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Zaneti_e_Cabral_Claim_Resolution_Facilit

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ENTIDADES DE INFRAESTRUTURA ESPECÍFICA PARA A RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS COLETIVOS: AS CLAIMS RESOLUTION FACILITIES E SUA
APLICABILIDADE NO BRASIL
Game entities for a resolution of collective conflicts: claims resolution facilities and their
applicability in Brazilian law
Revista de Processo | vol. 287/2019 | p. 445 - 483 | Jan / 2019
DTR\2018\22821
Antonio do Passo Cabral
Livre-Docente da Universidade de São Paulo (USP). Pós-Doutor pela Universidade de
Paris I (Panthéon-Sorbonne). Doutor em Direito Processual pela UERJ, em cooperação
com a Universidade de Munique, Alemanha (Ludwig-Maximilians-Universität). Mestre em
Direito Público pela UERJ. Professor Visitante nas Universidades de Passau (2015), Kiel
(2016 e 2017), Alemanha, e na Universidade Ritsumeikan, Japão (2018). Professor
Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Procurador da República e ex-Juiz Federal. antoniocabral@uerj.br
Hermes Zaneti Jr.
Pós-Doutor pela Università degli Studi di Torino (UNITO). Doutor em Teoria e Filosofia do
Direito pela Università degli Studi di Roma Tre (UNIROMA3). Doutor em Direito
Processual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto
de Direito Processual Civil na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Promotor
de Justiça no Estado do Espírito Santo. hermeszanetijr@gmail.com
Área do Direito: Civil; Processual
Resumo: O artigo analisa a experiência norte-americana com as claims resolution
facilities, investigando em qual extensão o mecanismo pode ser útil para a resolução de
conflitos coletivos no Brasil.
Palavras-chave: Entidades ‒ Infraestrutura específica ‒ Tutela coletiva
Abstract: The article analyses the U.S. experience with claims resolution facilities,
exploring to what extent this mechanism could be useful to the resolution of complex
litigation in Brazil.
Keywords: Claims resolution facilities ‒ Collective redress
Sumário:
1 Introdução - 2 As claims resolution facilities nos EUA e sua aplicabilidade ao Brasil - 3
Conclusão. Alguns outros pontos para reflexão no direito brasileiro - 4 Referências
bibliográficas
1 Introdução
A complexidade1 dos litígios coletivos ou de massa resulta de sua própria natureza.
Pretensões que envolvem direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos afetam
milhares de pessoas, das presentes e futuras gerações, e não raro se apresentam
cumuladas em litígios que ao mesmo tempo tratam de lesões jurídicas a um ou mais
grupos, com um ou mais direitos ou tutelas aplicáveis e um sem-número de interesses
juridicamente tutelados.
Situação semelhante ocorre quando, mesmo diante da possibilidade do ajuizamento de
ações coletivas, são ajuizadas milhares de ações individuais, constituindo casos
repetitivos, formando-se então um grupo de pessoas lesadas que busca ativamente sua
reparação em juízo com pretensões isomórficas.2
Justamente por isso, as características marcantes dos litígios coletivos permitem realizar
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
Página 1
uma distinção entre conflituosidade interna dos membros do grupo ou entre os grupos
atingidos, e a complexidade da matéria de direito ou situações jurídicas envolvidas.3
Essas duas características podem ser compreendidas como complexidade em sentido
amplo.
A complexidade que nos referiremos aqui, complexidade em sentido amplo, revela a
necessidade da presença nos processos coletivos altamente complexos de soluções
diferenciadas, capazes de auxiliar na resolução. Isso ocorre porque há necessidade de
algum grau de descentralização das decisões diante da presença de vários grupos de
interesses, menor ou maior coesão entre os membros dos grupos atingidos, menor ou
maior complexidade dos fatos e dos direitos tutelados e de sua interpretação jurídica
para os casos trazidos ao juiz, e a menor ou maior efetivação das medidas necessárias à
adequada reparação. Nos processos individuais não repetitivos, sem dúvida podem
existir casos complexos, mas são os processos coletivos – e em particular aquelas que
envolvem grandes desastres ambientais, lesões praticadas por inteiros setores da
economia e políticas públicas – que apresentam os elementos mais característicos dessa
noção ampla de complexidade.4
O caso Rio Doce é um exemplo dessa conflituosidade interna e complexidade fática e
jurídica, não há dúvida de ser um caso sui generis, de complexidade ampla. No dia
05.11.2015, com o rompimento da barragem da empresa Samarco, na cidade de
Mariana, lesionaram-se direitos individuais e coletivos, e rapidamente foram ajuizadas
ações individuais, coletivas e incidentes para resolução de demandas repetitivas, tendo
sido identificados grupos de interesses contrapostos e interesses contrapostos
internamente aos próprios grupos. O exemplo do caso Rio Doce servirá para ilustrar
algumas das considerações deste artigo.
A efetivação das medidas judiciais nesses casos, quando deferidas liminarmente ou
mesmo quando determinadas em sentença, revela-se normalmente demorada, custosa,
dificilmente adaptável às estruturas e procedimentos do Judiciário.
Isso ocorre tanto no caso de execução de instrumentos de base negocial
(autocomposição, como nos termos de ajustamento de conduta),5 quanto de decisões
judiciais (cumprimento de sentença e tutelas provisórias).
Alguns tipos de litígio de massa já têm, há algum tempo, buscado outros caminhos para
obter melhores resultados. Em certos casos, a solução encontrada foi a criação de
entidades de infraestrutura específica para dar cumprimento a negócios jurídicos e
decisões judiciais.
Exemplos são: a Fundação Renova,6 a entidade constituída a partir do termo de
ajustamento de conduta firmado entre as empresas Samarco, Vale do Rio Doce e BHP
Billiton com a União, Estados de Minas Gerais e Espírito Santo e suas autarquias; o TAC
firmado em 2002 entre a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, o MPF, o
Estado de Minas Gerais e a Fundação Estadual do Meio Ambiente, com a intervenção de
outras entidades, para mitigar os impactos socioambientais decorrentes da implantação
da Usina Hidrelétrica de Irapé. O TAC previa medidas que caberiam à própria CEMIG,
mas também estipulava que a empresa deveria firmar convênio com a Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais – EMATER, que seria responsável
por dar suporte técnico e executar inúmeras outras medidas, como as de
reassentamento dos atingidos. Além disso, previa-se destinação de “verba temporária de
manutenção”, a ser gerida por associações criadas em cada reassentamento, de acordo
com um plano pré-definido; projetos realizados por grupos privados a partir da
provocação de entidades públicas para resolver questões como os deslizamentos,
inundações e desalojamentos em função das chuvas no Rio de Janeiro;7 a contratação
pelo grupo Oi, no curso do processo de recuperação judicial, de uma fundação para criar
uma plataforma digital a fim de viabilizar a mediação com milhares de credores em todo
o país;8 assim como projetos e iniciativas do próprio setor privado, constituindo
programas de interesse público em razão dos processos de licenciamento ambiental ou
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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responsabilidade social das empresas. Todos podem ser qualificados como entidades de
infraestrutura específica para resolução de conflitos coletivos, que são terceiros que
serão responsáveis pela implementação, total ou parcial, da decisão judicial ou da
autocomposição, muito embora tenham natureza privada ou mista.
Essa prática não é nova no direito comparado. Nos EUA, há pelo menos duas décadas,
tem sido frequente a constituição das chamadas claims resolutions facilities.
O objetivo deste texto é examinar o instituto, investigar-lhe as características
compatíveis com o direito brasileiro, explorar os riscos de sua implementação, identificaros seus limites e formas de controle, destacando suas vantagens e desvantagens. Ao
final, poderemos visualizar melhor os problemas que essas entidades enfrentaram no
exterior e devem apresentar no nosso sistema, conseguindo otimizar suas atividades
para as finalidades públicas que a tutela coletiva assume no Brasil.
