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P1- BCM2 VERGUEIRO Caso clínico 1 Adolescente, sexo feminino, 12 anos de idade, previamente saudável e com adequado desenvolvimento psicomotor, foi encaminhada a consulta com endocrinologista pediatra após resultado incidental de hiperglicemia em jejum. Presentes durante a consulta, os pais relatam que não há histórico familiar de diabetes, mas que ficaram preocupados quando a filha apresentou glicemia em jejum elevada. Questionados sobre os resultados laboratoriais, os pais informaram que os resultados foram constatados através de um glicosímetro de um colega diabético, quando sua filha quis, por mera curiosidade, fazer o teste. Ao exame físico, paciente se encontrava em bom estado geral. Normotensa. Afebril. Pulso normocárdico. Eupneico. Estatura, peso e IMC compatíveis com a idade. Para que pudesse realizar uma investigação mais aprofundada, o médico solicita alguns exames laboratoriais, cujos resultados estão ilustrados na figura Com base nos resultados dos exames, o pediatra descartou a possibilidade de diabetes mellitus tipo 1 e, em princípio, não ficouconvencido de que se tratava de um quadro de diabetes mellitus tipo 2. Por outro lado, o pediatra suspeitando estar diante de uma condição de origem genética, razão pela qual solicitou o sequenciamento completo de um gene que codifica para uma importante enzima relacionada ao metabolismo de carboidratos, sendo que os resultados constataram, de fato, a presença de uma mutação pontual c.1099G>A (GUG → AUG), em heterozigose . Tal mutação acarreta a substituição de uma Valina por uma Metionina na posição 367 da estrutura primária da enzima em questão. Após o diagnóstico, o médico prescreveu terapia medicamentosa com glibenclamida , o que garantiu um excelente controle glicêmico. PERGUNTA 1.1. Considerando os resultados dos exames laboratoriais, bem como as informações presentes no caso clínico, qual o tipo de diabetes apresentado por esta paciente? Em sua resposta, inclua: i.o nome da enzima deficiente nesta paciente; ii. em qual(ais) célula(s) esta enzima é expressa e; iii. de que maneira esta deficiência enzimática interfere no metabolismo de carboidratos destas células,justificando o quadro clínico apresentado por esta paciente. A paciente apresenta diabetes MODY por deficiência na enzima glicoquinase. A glicoquinase é expressa em hepatócitos e em células β pancreáticas. A deficiência de glicoquinase prejudica a glicólise hepática, visto que hepatócitos não expressam quantidades suficientes de hexoquinase. Nesse sentido, durante o período absortivo, o controle da glicemia através de vias hipoglicemiantes como: glicólise, via das pentoses fosfato, glicogênese e lipogênese são diretamente afetados. Isso porque a glicoquinase é fundamental para que a glicose, ao entrar no hepatócito, seja fosforilada a glicose 6-fosfato e, consequentemente, permaneça aprisionada no interior da célula. Além disso, considerando as características cinéticas da glicoquinase, a deficiência desta enzima também resultará em prejuízos para o metabolismo das células β do pâncreas. Isso porque esta enzima atua como um sensor de hiperglicemia. Em outras palavras, a glicoquinase possui um elevado valor de Km (10 mM), muito superior às concentrações de glicose em euglicemia (4 mM). Por esta razão, sua função catalítica fica restrita a situações de hiperglicemia. Quando há hiperglicemia, a glicoquinase se torna capaz de catalisar a fosforilação de glicose a glicose 6-fosfato em células β. Além disso, por apresentar elevada Vmáx e por não sofrer regulação Alostérica negativa pela glicose 6-fosfato, o fluxo glicolítico permanece em grande intensidade, resultando em uma elevação na razão [ATP]/[ADP], importante para desencadear o processo de exocitose de insulina pelo fechamento de canais de potássio sensíveis a ATP. A deficiência de glicoquinase em células β, portanto, reduzirá a quantidade de insulina secretada em hiperglicemia. PERGUNTA 1.2. Considerando o caso clínico apresentado acima, o médico pediatra optou por receitar o uso de glibenclamida, um composto que bloqueia canais de potássio sensíveis a ATP de células β pancreáticas. Explique, de acordo com seu mecanismo de ação, por que a glibenclamida resultou em um efeito terapêutico adequado ao tipo de diabetes