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Tolerância imunológica O termo tolerância imunológica pode ser definido como a não responsividade a um antígeno, que é obtida pela exposição antígeno-específica prévia. Os linfócitos serão ativados para induzir respostas imunológicas, mas da mesma forma também podem ser inativados ou eliminados, culminando em tolerância. Tem-se o perfil de células T e B, que reconhecem de alguma forma o antígeno e promovem sua função efetora, produzindo anticorpos, respostas Th1, Th2 ou Th17 (se TCD4) e função citolítica (se TCD8). Todavia, esses mecanismos só devem ocorrer quando se tem algum dano no organismo por um patógeno ou uma formação tumoral. A tolerância imunológica ocorre quando não se reconhece o antígeno, sendo utilizada para não reconhecer antígenos self, de modo que isso é feito pela modulação de linfócitos T e B. Os antígenos que induzem a tolerância são tolerógenos e os imunógenos são aqueles que devem ser reconhecidos e combatidos, gerando imunidade. A tolerância dos autoantígenos, também chamada de autotolerância, é uma propriedade fundamental do sistema imunológico normal. A falha na autotolerância resulta em reações imunológicas contra antígenos próprios (autoimunidade). Um único antígeno pode ser tolerógenos ou imunógeno, variando conforme a apresentação aos linfócitos específicos. A tolerância aos autoantígenos ou autotolerância é crucial para o funcionamento do sistema imunológico, sendo que a ausência desse mecanismo resulta em reações imunológicas contra antígenos próprios. Ela pode ser induzida em linfócitos autorreativos imaturos nos órgãos centrais ou em linfócitos maduros em órgãos periféricos. As células B e T devem ter capacidade de expressar um receptor de antígeno, já que se ela não conseguir reconhecer o antígeno, a chance dessas células reagirem com algo próprio é maior. Durante o processo de maturação dos linfócitos existem alguns check points para eliminar células que seriam autorreativas. Essa checagem ocorre em célula pró-B/T e em célula B e T imatura, de modo que se a célula reagir fortemente ao antígeno ela será encaminhada para morte celular. Para isso, tem-se dois mecanismos de tolerância dos linfócitos T auxiliares CD4+: Tolerância central: irá certificar-se que o repertório de linfócitos maduros se torne incapaz de responder a autoantígenos que são expressos nos órgãos linfoides centrais como timo e medula óssea. Ocorre durante um estágio de maturação em que o encontro com o autoantígeno pode levar a deleção por apoptose ou à substituição de um receptor autorreativo por outro que não apresente essa condição, sendo que algumas das células sobreviventes na linhagem CD4+ transforma-se em células T regulatórias que inibem as respostas contra autoantígenos na periferia. Sabe- se que os autoantígenos geralmente estão em órgãos linfoides centrais, sendo que os antígenos periférico tecido específicos também são expressos nesses locais. A proteína AIRE é parte de um complexo que regula a expressão de antígenos restritos a tecidos nas células epiteliais da medula do timo. Ela faz com que os timócitos expressem proteínas tecido- específicas que naturalmente o timo não expressaria, de modo que possíveis células autorreativas podem ser detectadas. Porém, tem-se algumas falhas tímicas como na síndrome poliglandular autoimune do tipo 1, em que lesões causadas por anticorpos, que causam lesões em órgãos endócrinos, levando a um distúrbio endócrino em paratireoides, adrenais e ilhotas pancreáticas. Isso ocorre, pois, o timo não expressa proteínas tecido especificas, de modo que potenciais células autorreativas não são identificadas. Na ausência da AIRE funcional esses antígenos não são expressos no timo e as células T específicas escapam da deleção, de modo que se tornam maduras e são encaminhadas para a periferia, onde atacam os tecidos alvo. Tolerância periférica: se linfócitos autorreativos completam sua maturação mesmo após o mecanismo de tolerância central faz-se necessário mecanismos de tolerância periférica. Ela será desencadeada quando linfócitos maduros reconhecem autoantígenos e morrem por apoptose ou quando se tornam incapazes de serem ativados pela reexposição ao antígeno. Também será importante para manutenção da não responsividade a autoantígenos expressos apenas em tecidos periféricos e para tolerância a autoantígenos que só serão expressos na vida adulta. Será mantida pelas células T regulatórias que suprimem ativamente os linfócitos autoantígenos-específicos, processo que ocorre nos tecidos linfoides secundários e tecidos não linfoides. Ocorrerá por via de três mecanismos: 