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DOCÊNCIA EM SAÚDE OBESIDADE INFANTIL 1 Copyright © Portal Educação 2013 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842o Obesidade infantil / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2013. 193p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-689-1 1. Obesidade infantil. 2. Crianças – nutrição. I. Portal Educação. II. Título. CDD 618.92398 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 4 2 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE INFANTIL ................................................. 7 2.1 CURVAS DO NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS (NCHS) ................................. 9 2.2 CURVAS DA OMS...................................................................................................................... 9 2.3 OBESIDADE INFANTIL: COMO CLASSIFICAR ....................................................................... 10 2.4 CASOS CLÍNICOS – EXEMPLOS DE CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL PELO IMC ................................................................................................................................. 12 3 EPIDEMIOLOGIA ...................................................................................................................... 18 4 DIAGNÓSTICO CLÍNICO .......................................................................................................... 24 4.1 FATORES RELACIONADOS À OBESIDADE ........................................................................... 24 4.2 EXAME FÍSICO ......................................................................................................................... 28 4.3 EXAMES LABORATORIAIS ...................................................................................................... 30 4.4 SÍNDROMES ASSOCIADAS À OBESIDADE............................................................................ 31 5 AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA .......................................................................................... 34 5.1 IMC ............................................................................................................................................ 35 5.2 DOBRAS CUTÂNEAS ............................................................................................................... 37 5.3 BIOIMPEDÂNCIA ELÉTRICA .................................................................................................... 44 5.4 CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA ............................................................................................ 50 6 ETIOLOGIA DA OBESIDADE .................................................................................................. 53 6.1 FATORES GENÉTICOS ............................................................................................................ 53 6.2 FATORES AMBIENTAIS ........................................................................................................... 57 7 CONTROLE NEURONAL DA FOME E SACIEDADE .............................................................. 60 8 MORBIDADES ASSOCIADAS À OBESIDADE EM CRIANÇAS ............................................. 66 8.1 SÍNDROME METABÓLICA ....................................................................................................... 66 8.2 DIABETES MELLITUS TIPO 2 .................................................................................................. 70 8.3 HIPERTENSÃO ......................................................................................................................... 78 8.4 DISLIPIDEMIA ........................................................................................................................... 82 3 8.5 ESTEATOSE HEPÁTICA NÃO ALCOÓLICA ............................................................................ 88 8.6 OUTRAS ALTERAÇÕES ........................................................................................................... 91 9 AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR EM CRIANÇAS ................................................... 97 10 TRATAMENTO DIETÉTICO DA OBESIDADE INFANTIL ....................................................... 108 11 EDUCAÇÃO NUTRICIONAL ................................................................................................... 120 12 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA OBESIDADE ..................................................................... 128 13 COMPULSÃO ALIMENTAR EM CRIANÇAS .......................................................................... 134 14 ATIVIDADE FÍSICA E MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA ..................................................... 138 15 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA OBESIDADE INFANTIL .......................................... 142 16 CIRURGIA BARIÁTRICA EM CRIANÇAS .............................................................................. 150 17 PREVENÇÃO DA OBESIDADE INFANTIL ............................................................................. 159 18 ESTUDOS DE CASO ............................................................................................................... 163 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 179 4 1 INTRODUÇÃO O aumento da prevalência da obesidade em diversos países é tão expressivo que pode ser considerada como uma pandemia. Esse aumento da obesidade deve ser compreendido como uma resposta a um ambiente altamente obesogênico, predominante na sociedade atual, que favorece tanto o consumo de dietas de alta densidade energética, ricas em gordura saturada e trans e em açúcar como também a inatividade física (sedentarismo). A combinação de aumento do consumo energético e de redução no padrão de atividade física ocasiona um balanço energético positivo, levando à obesidade. Estima-se que o número de obesos no mundo ultrapasse 300 milhões, incluindo mais de 22 milhões de crianças com menos de cinco anos. A projeção é de que, em 2015, metade da população terá obesidade ou excesso de peso, o que representará mais de 1,5 bilhões de indivíduos. A obesidade é um importante problema de saúde pública e constitui um dos principais fatores de risco para doença cardiovascular, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão e câncer. Uma série de estudos tem alertado para o aumento da obesidade em crianças, apontando para a possibilidade de crianças obesas tornarem-se adultos obesos. Quando um dos pais é obeso, a chance de a criança se tornar um adulto obeso é de 40%. Já quando ambos os pais são obesos, essa probabilidade aumenta vertiginosamente, passando para 80%. Sendo assim, a avaliação precoce do estado nutricional assume grande importância na identificação do problema, permitindo a prevenção e o controle de doenças relacionadas ao excesso de peso. O conceito de transição nutricional envolve grandes mudanças no perfil nutricional de populações humanas, diretamente relacionadas a modificações nos padrões de ingestãodietética e de gasto energético, sendo basicamente determinado pela influência de mudanças econômicas, demográficas, ambientais e culturais ocorrendo na sociedade. As relações entre as mudanças demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas que levam à transição nutricional são complexas. De maneira geral, as coortes mais jovens estão 5 mudando mais rapidamente; assim, o predomínio do padrão de dieta chamado “ocidental” (dieta rica em gorduras, particularmente de origem animal, açúcar, sódio e alimentos refinados e pobre em carboidratos complexos e fibras) e o aumento da obesidade tendem a crescer. Essas mudanças, acompanhadas de um estilo de vida sedentário, parecem ocorrer primeiro em áreas urbanas, estendendo-se depois aos segmentos de renda mais elevada das áreas rurais. Na América Latina, observa-se uma rápida transição demográfica e epidemiológica. Na maioria dos países mais favorecidos da América Central e da América do Sul, verifica-se a mudança clássica para um padrão de morbimortalidade em que predominam as doenças cardiovasculares, o câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Ao mesmo tempo, padrões de fertilidade apontam para um menor número de filhos e para o envelhecimento progressivo da população. Grandes alterações econômicas e demográficas ocorreram no Brasil nas últimas décadas. Nesse período, houve um grande aumento na renda nacional e um incremento expressivo na proporção de pessoas residindo em áreas urbanas. Nesse cenário, observa-se a evolução do estado nutricional de crianças e adolescentes, caracterizando-se pelo declínio do déficit nutricional e pelo aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade. Inquéritos populacionais realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no intervalo de aproximadamente 20 anos (1974-1996), a prevalência de desnutrição entre crianças com menos de cinco anos de idade praticamente desapareceu, passando de 5,1 para 0,2%. No período entre 1974/1975 e 2003, a proporção de adultos desnutridos também foi reduzida substancialmente, enquanto a de adultos obesos praticamente dobrou (5,7% para 11,1%). As principais mudanças no hábito alimentar do brasileiro no decorrer dos anos, verificadas a partir da evolução da disponibilidade domiciliar de alimentos, incluem a diminuição da participação de cereais e leguminosas (arroz e feijão) e aumento de carnes, leite, açúcar e óleos. Entre 