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LINGUAGEM E ORALIDADE Caro aluno, seja bem-vindo à disciplina Linguagem e Oralidade! Vamos discutir como a oralidade se constitui nas nossas práticas sociais cotidianas a partir das diferentes situações de comunicação, nas variadas mídias, eletrônicas e impressas. As reflexões propostas perpassam os diferentes gêneros discursivos, quer sejam artístico-literários quer sejam textos para estudo e pesquisa ou, ainda, textos que circulam na vida pública. Assim, esta disciplina oferecerá subsídios para o seu trabalho na etapa inicial da educação básica, seja na atuação direta em sala de aula ou na gestão escolar. Na Unidade 1, intitulada Linguagem e oralidade, você terá acesso às diferentes concepções de linguagem e verá como a relação que estabelecemos com a linguagem não é mecânica, tampouco simples, mas acontece por identificação. Essas reflexões iniciais o ajudarão a entender as particularidades da oralidade e da escrita, assim como as influências de uma modalidade na outra, considerando que a oralidade é prática social que se apresenta a partir de diferentes gêneros textuais, inclusive os midiáticos. Nesta unidade, você também estudará as variedades linguísticas e como elas afetam o modo como falamos e escrevemos, bem como refletirá a respeito do preconceito linguístico que se instala a partir da identificação dos sujeitos com os diferentes modos de se produzir textos orais e escritos. Essas discussões serão estendidas até a Unidade 2, Oralidade, que tratará da definição de oralidade e apresentará os elementos fonéticos e fonológicos da língua e tudo o que constitui a oralidade: os marcadores conversacionais presentes na fala, as entonações, as repetições, as pausas e os truncamentos. Já na Unidade 3, Manifestação da oralidade, você terá acesso aos diferentes modos de comunicação, às diferentes mídias e, consequentemente, às diferentes linguagens presentes nos mais variados e múltiplos gêneros de discurso que circulam em nossa sociedade. A Unidade 4, Oralidade e ensino, será o canal para você relacionar todas as discussões propostas nas unidades anteriores às práticas de ensino, entendendo como a Base Nacional Comum Curricular e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica consideram a oralidade para a formação da criança na prática social e na relação com o digital. Agora é com você! Venha refletir sobre as práticas de linguagem que acontecem nos diferentes contextos e nas situações sociais orais. Aproveite este livro e organize o seu aprendizado. esta unidade, você entrará no universo da linguagem e terá um primeiro contato com algumas definições importantes; reconhecerá as diversas manifestações orais, enquanto práticas sociais, e refletirá a respeito de como a linguagem identifica o sujeito. O conhecimento da linguagem e da oralidade possibilitará a você uma reflexão a respeito das práticas de linguagem no cotidiano, nas interações face a face, por intermédio das diferentes mídias e nas práticas recorrentes na escola, seja pela relação professor/aluno, professor/instância de governança da educação ou professor/pais/família e comunidade. Assim, você conseguirá organizar práticas sociais de oralidade e reconhecer suas especificidades culturais e linguísticas por meio de diferentes mídias e suportes digitais. Na primeira seção, você conhecerá as concepções de linguagem que sustentam as discussões sobre linguagem oral e linguagem escrita na atualidade. Esse conhecimento o auxiliará, de forma coerente, no direcionamento do trabalho em sala de aula, pois, se você considera que a linguagem é, por exemplo, um processo de interação, uma prática que supervaloriza a norma gramatical passa a ser contraditória. Além disso, esse modo de considerar a linguagem também nos permite pensar a respeito dos processos de identificação, de como o modo como falamos e escrevemos diz sobre nós. As relações entre a oralidade e a escrita começarão a ser vistas na segunda seção desta unidade, tanto a “oposição” existente entre elas quanto a influência que a escrita sofre da oralidade. Uma das pretensões desta seção é desenvolver em você a capacidade de compreender a interface leitura/escrita a partir de momentos de expressão de sentimentos, ideias e criatividade para uma prática social interativa, bem como de construir caminhos teórico-práticos no processo de ensino e aprendizagem da oralidade, considerando diferentes mídias e suportes digitais para o desenvolvimento de habilidades orais de forma integral. Por isso, é aqui que você identificará como as chamadas novas mídias (redes sociais, blogs, podcasts, canais de vídeo e plataformas de EAD) utilizam os recursos orais, verbais e visuais a partir de diferentes gêneros discursivos em suas composições. Todas essas questões serão ainda mais importantes quando discutirmos os diferentes usos da linguagem a partir das variedades linguísticas. Na terceira seção você aprenderá sobre os tipos de variedades que temos na língua e ao que elas estão condicionadas – idade, gênero, guetos, regiões geográficas etc. POR DENTRO DA BNCC A BNCC apresenta dez competências gerais da educação básica e, entre elas, a competência quatro: “Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, p. 9). Para atingir essa competência, professores precisam ter acesso às diferentes concepções de linguagem e entender que a linguagem constrói a identidade. Os alunos, por sua vez, precisam entender que a linguagem é um ato que acontece no social, dentro de contextos específicos, a partir do uso dos mais variados gêneros textuais. O conhecimento das variedades linguísticas nos leva a entender que há diferentes modos de se falar e, com isso, combater o preconceito linguístico instalado em nossa sociedade. Desse modo, esta seção contribuirá para que você desenvolva a competência de identificar as variedades linguísticas e pensar em práticas educativas inclusivas, para as etapas da educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, que proporcionem o uso adequado dos diferentes gêneros orais sem preconceito linguístico. Vamos lá? PRATICAR PARA APRENDER Vamos dar início à primeira seção desta unidade. Você vai compreender o papel da linguagem e, sobretudo, da oralidade na comunicação humana. Atualmente, com o advento das novas mídias digitais, você já deve ter percebido que a linguagem toma as mais variadas formas: orais, escritas, imagéticas, em vídeos, mensagens de texto, áudios, memes, gifs. Diante dessa diversidade textual, o que é linguagem para você? Como podemos definir linguagem? Uma das definições para linguagem é entendê-la enquanto representação do pensamento, mas considerá-la assim é pressupor que conseguimos traduzir em palavras aquilo que pensamos e que conseguimos organizar, por meio da fala ou da escrita, o que está em nosso campo das ideias. E o que acontece, então, quando não conseguimos expressar o nosso pensamento? Você acha que é possível controlar isso pela linguagem? Veremos nesta seção. Outra definição, talvez a mais comum, é a linguagem como instrumento de comunicação. Pensar a linguagem enquanto instrumento é levar em conta que comunicar é a função primeira da linguagem, e se há comunicação, é porque há um emissor e um receptor que se revezam nesse processo. Como lidar, então, com os mal-entendidos causados pela linguagem em tantas situações de comunicação? Essa também é outra reflexão que desenvolveremos nesta seção. A outra concepção de linguagem que vamos apresentar nesta seção é a linguagem enquanto processo de interação. Note que, nessa abordagem, a linguagem não se restringe a representaraquilo que pensamos e não é vista apenas como um instrumento do qual nos utilizamos para nos comunicar e passar uma mensagem com dada intenção. Considerar a linguagem enquanto interação é saber que a linguagem é ação, realiza coisas, produz efeitos sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo. Todas essas concepções perpassam, de alguma maneira, a construção da identidade, que será um dos pontos aqui discutidos. A linguagem tem relação direta com a identidade, e aqui refletiremos sobre como essa relação acontece. Essas diferentes concepções de linguagem nos ajudam a entender o modo como a linguagem está em nós, como construímos o nosso dizer e como as “escolhas” linguísticas que fazemos em prol dos sentidos que desejamos atingir revelam muito sobre nós mesmos, identificando-nos. Volte à lembrança dos múltiplos textos que circulam atualmente em nossa sociedade; a familiaridade que você tem na produção de alguns deles e a dificuldade em relação a outros revelam uma identificação que vai além de simples escolhas e, muitas vezes, evidenciam toda uma relação sua com o aprendizado desses textos. Essa é uma das exemplificações de como conduziremos a discussão de identidade construída pela linguagem. Vamos pensar em uma situação-problema: você está participando de uma reunião pedagógica do segundo ano do Ensino Fundamental. Um professor relata uma prática pedagógica em que ele pede aos alunos que elaborem um registro oral de observação de um experimento científico realizado em sala para a troca de percepções e conhecimentos. Nesse relato, o professor afirma que os alunos não utilizam a linguagem oral de forma satisfatória, que se expressam mal e que precisam de mais atividades de reprodução de linguagem para melhorar o desempenho linguístico. O que você identifica como problema nesse relato? Que concepção de linguagem você acha que embasa esse professor? Quais questionamentos você pode fazer ao professor para instigá-lo a refletir sobre a linguagem que as crianças utilizam? Quais contribuições você pode trazer para o relato apresentado? Essas questões