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Relações entre Teorias Educacionais e Sociedade

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Teorias educacionais, 
sociedade e escola
A s relações entre escola e seu meio social sempre foram efetuadas em dupla direção, tanto a sociedade foi responsável por influenciar as teorias educacionais como a escola determinou alguns aspectos que afetaram a vida da sociedade.
 
ESCOLA impacto SOCIEDADE
Ao longo da história da educação, podemos perceber que essa dinâmica recíproca entre escola 
e sociedade se dá de maneiras diferentes, de acordo com o contexto. Algumas teorias educacionais 
estão ou já estiveram intimamente relacionadas com a sociedade. Por outro lado, há outras que se 
fecham unicamente no ambiente escolar. Ao percebermos as diferenças e características de cada uma 
dessas vertentes, podemos construir um conhecimento mais sólido sobre o alcance delas no âmbito 
social. Só assim é possível construir um saber capaz de relacionar a vida em sociedade com os proce-
dimentos concretos que acontecem no interior da escola.
Teorias sociais X teorias educacionais
Partindo do pressuposto filosófico de que o conceito de crítica é o de exame de um objeto de 
modo racional, o mais isento possível de preconceitos, visando à construção de um novo conhecimen-
to – podemos considerar como teoria crítica, portanto, toda aquela que atenda a essa exigência de 
um novo saber. Por outro lado, consideremos como não críticas aquelas vertentes que não tenham o 
mesmo objetivo ou até mesmo o recuse.
Se uma teoria crítica preocupa-se sempre em enfocar a realidade social em sua reflexão, uma 
abordagem não crítica pode mostrar-se distante de tal realidade.
Um exemplo de teoria crítica da educação encontra-se no livro de Dermeval Saviani, intitulado 
Escola e Democracia (1997). Assumiremos essa orientação tanto para caracterização de uma teoria 
crítica como para apontar outros tipos de teorias.
Uma teoria crítica é, portanto, aquela que leva em conta os problemas sociais; e não crítica é 
aquela que não se preocupa com esses problemas, acreditando haver saberes universais que não 
precisam de contextualização.
Ao contrário do que pode parecer, as teorias educacionais não críticas tiveram bastante visibi-
lidade, em especial até meados do século XX, e ainda gozam de certa credibilidade nos dias de hoje. 
Se nos parece óbvio que uma teoria em educação deva ser crítica e observadora da realidade social é 
por termos, atualmente, uma discussão pedagógica desenvolvida ao longo das décadas nessa direção. 
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No entanto, como veremos a seguir, há muitos aspectos aparentemente vantajosos 
nas abordagens não críticas, fazendo com que, muitas vezes, elas sejam franca-
mente assumidas.
Comecemos, então, por apontar e analisar as principais teorias educacionais 
classificadas como não críticas. Como já dito, o que as caracteriza é a crença 
de que os saberes preconizados pela escola são conhecimentos universais e, sendo 
assim, não precisam de contextualização com a realidade, pois serão válidos em 
qualquer tempo e local.
Apenas para exemplificar, notemos o caso da disciplina escolar de Matemá-
tica. Há um risco de a tomarmos como algo abstrato, sem conexão com a realida-
de. Muitos supõem que a realidade social não está ligada à Matemática que para 
aprendê-la temos de seguir os passos sugeridos na escola. No entanto, um olhar 
mais cuidadoso da realidade nos mostra a existência de pessoas que aprendem cer-
tos raciocínios matemáticos de modo prático, valendo-se de caminhos totalmente 
diferentes daqueles que são ensinados no ambiente escolar.
Isso não indica que há uma forma melhor de se aprender Matemática ou 
qualquer outro saber. Demonstra, no entanto, que há muitos caminhos para obten-
ção do conhecimento e a escola não é a única detentora dos saberes.
Hoje é uma preocupação corrente nas ciências matemáticas a relação entre 
seu saber específico e a vida social cotidiana. Essa preocupação advém de uma 
abordagem crítica dessa disciplina. Já as teorias não críticas, pelo contrário, su-
põem que o aluno deve receber da escola todas as informações necessárias para 
sua formação intelectual e moral. Segundo essa vertente, o que acontece fora dos 
muros da escola não se configura como conteúdo para a prática educativa – e a 
preocupação com a realidade social, quando aparece, é meramente ilustrativa, ou 
seja, não orienta nenhuma forma de conhecimento, apresenta apenas exemplos de 
conceitos previamente trabalhados. Ironicamente, os dois modelos mais conhe-
cidos de teorias educacionais não críticas são quase o avesso um do outro, mas, 
como veremos, há uma razão na contradição existente entre eles. Estamos falando 
da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova. Além desses dois, há mais uma 
vertente conhecida como Pedagogia Tecnicista.