desta paciente Considerando a etiologia do diabetes MODY, a deficiência de glicoquinase em células β dificulta a elevação das concentrações de ATP e, consequentemente, dificulta o fechamento de canais de potássio sensíveis a ATP Com menos canais de potássio fechados, há menor despolarização da membrana e menor quantidade de canais de cálcio (sensíveis a voltagem) abertos. Há redução no influxo de cálcio, prejudicando muito a exocitose de insulina que se encontra armazenada em vesículas. A glibenclamida, portanto, ao promover o fechamento desses canais de potássio, independente da concentração de ATP, seria portanto a terapia medicamentosa mais indicada para esta paciente, aumentando a secreção de insulina. CASO 2. Homem, 28 anos, dá entrada no serviço de urgência trazido pelos amigos, inconsciente às 06:15, com história de que estava em festa “open bar” desde as 18:00 do dia anterior e que “acabou de desmaiar”. Informante refere que última ingestão alimentar tinha sido às 17:00, desde então só estava ingerindo as mais variadas bebidas alcoólicas. Não tinha história de comorbidades e nem de uso de medicações concomitantes. Ao exame físico, paciente eutrófico (sem obesidade e sem desnutrição), pálido, sem resposta ao chamado verbal e ao estímulo doloroso, pulsos finos e sudorese fría . Foi feita dosagem de glicemia, com resultado de 40 mg/dL (valor de referência da normalidade: 70-99 mg/dL). O plantonista prescreveu monitorização dos sinais vitais, lavagem gástrica, hidratação endovenosa com soro glicosado, e tiamina intramuscular. PERGUNTA 2.1. Qual alteração metabólica é responsável pelo quadro clínico apresentado pelo paciente? Identifique a via metabólica comprometida e explique o mecanismo fisiopatológico que levou o paciente a esta alteração metabólica. O paciente está com uma hipoglicemia causada pelo consumo de álcool (etanol). O consumo de etanol, especialmente após períodos de atividade intensa ou depois de várias horas sem comer, resulta em uma deficiência de glicose no sangue, uma condição conhecida como hipoglicemia. A via metabólica comprometida é a via da neoglicogênese. O metabolismo oxidativo do etanol no fígado promove a depleção (diminuição) da concentração de NAD+. Com a diminuição de NAD+ as vias precursoras da neoglicogênese vão ser interrompidas, causando a interrupção da produção de glicose no fígado, especialmente após um período prolongado de jejum. PERGUNTA 2.2. Descreva as razões que explicam as alterações de pH observadas na gasometria arterial. NADH e a consequente baixa nos níveis de NAD+ favorece a formação do lactato a partir do piruvato, por ação da enzima lactato desidrogenase, levando ao acúmulo de lactato na célula e no sangue (e a consequente diminuição do seu pH, uma acidose metabólica). CASO 3. Paciente, sexo feminino, 24 anos. No primeiro ano de vida, foi internado devido a quadro de febre, vômitos, taquipneia, acidose metabólica (acidose lática) e hipoglicemia em jejum. Ao exame físico apresentou pressão arterial regular, peso e estatura abaixo do normal para idade e hepatomegalia. Naquele momento foi iniciada investigação do caso, e a hipótese de glicogenose tipo Ia (doença de Von Gierke) foi posteriormente confirmada mediante biópsia hepática. Foi iniciado tratamento dietético, com reposição de carboidratos (amido de milho) desde a infância, apresentando melhora da hipoglicemia. PERGUNTA 3.1. Qual enzima está deficiente nessa paciente? Correlacione a deficiência dessa enzima com a hipoglicemia em jejum observada na paciente, citando as vias metabólicas afetadas. Enzima deficiente: glicose-6-fosfatase. Em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfatase, os hepatócitos apresentam deficiência na conversão de glicose-6-fosfatoem glicose, e portanto tornam-se incapazes em liberar glicose para a corrente sanguínea a partir da glicogenólise e da gliconeogênese, falhando assim em manter a glicemia durante o jejum. PERGUNTA 3.2. Em condições fisiológicas, a via metabólica envolvida nessa patologia estaria ativa nos períodos entre as refeições (jejum) por meio de sinalização hormonal. Explique como funciona esse mecanismo regulatório específico. Em baixas concentrações de glicose sanguínea, o hormônio glucagon presente na circulação se liga a receptores na célula hepática iniciando uma