não precisam ser respondidas uma a uma necessariamente, mas são norteadoras, auxiliando-o na elaboração do seu percurso de reflexão sobre as concepções de linguagem. Venha reconhecer as diversas concepções de linguagem e manifestações orais que permeiam as práticas sociais no seu discurso, seja pelas atividades linguageiras cotidianas ou pelas atividades produzidas na escola, nas mais diferentes situações de aprendizagem, e entender como se dá a relação da linguagem com os processos de identificação. Bom estudo! CONCEITO-CHAVE Caro aluno, esta seção é o ponto de partida dos seus estudos sobre oralidade, já que conhecer e compreender um conceito tão importante para a sua prática pedagógica lhe dará acesso aos processos pelos quais os alunos usufruem da linguagem. Isso fará que você adote as estratégias e os recursos pedagógicos sustentados pelas ciências da educação que o auxiliarão no desenvolvimento dos saberes de forma coerente. Um dos resultados de aprendizagem esperados para esta unidade é o reconhecimento das diversas concepções de linguagem e manifestações orais que permeiam as práticas sociais no seu discurso e prática. É importante que você tenha clareza quanto à concepção de linguagem que vai embasar seu trabalho na escola, pois ela deve estar alinhada a suas perspectivas e práticas, evitando, assim, incoerências entre sua teoria e sua prática pedagógica. Vários autores contemporâneos apresentam concepções de linguagem, e três possibilidades de conceber a linguagem aparecem nos estudos da grande maioria deles: linguagem como forma de expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como forma de interação. Travaglia (2001), professor e pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia, é um desses autores. Vamos, então, conhecer as concepções de linguagem. LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO A primeira concepção que vamos apresentar é a que considera a linguagem como expressão do pensamento. Travaglia (2001) afirma que adotar essa concepção é adotar também a ideia de que as pessoas não se expressam bem porque não pensam bem. Se você considera que a expressão se constrói no interior da mente e sua exteriorização é apenas uma tradução, você se embasa na linguagem como representação do pensamento. Aceitar que a linguagem representa o pensamento, segundo o autor, é aceitar que a organização do pensamento de maneira lógica garante-nos a exteriorização desse pensamento de forma também organizada e adequada. Geraldi (2002a), outro pesquisador da linguagem e do ensino, segue com seus estudos na mesma direção e complementa que essa concepção é a que sustenta os estudos tradicionais, que reforçam a relação da impossibilidade de se expressar com o não pensar. ASSIMILE Na concepção de linguagem como forma de expressão do pensamento, o sujeito é o senhor absoluto do seu dizer e precisa seguir à risca as regras da gramática normativa. A escrita é o modelo para o bem falar, e exercícios de repetição ajudariam nesse processo. Perceba o quanto é arriscado você considerar a linguagem como expressão do pensamento. Partilhar dessa concepção é atribuir aos que “se expressam mal” um problema no seu próprio pensar, de modo que toda a responsabilidade sobre os dizeres recai naquele que diz, como se fosse um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pela situação, explica-nos Travaglia (2001). Aqui, a produção do texto não tem relação alguma com o contexto em que ele é apresentado tampouco para quem ele é dirigido. Para esses autores, o ensino tradicional que se sustenta na chamada gramática normativa, que traz as normas do bem falar e do bem escrever atreladas às normas do bem pensar, constrói-se a partir dessa concepção de linguagem. LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO Outra maneira de se conceber a linguagem é pensá-la como instrumento de comunicação. Você já deve ter visto em etapas anteriores da sua educação – seja para estudar as chamadas funções de linguagem ou a teoria da comunicação – o esquema de comunicação desenvolvido pelo linguista russo Roman Jakobson, que trazia como partes constituintes da comunicação um receptor e um emissor, que transmite determinada mensagem por um canal específico, numa dada língua, sobre um referente qualquer. Esse esquema estrutural é o grande norteador dessa concepção que estamos apresentando. Geraldi (2002a) defende que essa concepção considera a língua como um código, organizado por regras, a fim de que o emissor transmita uma mensagem ao receptor tendo como objetivo a comunicação. Perceba que, se há uma transmissão de informações, as regras precisam ser preestabelecidas, seguidas à risca, para que a comunicação se efetive. Por isso, complementa Travaglia (2001), esse código, que é a língua, deve ser conhecido pelos falantes, deve ser utilizado de maneira semelhante, pois se trata de um ato social. Se para você a linguagem é instrumento de comunicação, então você considera a língua de forma isolada, sem levar em conta os interlocutores e a situação de uso, desconsiderando o falante no processo de produção da linguagem e separando o homem do contexto social (TRAVAGLIA, 2001). Consegue perceber como é a língua o ponto central nessa concepção? ASSIMILE A concepção de linguagem como instrumento de comunicação considera que a linguagem serve apenas para transmitir mensagens, sem levar em conta o contexto de sua produção, obedecendo a um esquema prévio de comunicação: alguém que fala algo, numa dada língua, para alguém que decodifica. Quem considera que a linguagem não apenas verbaliza as nossas ideias nem apenas exterioriza o pensamento, e que o falante faz mais que usar a língua na produção da linguagem, transmitindo informações, pode identificar-se com a terceira concepção. Você entenderá, na terceira concepção,como a prática de linguagem é complexa, é ação, é o lugar da interação humana. LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO Nessa concepção, a linguagem é forma de interação, e nós praticamos ações que são possíveis somente pela linguagem: firmamos compromissos e vínculos que, sem a fala, não se concretizam, reforça Geraldi (2002a). A linguagem é, então, lugar de interação humana, complementa, ainda, Travaglia (2001), e produz efeitos de sentidos entre os locutores. Várias são as ciências da linguagem que sustentam seus estudos nessa concepção, entre elas, a linguística textual, a análise da conversação, a análise do discurso e a semântica argumentativa. ASSIMILE Na concepção de linguagem como forma de interação, a linguagem é interação humana no social. A linguagem é ação, e o contexto e a situação são levados em conta na produção de sentidos. O modo como a linguagem é articulada na fala ou na escrita produz sentidos sobre quem escreve, é fruto da identificação do sujeito com a língua. Não conseguimos desprender a linguagem de quem a utiliza. Outro autor que também compartilha desse posicionamento é Maurizio Gnerre (2009); ele reafirma que a linguagem não serve apenas para veicular informações, mas que essa é apenas uma função entre outras. REFLITA Você acha que práticas pedagógicas pautadas na concepção de linguagem como forma de interação, que não coloca a gramática normativa como ponto máximo de aprendizagem, conseguem promover um conhecimento da língua que dê conta das manifestações da linguagem no social? Há, nas reflexões postas por esse autor, um ponto bastante importante: o poder da linguagem! “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (GNERRE, 2009, p. 22). Essa afirmação clássica em seu livro Linguagem, escrita e poder, que será referência também em outras unidades deste livro, nos dá respaldo para dizer que a relação dos falantes com a linguagem não é mecânica, tampouco gratuita. As pessoas falam pelos mais variados propósitos, para serem ouvidas, exercer influência, e sempre haverá uma relação de “poder dizer” nos atos linguísticos. LINGUAGEM E RELAÇÃO DE PODER Vamos exemplificar a relação de poder com um texto literário bastante pertinente. Você já ouviu falar de Guimarães Rosa? Trata- se de um grande escritor brasileiro que escreveu vários contos, romances e novelas. Um de seus contos mais conhecidos é o Famigerado, que faz parte de uma coletânea de contos do livro Pequenas estórias. Esse conto narra a história de um jagunço que foi chamado de “famigerado” por um homem do governo. Sem entender o significado da palavra, o jagunço procurou uma pessoa instruída para ter certeza de que não se tratava de um xingamento. Ele mantinha o homem do governo preso e estava disposto a matá-lo, caso o sentido de famigerado fosse ofensivo. Percebendo a situação e o risco que corria o “refém”, o homem se utilizou de alguns dos sentidos possíveis para a palavra famigerado e revelou ser “célebre”, “notório”, “notável”. Essa revelação resultou na soltura do homem do governo, preservando-lhe a vida. Você reparou que os sentidos não estão colados às palavras, mas dependem de seus usos e são determinados socio, histórico e ideologicamente? Orlandi (2013) afirma que as palavras podem ter vários sentidos — a explicação sobre famigerado no texto nos mostra isso —, mas o sentido único e literal é uma ilusão até necessária para produzirmos o nosso dizer. Quando lemos o conto Famigerado de Guimarães Rosa, percebemos o poder da linguagem e reforçamos todas as reflexões propostas pelos autores citados (Gnerre, Geraldi, Travaglia) ao afirmarem o caráter interativo da linguagem. O conto ilustra bem o fato de a linguagem ser ação: com a linguagem, fazemos coisas, salvamos vidas, decretamos a morte de alguém, induzimos tomadas de decisões, algumas vezes irreversíveis. Com base nas três concepções, você já deve ter entendido que