1975 e 2003, o aumento da participação de refrigerantes, embutidos, biscoitos e alimentos prontos foi muito expressivo, da ordem de 400%. Por outro lado, o consumo de frutas e hortaliças não se alterou em 30 anos, mantendo- se abaixo do recomendado, apesar do crescimento econômico do país. Isso ocorre em razão da 6 falta de um setor econômico forte por trás da venda de frutas e hortaliças, diferente da indústria de alimentos, cujos investimentos em marketing são enormes. Esse dado evidencia a necessidade de políticas públicas para intervir na economia de mercado, pois, se não houver regulamentação da propaganda de alimentos industrializados, seus efeitos indesejáveis continuarão predominando. Um ponto importante em relação à prevalência de gordura corporal excessiva na infância refere-se à precocidade com que podem surgir efeitos danosos à saúde, tais como hipertensão arterial sistêmica, resistência à insulina e esteatose hepática, além das relações existentes entre a obesidade infantil e sua persistência até a vida adulta, já mencionadas anteriormente. Outros fatores são determinantes para o estabelecimento da obesidade exógena na infância, como a interrupção precoce do aleitamento materno com introdução inapropriada da alimentação complementar, o emprego de fórmulas lácteas diluídas de modo incorreto, os distúrbios de comportamento alimentar e a inadequada relação ou dinâmica familiar. O diagnóstico da obesidade baseia-se na história, no exame físico e em dados antropométricos. Os exames subsidiários podem ser utilizados para obtenção de dados mais precisos sobre a composição corporal, para a investigação de possíveis causas secundárias e para o diagnóstico de repercussões metabólicas da obesidade. O tratamento da obesidade envolve abordagem dietética, modificação do estilo de vida, ajustes na dinâmica familiar, incentivo à prática de atividade física e apoio psicossocial. Para crianças, o envolvimento de toda a família é fundamental para garantir o sucesso do tratamento e permitir a adesão dos pacientes à terapia. Em situações de obesidade grave ou na presença de comorbidades, deve-se recorrer, sempre que possível, ao atendimento por equipe multidisciplinar, composta por médico, nutricionista, psicólogo, assistente social, educador físico, dentre outros. Em virtude do caráter multifatorial da obesidade, com várias morbidades associadas, a abordagem interdisciplinar é extremamente benéfica. Durante o curso, serão aprofundados e discutidos vários aspectos relacionados à obesidade infantil, incluindo a definição e classificação, epidemiologia, fatores etiológicos, 7 diagnóstico clínico e antropométrico, morbidades associadas, tratamento dietético e farmacológico, cirurgia bariátrica e estratégias de prevenção. 2 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE INFANTIL Geralmente, a obesidade é definida como um acúmulo excessivo de gordura sob a forma de tecido adiposo a ponto de causar prejuízos à saúde. Esta é uma definição simples e que levanta questões relacionadas à mensuração da gordura corporal e ao uso de pontos de corte para definir a obesidade. Assim, para a classificação da obesidade é necessário estabelecer a quantidade de gordura corporal, denominada adiposidade. A adiposidade pode ser expressa tanto como a massa absoluta de gordura corporal (em quilogramas) como a porcentagem de gordura em relação ao peso corporal. Não somente a quantidade de gordura corporal deve ser levada em consideração, como também a sua distribuição. Adultos com obesidade do tipo androide, também chamada de central ou visceral, apresentam maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e dislipidemia do que aqueles que depositam gordura corporal nas partes mais extremas do corpo, como nos braços, quadris e pernas (obesidade do tipo ginecoide). A classificação de adultos segundo a adiposidade é geralmente feita pelo uso do Índice de Massa Corporal (IMC), que é a razão entre o peso corporal (kg) e a altura (m) elevada ao quadrado. Os pontos de corte estabelecidos para o IMC em adultos baseiam-se no risco de mortalidade por doenças crônicas. O quadro a seguir apresenta os valores críticos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a classificação do estado nutricional de adultos, levando em consideração tanto o IMC como a medida da circunferência da cintura (CC), que representa o 8 acúmulo de gordura na região central do corpo e também está relacionada com o risco de doenças crônicas. QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL EM ADULTOS COM BASE NO IMC E NA CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA E RISCO DE DOENÇAS CRÔNICAS ASSOCIADO IMC (kg/m2) Circunferência da cintura (cm) Estado nutricional H ≤102 ou M≤88 H ≥102 ou M≥88 Baixo peso < 18,5 - - Normal 18,4 a 24,9 - - Pré-obesidade 25,0 a 29,9 Aumentado Alto Obesidade grau I 30,0 a 34,9 Alto Muito Alto Obesidade grau II 35,0 a 39,9 Muito Alto Muito Alto Obesidade grau III ≥ 40,0 Extremamente Alto Extremamente Alto FONTE: OMS, 2000 (adaptado). Em crianças, não existem valores críticos estabelecidos para a definição de obesidade com base na gordura corporal assim como há para adultos. Isso ocorre em virtude da falta de consenso na literatura quanto à validade do IMC como um indicador de gordura corporal em crianças, especialmente entre diferentes grupos étnicos. Dessa forma, para a classificação da obesidadeinfantil, os valores de medidas antropométricas, tais como o IMC, devem ser plotados em gráficos com distribuição em percentil, segundo sexo e idade. Como referenciais, podem ser utilizadas, por exemplo, as curvas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do National Center for Health Statistics (NCHS). 9 2.1 CURVAS DO NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS (NCHS) As curvas do NCHS (2000) foram construídas com base em amostras representativas da população americana e utilizando procedimentos estatísticos de ajuste avançados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) não aceita estas curvas como padrão porque apenas um terço das crianças que participaram da coleta de dados dos estudos que originaram as curvas receberam aleitamento materno exclusivo (AME). Esta população, não refletiria, portanto, de forma adequada o perfil de crescimento e desenvolvimento ideal de crianças, as quais devem, como recomenda a OMS, permanecer em AME até os seis meses de vida. As curvas do NCHS estão disponíveis em http://cdc.gov/GrowthCharts/ e são atualmente utilizadas por muitos profissionais da área da saúde, inclusive em serviços de referência no atendimento a crianças e adolescentes obesos. 2.2 CURVAS DA OMS As curvas da OMS (2007) foram construídas para representar o crescimento fisiológico de crianças em aleitamento materno exclusivo ou predominante, a partir de dados de crianças saudáveis e sob condições ambientais ótimas de seis países: Brasil, Gana, Índia, Noruega, Omã e Estados Unidos. O padrão pode ser utilizado para avaliar crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, de qualquer país, independente de etnia, condição socioeconômica e tipo de alimentação. As curvas estão disponíveis em http://who.int/childgrowth. Por terem sido lançadas recentemente, as curvas da OMS ainda não foram adotadas por muitos serviços de saúde e profissionais. Mas, em razão de sua qualidade metodológica e http://cdc.gov/GrowthCharts/ http://who.int/childgrowth 10 aplicabilidade, é interessante estimular a discussão sobre o uso das novas curvas, a fim de que sejam implantadas como referência em ambulatórios, hospitais e consultórios. 2.3 OBESIDADE INFANTIL: COMO CLASSIFICAR Em 2005, o Institute of Medicine (IOM) revisou a terminologia até então utilizada e definiu para a classificação de obesidade em crianças maiores de dois anos valores de IMC iguais ou superiores ao percentil 95 da curva de referência utilizada. Crianças com valores de IMC iguais ou superiores ao percentil 85, mas inferiores ao percentil 95 são classificadas como apresentando sobrepeso. QUADRO 2 – CLASSIFICAÇÃO DA ADIPOSIDADE EM CRIANÇAS SEGUNDO PERCENTIS DO IMC Percentil Denominação Entre os percentis 85 e 95 (≥85 P <95) Sobrepeso Maior ou igual ao percentil 95 (≥P95) Obesidade As curvas do NCHS apresentam o percentil 95 como nível superior, porém nas curvas da OMS é possível visualizar o percentil 97 como nível superior. Isso acontece porque a Organização Mundial da Saúde recomenda a classificação de obesidade em escore z. O escore 11 z representa o número de desvios-padrão abaixo ou acima da média ou mediana da população de referência. No caso, para a classificação de obesidade, a OMS recomenda o ponto de corte >2 desvios-padrão (escore z = +2), que corresponde aproximadamente ao percentil 97 (Tabela 2.1), por isso valores correspondentes ao P97 são apresentados na curva de referência. O escore z é atualmente mais utilizado em pesquisas científicas, uma vez que permite mais facilmente que se veja o resultado de uma intervenção em um grupo de pessoas; o mesmo não pode ser feito com o percentil por este não ser uma variável contínua. Na prática clínica, porém, a classificação em percentis continua sendo bastante utilizada, em razão de sua praticidade e por facilitar a visualização da evolução individual de crianças em tratamento para ganho ou perda de peso, sendo por isso de grande utilidade no acompanhamento nutricional de crianças obesas. De qualquer maneira, na rotina clínica, tanto faz classificar uma criança como acima do P95 ou do P97, o importante, em ambos os casos, é saber que essa