantas secas), téc- nica conhecida desde o século XIV, mas difundida, somente, a partir da década de 1530. A corrida peloconhecimento do maior número de plantas medi- cinais oriundas de diversas regiões do Ocidente e do Oriente levou à organização, no Antigo Impé- rio Austríaco, de uma rede informal de médicos, farmacêuticos, botânicos, mercadores, viajantes e diplomatas (MENEZES, 2005). “ O velho conceito galênico dos odores e sabores das drogas como manifestação das qua- lidades dos medicamentos, junto com o aperfeiçoamento das técnicas de destilação pe- los árabes, levou ao desenvolvi- mento do conceito de “princí- pio ativo” e ao aparecimento da química farmacêutica. A partir daí surgiu a ideia de ser possível extrair das drogas um princípio ativo ou essência, que concen- trasse as suas qualidades e ação terapêutica, eliminando com- ponentes supérfluos e aumen- tando o efeito farmacológico (MENEZES, 2005, p. 27). Partindo da Península Ibérica em missões diplomá- ticas e comerciais, boticários e médicos alcançaram a Índia e a China. Tomé Pires, boticário português, esteve na Índia, precisamente, em Cananor e Mala- ca, como feitor e inspetor de drogarias. Estando em Cochim, Tomé escreveu a D. Manuel, o rei portu- guês, uma carta em que descreve características de grande número de drogas asiáticas. Outro boticário português, Simão Álvares, partiu para a Índia, e, a partir de seus estudos, escreveu Do Nascimento de Todas as Drogas que vão para o Reino. O médico espanhol Garcia de Orta, radicado em Goa, na Ín- dia, é autor das duas mais importantes obras para o estudo médico e botânico das drogas orientais, o Colóquio dos Simples e o Colóquio de Drogas e Coisas Medicinais da Índia. No seu Colóquio dos Simples, escrito em língua portuguesa, Orta apre- senta a primeira descrição rigorosa, feita por um europeu, das características botânicas, origens e pro- priedades terapêuticas de muitos fármacos orientais. Ele estudou, in loco, um grande número de plantas medicinais que eram conhecidas, apenas, na forma da droga, ou seja, na forma de parte da planta colhida e seca. Orta também incluiu, além de vários outros assuntos, algumas observações clínicas, das quais se destaca a primeira descrição, feita por um europeu, da cólera asiática (MENEZES, 2005). “ Contrariamente ao que acon- tecia com a oriental, a matéria médica americana era des- conhecida na Europa até a viagem de Colombo. Por essa razão e porque o objetivo dos espanhóis era precisamente atingir a Ásia e introduzir as drogas orientais no comércio europeu, vamos observar duas fases distintas na introdução das drogas americanas na Me- dicina européia. A primeira, que corresponde grosseira- mente ao século XVI, é domi- nada pela introdução de dro- gas apresentando semelhanças com outras orientais, muitas correspondendo a outras es- 30 UNICESUMAR pécies do mesmo gênero. É a fase da procura de drogas americanas que substituíssem as orientais no comércio. Nesta fase foram igualmente introduzidas drogas destinadas à cura da sífilis, correspondendo à ideia galênica de que as doenças de determinado clima deveriam ser combatidas com drogas provenientes do mesmo clima. As drogas americanas mais singulares e que, por essa mesma razão, mais impacto teriam na Medicina européia só seriam introduzidas no século XVII. A ida de Francisco Hernández, outro médico espanhol, para o continente americano mostra a diferente atitude face à matéria médica das suas conquistas evidenciada pela Coroa espanhola, resultante do fato de se mostrar necessário criar um mercado que só existia para as drogas orientais (MENEZES, 2005, p. 30). Na Europa do século XVII, tem início o movimento chamado Revolução Científica, cujas características eram a negação do empirismo e a adoção do método científico com base no indutivismo (observação repetida dos fenômenos). Dentre as grandes figuras desta “filosofia experimental”, citam-se Francis Bacon, René Descartes e Galileu Galilei, na mecânica, triunfa Isaac Newton. “ A Iatroquímica foi