linguagem é interação e pressupõe uma relação de poder. Para suas práticas pedagógicas, não dá para considerar a linguagem de forma reduzida, como transmissão de pensamento ou informação nem mera comunicação. EXEMPLIFICANDO Em uma atividade de planejamento e produção de legendas para álbuns, fotos ou ilustrações digitais ou impressas, com colaboração dos colegas e apoio do professor, que considera a linguagem forma de expressão do pensamento, qualquer sugestão de texto feita pelo aluno que fuja à norma padrão é considerada errada e precisa ser reformulada, geralmente pelo professor. Com isso, a identidade da criança vai se ajustando ao que é desejado e esperado pelo professor. Quando a concepção de linguagem como instrumento de comunicação embasa a atividade de identificar e reproduzir textos de campanha de conscientização destinados ao público infantil, há um modelo a ser seguido, a fim de que a mensagem seja transmitida e toda a avaliação seja baseada no modelo predeterminado. A criança precisa identificar-se com o modelo imposto. Em uma prática pedagógica sustentada pela concepção de linguagem como forma de interação, no momento da produção de cartazes e folhetos para a divulgação de eventos da escola ou da comunidade, a avaliação acontece a partir de critérios de adequado e inadequado, e não de certo ou errado, considerando- se o gênero textual, o contexto de produção e a circulação do cartaz ou folheto. A identidade dos alunos não é anulada em prol de regras linguísticas. IDENTIDADE Desde a primeira etapa da Educação Básica, que é a Educação Infantil, a interação se faz presente; as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, DCNEI (BRASIL, 2009), em seu Artigo 9°, apresenta as interações e as brincadeiras como eixos estruturantes da Educação Infantil. A interação, nessa etapa, proporciona a aprendizagem e é um sinalizador para a elaboração das práticas pedagógicas, por isso é importante que você se aproprie de novos conhecimentos e novas experiências para aperfeiçoar seu exercício profissional. Essa apropriação de conhecimento, assim como a apropriação da linguagem, acontece por meio da identidade. Como você pensa essa identidade? Por que nos identificamos com alguns sentidos e rejeitamos outros? Por que preferimos uns conteúdos curriculares a outros? Você acha que essas escolhas são da ordem da vontade? Que papel tem a escola na construção da identidade? Agora, vamos refletir sobre como a linguagem constrói a identidade sem deixarmos de fora a influência da escola nesse processo. Tagliani (2011), por exemplo, afirma que a escola é um importante espaço para o desenvolvimento de habilidades, mas que nem sempre as capacidades previstas são desenvolvidas: A busca por melhores condições de vida e cidadania leva os indivíduos a procurar, cada vez mais, qualificação e capacitação em diferentes aéreas do conhecimento. A principal forma de desenvolvimento de habilidades é o ingresso na escola. Porém, o que se percebe, principalmente com relação ao desenvolvimento de habilidades linguísticas, é que o indivíduo, após ingressar na escola, não desenvolve sua capacidade comunicativa e interacional de forma efetiva. (TAGLIANI, 2011, p. 47) Essa citação pode provocar em nós outras questões: por que uns falam de uma maneira e outros de outra? Por que uns aprendem as regras da língua e outros não, mesmo frequentando a escola? Com base em um livro indispensável para discutirmos linguagem, Portos de passagem, de João Wanderley Geraldi (2002b), convidamos você a pensar na linguagem a partir do processo interlocutivo e, por conseguinte, do processo educacional. Já é sabido por você que os sujeitos se constituem pela linguagem e de maneiras distintas, e considerar essa premissa é poder afirmar, a partir desse autor, que a língua não está pronta, como uma ferramenta que o sujeito se apropria para interagir. Ao contrário, a interação reconstrói a línguae também os sujeitos. Perceba que nem língua, nem sujeitos, nem sentidos estão prontos e acabados, mas são ressignificados pelos processos interlocutivos, em um contexto socio, histórico e ideológico, como vimos no conto de Guimarães Rosa ou como citado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, que dão destaque para a interação como um dos eixos estruturantes para se pensar a criança na escola. FOCO NA BNCC Ao conhecer as diferentes concepções de linguagem, você desenvolve a habilidade de analisar, de forma crítica, essas concepções que norteiam textos científicos atuais e documentos educacionais, bem como, consequentemente, atinge o resultado de aprendizagem que desenvolve a competência de reconhecer as diversas concepções de linguagem e manifestações orais que permeiam as práticas sociais no seu discurso. O estudo da linguagem como construção da identidade desenvolve em nós a habilidade de selecionarmos e promovermos práticas pedagógicas que promovam a aprendizagem dos alunos de forma inclusiva, significativa e colaborativa. Chamamos sua atenção também para outro ponto que Geraldi (2002b) destaca: as interações são acontecimentos singulares, que ocorrem em contextos específicos e, por isso, sofrem os controles e as seleções impostas por esses contextos, ao mesmo tempo que produzem novos. Outra autora que traz uma importante afirmação acerca da linguagem que podemos relacionar com o ensino é Orlandi (2013). Para ela, “[...] a linguagem não pode ser pensada apenas como conteúdo, mas como matéria estruturante do saber, dos sujeitos, dos sentidos” (ORLANDI, 2013, p. 267). Você pode verificar, a partir disso, que a linguagem está em tudo e é por meio da linguagem que todo o saber, todos os sujeitos participantes dos atos linguísticos na escola — professores, alunos, gestão, comunidade — e todos os sentidos se estruturam. Para você compreender melhor o funcionamento da linguagem nessa perspectiva interacionista e perceber como a linguagem afeta a construção da identidade, relembre algumas situações em que “escolhemos” modos de falar, conteúdos e sentidos dentro de contextos específicos. Imagine alguns conflitos nas interações no contexto escolar. Para resolver esses conflitos, você se utiliza da linguagem, mas o modo como isso é feito depende de vários fatores que passam pela relação entre os sujeitos em situações específicas. Por exemplo: é um conflito gerado em uma reunião com a equipe gestora? É uma interação na brincadeira no parque da escola entre crianças de mesma faixa etária? É uma discordância na relação com pais ou a comunidade? Perceba que todas essas situações hipotéticas que elencamos acontecem na escola, e isso é levado em consideração quando produzimos linguagem, ou seja, a instituição onde o dizer é produzido direciona o nosso dizer, determina, em certa medida, o que dizemos e como dizemos; trata-se de uma relação de poder. Como bem coloca Geraldi (2002b, p. 10): “se falar fosse simplesmente apropriar-se de um sistema de expressões pronto, entendendo-se a língua como um código disponível, não haveria construção de sentidos [...], se a cada fala construíssemos um sistema de expressões, não haveria história”. Diante dessas colocações, não é possível pensar que a identidade linguística é uma mera questão de escolha do sujeito, tampouco algo fixo e estável. Assim, a construção da identidade linguística depende do que entendemos dos contextos em que os diálogos ocorrem, isto é, retomando o exemplo mostrado há pouco, o que criança, gestão, pais trazem de sentidos para nós determina o modo como produzimos o nosso dizer. Por exemplo, o que sabemos sobre escola, criança, limites e regras retorna na nossa fala quando buscamos solucionar conflitos no parque; o que sabemos sobre hierarquia, respeito, convívio social retorna no momento em que vamos esclarecer algo em uma reunião com a coordenação ou com os pais. Nós não controlamos totalmente essas escolhas, assim como elas não são neutras. Se não há neutralidade no dizer e não escolhemos livremente o que dizemos, como a linguagem constrói a nossa identidade? Como a linguagem nos constitui? Para tentar responder a essas questões, apresentamos a autora Coracini (2007), que discute a linguagem numa outra perspectiva, também relevante para nós. Ela reforça que a linguagem nos constitui e diz, ainda, que é a linguagem que nos dá um lugar na sociedade. Podemos concluir que a linguagem constrói a nossa identidade pela língua que falamos, a língua com a qual nos identificamos, logo, a relação da linguagem com a língua é indissolúvel. Se partimos do pressuposto de que a língua constrói identidade, é heterogênea e mutável, então o mesmo é válido para pensar a identidade: ela não é fixa, não é estável e é múltipla. Em relação a isso, Orlandi (1998) reforça que não há identidades fixas, pois a identidade se transforma; ela ainda acrescenta que identidade não se aprende, e a ação de corrigir o aluno em sala de aula intervém nos sentidos que esse aluno está produzindo e, consequentemente, na constituição de sua identidade. Diante disso, como você se identifica com algo? Por que determinados sentidos soam familiares para você e outros não? Essa mesma autora explica que a identificação acontece pela memória de sentidos que temos: Identificamo-nos com certas idéias, com certos assuntos, com certas afirmações porque temos a sensação de que elas “batem” com algo que temos em nós. Ora, este algo é o que chamamos de interdiscurso, o saber discursivo, a memória dos sentidos que foram-se constituindo em nossa relação com a linguagem. (ORLANDI, 1998, p. 206) Com base nas afirmações dessa autora, você pode começar a relacionar identidade com ensino, pensando a identidade linguística. O aluno que melhor se adapta à escola é aquele que se identifica com