criança precisa de tratamento e acompanhamento visando à redução da obesidade e prevenção de doenças crônicas relacionadas. Um ponto que deve ser ressaltado em relação às curvas de referência é que, para o acompanhamento de crianças obesas, independente da referência escolhida, a mesma curva deve ser utilizada desde o início do tratamento, a fim de que os dados da evolução possam ser comparados de forma adequada. TABELA 1 – CORRESPONDÊNCIA ENTRE PERCENTIL E ESCORE Z Escore z Corresponde ao Percentil - 3 0,13 12 - 2 2,3 + 2 97,7 Percentil Corresponde ao Escore Z 10 - 1,28 3 - 1,88 97 + 1,88 Importante! Retomando o conceito de percentil O percentil é uma medida da posição relativa de uma unidade observacional em relação a todas as outras. Para facilitar o entendimento, experimente visualizar 100 crianças enfileiradas de acordo com o valor de seu IMC, em ordem crescente. Uma criança que está no percentil 85 é aquela que está na posição 85 da fileira, deixando atrás de si 84 crianças com valor de IMC inferior ao seu e ficando entre os 15% de maior IMC. Na prática clínica, essa criança seria classificada como apresentando sobrepeso. Seguindo o mesmo raciocínio, se uma criança encontra-se no percentil 95 da distribuição ou acima dele, isso quer dizer que ela se encontra entre os 5% classificados como apresentando maior IMC. Se a criança está no percentil 97 ou acima dele, ela está entre os 3% que apresentam maior IMC. Na prática clínica, em ambos os casos, isso quer dizer que a criança é obesa. 2.4 CASOS CLÍNICOS – EXEMPLOS DE CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL PELO IMC 13 Caso 1. M.G.S., 5 anos, sexo feminino. Peso=23,0 kg Altura=110 cm IMC=19,0 kg/m2 Localizando-se o valor na curva de IMC segundo sexo e idade (OMS, 2007), tem-se que a criança está acima do percentil 97 (seta), portanto, é classificada como obesa. FIGURA 1 – PROJEÇÃO NA CURVA DA OMS (2007) DOS DADOS DA CRIANÇA DO CASO 1 – ESTA CRIANÇA APRESENTA OBESIDADE Caso 2. L.R.G., 8 anos, sexo masculino. Peso= 29,0 kg Altura= 127 cm IMC= 18,0 kg/m2 14 Localizando-se o valor na curva de IMC segundo sexo e idade (OMS, 2007), tem-se que a criança está acima do percentil 85 e abaixo do percentil 97 (seta) e é classificada como apresentando sobrepeso. FIGURA 2 – PROJEÇÃO NA CURVA DA OMS (2007) DOS DADOS DA CRIANÇA DO CASO 2 – ESTA CRIANÇA APRESENTA SOBREPESO Uma série de estudos têm relacionado o IMC ao risco de doenças crônicas, como hipertensão, dislipidemia, diabetes tipo 2 e lesões ateroscleróticas também em crianças, justificando a importância do diagnóstico precoce de crianças com excesso de peso e obesidade com a finalidade de implementar ações de intervenção adequadas e eficazes. Muitos autores criticam a classificação da obesidade infantil por meio de percentis, uma vez que esta escolha dificulta comparações internacionais e aumenta o número aparente de crianças com sobrepeso e obesas. Como alternativas ao uso da classificação do IMC em 15 percentis, pode-se citar o padrão de referência recomendado pela International Obesity Task Force (IOTF) e a construção de curvas nacionais de referência com base no método LMS. A International Obesity Task Force (IOTF) divulgou, em 2000, um padrão de referência do IMC para crianças de 2 a 18 anos de idade, com base em seis coletas de dados internacionais. A definição dos pontos de corte específicos por idade foi feita em função da definição usual de sobrepeso e obesidade utilizada para adultos, com valores de 25 kg/m2 e 30 kg/m2, respectivamente. Essa ideia implicou em modelar os valores correspondentesa esse desfecho ao invés de modelar determinado percentil, como era feito até então. O padrão do IOTF tem sido utilizado em muitos países, sobretudo fora dos Estados Unidos, para a classificação de sobrepeso e obesidade em crianças. As curvas do IOTF fornecem apenas categorias de sobrepeso e obesidade, e não classificações em percentis, como as curvas do NCHS ou da OMS. Dessa forma, as curvas do IOTF não são recomendadas para o monitoramento da evolução individual do IMC em crianças e, portanto, não devem ser utilizadas na prática clínica, sendo apenas utilizadas em estudos científicos. Resultados de pesquisas mostram que a sensibilidade e especificidade dos pontos de corte do IOTF na identificação das crianças mais obesas e na predição de morbidades na vida adulta são similares às das curvas do NCHS. A técnica eleita para modelagem da distribuição do IMC no padrão do IOTF foi o método LMS, proposto por T.J. Cole (1990). O método LMS apresenta as vantagens de converter a distribuição sob modelagem para uma distribuição normal (eliminando desvios- padrão assimétricos, como no caso da distribuição do IMC), e de propiciar uma interpretação simples e direta de seus parâmetros (M de mediana, S de coeficiente de variação e L de expoente da transformação utilizada para normalizar a distribuição). Em 2006, Conde e Monteiro apresentaram um sistema de referência baseado no IMC para avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes brasileiros, incluindo o delineamento de uma curva nacional de referência com base no método LMS e o estabelecimento de valores críticos para o diagnóstico de desnutrição, excesso de peso e obesidade. 16 A vantagem do uso de uma curva de referência nacional é a garantia de maior acurácia na medida da prevalência de sobrepeso e obesidade do que quando se emprega curvas de referência de origem distinta da população analisada. O padrão internacional permanece, contudo, sendo de extrema utilidade em estudos comparativos ou em estudos epidemiológicos de maior envergadura. Importante! Retomando os conceitos de sensibilidade e especificidade Quando se fala de métodos utilizados para diagnóstico, como por exemplo, diagnóstico nutricional (IMC, dobras cutâneas, bioimpedância elétrica) ou bioquímico (creatinina, glicemia, enzimas hepáticas, anticorpos anti-HCV, entre outros), os conceitos de sensibilidade e especificidade são muito utilizados. A sensibilidade de um método reflete o quanto este é eficaz em identificar corretamente, dentre todos os indivíduos avaliados, aqueles que realmente apresentam a característica de interesse. Assim, no caso do IMC, a sensibilidade mede o quanto o método é capaz de identificar aqueles que de fato apresentam obesidade. Já a especificidade de um método reflete o quanto ele é eficaz em identificar corretamente os indivíduos que não apresentam a condição de interesse (no exemplo dado, seriam os indivíduos que não são de fato obesos). Assim, métodos de diagnóstico de excesso de peso que apresentam baixa sensibilidade são aqueles mais propensos a fornecer resultados chamados de falso-negativos (quando se deixa de detectar crianças que são realmente obesas) e métodos que apresentam baixa especificidade são mais propensos a dar resultados falso-positivos (detectando como obesas as crianças que não apresentam obesidade). A escolha entre uma maior ou menor sensibilidade do método diagnóstico, e sua relação inversa com a especificidade, depende da aplicação a ser dada. Do ponto de vista de saúde pública, é especialmente importante que o método diagnóstico da obesidade infantil tenha 17 boa sensibilidade, a fim de identificar o maior número possível (de preferência 100%) das crianças que apresentam obesidade. Nessa situação, é menos grave classificar algumas crianças que não são obesas como apresentando obesidade (as quais não seriam prejudicadas por intervenções de educação nutricional, por exemplo) do que deixar de detectar crianças que são realmente obesas, pois estas, ficando sem tratamento, apresentam um maior risco de desenvolver doenças na infância e permanecer obesas na vida adulta, com grandes prejuízos à saúde. 18 3 EPIDEMIOLOGIA A Epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes dos estados ou acontecimentos relacionados à saúde em populações específicas e a aplicação destes estudos para o controle dos problemas de saúde. Outra definição semelhante é a que trata da epidemiologia como um conjunto de conceitos, teorias e métodos que permitam estudar, conhecer e transformar o processo saúde-doença na dimensão coletiva. Em relação à obesidade, um dado epidemiológico de grande importância para o desenvolvimento de ações de saúde pública voltadas ao seu controle é a prevalência na população. Define-se prevalência como o número ou proporção de casos existentes numa determinada população e num determinado momento temporal. Dados referentes a países desenvolvidos mostram que, nestes, a prevalência de sobrepeso e obesidade vem aumentando não só na população adulta como também em crianças e adolescentes. Estudos epidemiológicos recentes sugerem que 31,5% das crianças norte-americanas apresentam excesso de gordura corporal. Entre 1973 e 1994, o peso corporal já mostrava tendência de aumento da ordem de 0,2 kg/ano. O relatório de 2003 da IOTF para a Organização Mundial da Saúde estimava que aproximadamente 10% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos apresentavam excesso de gordura corporal, sendo que de 2% a 3% eram obesos. Isso corresponderia a mais de 155 milhões de crianças com excesso de peso e de 30 a 45 milhões de crianças obesas em todo o mundo. Os dados mais recentes sobre a prevalência de obesidade em crianças e adolescentes nos Estados Unidos são do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES). De acordo com esses dados, 15,8% das crianças entre 6 e 11 anos e 16,1% dos adolescentes entre 12 e 19 anos apresentam IMC maior ou igual ao percentil 95 para idade e sexo. Além disso, indicam que, em duas décadas, a prevalência da obesidade dobrou entre as crianças e triplicou entre os adolescentes daquele país. 19 No Brasil, dados antropométricos coletados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003 demonstram um aumento considerável na proporção dos adolescentes brasileiros com excesso de peso: em 1974-75, estavam acima do peso 3,9% dos garotos e 7,5% das garotas entre 10 e 19 anos; já em 2002-03, os percentuais encontrados foram 18 % e 15,4%, respectivamente. Apesar de a prevalência de excesso de peso ser maior em meninos, a obesidade, que atinge cerca de 2% dos adolescentes brasileiros, é mais frequente em meninas. Assim, a cada 5 meninas com excesso de peso, 1 é obesa; para os meninos, essa relação é de 10 para 1. Os quadros a seguir mostram a prevalência de sobrepeso e obesidade em estudos pontuais realizados no Brasil e em diferentes países. 