2 As claims resolution facilities nos EUA e sua aplicabilidade ao Brasil
2.1 O que são as claims resolution facilities? Objeto possível no sistema brasileiro
Pode-se dizer que as claims resolution facilities são entidades ou mais genericamente
infraestruturas9 criadas para processar, resolver ou executar medidas para satisfazer
situações jurídicas coletivas que afetam um ou mais grupos de pessoas, que
judicialmente seriam tratadas como milhares de casos individuais, casos repetitivos e
ações coletivas.10
As claims resolution facilities surgiram nos Estados Unidos da América como uma
alternativa ao modelo clássico de litigância,11 idealizadas em razão da dificuldade das
instituições judiciárias de lidar com processos complexos (como costumam ser as ações
coletivas) e com a massificação de litígios individuais. As claims resolution facilities
foram pensadas com horizonte na eficiência processual,12 pois pretendem proceder a
uma alocação mais eficiente da prestação jurisdicional e do sistema de justiça com
menos custos do que se atuasse o próprio Judiciário na execução das medidas para
correção do ilícito.13
Seu surgimento se deu em causas de responsabilidade civil em danos massificados, e o
objetivo era padronizar a indenização, desvinculando o ressarcimento dos danos
efetivamente sofridos. Essas entidades partem da pressuposição de que há
responsabilidade do repeat-player, e focam em questões residuais não resolvidas pela
sentença ou acordo.14 Por exemplo, caso haja necessidade de liquidação individual após
uma condenação do litigante habitual, as claims resolution facilities ficam responsáveis
por definir os procedimentos de filtragem das vítimas que se enquadram nos padrões
eleitos para indenizar, e por estabelecer cronogramas de pagamento.15
Importante destacar que as facilities recebem diretamente as demandas, e realizam
juízos cognitivos a respeito de questões fáticas e jurídicas, decidindo a respeito.
Funcionam, por assim dizer, como tribunais extrajudiciais. Aliás, esse formato é
relevante tanto para a garantia da efetividade das decisões a serem tomadas, como para
a adequação das medidas adotadas. Por isso, algumas características dessas forma de
implementação parecem-nos essenciais, como a independência, imparcialidade das
entidades, acompanhamento dos órgãos públicos responsáveis e controle eventual pelo
Poder Judiciário.16
Nos EUA, as facilities foram úteis em casos de danos muito diversificados, como
derramamento de óleo, acidentes de consumo envolvendo produtos médicos e
farmacológicos, fraudes bancárias e securitárias, desastres naturais (terremotos,
furacões), violência urbana, terrorismo, entre outros.17
O instituto coloca em discussão diversas questões. De um lado, levanta dúvidas em
termos de justiça distributiva, pois os padrões definidos para ressarcimento, quando não
observados critérios objetivos fáticos e jurídicos, podem levar a distorções no tratamento
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
Página 3
das vítimas; sob outro ângulo, o tema traz ao debate a necessidade de estabelecer-se
uma justiça procedimental, e de como conciliar os menores custos de operação das
facilities e seu impacto na eventual redução das garantias processuais dos envolvidos,
com as exigências do devido processo legal.18
Trataremos, nos tópicos seguintes, dessas questões. Antes, porém, cabe uma reflexão
inicial, acerca do objeto das claims resolution facilities no Brasil.
Os casos tratados até aqui, oriundos da experiência norte-americana, foram
predominantemente casos em que se constituiu a entidade de infraestrutura específica
com o fim de indenizar as vítimas de alguma lesão. Seu objeto, contudo, pode ser muito
mais amplo no Brasil, e incluir, para além de indenizações individuais, reparações
pecuniárias difusas, implementação de projetos de melhorias de políticas públicas,
sugestão de projetos de lei para a regulação dos setores envolvidos, entre outras
medidas para obtenção de tutela específica das obrigações ou seu resultado prático
equivalente.
Note-se que, ao contrário do que parece ser a crença dos norte-americanos, as facilities
não servem apenas para direitos individuais homogêneos, mas também para direitos
difusos, coletivos stricto sensu e para a tutela das situações que caracterizem casos
repetitivos.19
Pode-se cogitar inclusive de uma facility tendo por objeto a produção de provas para
serem utilizadas em processos repetitivos (art. 69, § 2º, II, CPC (LGL\2015\1656)) com
a centralização (art. 69, § 2º, VI, CPC (LGL\2015\1656)) ou a suspensão desses
processos para o fim da prática dos atos instrutórios, barateando o custo da prova
(pense-se, p. ex., em perícias caríssimas) e acelerando o procedimento.20A experiência
de acordos em matéria probatória já existe no Brasil, inclusive com a produção de prova
extrajudicial para resolução descentralizada das questões junto à facility. No caso do
desastre do Rio Doce, muitos dos acordos realizados com as empresas tiveram por
objeto a produção de prova, os custos da prova etc. O acordo que constituiu a Fundação
Renova previu uma série de programas para reparação dos danos em dois grandes
eixos, socioeconômico e socioambiental. Muito embora o acordo não tenha sido
homologado em juízo, esses programas estão em execução, pois o acordo é válido para
as partes. Ressalte-se que o acordo não foi homologado por falta de oportunidade dos
atingidos e do Ministério Público se manifestarem sobre o seu conteúdo. Como o acordo
previa a extinção da ação civil pública movida pela União e os Estados, o MPF ingressou
com nova ação civil pública, mais abrangente, com um pedido de indenização estimado
em 155 bilhões de reais. Nesse processo, foi estipulado um acordo preliminar para a
realização de auditorias independentes nos programas da Fundação Renova, com o
objetivo de garantir a tutela integral dos bens e direitos dos atingidos e do meio
ambiente, ao qual aderiram os Ministérios Públicos do Estado de Minas Gerais e Espírito
Santo, além das Defensorias Públicas da União e dos Estados. Foram contratadas
auditorias independentes para efetuar o controle da efetividade dos programas e se
necessário indicar a revisão, integração ou elaboração de novas iniciativas nos eixos
socioeconômico e socioambiental. A supervisão de auditorias independentes atende ao
interesse público nesse tipo de conflito, e é do interesse de todos os envolvidos, inclusive
das próprias empresas. Para os atingidos e os órgãos públicos de controle, assegura a
transparência, o acesso à informação e o conhecimento técnico; para as empresas,
garante mais estabilidade e segurança jurídica nas soluções alcançadas.21
2.2 Funções e objetivos
As claims resolution facilities surgiram pela necessidade de gerir o cumprimento de
decisões e a execução civil em litígios de massa complexos.22 Seu principal escopo é
promover, com mais eficiência e menos custos, a execução de planos privados,
autocomposições judiciais ou extrajudiciais, ou decisões judiciais em processos coletivos.
As facilities cumpriram, nos EUA, duas funções primordiais: determinar o total a ser
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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indenizado e promover a alocação de recursos para cada vítima. Não obstante, um dos
objetivos mais destacados é dar ao litigante habitual uma maior previsibilidade sobre o
valor total a ser pago.23 As entidades de infraestrutura específica para a solução de
litígios coletivos reduzem os custos de uma reparação individualizada no Judiciário
através da canalizaçãodas demandas para a facility, partindo de categorias de
compensação.24 Isso é feito ou estabelecendo um teto de pagamento individual, ou
atribuindo quantias fixas para faixas ou tipos de vítimas. Pessoas na mesma categoria
recebem a mesma indenização daquela faixa, ainda que fossem capazes de provar danos
em montante superior.25 Pode-se, desse modo, projetar melhor o valor indenizatório
global.26
A aceitação do pagamento nesses termos, por parte das vítimas, embora lhes dê
ressarcimento em pouco tempo, preclui alegações de invalidade ou incompletude do
acordo perante o Judiciário, implica em renúncia a qualquer complemento indenizatório e
impede renegociações.27
É preciso ponderar, contudo, se essa extensão da quitação ocorrerá em todos os casos
ou se existem limites decorrentes do próprio direito civil e da presença de relevante
interesse público nos conflitos resolvidos pela entidade de infraestrutura específica,
especialmente no caso de grandes desastres nos quais as vítimas tenham sofrido forte
estresse físico ou psicológico. Mais adiante, iremos tratar desse problema em relação ao
direito brasileiro.
