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Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITE SÉPTICA 1 1. Introdução As infecções osteoarticulares, com relativa frequência, são difíceis de diagnosticar, necessitam de tratamentos prolongados, que podem ser ineficazes, levando à incapacidade definitiva do membro. As osteomielites agudas, que na maioria das vezes se apresentam em crianças, são uma doença menos complexa, de tratamento mais fácil e, se conduzido adequadamente, não leva a sequelas. Já as osteomielites crônicas, geralmente de diagnóstico e tratamento tardios, têm uma série de variáveis que dificultam o sucesso terapêutico. Existem diferentes classificações atribuídas às osteomielites, baseadas em diversos aspectos da patologia. A mais aceite atualmente, instituída com base na duração dos sintomas (aguda, com duração inferior a duas semanas, subaguda, duração entre 2 semanas e 3 meses e crónica, quando a sintomatologia se estende por mais de 3 meses), define duas entidades clínicas mais frequentes, a Osteomielite Aguda Hematogênica e a Osteomielite Crónica, e ainda outras situações que ocorrem pontualmente. De acordo com o seu mecanismo de instalação, a osteomielite pode propagar-se de forma hematogênica (raramente causa osteomielite crónica em adultos) ou exógena, podendo esta última forma estar associada a uma fratura exposta, cirurgia prévia (com ou sem implantação de material prostético) ou a uma fonte infeciosa contigua. A osteomielite pode estar associada a insuficiência vascular periférica ou diabetes mellitus. A resposta do hospedeiro à doença divide, ainda, as osteomielites em piogênicas e não piogênicas. A artrite séptica (AS) é uma infecção do líquido sinovial por bactérias piogénicas. É uma patologia rara em países desenvolvidos e na idade pediátrica, com uma incidência anual variável, entre 4-37 casos:100000 habitantes. Em países africanos, a doença é significativamente mais frequente, com 5000-20000 casos:100000 habitantes. Em Portugal, a incidência das infecções osteoarticulares tem permanecido estável desde 2000 (5.6/1000 internamentos). O prognóstico pode ser avaliado pela mortalidade e morbilidade, a curto e a longo prazo, que surge em 10 a 25% dos casos. Entre as complicações mais frequentes estão a anquilose, necrose avascular, luxação da anca e alterações no crescimento do membro por envolvimento da cartilagem de crescimento ou infeções recorrentes. A abordagem diagnóstica e terapêutica desta entidade não é consensual, pela diversidade de opiniões e falta de uniformização de procedimentos, apesar da existência de orientações publicadas a nível internacional. Outro fator amplamente apontado é a multiplicidade de especialidades envolvidas. Ortopedistas, pediatras e reumatologistas parecem ter abordagens diferentes para a mesma condição clínica, o que reforça a importância da criação de protocolos de atuação e posterior avaliação do seu cumprimento através de auditorias clínicas. 2. Definição Infecção do osso Geralmente de origem bacteriana Os micro-organismos podem atingir o osso das seguintes maneiras ❖ Invasão hematogênica → Bacteremia; mais comum; ocorrem comumente na metáfise ❖ Inoculação direta (ex. trauma) ❖ Infecção contígua (ex. celulite) Geralmente ocorre em apenas um sítio RN criticamente doentes ou causado por MRSA → Vários sítios Ossos longos são mais atingidos (80%) → Metáfise; fêmur; tíbia; úmero Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITE SÉPTICA 2 Coluna (discite) com 1-2%; lombar 3. Epidemiologia/ fatores de risco Maior incidência nas duas primeiras décadas de vida → Metade ocorre com menos de cinco anos 2:1 meninos Fatores de risco ❖ Neonatos criticamente doentes ❖ Hemoglobinopatias (ex. doença