Teorias educacionais não críticas
Pedagogia Tradicional
Comecemos por entender as características da Pedagogia Tradicional. Esse 
modelo de ensino, como o próprio nome diz, tem seu fundamento na tradição. 
Tradição moral, tradição intelectual e tradição de ensino. As escolas representan-
tes do ensino tradicional são aquelas nas quais os fundamentos da disciplina (da 
conduta) são levadas ao mais alto grau. Todo saber está nas mãos do professor, 
que o transmite aos alunos como se eles fossem elementos passivos na relação de 
ensino e aprendizado.
Para o professor que segue essa vertente, o bom aluno é aquele que obedece 
às regras e tira boas notas. Para esse estudante obter seu êxito escolar é preciso 
Teorias educacionais, sociedade e escola
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conhecer muito sobre tudo o que foi apresentado pelo professor. O estudo, nesse 
caso, tem critério quantitativo, e o conteúdo a ser reproduzido pelo aluno em suas 
avaliações deve ser sempre o mais semelhante possível à explicação do mestre, 
dos livros e dos materiais de referência. A criatividade e a espontaneidade assu-
mem possibilidades muito limitadas dentro desse processo.
No imaginário de nossa sociedade, a Pedagogia Tradicional é responsável 
por dotar o processo de ensino-aprendizagem de caráter “forte” e disciplinado, 
sem espaço para distrações e individualidades. A partir de todo esse cerceamento 
da liberdade individual, advinda da pedagogia tradicional, resta pouco espaço 
para uma crítica social, o que exigiria flexibilidade nas opiniões e troca de ideias. 
Essa vertente pedagógica já conta com ideias preestabelecidas e, assim, não há 
nada para o aluno acrescentar. Por essas razões é que a Pedagogia Tradicional 
deve ser considerada uma teoria não crítica da educação.
Até a primeira metade do século XX esse era o modelo pedagógico mais 
difundido, inclusive nas escolas públicas de todo país.
Hoje ainda existem muitos focos desse tipo de educação, com evidentes 
mudanças disciplinares. Essas escolas que visam estritamente à transmissão de 
conteúdos e à disciplinarização de seus alunos podem ser classificadas como se-
guidoras de uma teoria educacional não crítica.
Pedagogia Nova
Como o modelo da Pedagogia Tradicional foi se desgastando, houve an-
seio cada vez maior por alguma forma de educação que não fosse tão repressora 
e disciplinarizadora. A partir de meados do século XX, surge um movimento 
educacional caracterizado por ser o contraponto da Pedagogia Tradicional. Esse 
movimento ficou conhecido como Pedagogia Nova. São representantes desse mo-
vimento a chamada Escola Nova, o Construtivismo, o método Montessori, entre 
outros. A tônica principal desses métodos foi a de tentar inverter os pressupostos 
da até então hegemônica Pedagogia Tradicional. Assim, no lugar do ensino em 
quantidade, preconizava-se a qualidade; no lugar da disciplina, foi defendida a 
liberdade; no lugar do professor como senhor do saber, o aluno como descobridor 
do conhecimento. O interesse passou a ser a palavra de ordem na prática pedagó-
gica e o professor o estimulador do descobrimento do mundo.
Quando temos um descontentamento, é evidente termos a necessidade de 
modificar aquilo que está nos incomodando. Assim ocorreu com a Pedagogia 
Nova. Todos os seus principais fundamentos estão ligados a uma simplesinver-
são dos valores da Pedagogia Tradicional.
Dessa forma, a Pedagogia Nova não foi capaz de tocar na questão da 
crítica educacional porque não questionava os antigos pressupostos pedagó-
gicos à luz da realidade social. Com isso, a Pedagogia Nova também deve ser 
entendida como teoria não crítica.
De fato, se notarmos as propostas que essa “nova” vertente pedagógica pre-
coniza, perceberemos que não houve criação de nenhuma estratégia para a reali-
Teorias educacionais, sociedade e escola
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dade social passar a fazer parte do conteúdo educativo. Ao flexibilizar a disciplina 
e centrar o foco no interesse do aluno, a educação da Pedagogia Nova continuou 
alheia à sociedade, enfatizando o comportamento do aluno exclusivamente dentro 
dos muros da escola. Por exemplo, se há uma diferença social entre os alunos, tal 
diferença não será objeto de trabalho pedagógico, mas simplesmente será respei-
tada a forma como cada indivíduo se manifesta.