os conteúdos que a escola transmite, que se identifica com a língua formal, e essa visão ultrapassa os muros escolares. Você já deve ter ouvido vários julgamentos em relação ao modo de falar de alguém que está distante da chamada norma culta. Esses julgamentos vêm da ideia simplista de que quem não aprendeu, não se empenhou o suficiente para isso ou, absurdamente, não possui competência para aprender, como se a língua funcionasse sozinha, fora do sujeito que fala. Caminhando para a conclusão dessas reflexões, retomamos duas autoras, Orlandi (2013) e Coracini (2007), já citadas nesta seção, que nos fazem repensar a função da linguagem em nosso cotidiano e o quanto a escola afeta nossa relação de identidade com a língua. Coracini (2007) atesta que a escola ensina formas, ensina uma língua que pouco tem a ver com o aluno, mas quer que ele a domine, silenciando ou anulando outras identidades; Orlandi (2013) sustenta que aquilo que o aluno não aprende, não faz sentido na história dele, está fora de seu discurso, apagado, silenciado, bem como acrescenta que é preciso conhecer a história do sujeito e da língua na produção do conhecimento do sujeito sobre a língua. Nesta seção, você teve a oportunidade de conhecer as concepções de linguagem que permeiam os estudos linguísticos na atualidade. Teve acesso, também, ao modo como a linguagem se constitui e constitui os sujeitos falantes na relação com o social. Por fim, você pôde, ainda, refletir acerca da linguagem e de como a identidade linguística, por meio da língua, faz significar aqueles que a utilizam, dentro e fora da escola. As reuniões pedagógicas são espaços de troca de experiências e de reflexão sobre as práticas docentes. Em um relato de prática pedagógica, um professor afirma que os alunos não utilizam a linguagem oral de forma satisfatória, que se expressam mal e que precisam de mais atividades de reprodução de linguagem para melhorar o desempenho linguístico. O que você identifica como problema nesse relato? A situação-problema descrita permite pensar como a concepção de linguagem que o professoradota em sala direciona todo o trabalho realizado. No relato apresentado, o professor considera a linguagem uma representação do pensamento, pauta-se em certo e errado e faz um julgamento acirrado em relação à fala dos alunos. Despertar nesse professor um olhar crítico em relação à linguagem pode levá-lo a repensar como as crianças se apropriam da linguagem oral e como a linguagem marca a identidade de quem fala. Você pode elaborar sua argumentação partindo da discussão de que a linguagem, conforme vimos nesta seção, não é mera representação do pensamento, e que elaborar atividades de repetição em nada auxilia na melhora da fala. Vale acrescentar a essa situação que a apropriação da linguagem “adequada” acontece por identificação, e a criança (ou o jovem ou o adulto) precisa se reconhecer naquele modo de falar para que o processo faça sentido a ela, de modo que a aprendizagem, de fato, aconteça. Ao traçar seu percurso argumentativo dessa maneira, você analisa de forma crítica as concepções sobre linguagem e oralidade presentes nos documentos educacionais e nos textos científicos, que podem até ser retomados na discussão. As práticas de sala de aula precisam ser inclusivas, e a inclusão também deve ser linguística. É obrigação da escola acolher os diferentes modos de falar que chegam à escola, erradicar qualquer preconceito linguístico que possa existir e entender que a linguagem é um processo interativo que não depende apenas do sujeito que fala. AVANÇANDO NA PRÁTICA AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E A PRÁTICA DA CORREÇÃO Em uma reunião pedagógica, um professor expõe que aceita todos os tipos de falares em sala de aula, que é preciso respeitar os modos de falar de cada um e que a fala representa a identidade dos alunos. Acrescenta, ainda, que, em uma atividade de recontagem de histórias, ele não corrige a criança, pois não há um único modo de falar, o importante é que haja comunicação. Nessa discussão, há professores que discordam e afirmam que corrigem os alunos durante a produção oral, no momento da aula, pois há normas linguísticas que precisam ser seguidas; outros professores apresentam dúvidas sobre o fato de não haver correção e questionam o aprendizado das crianças. Perceba que as dúvidas são recorrentes e que a concepção de linguagem é determinante para o direcionamento do trabalho em sala de aula. Como ensinar? Como avaliar? Deve-se corrigir? Essas são algumas dúvidas apresentadas pelos professores. Considerando os autores que vimos nesta seção e as reflexões propostas nesta etapa, quais argumentos você pode utilizar para evidenciar o seu ponto de vista sobre essa discussão linguística das práticas desenvolvidas em sala de aula? Caro aluno, nesta seção discutiremos questões relevantes sobre a oralidade e sua relação com a escrita. Você deve se lembrar das concepções de linguagem que estudamos anteriormente e como a linguagem constrói a nossa identidade. Uma das concepções que vimos foi a linguagem enquanto processo de interação. Você perceberá, nesta seção, que essa é a concepção que embasará nossas futuras discussões, pois a oralidade é vista aqui como prática social interativa. E como a oralidade se manifesta? Esse é um ponto nada trivial para pensarmos como os atos de linguagem oral acontecem no social. A oralidade se apresenta sob vários gêneros textuais, dentro e fora da escola, e é a partir deles que estudaremos a oralidade e a sua relação com a escrita. Se consideramos que a linguagem acontece por meio dos gêneros textuais, não podemos deixar de fora as novas mídias e o modo como nos relacionamos com elas na produção de textos orais. Computadores, celulares, tablets e afins nos acompanham, assim como os alunos do Ensino Fundamental, em muitos afazeres diários, seja nos estudos, no trabalho ou no lazer; então, precisa fazer parte do cotidiano escolar pensar em textos orais que circulam por esses dispositivos, permeados por mídias multimodais, que mesclam recursos orais, verbais e visuais. E quais textos orais são produzidos nessas e por essas novas mídias? Esta seção permitirá que você reflita sobre a produção de gêneros textuais também nos espaços midiáticos, observando que há fatores determinantes no modo como os textos são produzidos, por exemplo quem elabora, onde circula e quem é o ouvinte esperado. Você verá, também, que pensar a oposição oralidade/escrita é insuficiente para analisarmos como essas modalidades funcionam nas práticas de sala de aula e, também, sociais. Será que é possível – e suficiente – considerarmos que a linguagem é oral ou escrita? Como as diferentes manifestações de oralidade nos permitem pensar que lidamos com várias oralidades nos diferentes suportes, midiáticos ou não? Responderemos juntos a essas perguntas. Bom estudo! Sabemos que a oralidade na escola nem sempre ocupa um lugar de destaque e, muitas vezes, é considerada uma modalidade menor, que funciona como prévia para atividades escritas. Dadas essas informações, imagine que você esteja participando de uma reunião com a equipe gestora da escola, junto a outros professores, e a coordenação pedagógica expõe que um pai de aluno solicitou uma conversa para relatar que algumas das aulas eram apenas de bate-papo, sem o cumprimento do conteúdo, pois não encontrava registros escritos do que havia sido ministrado. Alguns professores, frente a essa colocação, posicionaram-se dizendo que priorizavam a escrita em detrimento das atividades de oralidade e que, mesmo após a leitura de uma obra literária na Educação Infantil, era pedido um desenho como registro da atividade oral. Outros disseram que a oralidade gerava indisciplina e era de difícil controle na troca de turnos da conversa, por isso quase não realizavam atividades de oralidade em sala de aula. Outros, ainda, do Ensino Fundamental, afirmaram que todas as semanas executavam atividades orais nas aulas: os alunos liam em voz alta algum texto ou cantavam uma música. A coordenadora solicitou que você se posicionasse frente a esse relato. Quais argumentos você utilizaria para defender o seu ponto de vista? Como a fala dos colegas pode servir de subsídio para o seu posicionamento? Sustente seus argumentos em evidências científicas atuais, estudadas nesta seção, advindas de áreas de conhecimento que favorecem o processo de ensino e aprendizagem da oralidade. Esta seção permitirá que você adquira subsídios para planejar práticas pedagógicas de oralidade e construa argumentos para discutir com colegas sobre as práticas da linguagem oral na escola e fora dela, a partir de estudiosos sobre oralidade na atualidade. Bons estudos! CONCEITO-CHAVE Caro aluno, após conhecermos as concepções de linguagem, refletiremos sobre as relações existentes entre a oralidade e a escrita e verificaremos como as novas mídias afetam a nossa produção linguageira social. Você já deve ter ouvido falar da influência da oralidade nos textos escritos, e é por essa reflexão que começaremos. Como essa influência acontece? A oralidade oferece recursos para o texto escrito? A oralidade aparece por meio de marcas indevidas na escrita? Para começarmos a responder a essas questões e elaborarmos outras, vamos nos embasar nos estudos de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Esses autores são professores e pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, e grandes estudiosos do ensino da linguagem oral e escrita; além deles, citaremos duas pesquisadoras brasileiras, Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, que traduziram para o português alguns textos de bastante importância para essa área, os quais foram reunidos em um livro