o primeiro sistema a romper abertamente com o galenismo. Ele foi formulado na segunda metade do século XVII pelo holandês Franz de le Boë (Franciscus Sylvius) e pelo inglês Thomas Willis, que se basearam numa interpretação química dos processos fisiológicos, patológicos e terapêuticos. Aproveitaram igualmente todos os avanços mais recentes no campo da Medicina, como a anatomia baseada na dissecção de cadáveres humanos e a doutrina da circulação do sangue de William Harvey. Joan Baptista van Helmont defendeu a existência de agentes químicos específicos das doenças (archaei) contra a teoria do desequilíbrio humoral e estudou a digestão como processo químico. Franz de le Boë elaborou uma Fisiologia baseada em processos de fermentação e de reações de ácidos e bases, atribuindo às enfermidades o excesso de acidez ou alcali- nidade. Thomas Willis, em seu Pharmaceutice Rationalis, procurou explicar a ação dos medicamentos (MENEZES, 2005, p. 34). Conhecimentos de mecânica foram incorporados aos estudos de medicina e fisiologia por cientistas como Descartes, Santorio, Borelli, Boerhaave e Sydenham (MENEZES, 2005). “ A contribuição dos portugueses para o conhecimento da matéria médica africana e bra- sileira ficou muito aquém do nível observado no Oriente. A matéria médica do Atlântico Meridional despertou inicialmente pouco interesse entre os autores médicos portugueses, devendo-se a maior parte dos contributos para o seu conhecimento a colonos, missioná- rios, militares e viajantes. O jesuíta Padre José de Anchieta escreveu uma relação sobre a matéria médica brasileira, descrevendo a ipecacuanha e outras plantas, e Gabriel Soares de Sousa em sua Notícia do Brasil inclui uma longa seção sobre plantas medicinais e sobre a medicina dos tupinambás (MENEZES, 2005, p. 35-36). 31 UNIDADE 1 A mais célebre das drogas brasileiras difundidas no século XVII foi a ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha), a ação emética da raiz da planta de mesmo nome. Utilizada pelos índios tupis, no Brasil, foi conhecida pelos jesuítas, logo, no século XVI, e o seu uso se espalhou pela Europa (MENEZES, 2005). “ Do ponto de vista da terapêutica, a grande inova- ção deste período foi o aparecimento da farmá- cia química, que surgiu em oposição à farmácia tradicional, a galênica, baseada na utilização de substâncias de origem vegetal e animal. Os medi- camentos químicos foram introduzidos em resul- tado das teorias dos iatroquímicos e do desenvol- vimento de técnicas que visavam obter princípios ativos puros, em oposição às misturas complexas obtidas nos preparados galênicos. Os remédios químicos incluíam sais metálicos, principalmente de antimônio e mercúrio, e também substâncias medicamentosas obtidas por destilação de drogas vegetais. A farmácia química utilizava técnicas e instrumentos próprios, herdados do laboratório alquímico, da metalurgia e da contrastaria (ofi- cina de metais e jóias) (MENEZES, 2005, p. 36). Apesar da introdução da química na literatura, observou-se resistên- cia passiva à difusão das técnicas químicas na prática farmacêutica. Notou-se a tendência de aquisição de medicamentos químicos já transformados, de forma a evitar a realização de operações labora- toriais. Grande parte das boticas não possuía nem as instalações, nem o equipamento necessário para a manipulação química, o que resultou na falta de investimento nas novas técnicas de preparação de medicamentos. Houve expansão na busca de medicamentos e os lucros líquidos das boticas se elevaram, pelo fato de que os boticá- rios podiam obter lucros mesmo adquirindo matérias-primas com alto grau de transformação. Existiam, também, outras razões que impulsionaram os boticários a preferirem comprar dos droguistas em vez da manipulação laboratorial, como as vantagens da compra a crédito e a tendência a investir em atividades e vias de ascensão social impróprias à profissão (MENEZES, 2005). 