20 QUADRO 3 – PREVALÊNCIA DE SOBREPESO E OBESIDADE EM ESTUDOS BRASILEIROS Autores (ano) Estudo Prevalência de sobrepeso Prevalência de obesidade Motta e Silva (2001) Crianças de baixa renda na região Nordeste 10,1% 4,6% Balaban e Silva (2001) Crianças e adolescentes de escola de classe média e alta no Recife (PE) 26,2% 8,5% Leão et al. (2003) Escolares da rede pública e particular de Salvador (BA) - 15,8% Anjos et al. (2003) Escolares e adolescentes da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro (RJ) 18% no sexo feminino e 14% no sexo masculino 5% em ambos os sexos Giuliano e Melo (2004) Escola de classe média de Brasília (DF) 16,1% no sexo feminino e 12,9% no sexo masculino 5,1% no sexo feminino e 5,9% no sexo masculino Sotelo et al. (2004) Escolares de São Paulo (SP) 13,8% no sexo feminino e 10,3%no sexo masculino 16,5% no sexo feminino e 13,7% no sexo masculino Passos (2005) Escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo (SP) 23% 8% Koga (2005) Escolares de duas escolas públicas da cidade de São Paulo (SP) 15,3% 11% 21 Costa et al. (2006) Escolares da cidade de Santos (SP) 15,7% 18% Brasil et al. (2007) Escolares da rede pública e privada de Natal (RN) 11% 22,6% Barreto et al. (2007) Pré-escolares da rede pública e privada de Natal (RN) 14,1% 12,4% FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2008 (adaptado). QUADRO 4 – PREVALÊNCIA DE SOBREPESO E OBESIDADE EM CRIANÇAS DE 10 A 16 ANOS PROVENIENTES DE DIFERENTES PAÍSES País Prevalência de sobrepeso Prevalência de obesidade Lituânia 4,7% 0,4% Letônia 5,4% 0,5% Rússia 5,3% 0,6% Ucrânia 5,5% 0,5% Estônia 6,5% 1,0% Holanda 7,0% 0,8% Polônia 7,4% 1,1% Suíça 7,6% 1,3% República Tcheca 9,1% 1,0% Bélgica 8,6% 1,6% Israel 9,3% 1,8% 22 Suécia 9,8% 1,4% Alemanha 9,7% 1,7% Dinamarca 10,1% 1,3% França 10,0% 1,6% Croácia 10,6% 1,8% Noruega 10,3% 2,2% Áustria 10,9% 1,9% Macedônia 10,5% 2,4% Hungria 10,6% 2,4% Irlanda 11,3% 2,4% Finlândia 11,8% 2,5% Eslovênia 12,9% 2,0% Escócia 13,1% 3,0% Grécia 14,8% 2,2% Itália 14,9% 2,5% Portugal 15,0% 3,0% Inglaterra 13,3% 5,1% Espanha 16,3% 2,5% Canadá 15,2% 4,1% País de Gales 16,7% 4,8% Estados Unidos 18,3% 6,8% 23 Malta 17,5% 7,9% FONTE: Janssen et al., 2005 (adaptado). 24 4 DIAGNÓSTICO CLÍNICO 4.1 FATORES RELACIONADOS À OBESIDADE Uma vez diagnosticada a obesidade, é preciso investigar a presença de síndromes específicas (que ocorrem em um número pequeno de crianças) e de morbidades associadas à obesidade. A avaliação clínica, realizada pelo médico, deve incluir uma anamnese detalhada abrangendo: Fatores pré-natais, como a ocorrência de diabetes mellitus gestacional Em mulheres que apresentam diabetes mellitus gestacional, o aumento da glicose plasmática resulta em aumento dos níveis de glicose no feto, o que provoca aumento da lipogênese e diminuição da lipólise, aumentando o risco da criança desenvolver obesidade. Alimentação da criança no primeiro ano de vida É importante questionar a mãe sobre a amamentação nos primeiros meses de vida da criança, verificando se o aleitamento materno foi exclusivo (apenas leite materno, sem oferecer água, sucos ou chás), predominante (leite materno mais água, sucos ou chás) ou artificial (fórmulas infantis) e qual a duração do aleitamento materno. A introdução precoce de fórmulas infantis e de alimentação complementar em crianças pode estar relacionada com a obesidade. Fórmulas muito concentradas podem acarretar em um ganho de peso maior do que o desejado no início da infância, assim como podem ser oferecidos 25 alimentos de alta densidade energética, ricos em açúcar e/ou gordura, ultrapassando a necessidade energética das crianças. Estudos mostram que a criança pequena em aleitamento materno exclusivo em livre demanda começa já muito cedo a desenvolver sua capacidade de autocontrole sobre a ingestão de alimentos, aprendendo a distinguir as sensações de fome, após o jejum, e de saciedade, após uma refeição. Esta capacidade permite à criança, nos primeiros anos de vida, regular o volume de alimentos que consome em cada refeição e os intervalos entre as refeições, segundo suas necessidades. Crianças em aleitamento artificial, por sua vez, não desenvolvem adequadamente a percepção de saciedade, o que pode ocasionar hiperfagia e ausência de controle sobre o volume de alimentos consumidos e o intervalo entre as refeições, contribuindo para a obesidade. Histórico de ganho ponderal Deve-se perguntar o peso ao nascer, há quanto tempo a criança começou a ganhar peso, e investigar o histórico de emagrecimento e recuperação de peso, incluindo as tentativas anteriores de tratamento. Uso de medicamentos como corticoides, anti-histamínicos, imunossupressores, dentre outros A administração destes medicamentos, que é comum em crianças com doenças reumáticas, pulmonares e renais, por exemplo, pode estar associada ao ganho de peso, portanto a informação quanto à sua utilização deve constar da avaliação clínica. Velocidade de crescimento, idade óssea, idade estatural 26 Como algumas síndromes genéticas relacionadas com a obesidade podem estar também associadas a retardo do crescimento linear, estes dados são de utilidade para o diagnóstico clínico da criança obesa. Puberdade É importante na investigação da obesidade infantil que se faça o estadiamento puberal, segundo a classificação de Tanner (1969), uma vez que a puberdade cursa com alterações na composição corporal, havendo acréscimo de massa muscular (acompanhando a aceleração da velocidade de crescimento estatural) e diminuição na velocidade de ganho de gordura. Crianças de 8 a 10 anos de idade de ambos os sexos podem encontrar-se na fase de repleção pré-puberal, que antecede o estirão puberal, e é responsável pelo aspecto mais “rechonchudo” que muitas crianças apresentam nessa fase. Informações referentes ao histórico e estrutura familiar Deve-se investigar a presença de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e câncer na família. Em relação à estrutura familiar, é importante questionar sobre a relação dos pais (casados, separados, ausentes), se a criança apresenta irmãos e qual a idade, se os pais estudam e/ou trabalham, se passam muito tempo longe da criança e como eles se sentem em relação ao excesso de peso de seu filho(a). Dieta e comportamento alimentar Deve ser realizado um histórico alimentar detalhado, incluindo a avaliação da alimentação habitual e/ou atual, preferências e aversões, horários das refeições, intervalos, 27 tempo gasto, ingestão concomitante de líquidos, mastigação, alimentação na escola e nos finais de semana e/ou festas, hábito de pular refeições e/ou de “beliscar” entre as refeições. Deve-se ficar atento para detectar indicadores de compulsão alimentar, como a incapacidade de controlar impulsos para comer, o costume de comer escondido e a realização de práticas purgativas como a indução de vômitos, laxação ou uso de diuréticos, cada vez mais frequentes entre crianças e adolescentes. Sedentarismo Em relação ao padrão de atividade física, deve-se investigar a prática esportiva na escola e fora dela, como a criança vai e volta da escola e o que faz nas horas de lazer. É importante também perguntar quantas horas a criança dorme por dia e quantas horas passa em frente à televisão, computador e/ou video game. Estudos demonstram que crianças que passam mais de três horas por dia em frente à televisão apresentam maior risco de desenvolver obesidade. A avaliação do consumo alimentar destas crianças que assistem mais televisão mostra que elas tendem a consumir mais doces e refrigerantes e menos frutas e hortaliças do que as crianças que assistem menos televisão. A Academia Americana de Pediatria recomenda que se limite o tempo que as crianças passam em frente à televisão, computador e video game a no máximo duas horas por dia. Além dos elementos já citados, são de igual importância os aspectos psicossociais, como estado depressivo, relacionamento com os colegas de escola, professores e pais, progresso escolar. Bem como a presença de comorbidades, como hipertensão, diabetes mellitus, esteatose hepática, apneia do sono, hiperlipidemia e hiperandrogenismo ovariano. O diagnóstico e tratamento das morbidades associadas à obesidade na faixa etária pediátrica serão discutidos mais adiante (Módulo II). 