2.3 Criação legal, judicial ou convencional
As claims resolution facilities podem ser criadas por lei, ato administrativo ou por decisão
judicial.28 Podem também ter base consensual e serem constituídas a partir de negócios
jurídicos (settlement).29
No Brasil, poderiam ser criadas tanto por iniciativa judicial – com fundamento normativo
nos poderes de gestão do procedimento (case management) ou ainda nas medidas
indutivas e de apoio, utilizadas para efetivação das decisões judiciais30 (previstas nos
arts.139, IV, 536, § 1º e 537 do CPC (LGL\2015\1656)), – como também por
convenções processuais (arts.190 e 200 do CPC (LGL\2015\1656)) ou atos conjuntos.31
Esses instrumentos consensuais devem definir os procedimentos e a adesão individual, e
podem prever promessas de não processar perante o Judiciário (pacti de non petendo)
ou renúncias no plano do direito material (e podem deixar aberta alguma possibilidade
de renegociação à vista de circunstâncias novas ou imprevisíveis;32 aliás, como as
facilities tendem a durar muitos anos, o dinamismo das alterações de circunstâncias
fáticas, ao longo do tempo, pode alterar diversos fatores relevantes e exigir sua
adaptação).33
As entidades de infraestrutura específica para a solução de conflitos coletivos podem ser
criadas especificamente para essa finalidade ou resultar da atribuição de funções a
entidades públicas ou privadas já existentes.34 No Brasil, já há experiência dessa
delegação de funções a agências reguladoras para implementação ou execução de
autocomposição em litígios coletivos.35
A escolha por começar do zero ou aproveitar instituições já constituídas leva em conta
sua localização, aspectos quantitativos e qualitativos de seu staff, questões de
infraestrutura (como se tem sede própria, o estado de suas instalações e outras),36
especialização, qualificação e experiências anteriores.
As claim resolution facilities podem ser criadas para gerir as reparações de massa
mesmo antes de se projetarem no Judiciário uma grande quantidade de demandas
(atuando, portanto, preventivamente em relação a potenciais demandantes); e podem
ser implementadas para resolver conflitos já postos e demandas já ajuizadas (sobretudo
a execução de decisões e transações). Nesse caso, diz-se que são litigation-induced
facilities (entidades de infraestrutura específica provocadas pela litigância judicial).37
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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Em relação à sua fonte de custeio, as claims resolution facilities destacam-se por ter
fonte específica e previamente definida para o financiamento de suas atividades.38
Podem operar com recursos estatais, de um só particular ou de múltiplos agentes
econômicos. Normalmente, nos EUA, possuem financiamento privado.39
No Brasil, se forem criadas por delegação judicial, deve haver mecanismo financeiro para
transferir recursos. Se criadas por convenção processual, entendemos que o
repeat-player deve custear sua instalação e operação. Deve-se lembrar que as facilities
pressupõem a responsabilidade do litigante habitual, por isso, nada mais natural que
pese sobre ele este custo.O caso do Rio Doce é exemplificativo dessa necessidade. Como
vimos, a Fundação Renova foi constituída por um termo de ajustamento de conduta
(TAC), e já na constituição apresentou críticas por parte dos atingidos e dos órgãos da
Defensoria Pública e do Ministério Público da União e dos Estados. As críticas se dirigiram
aos problemas relacionados à governança, à transparência, aos potenciais conflitos de
interesse e a ausência de participação dos atingidos e de fiscalização independente.
Mesmo assim, sem admitir a adesão ao TAC, os Ministérios Públicos e as Defensorias
Públicas firmaram com os réus na ação civil pública em que se pede condenação de 155
bilhões um novo acordo de governança da Fundação Renova, o TAC Governança, que é
somado ao termo de ajuste preliminar para a realização das auditorias técnicas. Este
acordo foi homologado em juízo e prevê uma série de consequências judiciais,
ampliando a responsabilidade do juízo na garantia do resultado efetivo das atividades da
Fundação.
De todo modo, é importante enfatizar que a origem legal, judicial ou negocial das
entidades de infraestrutura específica para a solução de conflitos coletivos vai impactar
seu desenho estrutural, organização, metodologia e processos de pagamento. Por
exemplo, em relação as facilities instituídas para o pagamento de indenizações a
titulares de direitos individuais lesados em massa, quanto mais estatalidade, mais elas
tendem a conseguir aceitação na sociedade (porque se é público o financiamento, mais
se compreendem as limitações da indenização). Ao revés, se é privada a fonte dos
recursos, menor é a tolerância com indenizações limitadas; e quanto mais privada é a
estrutura e organização da entidade, mais se exige dela personalização e
individualização do pagamento em função do dano.40
A classificação da tipologia de litígios de Edilson Vitorelli41 também pode apresentar-se
muito útil na definição do formato e das funções da entidade de infraestrutura de
propósitos específicos para solução dos conflitos coletivos. Conforme se afigurem os
conflitos como litígios globais, locais ou de difusão irradiada, será exigida da facility um
desenho específico, que possa respeitar a menor ou maior conflituosidade interna do
grupo e a complexidade inerente aos direitos envolvidos.A expe comparada mostrou que
asntos convergentes foi apontada por resultariam do litproduç
2.4 Forma e organização
Nos EUA, as claims resolution facilities variam muito em forma. Podem assumir o
formato de trusts42 ou settlement funds, criados pelo litigante ou sua seguradora para
indenizar as vítimas de acidentes.43 Até mesmo um advogado ou escritório de advocacia
que represente muitos litigantes habituais pode funcionar de fato como uma facility,
negociando em bloco e depois ficando responsável por alocar recursos.44
Todavia, é mais comum que as claims resolution facitilites funcionem como uma pessoa
jurídica (inclusive com empregados próprios), que será responsável por receber as
demandas das vítimas e tratar os ilícitos ou as lesões aos grupos coletivos,
concorrentemente com o Judiciário, e promover seu ressarcimento ou a tutela específica
da obrigação.45
Entre os empregados, é frequente haver trustees, administradores, comissários,
mediadores, consultores, contadores etc. As facilities também têm advogados próprios,
administradores das demandas (case managers), consultores financeiros e um staff que
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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variou historicamente de 20 a 300 pessoas.46 Nada obsta que em situações muito
específicas, como o desastre ambiental do Rio Doce no Brasil,estes números cheguem a
milhares de pessoas.
2.5 Esquemas de compensação e modelos de procedimento. Os planos de resolução de
conflitos. Incentivos e desincentivos à busca pela via judiciária
As entidades de infraestrutura específica para resolução de conflitos coletivos podem
tratar tanto do pagamento de indenizações como da efetivação de tutelas específicas ou
seu resultado prático equivalente. Se o objetivo maior é facilitar indenizações, a
infraestrutura para a solução de litígios tem que estabelecer métodos para definir quanto
será o valor total, quem receberá, se esses indivíduos receberão mediante apresentação
de quais provas e informações, e por meio de quais regras procedimentais tudo será
verificado e implementado. Se o escopo for efetivar tutela específica ou seu resultado
prático equivalente, cabe definir qual a medida mais adequada e, do mesmo modo, o iter
a ser observado.
Tudo isso é feito por meio de um documento chamado plano de resolução de conflitos,
que deve definir os procedimentos e os esquemas de compensação, acomodando
também cronogramas de reparação/pagamento.47 No Brasil, as convenções processuais
e os atos conjuntos podem servir como instrumentos desse planejamento.48
Nesse contexto, o tema mais palpitante diz respeito aos valores das indenizações, que
não podem ser calculados na mesma lógica do processo tradicional, até porque não
necessariamente vão traduzir uma completa recomposição dos danos individuais. Os
fatores para definir quem vai receber cada prestação variam muito a depender do tipo
de direito violado, extensão do grupo de vítimas, características sócio-demográficas
(gênero, raça, etnia),49 mas em geral devem compreender critérios ligados à severidade
do dano sofrido, magnitude da perda financeira, e levar em conta questões como a idade
da vítima, seus motivos para estar no local do acidente ou para ter usado o produto ou
serviço defeituoso, entre outros.50
Quando os recursos financeiros canalizados para o ressarcimento são limitados,
adotam-se normalmente modelos de compensação mais restritos, com fórmulas
predefinidas. As demandas são processadas mais burocraticamente,51 com regras rígidas
para definir quem poderá ser indenizado (a partir de categorias fixas e sem diferenciação
à luz dos fatos e da extensão dos prejuízos), com cronogramas mais apertados de
pagamento e que podem levar a uma compensação módica (parcial ou incompleta).52 Os
fundamentos para a validade de tais acordos estão na própria circunstância de escassez
e na necessidade de equidistribuição dos valores disponíveis, assim como na
disponibilidade característica do direito à indenização individual.
