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A05 - Tyler Durden, Clube da Luta, Epicurismo, Estoicismo e a Filosofia

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Especial cinema: Tyler Durden, Clube da Luta, Epicurismo, Estoicismo e a Filosofia
Em determinada cena do filme Clube da Luta, o anônimo personagem interpretado por Edward Norton, vê imagens publicitárias de modelos masculinos vestindo apenas roupas de baixo e indaga Tyler Durden, personagem vivido por Brad Pitt, se é aquilo a representação do “ser um homem”. A réplica: “Auto-desenvolvimento é masturbação. Agora, a auto-destruição...” e a resposta é deixada no vazio, acompanhada por um riso irônico de Durden e por um olhar de percepção (quase um insight) por parte do anônimo Norton. O riso irônico de Tyler Durden é a representação do domínio do conhecimento; sua consciência de que a sabedoria é mais importante que seu corpo. Em outro momento do filme, Tyler brada que “apenas após perder tudo, é que você estará livre para fazer o que quiser. Nada é estático. Tudo está desmoronando. Esta é a sua vida. E ela está terminando um minuto por vez”. Com tal frase, ele confirma a certeza de que, sim, ele sabe do que está falando. Ele reconhece o caminho que a sociedade consumista e capitalista está seguindo. Seja no culto ao corpo perfeito ou na dedicação do preenchimento do vazio da vida com objetos comprados no shopping, ele sabe para qual buraco fétido a sociedade caminha. Mas, o mais importante, é que ele está fazendo o que pode (e ele pode muito!) para resolver tal situação. “Apenas após perder tudo e estar em equilíbrio consigo, é que você estará livre para fazer o que quiser” complementa enquanto exibe a mão queimada e cicatrizada por lixívia.
O anônimo Norton é a representação do modo de agir e pensar da atual sociedade capitalista. Fechada num mundo particular de consumismo e falsa segurança, ela é habitada em cada um de seus componentes por Tylers escondidos e loucos para sair. Aproxima-se do conceito platônico de conhecimento intimo na maiêutica: o conhecimento habita cada um, basta percebê-lo. Zenão de Cítio traz em sua doutrina o equilíbrio humano separando o corpo da razão. É como se Tyler representasse a figura de Zenão no século XXI: alguém ciente da necessidade de perder as amarras que o prendem ao mundo no sentido de alcançar o foco de sua própria sapiência. A partir da violência consciente (diferente totalmente dos atos de vandalismo praticados por certos grupos urbanos), os homens do Clube perderam suas amarras. Alcançaram o ideal de perceber o quanto suas mentes merecem ser valorizadas. “Vejo aqui reunidos os mais bravos e inteligentes homens do mundo. Uma lástima o fato uma geração inteira estar servindo mesas, enchendo tanques, entregando pizzas”, lamenta-se Tyler em determinado monólogo. E complementa fazendo um paralelo à nossa sociedade: “A mídia nos faz correr atrás de empregos inúteis para comprar coisas que não queremos, que não precisamos. A televisão nos fez acreditar que um dia seremos astros do Rock ou milionários. Mas não seremos. E estamos, aos poucos, percebendo isso e ficando muito, muito zangados”.
O estoicismo pregado por Zenão de Citio trazia em sua essência o desprendimento de tudo o que é inútil (incluindo nisso a importância que seu próprio corpo possui) para alcançar o equilíbrio do espírito. Nesse desprezo ao material, mesclou-se (ou confundiu-se) o conceito pregado por Jesus Cristo, onde o martírio e o sacrifício podem levar ao equilíbrio do conhecimento. Negado pelos cristãos como uma influência para sua religião, o estoicismo é encarado pelos seguidores de Jesus como um desprezo do homem por si mesmo e pelo mundo. Nada mais do que um desespero do ser humano ao constatar, no mundo e na sua própria existência, a ausência de um Deus por ele rejeitado. Impossível não relacionar esse fato a uma outra declaração de Tyler Durden: “Deus foi incluído em nossas vidas como um modelo de nossos pais. Se eles (os pais) nos abandonaram, Deus fez a mesma coisa. Somos os filhos indesejados de Deus. Provavelmente, ele nos odeia”.
Contrário ao estoicismo, surge Epícuro e sua declaração de que o homem foi feito para a felicidade. O epicurismo traz, em seu conceito, limites para os exageros da vida. Para Epícuro, a doença que acomete uma pessoa é um aviso do corpo. Um aviso de um exagero cometido. A parcimônia (para usar um termo adequado ao conceito estudado) é a chave para a felicidade pregada pelo epicurismo: o homem deve buscar o prazer na medida de sua felicidade. A análise do epicurismo, relacionada à sociedade atual do século XXI, possui uma libertação interna do homem capitalista preso ao modo de vida imposto pelo trabalho.
Cita-se o professor de Filosofia Davidson Sepini, da PUC de Poços de Caldas, em artigo publicado on line:
“Epícuro acreditou em uma felicidade que flui de dentro do homem e, portanto, edificada a partir de um processo de libertação interior que exclui da vida, o medo e a dor causados, muitas vezes, pelo ritmo da sociedade atual. Isso faz do epicurismo uma teoria atual. Vivemos presos, temos medo e sentimos dor. Estamos impossibilitados pelo tempo e pelo espaço. A vida atual nos remete a uma “morte” diária, como disse João Cabral: ‘de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia’. Velhice causada pelos preconceitos, pelo trabalho alienado; emboscada que é própria da sociedade capitalista, que oferece todas as possibilidades e ao mesmo tempo exclui; de fome de entendimento, de aclaramento em relação ao que acontece no mundo e de fome de mudança, de transformação.”
Nesse paralelo da doutrina de Epícuro com a sociedade atual, encontra-se uma relação, ao invés de contrária entre este e Zenão, complementar. Vendo por esse modo, o epicurismo e o estoicismo se completam dentro de seus conceitos e limitações. O homem da sociedade atual, vaidoso em seu culto ao corpo e desmedido na busca pelo prazer (seja ele relacionado ao dinheiro ou ao sexo), transforma sua vida em um ciclo vicioso, onde a conquista de pequenos prazeres lhe traz uma satisfação pessoal que logo é suprimida pela necessidade de querer mais. Nesse raciocínio, o conceito de Epícuro cai por terra, pois tal felicidade é volátil e sem substância. O homem precisa alcançar o equilíbrio mental e ter consciência de que sua felicidade é plena. Somente assim, ele estará seguindo o conceito epicurista. “Você precisa saber, não temer, o fato de que um dia você morrerá. Até o momento em que você souber disso, você é um inútil”, profetiza Tyler em uma frase que remete ao conceito de Epícuro sobre a morte.
A partir desse domínio do equilíbrio mental, volta-se a analisar a relação de Zenão com Tyler Durden. Para este último, o equilíbrio mental não está vinculado a nenhuma posse ou poder aquisitivo. Para Durden, o que importa não é o conteúdo de sua carteira ou o carro que dirige. O que interessa realmente é sua massa encefálica; é a sua razão; é o seu discernimento. É neste ponto que se conclui a relação de Zenão na Antiguidade e Tyler como representante do homem da época atual: o primeiro,entregou-se a todos os prazeres esquecendo-se do corpo e visando seu equilíbrio mental; o segundo, após ter conquistado tudo o que o mundo atual pôde oferecer de posse material, percebeu que nada daquilo importava. Na busca pelo conhecimento pessoal, encontrou, de forma inconsciente, o estoicismo e, a partir dele, conseguiu se salvar.
Um claro exemplo a ser seguido pelos consumistas do século XXI.

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