28 4.2 EXAME FÍSICO Além da pesquisa de dados gerais do exame físico, é importante a pesquisa de sinaisclínicos relacionados a doenças que ocorrem com mais frequência em indivíduos obesos. Dermatológicos: acanthosis nigricans, infecções fúngicas, estrias, celulite, acne, hirsutismo, furunculose A acanthosis nigricans é uma condição dermatológica caracterizada por espessamento, hiperpigmentação e acentuação das linhas da pele, gerando um aspecto grosseiro e aveludado no local afetado. Embora possa ocorrer em qualquer local da superfície corpórea, a área mais comumente atingida é a região posterior do pescoço, seguida pelas axilas, face lateral do pescoço, superfícies flexoras dos membros, região periumbilical, mucosa oral ou mesmo, em casos raros, planta dos pés e palma das mãos. As doenças endócrinas são as principais causas de acanthosis nigricans, sendo a obesidade o distúrbio mais comum, frequentemente associado à hiperinsulinemia, diabetes mellitus e resistência à insulina. Outros distúrbios endócrinos associados à acanthosis nigricans são: síndrome de Cushing, ovários policísticos, tireoidopatias, dentre outros, alguns dos quais também cursam com resistência à insulina. FIGURA 3 – ACANTHOSIS NIGRICANS EM REGIÃO POSTERIOR DE PESCOÇO 29 FONTE: Disponível em: dermatology.cdlib.org. Acesso em: 20/05/2009. O hirsutismo é definido, segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Sociedade Brasileira de Dermatologia, como a presença de pelos terminais na mulher, em áreas anatômicas características de distribuição masculina. Pode manifestar-se como queixa isolada ou como parte de um quadro clínico mais amplo, acompanhado de outros sinais de hiperandrogenismo, virilização, distúrbios menstruais e/ou infertilidade. Ortopédicos: joelho valgo (geno valgum), epifisiólise da cabeça do fêmur, osteocondrites, artrites degenerativas, pé plano. Cardiovasculares: pressão arterial elevada. Respiratórios: asma, síndrome da apneia obstrutiva do sono. Hepáticos: colelitíase, esteatose hepática (doença gordurosa não alcoólica). Gastrointestinais: refluxo gastroesofágico, obstipação intestinal. Geniturinários: síndrome dos ovários policísticos, pubarca precoce, incontinência urinária. 30 4.3 EXAMES LABORATORIAIS No que se refere à avaliação laboratorial, o grau de investigação depende do IMC, do histórico familiar, dos achados clínicos e da presença de fatores de risco para hipertensão, dislipidemia e doenças cardiovasculares, por exemplo. Os seguintes exames podem ser solicitados pelo médico para a investigação de: Doenças cardiovasculares: eletrocardiograma, ecocardiograma. Pressão arterial elevada: monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). Esteatose hepática: ultrassonografia hepática, aspartato aminotransferase (TGO) e alanina aminotransferase (TGP), biópsia hepática. Hipotireoidismo: TSH, T4 livre, anticorpos antitireoglobulina e antiperoxidase. Diabetes mellitus: teste de tolerância à glicose (GTT). Apneia do sono: polissonografia, medida da saturação de oxigênio (O2), avaliação da retenção de gás carbônico (CO2). Alterações ortopédicas: radiografias do quadril, joelhos e pés. Síndrome de Cushing: cortisol urinário (urina de 24h) ou medida do cortisol salivar à meia-noite. Osteodistrofia Hereditária de Albright (OHA): cálcio e fosfato séricos. Hirsutismo e oligomenorreia (irregularidade menstrual): 17-hidroxiprogesterona (17-OHP) plasmática (basal ou estimulada por corticotropina), dehidroepiandrosterona (DHEAS) plasmática (basal ou estimulada por corticotropina), androstenediona, testosterona, hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH). Puberdade precoce: LH e FSH, testosterona (meninos), estradiol (meninas), DHEAS. Síndromes específicas: avaliação da atividade do receptor MCR4, hibridização in situ fluorescente (para Síndrome de Prader-Willi), avaliação de síndrome do cromossomo X frágil (análise cromossômica de alta resolução). 31 4.4 SÍNDROMES ASSOCIADAS À OBESIDADE A grande maioria das crianças obesas apresenta obesidade exógena (95%), enquanto a obesidade secundária a alguma patologia é responsável por apenas 5% dos casos. A obesidade secundária ocorre associada a duas principais condições: doenças endócrinas e anormalidades genéticas/ cromossômicas. Dentre os problemas endócrinos, estão o hipotireoidismo, a síndrome de Cushing e a deficiência de hormônio de crescimento. Enquanto em adultos o hipotireoidismo típico está associado a aumento de gordura, nas crianças a consequência mais preocupante é o retardo do crescimento linear. Outros sintomas são intolerância ao frio, sonolência e obstipação. O diagnóstico é feito pela medida das concentrações plasmáticas de hormônios tireoidianos e de TSH (hormônio estimulante da tireoide) e o tratamento é feito pela reposição de hormônios tireoidianos. Crianças com síndrome de Down, assim como crianças com algum grau de atraso mental, apresentam maior chance de desenvolver obesidade, assim como estão mais propensas a apresentar hipotireoidismo, geralmente secundário a tireoidite autoimune. É importante que a criança com síndrome de Down que apresente exacerbação repentina da obesidade seja investigada para hipotireoidismo. A síndrome de Cushing em crianças pequenas está geralmente associada à baixa estatura. Alguns aspectos característicos da síndrome, como face em lua cheia, vermelhidão na face (sobretudo nas bochechas), hursutismo e corcova de búfalo (depósito de gordura na região da nuca), podem ser confundidos com a obesidade simples. O que define o diagnóstico da síndrome de Cushing é o aumento da concentração de cortisol. Pode-se dosar a concentração urinária ou salivar de cortisol, assim como a supressão de sua secreção após dose de dexametasona. Na deficiência do hormônio de crescimento (GH), o principal aspecto clínico é a baixa estatura, muito mais do que a obesidade. Crianças menores com deficiência de GH costumam 32 ser magras e apresentar apetite reduzido, porém crianças mais velhas tendem a desenvolver certo grau de obesidade em associação à baixa estatura, idade óssea atrasada e mãos e pés pequenos. Dentre as síndromes genéticas, a que está mais relacionada com a obesidade é a síndrome de Prader-Willi. Cerca de 70-75% dos pacientes com síndrome de Prader-Willi apresentam deleção do segmento q11-q13 do cromossomo nº 15. A prevalência estimada dessa síndrome varia de 1/10000 a 1/15000 indivíduos. Os pacientes com síndrome de Prader-Willi apresentam, nos primeiros meses de vida, hipotonia grave, com dificuldades de alimentação causada pela ausência dos reflexos de sucção e deglutição. Com o passar do tempo, a hipotonia melhora e as dificuldades de alimentação são substituídas por polifagia, em razão da ausência da sensação de saciedade, o que resulta em obesidade. Apresentam ainda olhos amendoados, diâmetro biparietal pequeno, estrabismo, mãos e pés pequenos e hipogonadismo (pênis pequeno e criptorquidia, nos de sexo masculino; e grandes lábios hipoplásicos e pequenos lábios ausentes, nos de sexo feminino) em razão da diminuição da secreção de hormônios gonadotróficos. Existem ainda outras síndromes genéticas associadas à obesidade, como a síndrome de Bardet-Biedl, síndrome de Laurence-Moon, síndrome de Biemond, síndrome de Alstrom, síndrome de Carpenter e síndrome de Cohen. Avanços recentes em genética molecular possibilitaram a descoberta de uma série de condições nas quais a síntese ou o metabolismo da leptina encontram-se afetados por anormalidades monogênicas (alteração em um único gene), levando a um aparecimento precoce da obesidade. Já foram descritas mutações no gene da leptina, do receptor da leptina, da proopiomelanocortina (POMC) e do receptor da melanocortina (MC4R). O metabolismo da leptina será descrito mais adiante, na seção do curso que fala sobreo controle neuronal da fome e saciedade. 33 FIGURA 4 – PACIENTE COM SÍNDROME DE PRADER-WILLI FONTE: Otto et al., 2004. 34 5 AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA A avaliação do estado nutricional constitui etapa fundamental, na qual se verifica a adequação do crescimento e das proporções corporais de indivíduos ou grupos, segundo padrões de crescimento esperados. A escolha do método de avaliação do estado nutricional está vinculada ao objetivo, ao custo, ao tempo disponível para realização, ao grupo populacional a ser estudado, ao nível de dificuldade e de habilidade requeridos, à receptividade por parte da população e aos possíveis riscos envolvidos. A antropometria tem sido empregada na avaliação do estado nutricional por mais de um século e consiste na avaliação das dimensões físicas e da composição do corpo humano, sem necessitar do uso de exames laboratoriais. Tem sido amplamente utilizada na infância e adolescência, principalmente por aspectos relacionados ao baixo custo, facilidade de execução e inocuidade. A avaliação do estado nutricional pela antropometria envolve a coleta de dados de características corporais tais como peso, estatura, dobras cutâneas e circunferências corporais, que irão compor índices antropométricos que serão comparados com populações de referência, tais como a de Cole et al. (2000) e a do NCHS (2000). O peso e a estatura são essenciais na avaliação do estado nutricional (atual e pregresso), devendo ser analisados segundo idade e sexo. Pela aferição do peso e altura pode- se calcular, entre outros, o Índice de Massa Corporal (IMC) e o índice de estatura para idade. O IMC tem sido utilizado para a avaliação do estado nutricional e identificação de sobrepeso e obesidade em qualquer faixa etária, sendo de utilidade na estimação da prevalência de excesso de peso em populações. O índice de estatura para idade reflete o crescimento linear obtido por crianças e seu déficit (stunting) e, neste caso, indica crescimento esquelético comprometido em razão das inadequadas condições de vida ou saúde, inclusive nutrição, por um longo período de tempo. No entanto, um baixo índice de estatura para idade não necessariamente indica um déficit de 35 estatura para idade, podendo ser reflexo do baixo potencial genético de crescimento linear da criança. Os estudos sobre tendência secular das medidas do crescimento parecem convergir para a indicação de que, à exceção de populações asiáticas, o processo de crescimento da estatura humana tende a ser muito semelhante entre as várias etnias, especialmente antes dos sete anos. A análise das tendências temporais do peso e da massa corporal, no entanto, tem evidenciado aumentos contínuos do peso corporal e da proporção de tecido gorduroso, mesmo em idades precoces. Essa tendência projeta horizonte negativo para uma série de doenças crônicas ligadas à presença da obesidade, entre elas diabetes e doenças cardiovasculares. A avaliação da composição corporal em crianças pode ser feita com o uso de técnicas sofisticadas, tais como a absortometria por dupla emissão de raios-X (DEXA), hidrodensitometria e diluição de isótopos. Todavia, em estudos epidemiológicos e na prática clínica é mais desejável utilizar métodos relativamente mais simples, como a medida da espessura do tecido adiposo subcutâneo por meio das pregas cutâneas e a bioimpedância elétrica (BIA). Nos tópicos a seguir, serão apresentados e discutidos os principais indicadores e medidas antropométricas utilizados para a avaliação de crianças obesas. 