Em relação ao procedimento, nos EUA, sua condução é inquisitorial, feito pela própria
entidade. Há notificação dos envolvidos, que podem apresentar provas (normalmente
documentos), e têm alguma oportunidade de argumentar (em certas hipóteses, uma
possibilidade limitada de interposição de recursos). As decisões da facility são
fundamentadas, mas não se vê nos procedimentos dessas entidades algo próprio do
formato adversarial (não é um processo conduzido pelas partes).53
Já nos casos em que o que se pretende é aproximar o resultado à reparação total,
completa, dos danos, opta-se por modelos mais próximos do processo judicial em
contraditório. Aplicam-se regras mais flexíveis para determinar quem tem direito à
indenização, aferidas casuisticamente e mediante prévia apresentação de provas e
argumentos. Qualquer controvérsia entre a vítima e o repeat player é resolvida por um
terceiro neutro ao conflito,54 e se busca, tanto quanto possível, uma indenização mais
completa em relação aos prejuízos sofridos.55
No Brasil, existe uma questão importante ligada ao estatuto constitutivo e a origem
dessas entidades. Caso as entidades sejam constituídas por acordo com órgãos públicos
ou por decisão judicial, evidentemente que sua função deverá ser apartada dos
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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interesses dos litigantes habituais (masswrongdoers), sob pena de o conflito de
interesses afetar a credibilidade da facility e, assim, a própria estabilidade das soluções
dadas. Isso ocorreu, por exemplo, no caso da facility pensada para a indenização das
vítimas no Golfo do México, com o desastre causado pela empresa British Petroleum.
Após a constituição da Gulf Coast Claims Facility (GCCF),56 a justiça norte-americana
constatou que as indenizações não estavam sendo pagas a partir de critérios
independentes, admitiu novas ações coletivas e instituiu um novo programa de
indenização, possibilitando a revisão das indenizações pagas a menor.57
Algumas facilities permitem que as vítimas escolham entre “circuitos” mais ou menos
complexos para o processamento da sua pretensão.58 A depender desses caminhos,
pode-se obter uma indenização mais ou menos abrangente, embora também mais
demorada e condicionada à produção de prova suficiente. Vê-se, portanto, que as claims
resolution facilities atuam uma flexibilização procedimental que não é de ordem
legislativa, podendo ser determinada pelo juízo ou resultar de convenção das partes.59
Os circuitos para pagamentos foram utilizados no caso do Golfo do México, pela GCCF.
Após os 90 (noventa) primeiros dias em que foi efetuado o pagamento de auxílio
emergencial (EAP), a facility propôs aos atingidos três circuitos de pagamento: (a) quick
payment (pagamento imediato), pagamento dentro de duas semanas sem a necessidade
de complementar a documentação que já havia sido fornecida para o auxílio imediato,
bastando o preenchimento de um formulário e a declaração de quitação; (b) interim
payment (pagamento parcial e provisório), sem a quitação e a abdicação da via judicial,
no qual os atingidos não estivessem preparados para decidir sobre os danos futuros e
ainda fosse necessário produção de prova; (c) final payment (pagamento integral), para
aqueles que queriam receber os valores integrais e de uma vez por todas, produzindo
prova sobre seus danos, recebendo indenizações maiores, mas se submetendo ao
debate sobre a prova produzida.60
Tanto procedimentos inquisitivos quanto os adversariais trazem vantagens e
desvantagens. Não há fórmula mágica. Mas a definição desses procedimentos é essencial
para que a facility seja viável, atraindo as vítimas que pretendem obter a indenização.61
Idealmente, as facilities devem planejar e desenhar seus procedimentos de modo a
provocar padrões comportamentais desejados, conseguindo obter maior previsibilidade
sobre os resultados em termos de efetividade.62 E devem poder identificar as demandas
fundadas e as infundadas, filtrando as demandas frívolas. Por exemplo, se simplificarem
demais a postulação, não exigindo um mínimo de prova para os demandantes, podem
incentivar os free riders, autores que não são de fato vítimas e que postulam para
aproveitar-se da facilidade, qualificando-se como vítimas para receberem a indenização.
63 Por outro lado, se os procedimentos dificultam muito que as vítimas solicitem a
reparação, prevendo demasiadas exigências probatórias e postulatórias, pretender ser
indenizado perante a facility pode ser desvantajoso para a vítima, principalmente porque
ela teria praticamente os mesmos esforços de um processo judicial, para ao final receber
talvez um valor menor a título de indenização.64
Algumas entidades criam ainda incentivos para desestimular ajuizamento de ações e
recursos, e para incentivar uso de meios alternativos de solução de conflitos.65
Há também aquelas facilities que criam desincentivos à via judicial internalizando certas
funções que teriam que ser custeadas em termos adicionais pelos litigantes, se estes
optassem pelo Judiciário. Por exemplo, algumas facilities possuem médicos
independentes para realizar perícias sem custo;66 outras reduzem a necessidade de
advogado (providenciando aconselhamento gratuito às vítimas ou mesmo limitando o
valor dos honorários de advogado),67 o que traz algunsquestionamentos sobre se as
partes estariam desprotegidas nesses procedimentos, ou se isso seria economicamente
mais interessante por reduzir os custos.68
No Brasil, embora o custo do processo seja normalmente bem menor que nos EUA,
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deve-se lembrar que, após o advento do CPC/2015 (LGL\2015\1656), os gastos com
honorários de advogado subiram vertiginosamente; nesse contexto, acenar com uma
redução desses custos poderia ser um atrativo para as entidades de infraestrutura
específica de solução de litígios coletivos. Por outro lado, esse problema poderia ser
mitigado com a participação do Ministério Público,69 nas ações coletivas, e das
Defensorias Públicas, não só, mas especialmente, nas ações individuais.
2.6 Transparência, divulgação e diálogo com a comunidade atingida
Nos procedimentos das claims resolution facilities, alguns dos aspectos mais
interessantes dizem respeito a como suas atividades se estruturam para dialogar com o
Judiciário e a comunidade atingida pelo dano coletivo.
Algumas chegam a constituir advisory commitees ou conselhos para fins de
transparência, que serão responsáveis por lidar com as vítimas e seus advogados;70 mas
é comum que, para o público em geral, protejam-se com sigilo informações sobre a
identidade das vítimas, os valores pagos a título de indenização, os custos operacionais e
as avaliações sobre a eficiência dos resultados obtidos. Esse problema tem sido
salientado na doutrina norte-americana como uma tensão entre a natureza privada das
facilities e o interesse público de controle de sua atuação.71
Nas relações com as vítimas, é frequente que as facilities produzam material explicando
o plano de resolução de conflitos e os esquemas de pagamento existentes; muitas
vezes, esse material é acompanhado de gráficos e de elementos visuais para facilitar
para os indivíduos a compreensão de suas possibilidades.72
Certas facilities prestam contas por audiências públicas, antes, durante e depois do
término de suas operações.73
Em suma, fato é que uma das características desse instrumento é dispor de uma forma
otimizada de diálogo com o Judiciário, com os indivíduos e com a comunidade ou grupos
atingidos pelo dano ou comportamento ilícito.74
No Brasil, o papel acentuado do Ministério Público na tutela coletiva pode reduzir os
problemas relacionados a transparência, divulgação e diálogo com a comunidade
atingida, já que a instituição poderá não só controlar o funcionamento das facilities, em
constante interlocução com seus órgãos de planejamento e execução, como também
realizar audiências públicas e intermediar os contatos entre os comitês, as vítimas e
todos os interessados.75 A tutela dos interesses das vítimas pela Defensoria Pública
também se mostra institucionalmente relevante para este fim.
O TAC do caso dos impactos socioambientais da Usina Hidrelétrica de Irapé/MG, p. ex.,
previa fiscalização por consultores independentes (com equipe multidisciplinar, incluindo
acadêmicos) para supervisionar as atividades e monitorar o cumprimento das obrigações
assumidas.76
No acordo de governança que reestruturou a Fundação Renova, também foram previstos
diversos mecanismos para ampliar a participação, a transparência, a divulgação das
ações e resultados e o diálogo com a comunidade atingida.
Entre estes mecanismos estão as comissões locais, formadas pelos atingidos com o
apoio de assessorias técnicas independentes, que têm por finalidade propor ajustes nos
programas e ações que digam respeito ao seu território, manter a comunidade
informada sobre o andamento das atividades no território e supervisionar o trabalho da
Fundação Renova. As câmaras regionais, que atuarão para consolidar as propostas das
comissões locais que digam respeito ao território mais amplo. Uma ampliação da
participação no comitê interfederativo (CIF) e nas câmaras técnicas, com a participação,
na nova configuração, dos atingidos, do Ministério Público e das Defensorias Públicas,
sendo que os atingidos poderão contar com a presença de suas assessorias técnicas
independentes nas reuniões da câmara técnica e do CIF. Alterações no conselho
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consultivo e no conselho curador, garantindo e ampliando a participação dos atingidos e
dos órgãos de controle, a participação social foi ampliada com a criação de um fórum de
observadores, com representantes da sociedade civil, da academia, das pessoas e dos
povos e comunidades tradicionais atingidos.