referência para a formação de professores e concursos: Gêneros orais e escritos na escola, de 2004. Esse livro constitui uma das bases desta seção. PRÁTICA SOCIAL DE LINGUAGEM Schneuwly (2004) afirma que a relação entre a oralidade e a escrita acontece de maneiras muito diversas. Um texto oral, para ele, pode estar bempróximo da escrita, como acontece com as exposições orais e os teatros, ou pode estar distante, como os debates e as conversas cotidianas. Assim, você pode perceber que não há uma única forma de pensar a oralidade. Inclusive, esse autor afirma que não existe o “oral”, mas os “orais”. REFLITA As atividades de oralidade ocupam qual lugar na escola nos anos iniciais? Há atividades que são exclusivamente orais na escola ou elas servem como pano de fundo para as atividades escritas? Se Schneuwly (2004) afirma que não há “oral”, mas “orais”, como opor oralidade e escrita? Dadas essas colocações, você já deve ter observado que falar de oralidade é falar de prática social de linguagem, que se constrói no momento dessas práticas e se reorganiza também por elas. Enquanto prática social interativa, a oralidade se apresenta sob várias formas de gêneros textuais. Na escola, por exemplo, escutar a fala de professores e de colegas, respeitando o turno de fala e observando os elementos não linguísticos presentes nesse ato de linguagem, como gestos, movimentos, expressão corporal e tom de voz; escutar apresentações de trabalhos realizados pelos colegas, elaborando perguntas; expor trabalhos ou pesquisas em sala de aula. No cotidiano social, temos a conversação espontânea, a conversação telefônica, as entrevistas pessoais, as entrevistas no rádio ou na TV, os debates, os noticiários de rádio ou TV e a narração de jogos esportivos, que são exemplos da prática da linguagem oral, entre outros. EXEMPLIFICANDO Um exemplo de funcionamento distinto de textos orais, concordando com o deslocamento de “oral” para “orais” apontado por Schneuwly (2004), é considerar uma aula gravada para uma unidade deste livro ou uma aula presencial sobre o mesmo conteúdo aqui trabalhado. Perceba que são “o mesmo gênero” – aula – e que, mesmo sendo nomeados da mesma maneira, movimentam formas diferentes de oralidade. Um sermão religioso proferido oralmente por um padre tem características distintas de uma conversa de vídeo por plataformas de videochamadas on-line, por exemplo. São gêneros orais e, assim como os gêneros de escrita, possuem particularidades diferentes. A oralidade é anterior à escrita e à gramática, que surgiu a fim de que se investigassem as regras da escrita. Bagno (2002, p. 54-55) defende que a língua falada é a língua aprendida nos primeiros anos de vida, a partir do contato com a família e com a comunidade, “é o instrumento básico de sobrevivência”; já a língua escrita é artificial, obedece a regras rígidas, exige treinamento e memorização. Marcuschi (2010) tem opinião semelhante à apresentada, pois, para ele, a fala é adquirida em contextos informais no dia a dia pelas relações sociais, inicialmente com os que lhe são próximos; em contrapartida, a escrita é adquirida no contexto formal da escola, por isso é considerada um bem cultural. Acrescentamos que estudar oralidade e trabalhar com ela em sala de aula vai além da definição do que é oralidade ou, ainda, pensar a polarização texto oral e texto escrito é lidar com gêneros textuais. Trabalhar com oralidade é trabalhar com os mais variados gêneros textuais orais que permeiam nossa relação com os atos de linguagem; é pensar que cada gênero oral tem sua particularidade, funciona de maneira distinta e circula em espaços diversos. O QUE É GÊNERO TEXTUAL? Há uma definição clássica, elaborada por Bakhtin (2003, p. 262, grifos do autor), que afirma que “cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso”, ou seja, “gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados”. É a partir da noção de gênero que trataremos a oralidade e sua relação com a escrita. ASSIMILE Você sabe a diferença entre tipos textuais e gêneros textuais? Abreu (2008) apresenta uma distinção que pode ajudar você a entender melhor. Para ele, os tipos textuais são apenas quatro: Narração: relato de um acontecimento, de um evento. Argumentação: relacionada à defesa de ideias. Descrição: impressões sobre um cenário, uma paisagem, uma pessoa etc. Injunção: ordenação, pedido, condições, como os avisos de proibições, as sentenças jurídicas, as ordens de pagamento, os cumprimentos etc. Quanto aos gêneros textuais, Abreu (2008) explica que são infinitos e possuem regras próprias. Alguns exemplos de gêneros textuais que circulam na sociedade: pronunciamentos políticos, aulas, mensagens digitais, monografias, teses, sentenças, reportagens, anúncios, horóscopo, vídeos, filmes, áudios de redes sociais, postagens, receitas etc. Bazerman (1994 apud MARCUSCHI, 2011, p. 18) diz que “gêneros são o que as pessoas reconhecem como gênero a cada momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização ou regularização. Os gêneros são rotinas sociais do nosso dia a dia”. Os gêneros mudam de acordo com a sociedade em que eles funcionam. Telex e telegramas, por exemplo, são gêneros extintos na nossa sociedade. Vale relembrar que a língua é um fato social que permeia todas as nossas ações linguageiras. Usamos a língua para a produção da linguagem oral e escrita, porém mais importante do que pensarmos na oposição oralidade e escrita é considerarmos que os atos de linguagem oral são distintos: Falar em uma live é diferente de falar para um público presencial. Gravar um áudio no WhatsApp é diferente de falar ao telefone. Participar de uma reunião com a equipe gestora da escola é diferente de participar de uma reunião com os pais dos alunos. Com isso, estamos exemplificando que a oralidade (e a escrita) só existe enquanto gênero textual e o mesmo gênero funciona de maneira distinta: gênero aula presencial e on-line, gênero reunião equipe gestora e pais, e mesmo aula presencial (ou qualquer outro gênero) possui as suas particularidades. Lembra-se da definição de gêneros textuais por Bakhtin? São “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, são relativos. Marcuschi (2011) traz uma importante reflexão sobre isso. Ele destaca que muitos se fixam na estabilidade dos gêneros, naquilo que se repete, que possibilita a classificação dos textos, mas se esquecem de que “o gênero é essencialmente flexível e variável, tal qual seu componente crucial, a linguagem” (MARCUSCHI, 2011, p. 19). TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO CONTEXTO ESCOLAR Os gêneros textuais constituem um objeto bastante usado nas escolas. A pesquisadora Adriana Silva (2013) faz uma importante crítica sobre a difusão do trabalho com gêneros textuais na escola a partir da definição de gênero proposta por Bakhtin, inclusive dos materiais oficiais que, nas suas indicações para o professor, ressaltam a importância de levar para a escola os mais variados gêneros. O que incomoda essa autora é que não se discute, de fato, o que é um gênero, tal qual propõe Bakhtin, pois, se gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciado”, falta explicar o que é um enunciado. Para você entender essa crítica, retomaremos a explicação sobre enunciado concreto que Silva (2013) apresenta. Ela diz, a partir de Bakhtin, que o enunciado concreto “é um todo formado pela parte material (verbal e visual) e pelos contextos de produção, circulação e recepção” (SILVA, 2013, p. 49). A produção nos permite refletir sobre quem é o escritor ou o falante do texto, quais outros textos ele já produziu, de que lugar ele fala, etc.; a circulação é a responsável pelos questionamentos sobre onde esse texto circulará, o que se sabe a respeito desse lugar de circulação; já a recepção nos permite pensar sobre quem receberá o texto, a quem se destina, o que é sabido sobre esse leitor/ouvinte. VOCÊ REPAROU COMO A NOÇÃO DE ENUNCIADO CONCRETO FAZ TODA A DIFERENÇA PARA PENSARMOS O GÊNERO TEXTUAL NA ESCOLA? Mais do que trabalhar a estabilidade dos gêneros, é importante mostrar para os alunos que aqueleque produz o texto, as circunstâncias em que esse texto é produzido, quem vai ler ou ouvir e de que lugar são elementos cruciais para a criação de determinado gênero. Conforme aponta Marcuschi (2011, p. 25), “a teoria dos gêneros não serve tanto para a identificação de um gênero como tal e sim para a percepção de como o funcionamento da língua é dinâmico e, embora sempre manifesto em textos, nunca deixa de se renovar nesse processo”. Explicada a questão dos gêneros, retomaremos a relação da oralidade com a escrita, modalidades essas pensadas enquanto gêneros. ATIVIDADES DE ORALIDADE Você já deve ter se deparado com o modo como as atividades de oralidade são tratadas por algumas escolas, como inferiores à escrita, como práticas dispensáveis, difíceis de organizar ou até mesmo geradoras de indisciplina. Tizioto (2013, p. 50) critica essa postura e diz que “essa discussão oral constrói um espaço de significações que poderá sustentar a escrita de sujeitos-escolares, e é um diferencial nas condições de produção discursiva”. Perceba que a autora está falando sobre as discussões orais, e não apenas de leituras de livros em voz alta ou outras atividades que oralizam textos escritos. Essa é uma distinção importante, pois o que você considera como práticas de oralidade é determinante para o modo como se ensina essa modalidade. Há autores bastante enfáticos nessa questão da oralização, como Dolz e Schneuwly (2004). Para eles, recitações de poemas, performances teatrais e leitura para os outros não são gêneros orais em si, mas oralização da escrita. Na prática, então, o que seria uma atividade de oralidade em