5.1 IMC Aspectos gerais O IMC é calculado dividindo-se o peso (kg) pela altura (m) elevada ao quadrado. 36 IMC = peso(kg) altura2(m2) Embora o IMC seja amplamente aceito para a classificação de adultos segundo a adiposidade, não existe consenso na literatura sobre sua validade como um indicador de gordura corporal em crianças e adolescentes, especialmente entre diferentes grupos étnicos. De fato, em nível individual o IMC não está necessariamente associado à quantidade de tecido adiposo, uma vez que não fornece informações sobre a composição corporal. No entanto, muitos autores defendem a utilização do IMC, e concluem que além se ser um método simples e acurado, é válido para medida de gordura em crianças e adolescentes de 2 a 19 anos. Aplicação na prática clínica O uso do IMC para o diagnóstico da obesidade já foi abordado anteriormente, mencionando-se o estabelecimento de pontos de corte baseados na classificação em percentis para a definição de sobrepeso (entre os percentis 85 e 95) e obesidade (≥ percentil 95). Além disso, o IMC pode ser utilizado para a monitoração do tratamento, por meio do acompanhamento de sua evolução na curva utilizada como referência. É importante ressaltar que a avaliação do sucesso do tratamento não depende só de parâmetros antropométricos, mas de sua análise em conjunto com parâmetros clínicos e laboratoriais. Um tratamento que não consiga redução de peso ou o ajuste do IMC não significa insucesso se, por exemplo, conseguir-se redução expressiva das morbidades associadas à obesidade e modificação do estilo de vida, com consequente melhora da qualidade de vida e prevenção de danos futuros (desenvolvimento de doenças crônicas relacionadas ao excesso de peso). O acompanhamento do IMC e dos demais parâmetros antropométricos pode ser mensal (no início do tratamento) ou mesmo trimestral, para aqueles pacientes que já se 37 adequaram ou que estão em fase de consolidação de modificação de hábitos alimentares e de estilo de vida. Cabe ressaltar que nem sempre o objetivo do tratamento é a redução de peso, pois, diferentemente dos adultos, as crianças encontram-se em processo de crescimento linear. Dessa forma, uma criança que ganha estatura e mantém o peso apresenta redução de IMC e, portanto, está evoluindo satisfatoriamente. 5.2 DOBRAS CUTÂNEAS Aspectos gerais A dobra cutânea é uma medida da espessura de duas camadas de pele e a gordura subcutânea adjacente, como mostra a Figura 3. Várias dobras cutâneas podem ser avaliadas isoladamente ou em conjunto. Entre essas, podemos citar as dobras cutâneas tricipital, bicipital e da panturrilha, indicadoras de gordura periférica, e as dobras subescapular e suprailíaca, indicadoras de gordura central. A dobra cutânea mais utilizada em crianças é a tricipital. FIGURA 5 – ANATOMIA DE UMA DOBRA CUTÂNEA 38 FONTE: Heyward & Stolarczyk, 2000. Em razão da existência de uma relação entre gordura subcutânea e gordura corporal total, a soma de várias dobras cutâneas pode ser utilizada para estimar a gordura corporal total. A validade e confiabilidade das medidas de dobras cutâneas são influenciadas pela habilidade do avaliador, pelo tipo de adipômetro, pelos fatores do indivíduo avaliado e pela equação utilizada para estimar a gordura corporal. A localização imprópria dos locais das dobras cutâneas e a medida feita de forma incorreta são as maiores causas da baixa confiabilidade interavaliadores. Para solucionar esse problema, foram desenvolvidos procedimentos padronizados de coleta de dados e descrições detalhadas para identificação e medida dos locais das dobras cutâneas (Tabela 2). TABELA 2 – LOCAIS PADRONIZADOS PARA MEDIÇÃO DE DOBRAS CUTÂNEAS Dobra cutânea Direção da dobra Referência anatômica Medida 39 Tricipital Vertical (linha média) Processo acromial da escápula e processo olecraniano da ulna A distância entre a projeção lateral do processo acromial e a margem inferior do processo olecraniano é medida no aspecto lateral do braço, com cúbito flexionado a 90° e usando uma fita métrica. O ponto médio é marcado na lateral do braço. A dobra é tomada 1 cm acima da linha marcada noaspecto posterior do braço. O adipômetro é aplicado no nível marcado. Bicipital Vertical (linha média) Bíceps braquial A dobra é destacada sobre o ventre do bíceps braquial ao longo da marcação para o tríceps e em linha com a borda anterior do processo acromial e fossa cubital anterior. O adipômetro é aplicado 1 cm abaixo dos dedos. Subescapular Diagonal Ângulo inferior da escápula A dobra fica ao longo da linha natural da pele, logo abaixo do ângulo inferior da escápula, com o adipômetro aplicado 1 cm abaixo dos dedos. Suprailíaca Oblíqua Crista ilíaca A dobra é destacada posteriormente à linha média axilar e sobre a crista ilíaca, ao longo da linha natural da pele com o adipômetro aplicado 1 cm abaixo dos dedos. FONTE: Heyward & Stolarczyk, 2000 (adaptado). A confiabilidade intra-avaliador (consistência das medidas feita por um mesmo avaliador de dobras cutâneas) é outra fonte de erro deste método. Medir espessura de dobras cutâneas consistentemente é difícil em obesos, porque elas podem exceder a abertura máxima do adipômetro. Além disso, em indivíduos obesos com muita massa muscular a gordura subcutânea pode não ser facilmente separada do músculo que está abaixo. Assim, a colocação apropriada do adipômetro, perpendicular à dobra, não é possível. 40 Para melhorar a confiabilidade dos dados, as medidas devem ser coletadas, no mínimo, em duplicata, e então calculada a média. Tanto os adipômetros de metal de alta qualidade como os de plástico podem ser utilizados para medir dobras cutâneas. O custo dos adipômetros varia segundo o material utilizado em sua composição e a precisão e exatidão de sua escala de medida. Instrumentos de alta qualidade, como os adipômetros Lange®, Harpenden®, Holtain® e Lafayette® (Figura 4) exercem pressão constante durante todo o alcance da sua escala de medida. Os adipômetros de plástico não são a melhor escolha para medir dobras cutâneas, pois tem menor precisão de escala, tensão inconstante por meio da sua faixa de medida, escala de medida menor (cerca de 40 mm) e fornecem menos consistência quando usados por avaliadores menos experientes. FIGURA 6 – EXEMPLOS DE ADIPÔMETROS DISPONÍVEIS NO MERCADO Lange® Harpender® A variabilidade em medidas de dobras cutâneas entre indivíduos pode ser atribuída não apenas à diferença na quantidade de gordura subcutânea no local, mas à diferença na espessura da pele, compressibilidade do tecido adiposo e grau de hidratação. 41 Um acúmulo de água extracelular (edema) no tecido subcutâneo, causado por fatores como vasodilatação periférica ou certas doenças, pode aumentar a espessura da dobra cutânea. Por isso, não se deve realizar medidas de dobras cutâneas imediatamente após o exercício, sobretudo em ambientes quentes. As equações de predição de gordura corporal total baseadas em dobras cutâneas devem ser selecionadas baseadas em idade, sexo, etnia e nível de atividade física. Slaughter et al. (1988) desenvolveram equações para estimar a porcentagem de gordura corporal de crianças, usando o somatório de duas dobras cutâneas (tríceps + subescapular ou tríceps + panturrilha). Essas equações podem ser utilizadas para avaliar a composição corporal de meninos e meninas negros e brancos, de oito a 17 anos de idade (Tabela 3). TABELA 3 – EQUAÇÕES DE PREDIÇÃO DE GORDURA CORPORAL PARA CRIANÇAS UTILIZANDO MEDIDAS DE DOBRAS CUTÂNEAS Método Equação Σ dobra cutânea tricipital + panturrilha %GC = 0,735(ΣDOC) +1,0 (meninos) %GC = 0,610(ΣDOC) +5,1 (meninas) Σ dobra cutânea tricipital + subescapular Σ > 35 mm %GC= 0,783(ΣDOC) +1,6 (meninos) %GC= 0,546(ΣDOC) +9,7 (meninas) Σ < 35 mm %GC= 1,21(ΣDOC) – 0,008 (ΣDOC) 2 + I* (meninos) %GC= 1,33(ΣDOC) – 0,013 (ΣDOC)2 -2,5(meninas) %GC = %gordura corporal 42 ΣDOC = somatório de dobras cutâneas I* = substituições de constante baseadas na maturação e etnia para meninos FONTE: SLAUGHTER et al.,1988. FIGURA 7 – TÉCNICA DE MEDIDA DA DOBRA CUTÂNEA TRICIPITAL FONTE: Heyward & Stolarczyk, 2000. Deve-se seguir os seguintes procedimentos padronizados para aumentar a exatidão e confiabilidade das medidas