De acordo com a Pedagogia Tradicional, essas diferenças sociais dadas entre 
os estudantes não poderiam existir; o que essa vertente propunha era a equalização 
de seus alunos. Já na Pedagogia Nova, as diferenças são respeitadas, mas tanto em 
uma como em outra vertente, essas diferenças não serviram para demonstrar reali-
dades diversas, para propor discussões sobre tais diferenças, enfim, para construir 
um cenário crítico no qual o aluno fosse capaz de interpretar sua própria realidade 
social e também a dos seus colegas. A escola da Pedagogia Nova continuou, por-
tanto, apartada da realidade social, vivendo em um mundo próprio.
Pedagogia Tecnicista
O terceiro tipo de teoria educacional representante das teorias não críticas 
é a Pedagogia Tecnicista. Como nem o modelo da Pedagogia Tradicional nem o 
da Pedagogia Nova foram capazes de produzir certos resultados – por exemplo, o 
de garantir ao aluno formação suficiente para o trabalho – surgiu uma pedagogia 
com objetivos extremamente pragmáticos, voltada para a qualificação profissional 
do aluno. A Pedagogia Tecnicista deixou de lado tanto os conteúdos tradicionais, 
tão valorizados pela Pedagogia Tradicional, como as estratégias de interesse e 
criatividade do aluno, focos da Pedagogia Nova. Com isso lançou-se um objetivo 
pragmático e direto: capacitar o aluno para tarefas práticas, no sentido técnico e 
operacional. Baseada em pressupostos mecânicos da ciência, esse tipo de educa-
ção não se preocupou com a autonomia do aluno, tampouco com sua cultura geral 
ou capacidade de reflexão. Essas são virtudes desejáveis, mas não necessárias à 
formação do homem técnico. Segundo esse mesmo pressuposto, esse homem téc-
nico é aquele que realiza tarefas, operacionaliza ações, reduz os custos, aumenta 
a produtividade, maximiza os lucros, tudo sem muita abstração ou envolvimento 
pessoal, que podem distanciá-lo do modo prático de entender a vida.
A escola, como um todo, absorveu muito desse espírito técnico, em especial 
nas décadas finais do século XX, quando a Pedagogia Nova se encontrava desa-
creditada. Há alguns exemplos bastante expressivos desse tipo de educação, que 
são as chamadas escolas técnicas ou escolas de ensino profissionalizante. Era 
comum no final do século XX, e ainda é nesse começo de século XXI, alunos que 
não logram êxito na escola optarem pelo ensino profissionalizante. Torna-se claro 
como esse modelo educativo está distante de qualquer possibilidade crítica, pois 
antes de proporcionar qualquer reflexão do aluno e da sua realidade social, limita- 
-se a inserir o indivíduo no mundo do trabalho. A escola, nesse caso, aparece como 
mero trampolim para a inclusão social, sem formar o indivíduo para o exercício da 
Teorias educacionais, sociedade e escola
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cidadania consciente. É evidente que nem toda escola de ensino profissionalizante 
pode ser enquadrada nesse modelo pedagógico, mas também é claro que existem 
variáveis nas escolas de ensino tradicional ou da Pedagogia Nova. O que estamos 
abordando aqui são as características gerais de cada uma dessas vertentes da teo-
ria pedagógica e a convergência das três em torno da questão da não criticidade.
Quadro comparativo das teorias não críticas
Pedagogia Tradicional Pedagogia Nova Pedagogia Tecnicista
Centrada no professor Centrada no aluno Centrada no trabalho
Disciplina Liberdade Técnica
Deseja o aluno culto Deseja o aluno criativo Deseja o aluno habilidoso
Aprender a conhecer Aprender a aprender Aprender a fazer
Teorias educacionais críticas
À medida que as ciências humanas foram se desenvolvendo, acentuava-se 
uma crítica a esses modelos de escolas, tidos como anacrônicos e alienados quan-
to ao panorama político e social vigentes. Dessa forma, surgem novos modelos 
teóricos para abordar a questão educacional e o papel da escola. São teorias que, 
embasadas em estudos de natureza social, política ou econômica, propõem uma 
reflexão dos diferentes aspectos próprios do âmbito escolar, como a relação de 
autoridade existente entre professor e aluno.