1) Anergia: Casos de exposição de células T CD4+ maduras a um antígeno, na ausência de coestimulação (B7-1 e B7-2) ou imunidade inata, de modo que a célula se torna incapaz de responder àquele antígeno. Assim, as células autorreativas não morrem, apenas se tornam não responsivas funcionalmente a um antígeno, fazendo apenas o contato e amadurecendo após fazer contato com aquele antígeno, estando comprometida e não responsiva. Os indivíduos normais são tolerantes aos seus próprios antígenos, de modo que os linfócitos são eliminados ou inativados, ou a especificidade destes linfócitos encontra-se alterada. Todavia, durante o processo de geração de células imunológicas pode haver um erro que culmine na expressão de receptores para antígenos próprios, de modo que os mecanismos de tolerância imunológica devem evoluir para prevenir essas reações. A resposta das células T pode ser regulada por receptores inibitórios, sendo os principais do tipo CTLA-4 e PD-1. O CTLA-4 é um tipo de receptores CD28 que se liga às moléculas B7, sendo que sai expressão é baixa até que as célula T sejam ativadas por um antígeno, de modo que terá a função de terminar a ativação das células T responsivas. Também será expresso nas células Treg para possibilitar a função supressiva dessas por meio da inibição de células imaturas. O CTLA-4 pode mediar sua atividade inibitória por: Bloqueio de sinalização: CTLA-4 se liga ao B7, que ativa a fosfatase, que retira os fosfatos das moléculas de sinalização associadas ao TCR e ao CD28, cessando as respostas. Redução da disponibilidade de B7: o CTLA-4 se liga a B7das APCs e impede que elas se liguem ao CD28. Também faz endocitose de B7, sendo que com menos coestimulação a resposta da célula T também é reduzida. O receptor inibitório PD-1, da família CD28, reconhece dois ligantes, na APC e nas células de diferentes antígenos, sendo que a ligação com qualquer um desses leva à inativação das células T. De modo geral, as funções do CTLA-4 e do PD-1 não se sobrepõem, sendo que eles possuem mais ação no controle inicial das CD4+ em órgãos linfoides e no término de resposta periférica das células T efetoras (especialmente CD8+), respectivamente. 2) Deleção por apoptose: Após os linfócitos T reagirem repetidamente ou com alta afinidade a autoantígenos, outras células tentam reduzir essa ativação por expressão de inúmeras citocinas, promovendo deleção. As vias de deleção podem ser mitocondrial (intrínseca) ou do receptor de morte celular (extrínseca). Via intrínseca: regulada por proteínas Bcl-2, que são ativadas por estímulos nocivos ou danos no DNA. Nos linfócitos a proteína Bim é um sensor de estresse celular, de modo que essa molécula é ativada e se liga a proteínas efetoras pró-apoptótica da família Bcl-2, aumentando a permeabilidade mitocondrial e promovendo extravasamento de material interno. Essa saída de material promove a ativação de caspases, que fragmentarão o DNA e provocarão a morte celular por apoptose. As células T que reconhecem autoantígenos na ausência de coestimuladores pode ativar a proteína Bim, fato que culmina em apoptose da célula por via mitocondrial, sendo que essa via também é importante na depleção de células T autorreativas no timo. Via extrínseca: os receptores de superfícieda célula são ativados e ativam proteínas caspases, que resulta em apoptose. A via mitocondrial serve para amplificar a sinalização pela via extrínseca. 3) Supressão por células T regulatórias: As células Treg são componentes de um subgrupo de células T CD4+ com função de inibir a resposta imunológica e manter a autotolerância. Um fator de transcrição denominado FOXP3 é importante para o desenvolvimento e função dessas células. No timo, o desenvolvimento de células T CD4+ se dá pela transformação de células autorreativas comprometidas, enquanto que nos tecidos periféricos elas se desenvolvem na ausência de resposta imunológica inata. A sobrevivência e a diferenciação das células Treg depende de citocina IL-2, que ativa o fator de transcrição STAT5, esse que aumenta a expressão de FOXP3. As células Treg agem suprimindo a resposta imunológica no momento de indução da célula T nos órgãos linfoides, bem como na fase efetora dessas respostas no tecido. Elas podem suprimir diretamente a ativação de células B e inibir a proliferação de células NK. Como mecanismos de supressão tem-se produção de citocinas imunossupressoras (IL-10 e TGF-), redução da habilidade das APCs em estimularem as células T e consumo de IL-2 (priva o desenvolvimento de outras células dependentes dessa citocina). As células T regulatórias são produzidas para fazer o papel de regulação do