contraponto a uma atividade de oralização da escrita? Você conhece a autora de livros e peças infantis Sylvia Orthof? Dentre a vasta publicação dessa escritora, há um livro intitulado Manual de boas maneiras das fadas. Esse livro conta a história inusitada de uma fada, a Fofa, que foge de todos os padrões preestabelecidos. De maneira poética, Sylvia Orthof (2004) narra as peripécias da fada: Eu sou uma fada deseducada, um pouco feiticeira, minha varinha de condão tem cabo de vassoura! Sou ruiva de tão loura, gorducha e debochada. Não sei de etiquetas, dou minhas piruetas, e minha escrita é feita de risadas! ABRACADABRA! (ORTHOF, 2004, [s.p.]) Se a atividade em sala de aula se restringisse à leitura desse texto, teríamos o que Dolz e Schneuwly (2004) chamam de oralização da escrita. Para alcançarmos a oralidade, podemos organizar uma discussão sobre o texto lido que vá além, inclusive, de recontar a história. Essa é uma produção de gênero oral. Como nos apresentam as pesquisadoras Lucília Romão e Soraya Pacífico, a discussão poderia propor uma reflexão sobre a figura da fada Fofa, que é diferente da figura clássica. Elas dizem que, atualmente, a exposição à mídia faz com que as crianças tenham acesso a personagens que não falam dentro de padrões linguísticos, que estão fora de padrões de beleza ditados pela sociedade de consumo e que em nada se parecem com os personagens do “era uma vez”. E é dessa forma que Sylvia Orthof apresenta sua fada, muito diferente daquelas fadas lindas, arrumadas, cujo chapéu tinha no alto o brilho e a magia da estrela, enfim, dos seres mágicos que organizavam a casa, a roupa, a carruagem, tudo em um minuto, bastava balançar a varinha de condão. A fada de que estamos falando é muito travessa e engraçada, justamente porque desarruma os sentidos óbvios e esperados. (ROMÃO; PACÍFICO, 2010, p. 71) Perceba quantos sentidos possíveis podem ser discutidos pela leitura desse texto, instigando nos alunos questões relevantes para se pensar o cotidiano, a partir do contexto social, cultural, econômico e político em que a escola se encontra. A pluralidade de leituras deve ser uma prática recorrente na escola, no sentido que nos apresenta Orlandi (2008), isto é, não apenas a leitura de vários textos, mas ler o mesmo texto de várias maneiras, pois é assim que a leitura estabelece o processo de significação. Levar para a discussão imagens de fadas clássicas, vídeos do YouTube com contos de fadas ou até mesmo podcasts que narrem histórias infantis são recursos midiáticos que permitem uma pluralidade de leitura e alimentam a discussão proposta. O gênero discussão oral basta, por si só, sem a necessidade de finalizar com atividades de escrita, pois coloca o aluno no centro da aprendizagem, de forma ativa, e possibilita o desenvolvimento da argumentação, de forma a respeitar e promover os direitos humanos, por exemplo. Se há a necessidade de se produzir um texto escrito tendo como suporte o texto oral, saiba que são manifestações de linguagem diferentes e que uma não está em oposição à outra, que a escrita não é transcrição da fala, tampouco é formal em detrimento de uma informalidade na fala. Muito se diz sobre as influências da oralidade na escrita, sobretudo em relação às marcas de oralidade no texto escrito: daí, né, tá, além de expressões “informais”, que são consideradas da oralidade. A escola é o espaço em que as características da escrita e da oralidade são aprendidas, pelos mais diferentes gêneros, nas mais diferentes linguagens. Podemos afirmar, ainda, que a oralidade pode influenciar a escrita também de forma positiva, pois discussões e debates travados na oralidade podem servir de argumentos para um texto bem escrito. Utilizar diferentes linguagens, incluindo orais, “para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, p. 9), é uma das competências gerais descritas pela BNCC para a Educação Básica, assim como utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista nos diferentes campos, como direitos humanos, consumo consciente e consciência socioambiental, atentando para questões do mundo contemporâneo, é uma das competências que o documento apresenta para a área de Linguagens no Ensino Fundamental. FOCO NA BNCC O eixo da oralidade é descrito pela BNCC como aquele que contempla as práticas de linguagem que se dão em situação oral, que podem ser face a face ou não: Aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de games, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras. (BRASIL, 2017, p. 78-79) Rádio, TV, jornais e revistas, como você bem lembra, foram mídias muito usadas na sala de aula em tempos anteriores. Hoje, as novas mídias, que mesclam recursos orais, verbais e visuais, estão ocupando espaços que ultrapassam o uso apenas cotidiano. Por isso, você deve pensar em práticas que tenham essas mídias como suporte, seja assistir a um canal digital com programa de literatura infantil, programas com instruções de jogos e brincadeiras ou vlog infantil de críticas de livros de literatura infantil e produzir sinopses de livros, tutoriais de jogos e resenhas digitais em áudio e vídeo. Todas essas práticas precisam sustentar que a escola é o lugar em que o preconceito linguístico precisa ser combatido, tanto na oralidade quanto na escrita. Discutir com as crianças em sala de aula textos falados e ouvir canções das mais variadas regiões do país são práticas que permitem desenvolver o respeito às variedades linguísticas, por meio das novas mídias. Esses modos de compreender a linguagem oral oferecem a você subsídios para considerar a oralidade uma prática social interativa. Para você, qual é a função da escola no ensino da oralidade? Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que os alunos dominam bem as formas cotidianas da produção oral e que caberia à escola ensinar para além das produções cotidianas, mas oferecer formas mais institucionais, mediadas e parcialmente reguladas,como os gêneros formais públicos. Toda essa possibilidade de trabalho com a linguagem oral na escola e todo esse suporte teórico-científico permitem que seus argumentos sejam sustentados por evidências científicas atuais advindas das diferentes áreas de conhecimento, que favorecem o processo de ensino e aprendizagem. Neste momento, você já deve ter reforçado a ideia de que a oralidade é imprescindível para o trabalho com a linguagem em sala de aula e, se bem planejada, constitui um objeto de aprendizagem riquíssimo para as práticas pedagógicas na escola, e a própria BNCC prevê isso. A BNCC E O TRABALHO COM AS LINGUAGENS A BNCC (BRASIL, 2017), como você já deve ter estudado, é um documento oficial, de caráter normativo, que direciona toda a formulação de currículos escolares, ou seja, não podemos estudar oralidade e suas relações com a escrita sem passar por este documento. Dentro do componente curricular de Língua Portuguesa, na área de Linguagens, no Ensino Fundamental, há os chamados eixos de integração, que correspondem às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção e análise linguística. É pelo eixo da oralidade que você planejará suas práticas pedagógicas com gêneros textuais orais, pressupondo atividades que visem ao desenvolvimento das competências previstas para a oralidade, sem perder de vista a relação que o sujeito estabelece com a língua, pois a linguagem constrói a identidade. Você já verificou, também, que recursos midiáticos e tecnologias digitais, com todos os conteúdos virtuais e outros recursos tecnológicos, são ferramentas importantes para que os estudantes se sintam estimulados a ter uma atitude investigativa. Esses são requisitos importantes para todo o desenvolvimento do trabalho com oralidade na sala de aula. Nesta seção, refletimos sobre as relações entre oralidade e escrita, considerando a oralidade como uma prática social interativa. E, como você viu, as práticas da linguagem oral acontecem via gêneros textuais, que circulam também pelas novas mídias, as quais mesclam recursos orais, verbais e visuais. Essa variedade de recursos, sobretudo quando tratamos de linguagem oral, pressupõe variedades linguísticas. Nesta situação-problema, imagine que você esteja participando de uma reunião com a equipe gestora da escola, junto a outros professores, e a coordenação pedagógica expõe que um pai de aluno solicitou uma conversa para relatar que algumas das aulas eram apenas de bate-papo, sem o cumprimento do conteúdo, pois não encontrava registros escritos do que havia sido ministrado. A coordenadora solicitou que você se posicionasse frente a esse relato. Quais argumentos você utilizaria para defender o seu ponto de vista? Sustente os seus argumentos em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender suas ideias. Inicie ressaltando que o estudante é o centro da aprendizagem e atua de maneira ativa na construção do conhecimento. Você pode falar da importância das práticas da oralidade na escola para que a aprendizagem se dê. Isso é importante para explicar a distinção entre bate-papo, ou seja, atividades sem objetivos predeterminados, e atividades de oralidade propriamente ditas. No que tange à relação oralidade e escrita, ressalte a importância das atividades orais pela oralidade, e não como pré-requisito para atividades de escrita, texto ou desenho. Outro ponto que você não pode deixar de mencionar é a importância do planejamento das atividades de oralidade, para que a disputa de dizeres e de sentidos são seja considerada pela via da indisciplina: atividades orais são para falar! É pela organização e pelo planejamento que a argumentação é desenvolvida nas crianças na oralidade, verificando o objetivo da atividade e seu percurso de desenvolvimento, visando à habilidade, que