32 UNICESUMAR Em Portugal, dentre as novas atividades e ocupações que tomaram novo impulso durante a primeira metade do século XVIII,destacou-se a fabricação de remédios secretos. Os segredos medicinais ti- veram muita aceitação, sendo produzidos e vendidos por portugueses e estrangeiros, de todo o tipo de profissões, com ênfase aos médicos e cirurgiões. Os seus autores e fabricantes mantinham, em segredo, a composição e, muito frequentemente, os preparavam em grandes quantidades para serem vendidos em terras distantes. Com os remédios de segredo, surgiu a publicidade dos medicamentos na forma de anúncios publicados na Gazeta de Lisboa e em cartazes pregados nas esquinas das ruas. Esses medicamentos destinavam-se, especialmente, ao consumo por automedicação, facilitado pela introdução dos denominados “regimentos”, que eram folhetos indicando as doenças em que podiam ser utilizados, as doses e a dieta que devia seguir a sua administração. O aparecimento dos medicamentos químicos, muito mais estáveis, veio permitir a fabricação em larga escala e o consumo em locais mais distantes (MENEZES, 2005). Deste ponto em diante, lançaremos o nosso olhar para a Farmácia no Brasil. Pelos meados do século XIV, a preocupação oriunda da sociedade do Brasil Colônia em conservar ou restabelecer a saúde par- tiu, inicialmente, dos religiosos, notadamente, dos franciscanos e jesuítas que desembarcavam no país. “ A princípio responsáveis pela “cura das almas”, os jesuítas que aqui se fixaram pro- curaram, paralelamente ao trabalho de catequese do gentio, resguardar também sua saúde – tão fragilizada pela incidência de enfermidades trazidas pelos descobridores e até então desconhecidas por seus organismos – e expurgar aqueles rituais mágicos que até então se mostravam tão eficientes entre os nativos. Um dos grandes nomes da ordem de Inácio de Loyola no Brasil, Padre José de Anchieta, o primeiro a explorar o uso medicinal das plantas brasileiras, algo que ele aprendeu com os índios, afirma que não seriam apenas os silvícolas os dependentes da assistência dos irmãos, pois mesmo os portugueses parecem depender dos jesuítas para o cuidado em suas próprias en- fermidades , como de seus escravos, e tinham os jesuítas como médicos, boticários e enfermeiros, fazendo de suas casas a botica de todos (VIOTTI, 2012, p. 17). As boticas continuaram sob a curadoria dos jesuítas até meados do século XVIII, quando foram ex- pulsos dos domínios portugueses. “ Nelas, além da presença de medicamentos de uso recorrente em Lisboa, encontravam- -se receitas oriundas dos experimentos dos próprios religiosos, receitas que obtiveram considerável sucesso no período colonial. Em 1703, um traficante de escravos francês, em sua estada no Rio de Janeiro, destaca o papel dessas antigas farmácias dos jesuítas (VIOTTI, 2012, p. 17-18). A ampliação do uso da farmacopeia indígena na cura de determinadas doenças não só aumentou as possibilidades terapêuticas dos jesuítas, como diminuiu, significativamente, a natureza depreciativa 33 UNIDADE 1 conferida às práticas indígenas. Foram muitas as suas contribuições na catalogação de plantas e no desenvolvimento de fórmulas úteis à aplicação médica, a herva de cobra, por exemplo, preparada pelos jesuítas, era muito eficaz contra os efeitos das picadas de animais, devido ao uso desse remédio, ninguém morria, mesmo que já se encontrasse inchado, com ânsias, sangrando por todos os lados. “Mesmo que munidos de remédios para o corpo, a percepção dos religiosos sobre os doentes funda- mentava-se na assertiva de que o que está manifesto no exterior seria, na verdade, espelho das chagas da alma” (VIOTTI, 2012, p. 19). Na ocupação holandesa do nordeste brasileiro, Maurício de Nassau incentivou filósofos naturais e artistas a não se deterem, somente, nos registros geográficos do lugar, mas a aprofundarem o conhe- cimento e a descrição das riquezas que encontravam na flora, na fauna e nas etnias daquela região do Brasil. Com isso, os médicos Piso e Marcgrave se destacaram por causa dos seus relatórios De Medicina Brasiliensi e Historia Naturalis Brasiliae, editados, pela