de dobras cutâneas: Tomar as medidas do lado direito do corpo; Identificar, medir e marcar cuidadosamente o local da dobra cutânea; Segurar firmemente a dobra entre o polegar e o indicador da mão esquerda. A dobra deve ser destacada 1 cm acima do local a ser medido; Destacar a dobra, colocando o polegar e o indicador a uma distância de 8 cm, em uma linha perpendicular ao eixo longo da dobra. Para indivíduos com dobras extremamente grandes, o polegar e o indicador precisarão se separar por mais de 8 cm para que se consiga destacá-la; 43 Manter a dobra pressionada enquanto a medida é realizada; Colocar as hastes do adipômetro perpendiculares à dobra, aproximadamente 1 cm abaixo do polegar e do indicador, e soltar a pressão das hastes lentamente; Anotar as medições de dobras cutâneas 4 segundos após a pressão ter sido aplicada; Afastar as hastes do adipômetro para removê-lo do local. Fechar as hastes lentamente para prevenir danos ou perda da calibragem. Aplicação na prática clínica A medida de dobras cutâneas tem sido utilizada há muitos anos em estudos de nutrição e composição corporal, por ser considerada uma ferramenta atrativa em razão de seu caráter não invasivo e específico para avaliar gordura subcutânea. Antigamente, recomendava- se o uso do método de dobras cutâneas como componente da avaliação clínica a fim de distinguir, dentre as crianças com excesso de peso, aquelas que apresentavam excesso de gordura corporal. Há concordância na literatura quanto ao fato de que as dobras cutâneas predizem gordura corporal total em crianças e adolescentes. Mais do que isso, quando medidas de dobras cutâneas são incluídas em modelos de regressão, providenciam informações que explicam variações em indicadores de risco de doenças, incluindo concentrações plasmáticas de lípides, pressão arterial, glicemia, insulinemia, resistência à insulina e inflamação. Quando categorias de dobras cutâneas baseadas em pontos de corte de classificações em percentis são usadas para identificar os indivíduos com maior quantidade de gordura corporal ou aqueles com síndrome metabólica, o desempenho das dobras cutâneas mostra-se tão bom quanto o do IMC ou da circunferência da cintura. Ainda assim, existem poucas evidências demonstrando que, uma vez que se conheça os dados de peso e altura (ou IMC), a medida das dobras cutâneas aumenta a precisão na identificação daquelas crianças com maior quantidade de gordura corporal ou outros fatores de risco. 44 Dessa forma, especialistas não recomendam o uso de medidas de dobras cutâneas para avaliação da obesidade infantil na prática clínica. Essa recomendação baseia-se na falta de informações nacionais disponíveis em relação à distribuição de crianças segundo medidas de dobras cutâneas, no risco potencial de erros de mensuração por avaliadores inexperientes e sem treinamento adequado e a ausência de um critério definido para servir de base para intervenções (pontos de corte para classificação das crianças de maior risco). Todavia, o método das dobras cutâneas continua sendo de grande utilidade em pesquisas, sobretudo naquelas que buscam estabelecer pontos de corte para classificação de adiposidade segundo as dobras cutâneas em crianças de diferentes faixas etárias. Uma possível aplicação clínica da medida de dobras cutâneas é o acompanhamento individual de pacientes, nesse caso utilizando as medidas não para classificar a obesidade ou definir os pacientes de maior risco de doenças, e sim para avaliar o progresso da criança no tratamento, comparando medidas a fim de observar se houve redução na gordura corporal. Aqui também é importante que as medidassejam feitas sempre pelo mesmo avaliador, devidamente treinado, para evitar erros de mensuração e permitir que as medidas possam ser adequadamente interpretadas. 5.3 BIOIMPEDÂNCIA ELÉTRICA Aspectos gerais O método da bioimpedância elétrica (BIA) é um método rápido, não invasivo e relativamente barato para avaliar a composição corporal em situações de campo (pesquisas) e na prática clínica. A BIA tem sido utilizada, principalmente a partir da década de 80, com a finalidade de predizer a composição do corpo humano em quantidade total de água e massa livre 45 de gordura. A massa gorda pode ser obtida por diferença e, assim, pode-se estimar o percentual de gordura corporal total. O método consiste na passagem de uma pequena corrente elétrica através do corpo e na medida da oposição ao fluxo dessa corrente, que representa a impedância (Z). A água corporal total (ACT) do indivíduo pode ser estimada pela medida de impedância, uma vez que os eletrólitos presentes na água corporal são excelentes condutores de corrente elétrica. Quando o volume de ACT é grande, a corrente flui mais facilmente através do corpo, portanto com menor resistência (R). A resistência ao fluxo da corrente será maior em indivíduos com grande quantidade de gordura corporal, pelo fato de o tecido adiposo ser um malcondutor de corrente elétrica, em razão de sua quantidade relativamente baixa de água. Como o conteúdo de água da massa livre de gordura (MLG) é relativamente grande (73% de água), pode-se predizer a MLG por meio de estimativas de água corporal total. Indivíduos com grande MLG e ACT têm menos resistência ao fluxo de corrente elétrica através de seu corpo, em relação aos que têm menos MLG. Vários autores observaram uma forte relação entre as medidas de impedância total do corpo e ACT, sugerindo que a BIA pode ser uma ferramenta válida para a análise da composição corporal e avaliação da ACT em âmbito clínico. Além dos estudos que reforçam que a ACT pode ser estimada pela BIA com um grau moderado de exatidão, outros trabalhos demonstraram que a MLG ou porcentagem de gordura corporal (%GC) também poderiam ser estimadas com exatidão em crianças e adultos pelo método da BIA. Apesar do desempenho da BIA ser semelhante ao do método de dobras cutâneas em predizer gordura corporal, a BIA deve ser preferida em algumas situações, pois: não requer um alto grau de habilidade do avaliador; geralmente é mais confortável e não invade tanto a privacidade do indivíduo; e pode ser usada para estimar a composição corporal de indivíduos obesos. A impedância (Z) é a razão entre a voltagem e a corrente aplicada. É mensurada pela combinação da resistência (R) e da reactância (Xc), fornecidas pelo analisador de BIA. A impedância é escrita matematicamente como Z2=R2+Xc2, onde Xc e R podem ser considerados como índices do conteúdo intracelular e extracelular, respectivamente. A partir de equações, 46 adotando-se a transformação de circuito eletrofisiológico corporal em série para paralelo, pode- se estimar a ACT e a MLG. Kushner et al. (1992) validaram equações de predição de ACT, segundo sexo, para diversas idades, e concluíram que o método da BIA permite boa predição (Tabela 4). TABELA 4 – EQUAÇÕES PARA PREDIÇÃO DA ÁGUA CORPORAL TOTAL PELO MÉTODO DA BIOIMPEDÂNCIA ELÉTRICA E CÁLCULOS POSTERIORES DA MASSA LIVRE DE GORDURA E DA PORCENTAGEM DE GORDURA CORPORAL Indicador/medidas Classificação Equações BIA Resistência (R) Altura (A) Peso (P) Variável contínua % gordura corporal (%GC) Crianças de 6 a 10 anos: ACT (água corporal total): ACT=0,593(A2/R)+0,065(P)+0,04 Para converter ACT em MLG: meninos 5-6 anos: MLG(kg)=ACT/0,77 meninos 7-8 anos: MLG(kg)=ACT/0,768 meninos 9-10 anos: MLG(kg)=ACT/0,762 meninas 5-6 anos: MLG(kg)=ACT/0,78 meninas 7-8 anos: MLG(kg)=ACT/0,776 meninas 9-10 anos: MLG(kg)=ACT/0,77 47 Para estimar a % de gordura corporal: %GC=[(P-MLG)/P]X100 FONTE: Kirshner et al. (1992). Para a realização da BIA, deve-se estar atento a aspectos metodológicos importantes: As medidas devem ser realizadas do lado direito do corpo, com o indivíduo deitado em decúbito dorsal sobre uma superfície não condutora, em uma sala com temperatura ambiente normal (~22°C). A pele onde serão fixados os eletrodos deve estar íntegra e a fixação dos mesmos deve ser precedida de limpeza com álcool, para garantir a adesão. Os eletrodos proximais devem ser colocados na superfície dorsal da articulação do punho direito, de modo que a borda superior do eletrodo se alinhe à cabeça da ulna, e na superfície dorsal do tornozelo direito, de modo que a borda superior do eletrodo se alinhe aos maléolos medial e lateral. Os eletrodos distais devem ser posicionados na base da segunda ou terceira articulação metacarpofalângica da mão e metatarsofalângica do pé. Deve haver pelo menos 5 cm entre os eletrodos proximais e distais. O próximo passo é conectar os cabos de ligação aos eletrodos apropriados. Os cabos vermelhos são ligados às articulações do punho e do tornozelo, e os cabos pretos à mão e ao pé. É necessário certificar-se de que as pernas e os braços do paciente estejam abduzidos aproximadamente 45° um do outro. Não deve haver contato entre as coxas e entre os braços e o tronco. 