Essas novas teorias possuem caráter crítico por tecerem análises e reflexões 
sobre a instituição educacional e sobre o papel da escola na sociedade. No entanto, 
a forma como as teorias das ciências sociais abordaram o fenômeno educativo 
não levou em conta a singularidade da escola, apenas reproduzindo as mesmas 
ideias que se tinha sobre as instituições em geral para o particular da escola. Por 
essa razão, tais teorias são caracterizadas como teorias crítico-reprodutivistas. 
São consideradas críticas, pois se relacionam com a sociedade, mas também são 
reprodutivistas porque consideram a escola como simples reflexo da sociedade, 
que mantém com essa instância uma relação de profunda dependência.
Como sabemos, a escola faz parte da sociedade e traz marcas do social 
em seus comportamentos. No entanto, também é preciso notar que há singu-
laridades nos fenômenos escolares. A escola não é uma “sociedade em minia-
tura”, contendo características que aparecem com maior ou menor ênfase no 
ambiente escolar do que em outros lugares.
Há ainda situações e papéis que são vivenciados somente nos anos escolares. 
É aí que essas teorias tornam-se passíveis de contestação. Vejamos quais são os 
representantes principais dessas teorias crítico-reprodutivistas e suas característi-
cas fundamentais.
Teorias educacionais, sociedade e escola
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Teorias crítico-reprodutivistas
Escola como espelho da sociedade
A primeira teoria desse grupo entende a escola como espécie de violência 
simbólica1 permanente e consentida. Ela parte do pressuposto que a sociedade é 
estruturada em classes sociais e toda a vida coletiva desenvolve-se pelo jogo de 
forças entre essas classes. A escola, por sua vez, acaba por reproduzir esse jogo 
de forças segundo a teoria. Então vejamos: na sociedade há uma classe com mais 
poder que outra e esta deseja manter-se no poder. Se isso é verdade, parece óbvio 
aos defensores desta teoria a escola, como instituição social, defender valores 
que mantenham a posição dos mais fortes. Por isso, fala-se da existência de uma 
violência simbólica na escola, visto que essa instituição acaba por forçar os menos 
favorecidos socialmente a aceitarem a dominação dos mais fortes. Existem exem-
plos que dão razão a esses argumentos. Por exemplo, no livro As Belas Mentiras, 
de Maria de Lourdes C. D. Nosella (1981), há uma análise da ideologia subjacente 
aos textos didáticos utilizados por muitas escolas. A autora nos mostra que, sem 
percebermos, valores e preconceitos morais estão presentes em simples contos in-
fantojuvenis ou em explicações da matéria, fazendo com que certas desigualdades 
sociais sejam perpetuadas. A autora menciona, além desse, muitos outros exem-
plos comuns ao cotidiano escolar de muitas décadas, os quais atuam de acordo 
com esse tipo de violência, a simbólica.
Outro exemplo de violência simbólica: um aluno vê a ilustração de uma cena 
familiar em que aparece o pai encaminhando-se para o trabalho, os filhos para a 
escola e, por fim,a mãe fica em casa, ocupando-se dos afazeres domésticos. Isso 
já nos parece algo “normal”, isento de preconceitos, adequado. No entanto, por 
mais trivial que possa parecer, a figura traz consigo grande preconceito sobre o 
papel social da mulher, preconceito esse que vai sendo perpetuado pela escola nos 
moldes de uma violência simbólica. Também nos remete a valores como trabalho, 
educação, matrimônio e família nuclear moderna.
De acordo com a vertente crítico-reprodutivista, espera-se que a escola re-
produza o jogo de forças da sociedade, mas não se supõe que essa mesma institui-
ção tenha seu próprio jogo de forças, tampouco ser capaz de desencadear alguma 
mudança no panorama social.
Uma teoria crítica mais completa deve subentender essa dialética, compreen- 
dendo que tanto a sociedade influencia a escola como a escola influencia a socie-
dade.
Escola a serviço do Estado
O segundo tipo de vertente educacional crítico-reprodutivista vê a esco-
la como aparelho ideológico do Estado. Muito parecida com a teoria da esco-
la como violência simbólica, essa também supõe que a educação escolar disse-
mina os valores sociais dominantes, só que nesse caso, tais valores interessam 
1Violência simbólica é um termo desenvolvido pelo 
francês Pierre Bourdieu no 
qual aborda uma forma de 
violência exercida no corpo 
dos sujeitos, contudo, sem 
um processo de coação físi-
ca, causando danos morais e 
psicológicos. 