primeira vez, em 1648. Estas obras revelavam uma importante coleta, graças à riqueza do registro de plantas medicinais, de patologias nem como das flora e fauna de um período distante há, apenas, um século do descobrimento do Brasil (SANTOS et al., 2010; VIOTTI, 2012). “ O primeiro volume, De Medicina Brasiliensi, é formado por quatro livros. O primeiro livro trata do ar, da água e dos lugares, uma clara evidência da influência hipocrática e galênica. O segundo trata das doenças endêmicas, e pode-se dizer que este foi o primeiro relato sobre as doenças que se disseminavam no Brasil, bem como suas sintomatologias específicas. O terceiro livro descreve os venenos e antídotos encontrados em animais, plantas e minerais. E, por fim, o quarto livro descreve as propriedades terapêuticas de árvores, raízes, arbustos, frutas e mel; ressalta-se neste último livro, um relato detalhado das tecnologias envolvidas na feitoria do açúcar e na manipulação da mandioca. Piso descreveu, em detalhes, as endemias reinantes no Brasil e os meios de tratá-las. Obser- vou o tétano, várias paralisias, disenteria, hemeralopia entre outras inúmeras doenças. Mostrou ainda a ação terapêutica do coco da copaíba, do tipi, do sassafrás, da japecanga e do jaborandi (SANTOS et al., 2010, p. 50). É certo que a medicina oficial do Brasil colônia, respaldada pelas Ordenações do Reino de Portugal, esvaziava o sentido de muitas práticas – de naturais da terra, escravos e mezinheiros, por exemplo – e, dando a elas os contornos da erudição corrente, reapro- veitavam e ressignificavam a utilização de determinadas plantas ou receitas. A linha entre o “científico” e as meras “crendices” parece ter estado sempre à procura de um difícil equilíbrio: como um sábio poderia recomendar excrementos, sapos e aranhas, ou tantos outros elementos que eram usados, sobretudo, em rituais mágicos? Não é novidade que muitos eram os que se inseriram nas artes de curar: além dos médicos e cirurgiões licen- ciados, havia parteiras, mezinheiros, experimentados, religiosos, xamãs e outros homens e mulheres dispostos a identificar os males, dizer o porquê de sua incidência e prescre- ver alguma forma de cura. Em um espaço composto por múltiplos agentes, dos quais 34 UNICESUMAR os médicos sempre procuraram se distinguir, de que forma suas práticas efetivamente se impunham como singulares e especializadas? Em outras palavras, em que medida os processos de racionalização empreendidos pelos europeus realmente vingaram e se destacaram da prática gentílica e empírica em terras brasileiras? (VIOTTI, 2012, p. 90). Cria-se, em 1772, a Academia Scientifica do Rio de Janeiro, primeira a empreender, além dos estudos em história natural, os de “physica, chimica, agricultura, medicina, cirurgia e pharmacia”. Estas modi- ficações de ordem institucional estimularam o trabalho de catalogação e observação, com minúcia, da botânica e zoologia coloniais, também, com a organização de centros de pesquisa como o Real Jardim e o Gabinete de História Natural da Ajuda, no Rio de Janeiro, assim como hortos e jardins botânicos no Brasil. O século XVIII teve significativo aumento de publicações farmacêuticas, indicativo da preocupação em sistematizar o leque das matérias-primas úteis para a preparação de fármacos e da maneira com que as pessoas poderiam ser beneficiadas pelo uso da medicação. Em 1794, é publicada a primeira Farmacopeia Portuguesa, que passa a ser utilizada para orientar as atividades farmacêuticas no Brasil (VIOTTI, 2012). “ Os medicamentos podiam ser adquiridos nas boticas em localidades em que estas existiam. Nas regiões distantes, os mascates carregavam consigo drogas e medicamen- tos, e às vezes assumiram o papel de curandeiros indicando remédios, não somente para a população, mas também para animais. O uso do termo “botica” para Farmácia e “boticário” para farmacêutico vem desde o descobrimento do Brasil, perdurando até a terceira década do século XIX; nessa época
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