Como se percebe, por se tratar de casos complexos, a própria estrutura da entidade
deve ser flexível, de forma a permitir que seja ampliada e adequada, interagindo com as
necessidades do conflito, para cumprir com a sua função de maneira eficiente.
2.7 Quem define o formato?
A definição do formato da facility, sua estrutura e organização é feita no ato de sua
estruturação. Caberá, portanto, à lei, decisão judicial ou acordo processual que a
constituiu estabelecer essas questões. Seus métodos e procedimentos normalmente são
detalhados no plano de resolução de conflitos.
Nos EUA, um questionamento frequente é que os indivíduos que serão beneficiados pelas
facilities têm pouca ou nenhuma influência no formato ou design definido para sua
estrutura e procedimento,77 mesmo nas hipóteses de definição por meio de convenção
processual.78
No Brasil, a experiência com o caso Rio Doce mostrou a necessidade de ampliar essa
participação. Na decisão – em sede de ação de reclamação – que suspendeu os efeitos
da homologação do termo de ajustamento de conduta (TAC) que constituiu a Fundação
Renova, ficou consignado que:
não está demonstrada a inclusão de membro do Ministério Público do Estado de Minas
Gerais na formatação do ajuste em comento, o que indica a ausência de adequado
debate para o desenlace convencionado do litígio, justamente entre aqueles atores locais
mais próximos e, portanto, mais sensíveis aos efeitos da referida tragédia. Ademais,
diante da extensão dos danos decorrentes do desastre ocorrido em Mariana/MG, seria
rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da
controvérsia, por meio da realização de audiências públicas, com a participação dos
cidadãos, da sociedade civil organizada, da comunidade científica e dos representantes
dos interesses locais envolvidos, a exemplo das autoridades municipais.79
Posteriormente, a homologação foi cassada pelo TRF da 1a Região.
Fui justamente este déficit de representatividade que foi o objeto do termo de ajuste
sobre a governança, mencionado no tópico anterior, que repactuou a participação dos
atingidos na estrutura da Fundação Renova. O controle pelos órgãos públicos nesse caso
está sendo realizado conjuntamente. Com efeito, a participação dos Ministérios Públicos
e das Defensorias Públicas no controle dos programas da Fundação Renova gerou a
Recomendação Conjunta 10 às empresas Samarco, BHP e Vale do Rio Doce e à
Fundação Renova, com uma inédita união do Ministério Público Federal, Ministério
Público do Trabalho, Ministérios Públicos Estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais, e as
Defensorias Públicas da União, dos Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais. A
implementação das recomendações feitas está sendo realizada por sucessivas sessões
de autocomposição com os envolvidos, com a finalidade de ajustar diversas
desconformidades já constatadas nos programas e na conduta da Fundação Renova e
das empresas em campo. Os loops de reavaliação são inerentes à dinâmica dessas
entidades de infraestrutura específica.
2.8 Vantagens das claims resolution facilities em relação ao Poder Judiciário
As claims resolution facilities têm muitas vantagens em relação ao Judiciário para a
gestão de casos complexos.
Aponta-se a adaptabilidade às peculiaridades do caso como a maior delas,80 se
confrontadacom uma maior inflexibilidade das regras e dos procedimentos do Judiciário.
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Também se destaca essa flexibilidade no design dos procedimentos, o que permite a
formulação de planos de atuação mais adequados,81 sem eliminar possibilidades de
revisão desses planos dinamicamente, a partir de um constante feedback dos
destinatários e grupos interessados, advogados e supervisores do Judiciário, retomando
as discussões sobre o formato da facility e o design dos procedimentos em loops de
reavaliação.82
Em termos de duração do processo, é possível estimar que as simplificações
procedimentais das demandas propostas perante a facility levem a uma tramitação mais
expedita. O tempo menor para obtenção do ressarcimento seria mais uma vantagem.
Claro que, para afirmar que o tempo global de ressarcimento de todas as vítimas seria
menor do que junto ao Judiciário, deve-se considerar também o tempo consumido para
criar a facility, definir o design estrutural e dos procedimentos, desenvolver o plano de
resolução dos conflitos e o colocar em operação.83 Pode haver também atrasos
operacionais, a depender do modelo de atuação que a facility adota. Nos EUA, contudo,
se visualizado cada procedimento individual perante a facility, estes costumam ser mais
rápidos que um processo judicial.84
Outro ponto que merece destaque é que, se comparadas com o Judiciário estatal, as
claims resolution facilities também se destacam por favorecerem interesses dos autores
e dos réus nos conflitos de massa.
No geral, as facilities falam a favor do interesse público de fazer com que o repeat player
seja chamado a indenizar o maior número de pessoas. Além disso, nos EUA, a
experiência mostrou que a compensação por categorias acaba por aumentar a
compensação média que as vítimas receberiam, considerando que muitas delas talvez
nem ajuizariam ações no Judiciário, mas podem se animar a trazer demandas à facility.
85
De um lado, portanto, operam um ambiente favorável ao autor (claimant-friendly),
possibilitando a apresentação de um cardápio maior de formas de satisfação do direito.
Colocam-se, portanto, como mais um método de solução de conflitos. De fato, ao trazer
sua pretensão perante a facility, o autor reduz consideravelmente seus esforços, já que
ali a responsabilidade do réu é pressuposta; o que se discutirá é a indenização.86
Ademais, parcela da doutrina entende que há clara vantagem para o autor nos
procedimentos de negociação porque a assimetria informacional fala em seu favor no
que se refere ao montante dos danos sofridos,87 já que o litigante habitual desconhece
esse montante e não sabe a priori as provas de que a vítima eventual dispõe.88 O autor
estará em melhores condições de estimar se uma autocomposição lhe seria favorável.
Outra vantagem para os autores é seu custo. As facilities que executam acordos ou
decisões judiciais operam mais eficientemente, dada a notória dificuldade do Judiciário
nas execuções complexas; as facilities que definem quem tem direito recebem as
demandas diretamente dos autores, e tenderão a ser atrativas para as vítimas se o
procedimento de filtragem das demandas fundadas for mais barato do que seria o
procedimento judicial até a sentença de mérito (considerando também a fase de
instrução probatória).89 Os litigantes eventuais (one-shooters), pouco habituados com o
processo judicial, frequentemente sem disponibilidade de recursos, ansiosos por ter
alguma reparação, sem conhecimento técnico e diante de um quadro de incerteza da
vitória,90 ao trazerem suas pretensões para a facility, evitam gastar tempo, energia e
dinheiro em demoradas ações judiciais que poderiam, ao final, definir até mesmo um
valor menor a receber.91
Deve-se destacar também que a propositura da demanda perante a facility é uma opção
do demandante.92 Se o autor preferir o Judiciário, assegura-se seu acesso à Justiça,
afinal de contas não é obrigatório demandar perante a facility; porém, se aceitar um
procedimento mais rápido, célere e descomplicado, ainda que ao custo de não receber o
valor que idealmente pretendia, demandar perante a facility pode ser uma alternativa
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economicamente mais atrativa. Ademais, mesmo para aqueles que efetuaram demandas
perante a facility, há previsões do direito de opt-out ou alguma maneira de
saída/desistência do procedimento para ingresso no Judiciário, com ou sem restrições
em termos de prova, valor da indenização ou forma de pagamento.93 Então, em suma,
para os autores, as facilities podem significar dinheiro rápido com menos custos de
transação.
De outro lado, para os réus, as claims resolution facilities também são muito úteis
porque permitem definir, com muito maior previsibilidade e rapidez, o quantum da
indenização (dado que a responsabilidade do litigante habitual já é pressuposta) em
cada caso, sendo-lhes possível ainda estimar o custo global com as reparações.94
Outra vantagem das claims resolutions facilities diz respeito ao seu custo de instalação e
operação, que parece ser menor que aqueles dos procedimentos judiciários.95 O repeat
player terá interesse em constituir uma claims resolution facility porque esta permite
indenizar um grupo maior de pessoas com menores custos de transação, enquanto o
Judiciário aumentaria os custos e levaria a uma compensação para uma quantidade
menor de indivíduos.96 Lembre-se que, nessa conta, devem ser computados custas e
despesas processuais em todos os processos, o custo dos advogados de todas as partes,
e também os custos operacionais do Judiciário.97 A hipótese de grandes desastres
causados pela ação de empresas e litigantes habituais permite inclusive a cobrança pelos
órgãos públicos das externalidades negativas suportadas pelo sistema judicial, com
acréscimo de custos em relação as normais custas processuais. Foi o que ocorreu no
caso do Golfo do México e está previsto para o caso do Rio Doce.