Teorias educacionais, sociedade e escola
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à dominação do governo, ou melhor, do Estado. Em um modelo de educação 
no qual a grande maioria das crianças estuda em escolas públicas – tal qual o 
modelo brasileiro – é evidente que certas determinações impostas pelo Estado às 
escolas podem ter impacto muito grande na educação, devido ao enorme número 
de indivíduos que serão atingidos de forma direta (alunos) e indireta (famílias, 
comunidades).
Um exemplo conhecido e polêmico de medida governamental socialmente 
impactante é o da exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia do currículo; 
ou ainda a substituição delas pela “Educação Moral e Cívica” ou pelos “Estudos 
Sociais”. Como se sabe, essas exclusões e substituições acarretam em empobre-
cimento da capacidade crítica dos alunos, pressupondos-e ser objetivo de um go-
verno totalitário que deseja manter apaziguada sua população.
No entanto, essa teoria também tem a marca reprodutivista quando se esque-
ce que os atores sociais da escola, ou seja, alunos, professores e outros profissionais 
envolvidos com a instituição, não precisam estar sempre vergados às orientações 
do Estado. A capacidade crítica desses sujeitos lhes permite contestar, alterar e até 
mesmo recusar aquilo que lhes pareça incorreto ou manipulador. Ao supor que a 
escola será apenas instrumento para a dominação do Estado, essa teoria não avança 
para a possibilidade de uma posição educacional realmente crítica.
Escola dualista
Por fim, a última das teorias crítico-reprodutivistas é a da escola du-
alista. Nela, acredita-se que a escola tem dupla tarefa determinada pela di-
visão social do poder. Por um lado, a escola ensina os valores da camada 
social dominante e assim reforça sua ideologia. Por outro, indica que os não deten-
tores do poder devem trabalhar e se esforçar para ter uma vida honesta e feliz. De 
modo geral, esse modelo de escola preconiza é a continuidade das desigualdades 
sociais e, justamente por isso, é chamada vertente dualista, ou seja, trata-se de 
um saber diferenciado para cada estrato social. O mais favorecido deve aprender 
a mandar, a exercer o poder e a perpetuar sua dominação, e o menos favorecido, 
por meio de seu trabalho, deve saber obedecer, conformar-se com a realidade e so-
nhar que um dia poderá ser rico, seja por meio da sorte, seja por meio do trabalho 
– o que do ponto de vista das diferenças sociais é praticamente impossível. Mais 
uma vez, embora essa teoria nos alerte para um perigo que de fato se encontra 
em muitas realidades educativas, escapa-lhe a possibilidade de a escola construir 
um saber superador das desigualdades sociais. É claro que a mudança profunda 
nas bases econômicas do país não depende apenas de uma boa educação, mas 
também é certo a escola fazer parte desse projeto de erradicação das diferenças 
entre seus indivíduos. Pior que a desigualdade social é a desigualdade cultural, 
pois ela impede o cidadão de analisar sua própria condição e reivindicar, para si 
e para os outros, meios dignos de existência. Ao não considerar essa importante 
possibilidade de ação social da educação, a teoria da escola dualista caracteriza-se 
como reprodutivista.
Teorias educacionais, sociedade e escola
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Quadro comparativo das teorias crítico-reprodutivistas
Violência Simbólica Aparelho Ideológico do Estado Escola Dualista
Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais
Predomina a vontade do grupo 
dominante
Predomina a vontade do Estado
Dominantes e dominados têm 
vontades diferentes
O dominante se impõe sobre o 
dominado
O Estado se impõe sobre todos
O dominado sonha em ser 
dominante
Como vimos, nem as teorias não críticas nem as crítico-reprodutivistas fo-
ram capazes de construir uma relação positiva entre escola e sociedade, de modo 
a possibilitar à escola absorver a realidade social e também de propor formas 
de interpretação e transformação dessa mesma realidade. Para nos mantermos 
na mesma referência proposta nesse texto, ou seja, na abordagem oferecida por 
Dermeval Saviani em Escola e Democracia, vejamos os principais passos para 
a superação dessas limitações, ou seja, como poderíamos arquitetar uma teoria 
crítica que não incorra nos erros das teorias não críticas ou nos das teorias crítico-
-reprodutivistas. Para isso, o autor nos oferece cinco passos inspirados na peda-
gogia de Herbart e Dewey, que serão apresentados a seguir, com uma adaptação 
voltada para os objetivos desse texto.