falciforme) ❖ imunodeficiência 4. Fisiopatologia Tratamento prolongado, pois a nutrição sanguínea e baixa em contrapartida, sepse é raro acontecer por conta desta característica vascular Osteomielite tende a ocluir vasos sanguíneos locais, causando necrose óssea e espalhamento local da infecção. A infecção pode se expandir ao longo do córtex ósseo e se espalhar sob o periósteo, com formação de abscessos subcutâneos que podem drenar espontaneamente através da pele. A osteomielite vertebral pode evoluir para abscesso paravertebral ou peridural. Se o tratamento de osteomielite aguda tiver êxito parcial, desenvolve-se osteomielite crônica com baixo grau. 5. Patógenos mais comuns S. aureus é o mais comum Streptococcus do grupo A MRSA Streptococcus do grupo B/ E. coli → Normalmente por contaminação no periparto; comum em neonatos S. pneumoniae H. influenzae → Queda devido a vacinação Salmonella → Destaque para os pacientes portadores de anemia falciforme (o baço filtra germes encapsulados; sem ele, facilita a sua infecção) Pseudomonas → Imunodeprimidos; grandes queimados; usuários de drogas endovenosas; pacientes hospitalizados 6. Clínica Inicialmente são inespecíficos e leve Mal estar Febre baixa Eritema e edema local Dor localizada Diminuição da mobilidade RN ❖ Intensa irritabilidade ❖ Ausência de um estado toxêmico evidente ❖ Dor a manipulação Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITE SÉPTICA 3 ❖ Pseudoparalisia ❖ Drenagem de material purulento através da pele ❖ Mais susceptível a artrite séptica Lactentes > 1 ano até pré-escolar ❖ Dor ❖ Impotência funcional ❖ Edema ❖ Abscesso subperiosteal Escolar e adolescente ❖ Sinais e sintomas focais ❖ Menos restrição funcional ❖ Ponto doloroso bem circunscrito ❖ Lesão raramente ultrapassa o córtex 7. Diagnóstico História clínica e sintomas Exames laboratoriais ❖ Hemograma com aumento dos leucócitos e desvio para a esquerda ❖ VHS (sensibilidade de 92%) e PCR (sensibilidade de 98%) Exames de imagem ❖ Raio X ➢ Realizado em todos os pacientes ➢ Método tardio ➢ Excluir outros diagnósticos ➢ Alterações → >7 dias dos sintomas com elevação periosteal e espessamento cortical; 10-21 dias com destruição óssea ❖ Cintilografia (tecnécio-99) ➢ Mais sensível e mais rápido ➢ Diagnóstico precoce nas primeiras 24 horas ➢ Captação do radioisótopo → Local da osteomielite aguda ➢ Altamente sensível (84-100%) ➢ Especificidade (70-96%) ❖ RNM ➢ Alta sensibilidade (97%) ➢ Especificidade (92%) ➢ Padrão ouro ➢ Delinear a localização e extensão do comprometimento ósseo ➢ Envolvimento da placa de crescimento ❖ TC ➢ Preferível quando já tem destruição óssea ➢ Busca ativa por coleção extra óssea ❖ USG Cultura → Isolamento do micro-organismo; diagnóstico definitivo; a partir da punção óssea (70-80%) para isolamento do patógeno e seleção do medicamento mais sensível ou hemocultura (40-50%) 8. Diagnóstico diferencial Contusão Artrite séptica Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITE SÉPTICA 4 Celulite Tendinite Câncer (ex. osteosarcoma) Infarto ósseo 9. Tratamento Cuidados gerais ❖ Hidratação ❖ Analgésico Antibioticoterapia (EV por 7-10 dias e VO por 4 semanas) ❖ Influenciada pelo agente causador de 90% dos casos (S. aureus) ➢ Oxacilina 200mg/Kg/dia IV ➢ Clindamicina 30-50mg/Kg/dia ➢ Cefalosporina de primeira geração ➢ MRSA → Vancomicina 30-50mg/Kg/dia Acompanhamento ortopédico ❖ VHS ❖ PCR ❖ Leuco ❖ Raio X O paciente tem que ter curva de melhora em 24 horas com tratamento medicamentoso, caso contrário, reavaliar se há poli microbiota envolvida/ resistência 10. Tratamento cirúrgico Falha do tratamento conservador Abscesso subperiosteal → Drenar Sequestros ósseos → Remover Focos infecciosos contíguos → Debridar + antibiótico Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITESÉPTICA 5 11. Osteomielite crônica Rara Consequência a uma osteomielite não diagnosticada ou tratada inadequadamente Sinais e sintomas de inflamação óssea por mais de duas semanas Raio X evidenciando osso desvitalizado Tratamento ❖ Remoção dos ossos desvitalizados ❖ Antibiótico por 6 semanas ou mais 12. Artrite séptica Processo infeccioso articular agudo causado por germes piogênicos 2:1 meninos Ocorre mais comumente na infância, especialmente em menores de três anos Local de acometimento ❖ Joelho ❖ Quadril Idosos e imunodeficientes também fazem parte do grupo de risco Via hematogênica ❖ Bacteremia (ex. IVAS, pele, TGI) ❖ Membrana sinovial altamente vascularizada e ausência de membrana basal Inoculação direta ❖ Articulação invadida por um objeto contaminado (ex. punção) ❖ Considerar infecções polimicrobianas Contiguidade → Osteomielite dos RN e lactentes jovens Clínica ❖ Local de infecção ➢ MMII ➢ Quadril, joelho e tornozelo (80%) ➢ Unilateral, exceto na infecção por Gonorreia que é poliarticular ❖ Idade ➢ RN e lactentes Septicemia → Irritabilidade, má alimentação Febre sem foco Pseudoparalisia Desconforto quando manuseado Posicionamento antálgico (ex. posição de moneu) ➢ Crianças mais velhas e adolescentes Febre Sintomas constitucionais Dor a movimentação Recusa a andar ❖ História ➢ Caracterização da dor (constante) ➢ Uso recente de antibiótico (clínica mascarada) ➢ Doença concomitante recente ❖ Exame físico ➢ Mantém a articulação em uma posição que maximiza o conforto Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 8: OSTEOMIELITE E ARTRITE SÉPTICA 6 ➢ Examina todas as articulações, se mais de uma envolvida, provavelmente será outra artropatia ➢ Sinais flogísticos na articulação envolvida ➢ Diminuição da amplitude de movimento Exames complementares ❖ Laboratoriais ➢ Hemograma completo ➢ VHS ➢ PCR ➢ Hemocultura ❖ Imagem ➢ Radiografia → Alargamento do espaço articular; ao analisar as radiográficas é útil compara a extremidade envolvida com o lado oposto ➢ USG → Derrames articulares ➢ Cintilografia → Diagnóstico precoce; suspeita de osteomielite ➢ RNM → Mais sensível para derrame articular; avalia possível osteomielite ou abscesso se não há resposta em 48 horas de antibioticoterapia ❖ Punção articular ➢ Sempre ➢ Diagnóstico definitivo ➢ Cultura ➢ Bioquímica → Contagem de leucócitos do líquido sinovial de >50.000 células/microL, com predominância de polimorfonucleares (PMN); glicose <40mg/dL; elevação da concentração de proteínas ❖ Aspirado do líquido sinovial e hemocultura → Iniciar antibiótico Antibioticoterapia ❖ Sempre fazer cobertura para S. aureus, dependendo da idade outros antibióticos deve associados ➢ Oxacilina 200mg/Kg/dia IV ➢ Clindamicina 30-50mg/Kg/dia ➢ Cefalosporina de primeira geração ➢ MRSA → Vancomicina 30-50mg/Kg/dia Tratamento ortopédico → Drenagem cirúrgica da articulação e lavagem até o líquido se tornar “bebível” (mínimo de 10 litros de soro) Prognóstico ❖ Resposta terapêutica favorável → Resolução da febre e dos sintomas (dor, mobilidade); diminuição do VHS ❖ Complicações ➢ Luxação ➢ Anormalidade do crescimento ➢ Necrose avascular ➢ Fraturas patológicas Referências bibliográficas Aula de Dr. Davi (19/04/2021) Tavares, A. P. G. (2015). Osteomielites (Doctoral dissertation). Lima, A. L. L., & Zumiotti, A. V. (1999). Aspectos atuais do diagnóstico e tratamento das osteomielites. Acta ortop. bras, 135-42. Dutton, M. (2009). Fisioterapia ortopédica: exame, avaliação e intervenção. Artmed Editora. Queirós, G., Marques, F., Gouveia, C., Neves, M. C., & Brito, M. J. (2012). Artrite séptica: aplicação de um protocolo de actuação. Portuguese Journal of Pediatrics, 43(6), 233-238.
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