é própria dos textos orais. Para o professor que mencionou realizar como atividades de oralidade a leitura em voz alta ou o uso da música, você pode retomar as discussões de Dolz e Schneuwly (2004), quando distinguem atividades de oralidade de fato com as de oralização, que são a reprodução de textos escritos, e não a produção de textos orais. AVANÇANDO NA PRÁTICA A ORALIDADE E AS NOVAS MÍDIAS As novas tecnologias e mídias, como celulares, streaming (transmissão de dados), redes sociais, Snapchat, WhatsApp, etc., podem constituir ferramentas de aprendizagem de gêneros orais na escola. Para isso, as tecnologias digitais de informação e comunicação nos auxiliam no desenvolvimento de práticas que se utilizam dessas mídias para o trabalho em sala de aula. Há certa resistência por parte de alguns em relação às tecnologias, porque ainda se tem uma ideia de ensino – e escola – de forma fechada, previsível. Em discussões sobre o uso das tecnologias na sala de aula, uma professora se mostra descontente e diz que não vê importância nem relevância nas práticas em que se usam celulares, seja para produzir vídeos ou áudios, ou computadores/tablets. Segundo ela, o que pode ser feito pelas novas tecnologias também pode ser feito pelas anteriores, como o caderno. Após estudar os conteúdos desta seção, como você argumentaria com essa professora em relação às práticas pedagógicas que se pautam nas novas tecnologias? Caro aluno, nesta seção, você conhecerá as variedades linguísticas da nossa língua e entenderá os elementos condicionadores de uma variedade. Conhecer as variedades é um modo de entender como a língua funciona e, assim, entender e combater o preconceito linguístico para repensar o que é “falar certo” e o que é “falar errado”. Você terá acesso a pesquisas atuais sobre as variedades por meio de uma área chamada Sociolinguística, que estuda a relação da língua com a sociedade. Os estudiosos dessa área são enfáticos em dizer que há vários modos de falar em uma língua, e a que a mais se aproxima da chamada norma-padrão ou culta é apenas um desses modos. Em quais situações você usa um modo de falar mais elaborado, mais sofisticado? Em quais situações a linguagem mais despojada é aceita? Essas são questões que nos permitem refletir e entender que a língua é mais do que um código com regras a serem aprendidas, mas que há convenções sociais de usos, e isso muda de sociedade para sociedade. ASSIMILE Gnerre (2009, p. 6) diz que: Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é, tem que ‘saber’: a) quando pode falar e quando não pode, b) quais tipos de conteúdos referenciais lhe são consentidos, c) que tipo de variedade linguística é oportuno que seja usada. A Sociolinguística é uma área da Linguística que estuda a relação entre linguagem e sociedade, considerando a diversidade linguística. Essa ciência trabalha para o conhecimento da língua que caminha para a democratização das variedades. As pesquisas e investigações que você verá nesta seção farão você refletir e realizar uma análise crítica da língua e do trabalho com a linguagem oral e escrita, o que contribuirá para o planejamento de práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas, sobretudo no combate ao preconceito linguístico. Os gêneros textuais estão aí para nos auxiliar nessa tarefa, pois, para cada um deles, são exigidos modos distintos de lidar com a linguagem. Que tal você aproveitar essa pluralidade de gêneros textuais para elaborar práticas de sala de aula na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental que envolvam manifestação popular e cultural da oralidade, considerando as variedades linguísticas e combatendo o preconceito linguístico? Para contextualizar a sua aprendizagem, imagine que você seja uma professora do segundo ano do Ensino Fundamental e esteja em uma reunião pedagógica com professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. As reuniões pedagógicas são espaços de planejamento, discussões e formação docente que permitem que você, professor, exponha suas práticas pedagógicas e ouçaa dos colegas, promovendo trocas de saberes. Torres (2007) reforça essas afirmações quando diz que as reuniões pedagógicas são espaços privilegiados nas ações partilhadas do coordenador pedagógico com os professores, pois discutem e refletem questões que partem da prática, buscando respostas e novos saberes. Nessa reunião, surge uma nova discussão entre os professores e a coordenadora do Ensino Fundamental. Uma professora relata que os seus alunos do segundo ano se expressam muito mal, não realizam as concordâncias de maneira adequada e usam frases como “devolve minhas canetinha” e “os menino não deixam eu brincar”, ou não usam “r” em final de verbo no infinitivo, como “posso sai?”, “vou desenhá uma pirâmide” e “a Marina não qué me dá o lápis”. Frente a essa discussão, a coordenadora solicitou um reencontro para que os professores apresentem para os colegas seu posicionamento sobre o exposto, embasados em reflexões científicas e com sugestões de trabalho para a sala de aula que promovesse a melhoria na linguagem oral das crianças. Como você apresentaria as variedades linguísticas? Qual prática você elaboraria, levando em conta a diversidade linguística e cultural? Lembre-se de que esta prática precisa estar pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no que tange à oralidade no segundo ano. FOCO NA BNCC A BNCC insiste na valorização da diversidade durante toda a Educação Básica. Essa diversidade, descrita nas competências e nas habilidades apresentadas pelo documento, perpassa as manifestações de práticas sociais: culturais, artísticas e, também, linguísticas. Daí a importância de se estudar as variedades na formação do professor. Frente a todos os desafios profissionais como professor, reflita, nesta seção, sobre a relação entre a variedade que os alunos trazem e a variedade que a escola precisa ensinar. Aproveite as tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar suas aprendizagens. Bons estudos! CONCEITO-CHAVE Caro aluno, nesta unidade, já estudamos as concepções de linguagem. Vimos que a concepção de linguagem que adotamos é o ponto de partida para todas as nossas práticas em sala de aula. Também refletimos sobre como a linguagem representa e forma identidades e o quanto o modo como falamos diz muito sobre nós. Entendemos as relações existentes entre a oralidade e a escrita, além de suas particularidades enquanto práticas sociais. Agora, entenderemos o que são variedades linguísticas, quais os tipos e a que estão condicionadas. Você entenderá o que é preconceito linguístico. Em nosso dia a dia, nos deparamos com pessoas que falam das mais variadas formas, de maneira mais formal, mais coloquial, com frases mais longas ou mais curtas, com pronúncias diferentes e até mesmo com entonações diferentes. Esses são alguns exemplos de como as variedades se manifestam na oralidade em nosso cotidiano. Já adiantamos que as variedades não acontecem apenas na oralidade nem, muito menos, funcionam em dois polos distintos, como formal/coloquial e oral/escrito; trata-se de algo mais complexo, e é isso que veremos nesta seção. Então, o que são variedades linguísticas? O que condiciona uma variedade? Quais são os tipos de variedade linguística que temos em nossa língua? VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Gnerre (2009) inicia o seu livro Linguagem, escrita e poder discorrendo sobre o valor que as produções linguísticas têm se realizadas no contexto social e cultural apropriado. Imagine um professor elaborando um decreto de suspensão de aulas. Você acha que esse decreto teria validade? Ou imagine, ainda, o Ministro da Educação apresentando uma portaria escrita numa variedade bastante informal, com expressões próprias de textos escritos coloquiais. Isso não soaria estranho? Aí entra a questão da adequação dos dizeres, sustentada por regras que não são apenas gramaticais, como se a língua fosse uma só, fechada, finalizada e pronta para ser usada. O autor fala da importância de o falante ter em mente as regras que sustentam a linguagem, regras da língua e regras extralinguísticas, pois saber as regras da língua não é suficiente para usar bem essa língua, é preciso entender as convenções sociais onde essa língua é posta em prática: quem pode dizer o quê, em que situação, de que modo e para quem. Na mesma direção de Gnerre, Alkmim (2001), da Sociolinguística, afirma que as variedades linguísticas utilizadas pelos falantes devem estar de acordo com as expectativas sociais convencionais. Essa observação é importante para você perceber que os usos sociais da linguagem vão além das regras estruturais da língua. É a partir da Sociolinguística que as variedades linguísticas são estudadas. Segundo a autora, “toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolingüística reserva o nome de variedades linguísticas” (ALKMIM, 2001, p. 32). Perceba o quanto é importante sabermos o que são as variedades linguísticas (em alguns lugares, você pode encontrar também o nome “dialeto” para as variedades). Sem essa noção, como o trabalho em sala de aula pode acontecer sem que o preconceito linguístico apareça? Se desconsideramos as variedades, corremos o risco de compactuar com um ensino segregador, que privilegia apenas alguns que conhecem a chamada norma culta. Quando entendemos que há diferentes modos de falar, entendemos que a chamada norma culta ou padrão é apenas um ideal de língua portuguesa, e não a língua em si. Lembre-se de que toda língua apresenta variedades, não somente a nossa. Santos (2004) mostra quão arriscado é o ensino pautado na supervalorização da norma culta e afirma que práticas escolares que favorecem o domínio da língua culta