48 Por fim, deve-se ligar o aparelho e fazer a leitura correspondente às medidas de resistência e reactância, para posterior cálculo da ACT, MLG e % GC por meio de planilhas ou softwares específicos. FIGURA 8 – LOCAIS DE POSICIONAMENTO DOS ELETRODOS PARA REALIZAÇÃO DA BIA FONTE: Aplicação na prática clínica Em razão de seu custo (um aparelho de bioimpedância elétrica de qualidade custa cerca de R$ 5.000,00), a BIA não deve ser utilizada como método de rotina para identificação de crianças obesas, uma vez que para isso podem ser usados métodos mais práticos e baratos, como o IMC (que requer apenas uma balança e um estadiômetro). Para a avaliação do risco de doenças cardiovasculares (DCV) segundo a BIA, podem ser utilizados os pontos de corte propostos por Lohman (1992), que define percentuais de gordura corporal total ≥ 30% para meninas e ≥ 25% para meninos como indicadores de risco moderado a alto de DCV. 49 Outra possível utilização da BIA em ambulatórios e consultórios é a avaliação inicial e acompanhamento da evolução do tratamento de crianças obesas, visando a observar redução de %GC após intervenções dietéticas e incentivo à prática de atividade física. É importante que os pacientes avaliados sigam um protocolo antes da realização da BIA (Quadro 5), pois uma série de fatores pode afetar o método. Fatores como alimentação, bebidas, desidratação e exercícios alteram o estado de hidratação do indivíduo, portanto afetam a resistência total do corpo e a estimativa da MLG. Exercícios intensos que aumentam a temperatura corporal tendem a diminuir o valor da resistência; o frio, assim como a desidratação, tende a aumentá-la. A ingestão de refeições de 2 a 4 horas antes da realização da BIA também pode diminuir a resistência, em função do aumento da quantidade de íons no organismo, podendo superestimar a MLG de um indivíduo em quase 1,5 kg, e, portanto, levar a uma subestimação da massa gorda. Estas demandas metodológicas podem ser satisfeitas a partir da padronização de avaliadores em fase anterior à coleta de dados, assegurando a qualidade dos mesmos. QUADRO 5 – PROTOCOLO PARA PACIENTES QUE REALIZARÃO A AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO CORPORAL PELA BIA Não comer ou beber a menos de quatro horas do teste; Não fazer exercícios a menos de doze horas do teste; Urinar a menos de 30 minutos do teste; Não consumir álcool a menos de 48 horas do teste; Não tomar medicamentos diuréticos a menos de 7 dias do teste; Pacientes do sexo femininoque percebam que estão retendo água durante aquele estágio de seu ciclo menstrual não devem realizar o teste. 50 5.4 CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA Aspectos gerais A circunferência da cintura deve ser medida no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca, ao final de uma expiração normal. A circunferência da cintura também pode ser medida na parte mais estreita do tronco, ao nível da cintura “natural”. É importante distinguir a circunferência da cintura da circunferência abdominal, que é medida na altura do umbigo. Independentemente da metodologia escolhida para realizar a medida, o importante é sempre fazê-la da mesma forma ao acompanhar um paciente ou um grupo de indivíduos, a fim de padronizar a coleta de dados, permitindo maior confiabilidade na análise das informações obtidas. Recentemente, a circunferência da cintura tem atraído a atenção de muitos profissionais e pesquisadores em razão de seu uso como indicador de adiposidade e risco de doenças crônicas. Esse interesse provém de pesquisas que relacionam o acúmulo de gordura visceral ao aumento do risco de doenças e distúrbios metabólicos em adultos e crianças. Comparando-se a circunferência da cintura ao IMC, observa-se que a circunferência da cintura reflete melhor a quantidade de tecido adiposo visceral, enquanto o IMC é melhor para estimar a quantidade de tecido adiposo subcutâneo. A circunferência da cintura é significativamente melhor do que o IMC para predizer resistência à insulina, pressão arterial e concentrações séricas de colesterol e triglicérides. Consequentemente, a circunferência da cintura é de grande utilidade para fornecer informações relacionadas ao risco de doenças crônicas em crianças. Além disso, no estudo de Maffeis et al. (2001), a circunferência da cintura aferida aos 8 anos de idade mostrou-se um excelente preditor da obesidade após 4 anos de seguimento (aos 12 anos de idade). Este resultado é interessante, uma vez que permite a identificação precoce de crianças com maior risco de ficarem obesas na puberdade. 51 Aplicação na prática clínica A aplicação da medida da circunferência da cintura na prática clínica é dificultada pela ausência de pontos de corte a serem utilizados como padrão para a identificação de crianças com risco aumentado de doenças crônicas. Mesmo assim, muitos profissionais têm adicionado a medida da circunferência da cintura às suas ferramentas para avaliar risco em crianças, geralmente utilizando como ponto de corte percentis altos, como 90 ou 95. Tabelas de classificação em percentis da circunferência da cintura já se encontram disponíveis para crianças americanas e outras populações. No entanto, seu uso na rotina clínica ainda não é recomendado pela falta de mais estudos e diretrizes específicas para a aplicação prática. Uma possível abordagem a ser desenvolvida para solucionar esse problema é o estabelecimento dos melhores pontos de corte para identificar crianças em risco dentre categorias do IMC, assim como é feito para adultos. TABELA 5 – PERCENTIS DE CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA (CM) SEGUNDO SEXO, IDADE E RAÇA, BASEADO EM DADOS DO BOGALUSA HEART STUDY Meninos brancos Meninas brancas Meninos negros Meninas negras Percentis Percentis Percentis Percentis Idade (anos) 50 90 50 90 50 90 50 90 cm cm cm cm 5 52 59 51 57 52 56 52 56 6 54 61 53 60 54 60 53 59 7 55 61 54 64 56 61 56 67 8 59 75 58 73 58 67 58 65 52 9 62 77 60 73 60 74 61 78 10 64 88 63 75 64 79 62 79 11 68 90 66 83 64 79 67 87 12 70 89 67 83 68 87 67 84 13 77 95 69 94 68 87 67 81 14 73 99 69 96 72 85 68 92 15 73 99 69 88 72 81 72 85 16 77 97 68 93 75 91 75 90 17 79 90 66 86 78 101 71 105 FONTE: Freedman et al., 1999. 53 6 ETIOLOGIA DA OBESIDADE O aumento alarmante da prevalência de obesidade em crianças é largamente atribuído ao aumento da densidade energética da dieta e diminuição do padrão de atividade física na maioria dos indivíduos. Contudo, a obesidade é uma doença multifatorial, influenciada tanto por fatores genéticos como ambientais. Dessa forma, o ganho de peso é causado por escolhas alimentares e de estilo de vida inadequadas aliadas à susceptibilidade genética. Estes fatores serão detalhados a seguir. 6.1 FATORES GENÉTICOS OBESIDADE MONOGÊNICA A obesidade monogênica é definida como a obesidade resultante da mutação ou deficiência de um único gene. As formas monogênicas de obesidade podem ser divididas em três grandes categorias. A primeira delas é a obesidade causada por mutações em genes que apresentam papel fisiológico no sistema de balanço energético hipotalâmico leptina-melanocortina. Dentre elas, pode-se citar a deficiência congênita de leptina, a deficiência do receptor de leptina, a deficiência completa de POMC (pró-opiomelanocortina) e mutações no receptor tipo 4 de melanocortina (MC4R). 54 Esse tipo de obesidade cursa com obesidade muito severa, hiperfagia e outras alterações, como hipogonadismo. A segunda categoria é a obesidade resultante de mutações nos genes necessários para o desenvolvimento do hipotálamo (SIM1, BDNF e NTRK2). As mutações nestes genes foram descritas recentemente e também foram implicadas no desenvolvimento de obesidade em ratos e em humanos. Os mecanismos pelos quais estes genes regulam o peso corporal ainda não são conhecidos. O desenvolvimento anormal do hipotálamo, o prejuízo pós-natal para a função destes genes ou ambos os mecanismos podem ser responsáveis pelo fenótipo de obesidade. A terceira categoria é a obesidade apresentando-se como parte de uma complexa síndrome causada por mutações em genes cuja relação funcional com a obesidade ainda não é clara (ex: síndromes de Bardet-Biedl, de Alstrom e de Carpenter). As causas monogênicas de obesidade identificadas até o presente momento são responsáveis por menos de 5% da obesidade severa, e são muito heterogêneas em si. A síndrome de Bardet-Biedl, por exemplo, pode resultar da alteração de pelo menos 12 genes diferentes, e a obesidade causada por mutações no MC4R podem resultar de diferentes mecanismos que alteram a função do receptor. Além disso, novos mecanismos estão surgindo como importantes para a etiologia da obesidade, como o desenvolvimento hipotalâmico e alterações na plasticidade neuronal. Assim, as formas de obesidade monogênica caracterizadas atualmente podem ser vistas como sendo apenas “a ponta do iceberg”, trazendo pistas de que os mecanismos patológicos envolvidos na etiologia da obesidade comum sejam igualmente heterogêneos. O tratamento da deficiência congênita de leptina é um exemplo raro, porém poderoso, de sucesso terapêutico advindo da compreensão da patogênese molecular (Figura 6.1). São necessários mais estudos para compreender os mecanismos fisiopatológicos da obesidade para que sejam definidos tratamentos similarmente eficazes para outros defeitos genéticos. Ou seja, embora atualmente os pacientes não se beneficiem em saber a base genética de sua doença, as pesquisas que exploram as causas genéticas deste fenótipo devem continuar 55 sendo estimuladas, uma vez que é apenas pela elucidação dos mecanismos moleculares envolvidos na obesidade que se conseguirá abordar este problema de forma racional e efetiva. OBESIDADE POLIGÊNICA O fenótipo obeso é um traço multifatorial estabelecido por um somatório dos efeitos genéticos e ambientais, sendo rara a obesidade monogênica. Diversos polimorfismos genéticos parecem estar associados à obesidade. Estudos sobre a obesidade poligênica baseiam-se na análise de polimorfismos de nucleotídeos únicos (SNPs) ou repetição de bases localizadas em um gene candidato ou próximas a ele. Os genes relacionados à obesidade comum, ou poligênica, estão envolvidos em uma ampla variedade de funções biológicas, como
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