cascata de sinalização intracelular que leva a uma modificação covalente (fosforilação) da enzima glicogênio fosforilase e consequentemente a sua ativação, permitindo dessa forma que glicogênio seja degradado liberando glicose livre no sangue. CASO 4. Homem, 65 anos, relata uma história de 2 meses de tosse seca persistente e perda de peso não intencional de aproximadamente 4,5 kg. O paciente nega febre, dispneia, faringite, rinorreia, dor torácica e hemoptise. Sua história médica pregressa é significativa em relação a doença pulmonar obstrutiva crônica e hipertensão. Não possui histórico familiar de câncer. Ele fumou 1 maço de cigarros por dia durante 40 anos, mas parou de fumar há 5 anos. No exame físico, não foi detectada adenopatia palpável e os murmúrios vesiculares estavam reduzidos globalmente de forma uniforme, sem sibilos focais ou estertores. Foi diagnosticado com carcinoma pulmonar de pequenas células (CPCP) (Modificado do BMJ). Para o surgimento de uma neoplasia há um acúmulo de mutações promovendo proliferação celular descontrolada e inibição de morte celular. Para adquirir essas características, algumas proteínas estão expressas em excesso e outras estão em falta. Uma análise molecular desse carcinoma identificou diversos genes mutados, entre eles o gene myc que encontra-se superexpresso e também o gene P53 cuja expressão se encontra diminuída. O oncologista iniciou o tratamento com o quimioterápico etoposídeo, um fármaco que atua na enzima topoisomerase II. PERGUNTA 4.1. Qual etapa do dogma central da biologia molecular atua o quimioterápico utilizado? Como ele interfere no mecanismo normal da célula? Explique utilizando a função da enzima alvo As DNA-topoisomerases evitam o emaranhamento (superenrolamento) do DNA durante a replicação. O deslocamento da forquilha de replicação ao longo da fita dupla de DNA cria o chamado “problema do enrolamento”. As duas fitas parentais, que estão enroladas uma sobre a outra, devem ser desenroladas e separadas para ocorrer a replicação. Em princípio, esse desenrolamento pode ser obtido pela rotação acelerada de todo cromossomo à frente da forquilha em movimento; contudo, isso é muito desfavorável energeticamente (em especial em cromossomos longos) e, pelo contrário, o DNA à frente da forquilha de replicação torna-se supertorcido. Essa supertorção, por sua vez, é continuamente aliviada por proteínas conhecidas como DNA-topoisomerases. (0,4 para a função correta da topoisomerase) Impedir ação dessas proteínas durante o processo de replicação provoca quebras no DNA, interrompendo o processo e induzindo a morte celular da célula. (0,4 para o impacto do quimioterápico na replicação) PERGUNTA 4.2. Você é um pesquisador e deseja desenvolver um RNA de interferência (RNAi) para esse carcinoma de pequenas células. Qual dos dois genes descritos no caso clínico seria o alvo dessa terapia? Justifique sua escolha explicando como o RNAi atua. Gabarito pergunta Alvo: gene myc (0,4) A RNAi possui potencial para o tratamento de doenças humanas. Considerando-se que muitas doenças humanas resultam da expressão alterada de genes, a habilidade de desativar esses genes pela introdução experimental de moléculas complementares de siRNA é uma grande promessa médica. Nesse processo, pequenos RNAs de fita simples (20-30 nucleotídeos) atuam como RNAs guias que reorganizam seletivamente e se ligam – por meio de pareamento de bases – a outros RNAs na célula. Quando o alvo é um mRNA maduro, os RNAs não codificadores pequenos podem inibir a tradução desse alvo ou até mesmo catalisar a destruição do mesmo. Se a molécula de mRNA alvo estiver no processo de ser transcrita, o RNA não codificador pequeno pode se ligar a ele e dirigir a formação de certos tipos de cromatina repressiva no molde de DNA associado. (0,3) Em qualquer situação, o uso do RNAi provoca um silenciamento gênico, portanto ele se torna uma excelente ferramenta apenas quando o gene está sendo superexpresso como o gene myc do caso. No caso do gene P53 que já está diminuído, o uso do RNAi reduziria ainda mais sua expressão, contribuindo para o crescimento do câncer. (0,3) CASO 5. Identificação: Paciente, sexo feminino, 70 anos, prendas domésticas, separada, católica, natural do Paraná e procedente de E. Matarazzo- São Paulo-SP Queixa e Duração: Ferimento