Passos para uma teoria crítica da educação
 1.o passo – prática social
 Trata-se de partir da realidade social dos alunos para construir o conhe-
cimento. De acordo com a Pedagogia Tradicional, o professor oferece o 
conteúdo sem se importar com a realidade social dos alunos. Na Peda-
gogia Nova, a realidade do aluno também é indiferente à prática peda-
gógica, pois o foco está no interesse de transformação dessa realidade. 
Na educação que possui caráter crítico, a realidade do discente seria o 
ponto de partida para uma prática pedagógica social, pois contextualiza 
as experiências vividas pelos alunos no âmbito do processo de ensino-
-aprendizagem. A partir daí, essa educação crítica diagnostica o contexto 
do aluno para aplicar os conteúdos e métodos mais coerentes com ele.
 2.º passo – problematização
 Nessa etapa, espera-se que os conhecimentos propostos pela educação 
sejam capazes de se relacionar com a realidade social, de modo a formar 
problemas a serem trabalhados. Portanto, nessa fase não são apresenta-
das soluções práticas, como é o caso da vertente educacional tecnicista, 
mas é construído um panorama amplo em torno das relações entre os co-
nhecimentos trabalhados pela escola e as possibilidades de modificação 
da vida social que tais saberes podem propiciar.
Teorias educacionais, sociedade e escola
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 3.o e 4.o passos – instrumentalização e catarse
 Para os fins desse texto, evitando compor um referencial muito detalha-
do, propomos uma abordagem do terceiro e do quarto passos em conjun-
to. Ambos referem-se, basicamente, à autonomia que o conhecimento 
pode trazer ao aluno. A problematização dos conhecimentos à luz de seu 
contexto realizada no passo anterior deve ser incorporada pelos alunos 
de modo que eles possam, efetivamente, levar o aprendizado para além 
dos muros da escola e aplicar seus saberes para obtenção de melhor qua-
lidade de vida.
 5.o passo – prática social
 O último passo volta ao ponto de partida, que é a prática social. No entan-
to, nessa fase – com a herança dos ganhos dos passos anteriores– espera 
-se que o aluno seja capaz de voltar à prática social com conhecimentos 
suficientes para capacitá-lo a interpretar e transformar essa prática. Sua 
relação com o meio social agora deve ser autônoma e consciente. A escola 
dotou o indivíduo da capacidade de refletir por meio de uma educação 
crítica. Essa educação não se limitou a saberes sem relação com o mundo 
em que ele vive – como fazem as pedagogias não críticas – tampouco 
tentou inculcar-lhe uma visão de mundo conformada e imóvel como pre-
conizam as teorias crítico-reprodutivistas.
É evidente que esses passos propostos não se configuram como receita in-
falível de sucesso educacional, nem mesmo como certeza da relação entre escola 
e sociedade, mas certamente apontam um caminho inteligente, até mesmo por 
analisarem com cuidado os erros de teorias anteriores que se mostraram insu-
ficientes nesses mesmos propósitos. Manter constante a interação entre escola e 
prática social é objetivo central em qualquer prática educativa e o profissional da 
educação deve estar sempre atento para quais possibilidades podem melhor aten-
der a essas necessidades.
MANIFESTO DOS PIONEIROS DA 
EDUCAÇÃO NOVA (1932)
A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL – AO POVO E AO GOVERNO 
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da 
educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de re-
construção nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas 
condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o pre-
paro intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que 
são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 
Teorias educacionais, sociedade e escola
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43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, 
se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável 
entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de 
plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, 
à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. 
A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, 
lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspec-
tos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras 
abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus 
andaimes... 
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de de-
sorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determina-
ção dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos 
científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e 
científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que 
tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de hori-
zontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação 
meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma “cultura própria”, nem mes-
mo uma “cultura geral” que nos convencesse da “existência de um problema sobre objetivos e fins 
da educação”. Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos 
de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las 
para uma direção, o polo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organi-
zação e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas 
da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais 
eficazes para a realização da obra educacional. 
Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, 
trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins 
de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade 
de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólo-
go, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida 
humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimen-
to dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do 
efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem 
a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam 
na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida 
e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de 
vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou 
dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de 
investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situa-
ção, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos 
e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos 
serviços escolares.
(Disponível em: <www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.)
Teorias educacionais, sociedade e escola
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