processo inflamatório, sendo importante no contexto de tolerância periférica, modulando a resposta imunológica através de citocinas para que ela não se exacerbe. Ao aumentar a expressão de IL-10 irá inibir macrófagos ativados e células dendríticas, controlando as reações imunológicas, sendo que também inibe a expressão de coestimuladores e moléculas de MHC II em células dendríticas e macrófagos, inibindo a ativação de células T e terminando as reações imunológicas mediadas por células. De modo geral, a supressão por células T reg promove o aumento de células anti-inflamatórias, evitando que a célula que reagiu contra o próprio antígeno monte uma resposta imunológica. Também irá manter a não responsividade a autoantígenos que são expressos em tecidos periféricos. Expressão de IL-2 Ativação do fator de transcrição STAT5 Aumento da expressão de FOXP3 A tolerância dos linfócitos B é necessária para manter a não responsividade dos autoantígenos timo-dependentes, apesar de também agirem prevenindo respostas dos anticorpos a antígenos de proteínas. A tolerância da célula B pode ser: Tolerância central: os linfócitos B imaturos que reconhecem autoantígenos na medula óssea com alta afinidade irão mudar sua especificidade ou serem deletados. Essa tolerância ocorre por: 1) Edição de receptores Se as células B maduras reconhecem autoantígenos em grandes quantidades na medula, os receptores de antígeno nas células B fazem ligações cruzadas e emitem fortes sinais para as células. Assim, o receptor será editado por uma reorganização da sua cadeia leve, criando uma célula B com nova especificidade. Se esse processo não adiantar pode ocorrer rearranjos subsequentes nos loci da cadeia leve. 2) Deleção Se a edição de receptores falhar, as células B imaturas podem morrer por apoptose. 3) Anergia Se as células B em desenvolvimento reconhecerem autoantígenos fracamente, as células irão se tornar funcionalmente não responsivas (anérgicas), saindo da medula óssea já nesse estado de irresponsividade. Isso ocorre pela regulação negativa da expressão do receptor de antígeno e pelo bloqueio na sua sinalização. Tolerância periférica: os linfócitos B maduros que reconhecem autoantígenos em tecidos periféricos na ausência de células T auxiliares específicas podem ser considerados funcionalmente não responsivos ou podem morrer por apoptose. Pode ocorre por: 1) Anergia e deleção: Algumas células B autorreativas são estimuladas repetidamente e se tornam não responsivas. Essas células precisam de fatores de crescimento para manter sua sobrevivência, não podendo competir com células B imaturas normais nos tecidos linfoides. Assim, essas células serão eliminadas mais rapidamente, sendo que, se elas se ligarem com muita avidez aos autoantígenos na periferia também podem sofrer deleção por apoptose. 2) Sinalização por receptores inibitórios: As célula B que reconhecem autoantígenos com baixa afinidade podem ser impedidas de responder por acoplamento de receptores inibitórios, que definem um limiar de ativação para as células B, permitindo respostas par antígenos externos e não para autoantígenos. Tem-se mais autoimunidade nos linfócitos B do que nos linfócitos T, já que no timo o processo de autodetecção dos linfócitos autorreativos é muito mais eficaz, ocorrendo uma boa seleção desses linfócitos. Alguns antígenos proteicos externos podem desenvolver preferencialmente a tolerância em detrimento das respostas imunológicas. Geralmente antígenos proteicos administrados por via cutânea com adjuvantes favorecem a imunidade e os administrados sem adjuvantes propiciam a tolerância. Isso acontece porque os adjuvantes estimulam respostas inatas e expressão de coestimuladores nas APCs, de modo que na ausência deles as células T se tornam anérgicas ou se diferenciam em células Treg. Autoimunidade É o processo em que o sistema imunológico de um indivíduo reage contra antígenos autólogos, fato que pode causar dano tecidual. Para que a autoimunidade se desenvolva a autotolerância deve falhar, de modo que os linfócitos autorreativos também serão ativados de alguma forma. Dentre alguns fatores que contribuem para o desenvolvimento da autoimunidade tem- se a susceptibilidade genética e os gatilhos ambientais, como infecções e lesão local no tecido. A doença autoimune é sistêmica, mas uma reação autoimune pode ser local, de modo que se diferenciam apesar de terem respostas semelhantes. Uma genética de autosusceptibilidade, tendo uma falha na autotolerância, promove a ativação de linfócitos autorreativos que iniciam a lesão tecidual, provocando a doença autoimune. O ambiente geralmente atua na expressão