em perna direita há 10 dias. História da Moléstia Atual: Paciente informou que há 10 dias foi mordida por seu cachorro, sendo que os ferimentos se concentraram em membro inferior direito, mais precisamente em coxa. Declarou que foi levada ao serviço de Pronto Atendimento do convênio médico 3 horas após o ocorrido, e neste, além de limpeza de ferimentos, recebeu vacina antitetânica. Além disso, foram prescritos antibiótico (amoxicilina e clavulanato de potássio) bem como sintomáticos para o quadro álgico. Relata que apesar do uso correto das medicações, não tem percebido melhora do quadro e diz que sua coxa está dura e que as lesões continuam abertas. Negou febre no período. Antecedentes pessoais: - Infarto Agudo do Miocárdio, há 5 anos - Dislipidemia há 5 anos, tratada com atorvastatina - Diabetes Mellitus tipo 2 há 8 anos, tratada com metformina -Hipertensão Arterial Sistêmica, há 20 anos, tratada com valsartana e hidroclorotiazida -Hábitos e vícios: Negou tabagismo e etilismo. PERGUNTA 5.1. A DM2 é uma doença multifatorial e a regulação gênica sobre essa doença tem sido intensamente pesquisada. Um dos achados é que fatores ambientais podem levar à uma metilação do gene para um fator transcricional da síntese de insulina (Pdx1/IPF-1).Nesse caso, haverá produção desse fator transcricional? Justifique sua resposta e inclua a explicação sobre a modificação no DNA descrita Não. Pois a metilação da região promotora do gene leva ao seu silenciamento. A metilação das ilhas CpG impede que fatores gerais de transcrição (complexo de iniciação da transcrição) e a RNA polimerase se liguem à região promotora do gene. “A metilação do DNA auxilia a reprimir a transcrição de várias maneiras. Os grupos metila em citosinas metiladas residem no sulco maior do DNA e interferem diretamente na ligação de proteínas (reguladores transcricionais, assim como fatores de transcrição gerais) requeridos para a iniciação da transcrição.” “O genoma humano contém aproximadamente 20 mil ilhas CG e elas geralmente incluem promotores de genes. Por exemplo, 60% dos genes codificadores de proteínas possuem promotores embebidos em ilhas CG e elas incluem praticamente todos os promotores dos genes denominados genes de manutenção – aqueles que codificam muitas proteínas essenciais para a viabilidade celular, sendo, portanto, expressos em praticamente todas as células”. PERGUNTA 5.2. A dificuldade de cicatrização relatada pela paciente é uma das complicações do diabetes e está relacionada a um prejuízo da angiogênese nesses pacientes que, em casos mais graves, pode levar às amputações. O fator de crescimento endotelial (VEGF) é uma importante proteína de sinalização envolvida na angiogênese. Diversas isoformas dessa proteína são produzidas a partir do gene VEGF e incluem: VEGF165, que é pró-angiogênica e VEGF165b, de atividade antagônica, que inibe VEGF165 (imagem). Como é denominado o mecanismo que produz as isoformas do VEGF ilustrado na imagem? Qual a etapa do controle da expressão gênica ele acontece? Justifique explicando o mecanismo. O mecanismo é denominado splicing alternativo,que faz parte das modificações pós-transcricionais sofridas por um RNA mensageiro recém sintetizado. RNAs mensageiros idênticos produzidos serão editados pelo spliceossomo, um complexo de proteínas que seleciona os éxons que serão mantidos, permitindo a tradução de isoformas diferentes de proteínas a partir de um único gene. Após essas modificações é que o RNAm se torna maduro e pode deixar o núcleo para ser traduzido no citoplasma. “O tipo de arranjo que inclui éxons-íntrons em eucariotos pode parecer inicialmente um grande gasto desnecessário; no entanto, ele leva a consequências positivas. Em primeiro lugar, os transcritos de diversos genes eucarióticos podem ser processados por splicing sob diferentes formas, cada uma delas levando à produção de uma proteína distinta. Esse tipo de splicing alternativo permite, portanto, que diferentes proteínas sejam produzidas a partir de um mesmo gene (Figura 7-21). Estima-se que aproximadamente 60% dos genes humanos sejam capazes de realizar esse tipo de splicing alternativo. Dessa forma, o splicing do RNA permite que os eucariotos elevem astronomicamente o potencial de codificação de seus genomas”.
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