sem respeitar as variedades linguísticas que os alunos trazem, em vez de contribuírem para o domínio do nível formal, podem trazer consequências bastante negativas, como o bloqueio da expressividade do aluno, na oralidade e na escrita, dentro e fora da escola, ou apenas o domínio superficial da língua. Você pode associar essas discussões aqui apresentadas com outras questões já levantadas nesta disciplina. Lembra-se da importância da concepção de linguagem para que as práticas de ensino sejam coerentes? Se você considera a linguagem como representação do pensamento, não tem como considerar as variedades linguísticas que os alunos já trazem, apenas instituirá a norma-padrão; se, para você, a linguagem é instrumento de comunicação, as relações intercomunicativas ficam de fora, e a linguagem é a mesma para todos. Mas, se para você a linguagem é processo de interação, em que, além de expressarmos o que pensamos e de comunicarmos algo, fazemos coisas com a linguagem, nas mais diferentes situações e nos mais variados contextos, é preciso ter em todo o planejamento escolar as variedades como quesito básico e indispensável para as práticas dentro e fora da escola. Qual é sua concepção de linguagem? Outro ponto importante que estudamos foi a linguagem como construção da identidade. Você já refletiu sobre como pode ser doloroso para o aluno aprender que o modo de falar que ele traz, que é o mesmo dos integrantes da família, dos amigos e de outras pessoas com as quais ele convive em sua comunidade, não é “correto”, não é aceito ou, ainda, é motivo de deboche por muitos? Retomando as discussões propostas por Coracini (2007), para muitos essa língua que é imposta pela escola nada mais é do que estranha, estrangeira, desconhecida para ele e com a qual ele pouco se identifica. Antes de nos aprofundarmos em como ensinar Português na escola levando em consideração as variedades, vamos conhecer alguns tipos de variedades linguísticas que há na Língua Portuguesa. TIPOS DE VARIEDADES LINGUÍSTICAS Basicamente, há dois modos de se pensar as variedades: pelo viés geográfico e pelo viés social. Já começamos a entender que osmodos como falamos têm relação direta com as pessoas com as quais convivemos, com o lugar onde moramos, classe social, idade, etc. Preti (2000) nos diz que as variedades linguísticas estão condicionadas a variações extralinguísticas e nomeia essas variedades. Vejamos: Geográficas (ou diatópicas): diversidade regional; urbano versus rural; centro versus periferia. Socioculturais (ou diastráticas): classe social, profissão, sexo, idade. Alkmim (2001) complementa que a variação geográfica ou diatópica está relacionada ao espaço físico e é observada entre falantes de origens geográficas distintas. Já a variação social ou diastrática tem relação com a organização sociocultural da comunidade de fala. Alkmim (2001) elenca vários fatores para pensarmos sobre as variedades, então vamos conhecer alguns deles: Classe social, ou status socioeconômico, como coloca Pessoa (2010): grupos que se encontram abaixo da escala social falam de forma distinta daqueles de situação social/econômica privilegiada. Idade: diferença entre a fala de adolescentes e adultos, por exemplo. Sexo: homens e mulheres se apropriam de maneira diferente da linguagem. Situação ou contexto social: dependendo do nosso interlocutor, falamos de uma maneira e não de outra, adequamos nosso modo de falar à situação na qual estamos inseridos. Pessoa (2010) inclui, ainda, outros fatores: Grau de escolarização: o acesso à educação formal, à cultura letrada, à prática da leitura e aos usos da escrita determina os modos de falar. Mercado de trabalho: as profissões e os ofícios afetam a prática linguística. Redes sociais: adotamos comportamentos linguísticos semelhantes aos das pessoas que são próximas a nós, que fazem parte do nosso convívio. Quando as variações acontecem pelas situações ou contextos sociais, como Alkmim apresentou, alguns autores as chamam de “variação estilística ou de registro”, como Camacho (2001). Essa variação é o resultado da adequação da linguagem às finalidades específicas na interação verbal; se a situação é mais coloquial, a tendência é que utilizemos poucas frases formais. Se a competência do falante inclui duas formas de expressão, como ‘Por favor, poderia me passar o açúcar’, em contraste com ‘O meu chapa, vai ficar alugando o açucareiro até quando? Dá pra passar ou não?’, o óbvio é que o primeiro enunciado seja selecionado, por exemplo, num jantar com pessoas estranhas e pouco familiares, enquanto o segundo seja selecionado, por exemplo, numa mesa de bar, que se compartilha com pessoas do círculo íntimo. (CAMACHO, 2001, p. 60) Você percebeu quantos fatores são determinantes das variedades linguísticas? E que diferentes autores elencam os elementos condicionadores da variação linguística de maneira distinta? Isso acontece porque tudo o que envolve sociedade não é fixo. Apesar de alguns fatores se manterem por décadas, outros vão sendo incorporados, dadas as necessidades da linguagem. Hoje, com as novas mídias funcionando em velocidade crescente, outros modos variáveis da língua vão se formando. Poderíamos até pensar em outra classificação: variedades midiáticas, que incluiriam modos diferentes de falar e escrever nas diferentes mídias: rádios, TVs, podcast, redes sociais (como Facebook ou Instagram), WhatsApp, etc. REFLITA Atualmente, com as novas mídias, você acha que as variedades linguísticas que circulam nos meios eletrônicos são recebidas pelas diferentes pessoas da mesma maneira? Você já desconfiou de algum texto que recebeu pela linguagem em que ele foi escrito? Perceba que todas essas variedades também mudam ao longo da história, e aí teríamos as chamadas variações históricas. A língua muda com o tempo, e algumas palavras são incorporadas enquanto outras caem em desuso, como “chumbrega, supimpa e vosmecê”, as quais, certamente, você não ouve sempre; ao contrário de “acessar, printar, hashtag e stalkear”, que são exemplos recorrentes de estrangeirismos. Além disso, variedades que hoje são prestigiosas podem ter sido consideradas inferiores em outras épocas; ou, ao contrário, palavras sofisticadas de hoje podem ter sido consideradas desprestigiosas no passado. Todas essas descrições são importantes para sua formação, pois, se há uma diversidade de indivíduos e de grupos sociais, de seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, por que não haveria uma diversidade linguística? Mas nada disso vale se você não promover práticas pedagógicas sem preconceitos de qualquer natureza, inclusive linguístico, que sejam pautadas nos direitos humanos. Essa é uma das funções da escola. A outra seria colocar os alunos frente a discussões pertinentes sobre quais variedades são aceitas e quais não costumam ser no social e o que determina a valorização linguística. [...] uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, portanto, discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa. (BAGNO, 2006, p. 8) VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E RELAÇÕES DE PODER A linguagem, enquanto prática social, estabelece relações de poder. Dizer isso é afirmar que os usos de linguagem não se restringem à adequação das variedades aos diferentes contextos, mas é colocar em jogo que os diferentes modos de falar não chegam a todos da mesma maneira, ou seja, há uma relação desigual de acesso às variedades, sobretudo às variedades que mais se aproximam da norma-padrão. Gnerre (2009) fala que o padrão é um sistema associado a um patrimônio cultural e segue discutindo que a igualdade declarada na Constituição não se aplica à maneira como as pessoas falam. Inclusive, ele afirma que os valores dados às variedades em nada têm relação com questões da língua, mas com relações de poder: “Uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes” (GNERRE, 2009, p. 6). As variedades prestigiosas, segundo o mesmo autor, estão associadas à escrita e à tradição gramatical. Percebe como Gnerre (2009) nos faz pensar que há um distanciamento na igualdade linguística? Escrever nunca foi e nunca será a mesma coisa que falar, pois ambas as práticas demandam formulações diferentes, exigem habilidades distintas, como já estudamos. Se as variedades de prestígio são portadoras de uma identidade nacional, quem tem acesso a ela? Com quais variedades os nossos alunos se identificam? E nós? Questionando de outra forma, quais são as variedades que constituem a identidade de nossos alunos e a nossa? Para contribuir com essa reflexão, Santos (2004) acrescenta que o aluno tanto pode sentir vergonha de usar no meio “culto” sua própria variedade linguística como pode não ficar à vontade de usar em seu meio social um nível de língua que não lhe seja próprio e que ele sequer incorporou. E opiniões como essa são compartilhadas por diferentes autores que estudam a linguagem e sua relação com a sociedade. Mollica (2004, p. 13) discute o preconceito linguístico e acrescenta que ainda encontramos a predominância de “práticas pedagógicas assentadas em diretrizes maniqueístas do tipo certo/errado”, que tomam como referência o padrão. Para ela, os estudos sociolinguísticos “oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir preconceitos linguísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão linguística natural e legítima” (MOLLICA, 2004, p. 13). Esta é, para a escola, uma das grandes contribuições da Sociolinguística para o combate ao preconceito linguístico, repensar a polarização certo/errado e ressignificar para adequação linguística, considerando os interlocutores, a situação, o contexto, o conteúdo da fala, o objetivo
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