gênica, ativando genes que deixarão os mecanismos de falha da autotolerância. As doenças autoimunes apresentam características gerais, como: Localização: podem ser sistêmicas ou órgão- específicas, dependendo da distribuição dos autoantígenos que são reconhecidos. Como por exemplo, pode-se ter a doenças sistêmicas causadas por complexos imunológicos circulantes e respostas locais por meio de autoanticorpos ou células T com distribuição tecidual restrita. Efetores: pode ocorrer por deposição de imunocomplexos, produção de autoanticorpos circulantes e linfócitos autorreativos. Manifestação: geralmente tende a ser crônica, progressiva e de autoperpetuação, já que os autoantígenos são persistentes, além de existirem amplificadores que perpetuam essa resposta. Em decorrência do dano tecidual também pode-se ter a liberação de outros antígenos teciduais, tendo a ativação de linfócitos T específicos para esses outros antígenos e exacerbação da doença. A autoimunidade resulta da combinação de três anormalidades imunológicas, sendo elas: Tolerância ou regulação defeituosas: falha da autotolerância em células T ou B, fato que leva ao desequilíbrio entre a ativação e o controle de linfócitos. A perda da autotolerância pode ocorrer se os linfócitos autorreativos não forem deletados ou inativados durante sua maturação, podendo também ocorrer se as APCs forem ativadas, de modo que os autoantígenos serão apresentados de forma imunogênica. Apresentação anormal de autoantígenos: por expressão aumentada, alterações estruturais ou persistência de autoantígenos.se essas alterações causarem apresentação de epítopos presentes, o sistema imunológico não pode ser tolerante, gerando autorrespostas. Inflamação ou resposta imunológica inata inicial: serve como estímulo para ativação de linfócitose geração de respostas imunológicas adaptativas. As doenças autoimunes estão geneticamente ligadas ao MHC, que possuem como função a apresentação de antígenos peptídicos para as células T. Assim, nota-se que as doenças autoimunes possuem um componente genético muito forte, em que a maioria delas é consequência de características poligênicas complexas nas quais os indivíduos afetados herdam polimorfismos genéticos múltiplos que contribuem para a expressão da doença. Dentre os genes associados com a autoimunidade os mais relacionados são os genes MHC e HLA em humanos. O mecanismo ainda não é bem conhecido, mas parece que a molécula MHC associada à doença pode apresentar um autopeptídeo e ativar células T patogênicas. Quando um alelo é protetor ele pode induzir a seleção negativa de algumas células T potencialmente patogênicas ou que pode promover o desenvolvimento de células T regulatórias. Todavia, existem anormalidades que causam autoimunidade que não são ligadas ao MHC, como genes para a proteína AIRE, para produção de células T regulatórias (FOXP3, IL2, IL2R), anergia e função das células T regulatórias (CTLA4). As infecções virais e bacterianas podem contribuir para o desenvolvimento e exacerbação da autoimunidade, em que geralmente a expressão de doenças autoimunes é precedida por uma infecção, resultante das respostas imunológicas do indivíduo que podem ser disparadas ou desreguladas. As infecções de tecidos particulares podem induzir respostas imunológicas inatas locais que recrutam leucócitos para esses tecidos, ativando APCs teciduais que secretam citocinas ativadoras de células T e expressam coestimuladores, resultando no colapso da tolerância da célula T. Os microrganismos também podem encontrar células B autorreativas, levando a produção de autoanticorpos. Alguns microrganismos podem ter antígenos que façam reatividade cruzada com autoantígenos, fenômeno que é denominado mimetismo molecular porque os antígenos do microrganismo mimetizam autoantígenos, de modo que as células de defesa irão agir contra o organismo e iniciar o processo da doença autoimune. Em contraposição algumas infecções podem proteger contra o desenvolvimento da autoimunidade. A microbiota intestinal e cutânea pode influenciar o desenvolvimento de doenças autoimunes. Além disso existem outros fatores na autoimunidade, como alterações anatômicas em tecidos causadas por inflamação (secundárias a infecções), lesão isquêmica ou trauma, que podem levar à exposição de autoantígenos que normalmente são ocultados do sistema imunológico, esses que reagem com linfócitos imunocompetentes e induzindo respostas imunológicas específicas. Nota-se que influências hormonais também possuem papel em doenças autoimunes, de modo que algumas doenças afetam mais mulheres do que homens.
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