Nos casos em que as facilities criam incentivos para que as partes não litiguem, ou
litiguem desacompanhadas de advogado, esses custos decrescem substancialmente.
2.9 Desvantagem alocativa
Como se viu no item anterior, as facilities têm vantagens por conseguirem obter
resultados mais eficientes com estrutura e procedimentos mais flexíveis, rápidos e
baratos, se comparados com aqueles do Judiciário. Há diminuição dos custos de
transação para todos envolvidos, autores e réus.
Na doutrina, parece ser indicada como principal desvantagem a separação entre
responsabilidade e indenização; se as facilities podem ser eficientes do ponto de vista
econômico, podem também gerar dissonância entre causalidade, risco e danos, se
considerados o grupo e os indivíduos que o compõem.98
Muitas vezes, a categorização simplista das vítimas em grupos ou faixas de indenização,
limitando o valor a ser reparado, faz com que vítimas que sofreram menores danos
sejam supercompensadas e vítimas que foram atingidas de modo muito severo sejam
subcompensadas.99 Essa disparidade pode levar ao resultado indesejado de incluir nas
categorias a serem indenizadas pessoas que não são titulares de qualquer direito
material.100 É como se a simplificação da litigância “instantânea” gerasse mais
possibilidade de erro, equívocos que seriam filtrados no processo judicial mais demorado
e refletido.101
3 Conclusão. Alguns outros pontos para reflexão no direito brasileiro
As claims resolution facilities têm um potencial transformador na prática da tutela
coletiva, e significam uma nova forma de pensar diversos institutos do direito
processual: são uma nova modalidade de participação de terceiros no processo; podem
ser constituídas por convenções processuais (arts. 190 e 200 do CPC (LGL\2015\1656))
ou por delegação de funções jurisdicionais por atos conjuntos (art. 69 do CPC
(LGL\2015\1656)),dois temas que estão nas últimas fronteiras de pesquisa acerca das
fontes das normas processuais e das funções da jurisdição no mundo contemporâneo.
Também representam uma nova forma de gestão e organização do processo coletivo (
case management) e podem revelar-se especialmente úteis nos litígios estruturantes.
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
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Podem ainda ser consideradas uma espécie de medida indutiva e de apoio para que se
obtenha a implementação, cumprimento ou satisfação dos direitos coletivos (arts. 139,
IV, 536, § 1º e 537 todos do CPC (LGL\2015\1656)).
Talvez por tudo isso, as claims resolution facilities causam um certo estranhamento.
Destacamos aqui alguns pontos finais para a reflexão sobre os limites e possibilidades de
aplicação do instituto no direito brasileiro.
Um primeiro tópico que merece destaque é a interface entre público e privado que as
entidades de infraestrutura específica para a solução de conflitos coletivos proporcionam.
De fato, elas estão no meio do caminho entre o público e o privado; atuam resolvendo
conflitos de interesse público mas têm normalmente base privada.102 A presença do
interesse público é comum à tutela dos conflitos coletivos, mas a novidade reside na
possibilidade de se incentivarem soluções privadas ou mistas para esses conflitos,
descentralizando a cognição e decisão sobre os danos para além do Poder Judicial. O
Poder Judiciário atuaria geralmente em um papel residual, de controle e garantia.
Como afirma Ayres, as entidades de infraestrutura específica para solução de conflitos
devem ser pensadas como uma ponte entre o público e o privado. Devem atender ao
interesse geral de uma compensação eficiente e com menos custos para uma maior
quantidade de pessoas; e os interesses individuais das vítimas de obterem indenização
rapidamente e com menores gastos de tempo e dinheiro. Mas não podem desconsiderar
que serão também instrumentos de simplificação e redução de gastos para o litigante
habitual.103 O desafio é buscar o equilíbrio entre todos esses interesses. A presença de
um magistrado supervisor é altamente recomendável. Contudo, é preciso criar um
ambiente em que exista liberdade de opção entre autocompor ou litigar, ambiente no
qual o juiz do caso se mantenha imparcial em relação a opção das partes, inclusive
facilitando o acesso à Justiça.104 Uma vantagem para os litigantes habituais de haver
controle mais intenso pelo juiz, especialmente em ações coletivas, consiste também na
maior estabilidade que a decisão final pode obter com a homologação das indenizações
pagas às vítimas ou a aceitação judicial dos critérios objetivos utilizados.105
No Brasil, mesmo que a estrutura da facility seja privada e que as indenizações para as
vítimas tenham natureza privada, deve valer a regra de que em litígios que atingem um
grande número de pessoas possuem interesse público em sua adequada composição,
mesmo que os direitos sejam disponíveis individualmente e os recursos sejam privados.
Nesse sentido Issacharoff e Rave apontam que: “estes danos de massa assumem a
qualidade de litigância de interesse público, mesmo se resultem em milhares de
demandas para recompensas privadas”.106
Outro ponto de reflexão é a necessidade de um controle público da atividade
desenvolvida pela entidade de infraestrutura específica para a solução de litígios
coletivos. Em um cenário de tantos interesses envolvidos, a atividade de supervisão
jurisdicional da atuação da facility parece ser de fundamental importância,
especialmente no Brasil.107
Por outro lado, esse controle não deve ser somente função do juiz. O juiz atua como
garantia, mas não é necessário que apenas ele exerça a função de supervisão da
entidade de infraestrutura específica. A tarefa de controlar a atividade das facilities pode
ser realizada pelo Ministério Público, no cumprimento de seu dever de proteção dos
direitos fundamentais e da coletividade como um todo, e pela Defensoria Pública, em
relação aos danos que se referem às pessoas necessitadas, bem como, por outros
órgãos estatais de controle. Essa é uma clara vantagem do sistema brasileiro, com forte
participação de entes públicos na tutela coletiva, quando comparado com o modelo
norte-americano, muito mais dependente dos particulares.
Mesmo no modelo norte-americano, a experiência demonstrou a necessidade de
supervisão e controle. O caso do desastre com a plataforma de petróleo da BP no Golfo
do México (Deepwater Horizon Oil Spil, de 2010) demonstrou a necessidade de
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de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
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regulação pelo governo, acompanhamento e indicação das responsabilidades a partir de
critérios objetivos, auditorias técnicas e monitoramento da execução dos programas de
reparação para saber se a empresa está cumprindo com as obrigações de reparação de
maneira adequada.108 Entre nós, esse processo já se iniciou no caso do Rio Doce, com
as auditorias técnicas, a presença do Ministério Público e das Defensorias Públicas no
controle das ações da Fundação Renova.
A ausência de controle público e social pode resultar em um paradoxo nos litígios de
interesse público: muito embora a alternativa privada seja menos custosa do ponto de
vista econômico para a empresa, e mais vantajosa para os atingidos pela ausência de
custos com advogados e pela possibilidade de indenizações imediatas, a falta de
consenso informado e a ausência de definitividade nos acordos podem resultar em um
custo de transação mais alto, com a revisibilidade do que é negociado. Quem paga mal,
paga duas vezes. As considerações de Issacharoff e Rave demonstram que este
paradoxo ocorreu no caso do GCCF, no qual a ação coletiva foi mais vantajosa para os
envolvidos do que o fundo privado de compensação.109
No Brasil podemos afirmar que o processo coletivo leva em consideração elementos que
somente o sistema público ou misto (com supervisão judicial e dos órgãos de controle)
pode aportar: (a) estabilidade decorrente da homologação do acordo (coisa julgada); (b)
garantias de transparência; (c) tratamento similar das demandas; (d) intervenção
obrigatória do Ministério Público, quando este não for autor. Estes elementos são
extremamente positivos. Há necessidade de discutirmos, no futuro, a possibilidade de
vinculação dos membros ausentes que não tenham optado por sair da demanda de
forma comissiva (opt out), vantagem apontada pela doutrina no sistema
norte-americano, mas que no Brasil encontraria limite no nosso regime atual de coisa
julgada secundum eventum litis, apenas para beneficiar os titulares dos direitos
individuais.110 Certo que essa restrição não vale para os casos repetitivos e para a
formação de precedentes.111
Outro ponto que merece reflexão é a necessidade de consenso informado. A opção por
facilities privadas ou mistas como alternativa à propositura da demanda no Judiciário
depende de que se garanta o “consenso informado” das partes. Isso vale tanto para os
Estados Unidos quanto para o Brasil. Há necessidade de se assegurar assessoria técnica
imparcial para os atingidos, seja através da advocacia pro bono (advogados pro bono,
com honorários limitados, low-fee basis, ou defensores públicos), de grupos de trabalho
(disaster response teams), ou, ainda, a possibilidade de impugnação judicial, individual
ou coletiva, sempre que se verificar que a falta de consenso informado e conhecimento
claro sobre a alternativa judicial está resultando em um prejuízo aos atingidos.112
Como afirma a doutrina, a impugnação judicial potencial poderá inclusive permitir, desde
logo, que os ajustes nos planos de indenização sejam efetivados durante a fase ou
circuito extrajudicial, pois, ao fazer do consenso informado uma condição para que a
renúncia à tutela jurisdicional seja considerada válida, faz-se muito para encorajar que
as partes sejam esclarecidas adequadamentesobre as consequências das suas escolhas
e opções.113
Por fim, cabe ainda uma palavra sobre a autocomposição adequada no contexto da
tutela coletiva. O direito – no Brasil e no mundo – está passando por uma transformação
que leva em conta a capacidade de os próprios interessados no litígio identificarem, a
partir de critérios objetivos, as questões de fato e o direito aplicável à espécie. A
identificação desses critérios mediante a “negociação direta” ou “colaborativa” 114
permite encontrar parâmetros de justiça objetiva para a autocomposição, resultando no
que se convencionou chamar de negociação sem concessões.115 Nesses casos, a
indenização será no valor ótimo, ou seja, no valor adequado segundo a prática dos
tribunais em casos similares no momento em que ocorrera a lesão.116 Os órgãos
públicos que tutelam os interesses públicos envolvidos no conflito e os mais vulneráveis,
como o Ministério Público e a Defensoria Pública, devem atuar de forma conjunta para
reforçar esses objetivos. A vantagem do processo coletivo em relação aos processos
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individuais, para os litigantes habituais, nesses casos, está em garantir a “paz”, ou seja,
a estabilização do conflito em relação ao grupo de atingidos.117
O conhecimento das alternativas jurídicas aplicáveis ao caso é imprescindível para que
se possa permitir que soluções mais rápidas sejam implementadas, ainda que as partes
envolvidas possam ter algum valor descontado de suas indenizações. Mas existem
diferenças entre o modelo norte-americano e o brasileiro que precisam ser ressaltadas.
Nos Estados Unidos, há protagonismo de entidades privadas, e muitas vezes são os
próprios advogados que patrocinam/financiam o litígio. Isso implica também o
surgimento de um potencial conflito de interesses entre os advogados e os membros da
classe no momento de optar por uma autocomposição mais ou menos vantajosa.
Aqui, deve-se pensar até que ponto efetivamente deve ser levado o dever do juiz de
incentivar mecanismos autocompositivos (art. 3º, § 2º, do CPC (LGL\2015\1656)).
Entendemos que qualquer pressão direta ou indireta para a autocomposição que viole as
exigências legais prejudica o sistema de Justiça, especialmente em casos com forte
abalo físico e psicológico, como são as situações de desastres de massa. Condutas que
retirem as opções das partes estão em desconformidade com o direito e violam as
normas que regem o exercício da autonomia da vontade. Contudo, preservada a
autonomia da vontade e o consentimento informado, tratando-se de direitos disponíveis,
nada impede que a vítima opte por um circuito rápido, recebendo sua indenização
imediatamente.118
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ZANETI JR., Hermes; GIDI, Antonio. Brazilian Civil Procedure in the `Age of Austerity?
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1 Este artigo é resultado das atividades dos Grupos de Pesquisa “Transformações nas
Estruturas Fundamentais do Processo”, vinculado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq
[http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9009555729002032], e “Fundamentos do
Processo Civil Contemporâneo”, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq
[http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/0258496297445429]. Atualmente o FPCC/UFES
possui financiamento de pesquisa para o estudo do Caso do Desastre do Rio Doce
concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa e à Inovação do Estado do Espírito
Santo – FAPES. Ambos os grupos de pesquisa são membros fundadores da ProcNet –
Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo”
(http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa-0). Durante a fase de elaboração do texto,
disponibilizamos uma versão manuscrita para debate na internet através do site
[www.academia.edu]. Todos os comentários foram considerados na redação final, e
agradecemos aos colegas que participaram das discussões.
2 Sobre o tema, CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (
Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo,
v.147, 2007. p. 129.
3 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. Dos direitos aos litígios coletivos.
São Paulo: Ed. RT, 2016; VITORELLI, Edilson. Tipologia dos litígios transindividuais: um
novo ponto de partida para a tutela coletiva. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.).
Repercussões do CPC no processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016.
4 De algum modo, os procedimentos concursais (p. ex., falência, insolvência civil e
recuperação judicial) podem também revelar-se muito complexos, em razão da
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de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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multipolaridade dos interesses envolvidos, que frequentemente leva a um alto grau de
conflituosidade interna. Portanto, é importante lembrar que grande parte das conclusões
do texto para os processos coletivos e estruturantes aplica-se também aos
procedimentos concursais com essa complexidade.
5 “A previsão no art. 3º, § 3º, do CPC, que determina o estímulo a autocomposição
imposto para todos órgãos públicos e advogados e a ampliação da justiça multiportas no
Brasil com os dispositivos do CPC, a Lei de Mediação e as reformas na Lei de Arbitragem
para permitir a arbitragem pelo Poder Público, indicam que este será um caminho
consistente para a resolução de controvérsias complexas e uma nova tendência na
Justiça civil, a exemplo do que já ocorre no direito comparado” (ZANETI JR., Hermes. O
Ministério Público e o novo processo civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 75-80).
6 Para acessar o site da Fundação cf. [https://www.fundacaorenova.org/a-fundacao/].
Acesso em: 20.08.2018.
7 Disponível em:
[http://dialogconsultoria.com/cliente/governo-do-estado-do-rio-de-janeiro]. Acesso em:
03.09.2018.
8 Trata-se da plataforma de acordo da recuperação judicial do Grupo Oi, criada para
mediação dos credores cujos créditos ainda fossem ilíquidos, bem assim para receber
incidentes de habilitação e impugnações. Disponível em:
[https://www.credor.oi.com.br]. Acesso em: 01.10.2018.
9 A expressão inglesa tem tradução muito difícil, porque o termo facility pode, a
depender do contexto, significar equipamentos, recursos, instalações, serviços etc.,
Optamos, assim, pela designação “entidades de infraestrutura específica”, com o fim de
abarcar tanto a estrutura, como a função de referidos organismos.
10 Sobre o tema, MCGOVERN, Francis E. The what and why of claims resolution
facilities. Stanford Law Review, v. 57, 2005. p. 1361; HENSLER, Deborah R. Assessing
claims resolution facilities: what we need to know. Law and Contemporary Problems, v.
53, 1990. p. 175 e ss. Para uma ampla visão sobre as facilities e seus desafios cf. Mass
Claims Resolution Facilities. New York: CPR, 2011 (International Institute for conflict
Prevention & Resolution – CPR Master Guides on Conflict Prevent and Resolution).
11 GREEN, Eric D. Mapping mass claims facilities. Dispute resolution magazine, v. 18,
2011. p. 12; MCGOVERN, Francis E. The what and why of claims resolution facilities.
Stanford Law Review, v. 57, 2005. p.1365; FEINBERG, Kenneth R. Who Gets What. Fair
Compensation after Tragedy and Financial Upheaval. New York: PublicAffairs, 2012.
12 PETERSON, Mark A. Giving away money: comparative comments on claims resolution
facilities. Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p.113.
13 Nos processos coletivos, como em qualquer mecanismo de gestão de litígios de
massa, identificam-se diversos problemas para seu adequado tratamento no Judiciário,
dentre eles: “para os litigantes habituais, altos custos diretos e indiretos, incerteza sobre
a extensão da responsabilidade (e dos valores a serem indenizados); para o indivíduo ou
grupo vitimados, há também risco e custos porque esses processos tendem a exigir
perícias caríssimas; para o sistema Judiciário, há também um peso enorme com gastos
praticamente incalculáveis para a gestão de milhares (às vezes milhões) de processos.
No sistema brasileiro, o custo para o Judiciário é ainda maior pois as ações coletivas são
financiadas pelo Estado, não sendo exigidas custas ou honorários salvo em caso de
má-fé. Além disso, lembremos que nem todos os custos judiciários são cobertos pela
taxa paga pelo litigante. Sobre estes e outros problemas encontrados nos processos
coletivos, e que foram o mote para o desenvolvimento das claims resolution facilities”
(FEINBERG, Kenneth R. The Dalkon Shields Claimants Trust. Law and Contemporary
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de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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Problems, v. 53, 1990. p. 80-84). Para a uma crítica sobre o modelo de gratuidade e a
desproporcional contrapartida dos litigantes no processo civil brasileiro ver ZANETI
JUNIOR, Hermes; GIDI, Antonio. Brazilian Civil Procedure in the Age of Austerity?
Erasmus Law Review, v. 4, 2015. p. 245-257. Acerca dos custos do processo, confira-se
ainda CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais sobre o custo da litigância (I).
Revista de Processo, ano 43, vl. 276, fev. 2018. p. 61 e ss.
14 MCGOVERN, Francis E. The what and why of claims resolution facilities. Stanford Law
Review, v. 57, 2005. p.1362.
15 HENSLER, Deborah R. Assessing claims resolution facilities: what we need to know.
Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 176.
16 Veja-se que as facilities funcionam recebendo diretamente as demandas e
promovendoa satisfação do direito material de modo alternativo ao acesso ao Poder
Judiciário. Por isso, não há que se confundi-las com outras experiências práticas da
relação entre Poder Público, entes privados e Poder Judiciário para implantar políticas
públicas ou corrigir danos ambientais. De fato, algumas iniciativas se aproximam dos
conceitos e instrumentos de que iremos tratar neste artigo, mas com eles não se
confundem. Basta lembrar os exemplos dos diversos convênios firmados entre Poder
Judiciário federal e estadual e a Administração Pública para criação de comitês para
fornecimento de medicamentos, alguns com especialistas que assessoram os juízes com
pareceres sobre a eficácia do remédio ou tratamento e sobre a existência de outras
terapias equivalentes e menos custosas; ou o exemplo da inversão de prioridades na
aplicação de recursos previstos no orçamento, com a confecção dos respectivos
relatórios, exigida em São Paulo para atender ao caso das creches e pré-escolas; o
Centro Especializado de Soluções de Conflitos da Saúde Suplementar do TJRJ,
implementado e gerido pelas operadoras de plano de saúde, mas que conta com peritos
e mediadores cadastrados pelo Judiciário (fiscalizado ainda por um comitê gestor
formado por representantes do Judiciário, das empresas e da agência reguladora); ou
ainda o caso da ação civil pública do carvão, em Santa Catarina. Nesses casos, foram
adotadas intuitivamente algumas das mesmas premissas, como as decisões
microinstitucionais, a criação de comissões para gestão colaborativa e a intervenção de
administradores judiciais que atuam por delegação para a fiscalização; porém, não se
trata de alternativas sofisticadas ao Judiciário, até porque não chegam a receber
diretamente as demandas nem excluem o Estado-juiz. Sobre alguns desses casos aqui
referidos conferir, na doutrina, ARENHART, Sérgio Cruz. Processos estruturais no direito
brasileiro: reflexões a partir do Caso da ACP do Carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da. O processo para solução de conflitos
de interesse público. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 475-493; GRINOVER, Ada Pellegrini.
Caminhos e descaminhos do controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da. O
processo para solução de conflitos de interesse público. Salvador: JusPodivm, 2017. p.
423-448, esp. p. 438-440; COSTA, Susana Henriques da. Acesso à Justiça: promessa ou
realidade? Uma análise do litígio sobre creche e pré-escola no Município de São Paulo.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da. O
processo para solução de conflitos de interesse público. Salvador: JusPodivm, 2017. p.
449-473. Veja-se que, em todos esses trabalhos, o foco principal é a inadequação do
Poder Judiciário para atender as necessidades destes litígios e a demonstração de como
a praxe tem evoluído por meio do método da tentativa e erro. Não se focava na
possibilidade de delegação e descentralização da atividade do Poder Judiciário, tampouco
na estrutura, o procedimento, os limites e as garantias que devem acompanhar tal
delegação ou descentralização. Deve-se ressaltar também que aquelas experiências não
utilizavam as grandes mudanças técnicas que temos à disposição como a edição do
CPC/2015, tais como o autorregramento da vontade em matéria processual, o estímulo à
autocomposição, a cooperação entre órgãos jurisdicionais, as técnicas de julgamento de
casos repetitivos e a centralização de processos, bem como muitos outros mecanismos
de case management. Nossa proposta, neste artigo, é propiciar uma reflexão mais sólida
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
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sobre a própria estrutura e função das entidades de infraestrutura específica, estudar
seu fundamento normativo na legislação atual, e fornecer elementos para sua adaptação
ao direito nacional.
17 HENSLER, Deborah R. Alternative courts? Litigation-induced claims resolution
facilities. Stanford Law Review, v. 57, 2005. p. 1431; FEINBERG, Kenneth R. Who Gets
What. Fair Compensation after Tragedy and Financial Upheaval. New York: PublicAffairs,
2012.
18 HENSLER, Deborah R. Assessing claims resolution facilities: what we need to know.
Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 177.
19 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Las acciones colectivas y el enjuiciamento
de casos repetitivos: dos tipos de proceso colectivo en el Derecho brasileño.
International Journal of Procedural Law, v. 7, 2017/02. p. 266/275.
20 Sobre a utilização da centralização de processos como meio de otimização do tempo
e dos custos da perícia em processos com questões repetitivas, confira-se: CABRAL,
Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização, delegação e
coordenação de competências no processo civil. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro: Tese apresentada para o concurso público para o cargo de professor titular,
2017. p. 507 e ss.
21 A necessidade de se buscarem os elementos convergentes foi apontada por
ISSACHAROFF, Samuel; RAVE, D. Theodore. The BP Oil Spill Settlement and the Paradox
of Public Litigation. Louisiana Law Review, v. 74, 2014. p. 397-401. Possibilitando como
efeito positivo uma maior aceitação das sugestões obtidas a partir da auditoria
independente do que daquelas que resultariam do litígio. Para o histórico do processo e
os documentos mais relevantes do Caso Rio Doce, inclusive os termos de ajuste de
conduta já firmados, conferir
[http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/atuacao-do-mpf/linha-do-tempo].
22 HENSLER, Deborah R. Assessing claims resolution facilities: what we need to know.
Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 175.
23 FEINBERG, Kenneth R. The Dalkon Shields Claimants Trust. Law and Contemporary
Problems, v. 53, 1990. p. 79.
24 AYRES, Ian. Optimal pooling in claims resolution facilities. Law and Contemporary
Problems, v. 53, 1990. p. 159.
25 Idem, ibidem.
26 Para um panorama dos valores a serem estimados, incluídos os custos de operação
da facility e os custos das indenizações a serem pagas, Mass Claims Resolution Facilities.
New York: CPR, 2011 (International Institute for conflict Prevention & Resolution ‒ CPR
Master Guides on Conflict Prevent and Resolution). p. 27 e ss.
27 HENSLER, Deborah R. Assessing claims resolution facilities: what we need to know.
Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 179.
28 MCGOVERN, Francis E. The what and why of claims resolution facilities. Stanford Law
Review, v. 57, 2005. p. 1367-1368.
29 SMITH, Marianna S. Resolving asbestos claims: the Mannville Personal Injury
Settlement Trust. Law and Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 28; MCGOVERN,
Francis E. The what and why of claims resolution facilities. Stanford Law Review, v. 57,
2005. p. 1374-1376; HENSLER, Deborah R. Alternative courts? Litigation-induced claims
Entidades de infraestrutura específica para a resolução
de conflitos coletivos: as claims resolution facilities e sua
aplicabilidade no Brasil
Página 20
resolution facilities. Stanford Law Review, v. 57, 2005. p. 1429.
30 CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização,
delegação e coordenação de competências no processo civil. Universidade do Estado do
Rio de Janeiro: Tese apresentada para o concurso público para o cargo de professor
titular, 2017. p. 239 e ss.
31 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2018. p. 74 e ss.
32 Com razão, FITZPATRICK, Lawrence. The Center for Claims Resolution. Law and
Contemporary Problems, v. 53, 1990. p. 18. Sobre a alteração das convenções
processuais em razão de circunstâncias supervenientes, confira-se CABRAL, Antonio do
Passo. Convenções processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 391 e ss.
33 Hensler chama atenção para este ponto. Cf. HENSLER, Deborah R. Alternative courts?
Litigation-induced claims resolution facilities.

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