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O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DO CHIFRE AFRICANO: REVISÃO DA CLASSIFICAÇÃO E DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS
Guilherme Bohrer Antonelo
Artigo Científico apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Prof. Ms. Igor Castellano da Silva
Santa Maria, RS, Brasil 2014
 (
1
)
Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Econômicas Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DO CHIFRE AFRICANO: REVISÃO DA CLASSIFICAÇÃO E DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS
elaborado por
Guilherme Bohrer Antonelo
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Igor Castellano da Silva, Ms.
(Orientador)
Prof. Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr.
(UFSM)
Prof. José Renato Ferraz da Silveira, Dr.
(UFSM)
Santa Maria, 05 de dezembro de 2014.
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Maria
O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DO CHIFRE AFRICANO: REVISÃO DA CLASSIFICAÇÃO E DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS
AUTOR: GUILHERME BOHRER ANTONELO ORIENTADOR: IGOR CASTELLANO DA SILVA
Santa Maria, 05 de Dezembro de 2014.
O conceito de Complexo Regional de Segurança, consolidado por Barry Buzan e Ole Waever (2003), é um dos elementos centrais enquadrados no escopo do Novo Regionalismo. No entanto, sua aplicação empírica apresenta limitações claras, especialmente no que diz respeito ao caso africano. Este artigo questiona a visão dos autores sobre o Chifre da África, mais especificamente contestando a classificação dessa região como um pré-complexo regional de segurança em vez de um complexo regional de segurança. A primeira seção retoma a análise de Buzan e Waever sobre Complexos Regionais de Segurança e a sua aplicação ao Chifre africano e identifica os argumentos pelos quais o Chifre é considerado pelos autores um pré-complexo. Uma segunda seção apresenta os fatos que justificariam a classificação do Chifre africano como um complexo, sejam eles, o aumento do grau de interdependência securitária entre os países da região, o papel que a Etiópia desempenha como potência regional, e o avanço das iniciativas da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês) nas áreas de Segurança e Defesa. Ao constatar a evolução das dinâmicas regionais que sustentam essa reclassificação, parte-se para uma terceira e última seção, que consiste no esforço de oferecer para a região uma delimitação de fronteiras alternativa àquela proposta pelos autores, que faça jus aos novos fluxos de interação regionais e à classificação do Chifre africano como um complexo regional de segurança.
Palavras-Chave: Segurança Internacional. Complexo Regional de Segurança. Chifre da África.
ABSTRACT
Course Conclusion Work International Relations Course Universidade Federal de Santa Maria
THE HORN OF AFRICA REGIONAL SECURITY COMPLEX: CLASSIFICATION REVIEW AND DEFINITION OF BORDERS AUTHOR: GUILHERME BOHRER ANTONELO
ADVISOR: IGOR CASTELLANO DA SILVA
Santa Maria, December 05, 2014.
The concept of Regional Security Complex, consolidated by Barry Buzan and Ole Waever (2003), is a central element framed in the scope of the New Regionalism. However, its empirical application has clear limitations, especially with regard to the African case. This paper questions the view of the authors on the Horn of Africa, specifically challenging the classification of that region as a regional pre-complex security rather than a regional security complex. The first section takes up the Buzan and Waever analysis on Regional Security Complex and its application in the Horn of Africa and identifies the arguments by which the Horn is considered by the authors a pre-complex. A second section presents the facts that would justify the classification of the African Horn as a complex, as the increase in the degree of a security interdependence among countries in the region, the role that Ethiopia plays as a regional power, and the advancement of the Intergovernmental Authority on Development (IGAD) in the areas of Security and Defense. Noting the development of regional dynamics that support this reclassification, part to a third and final section, which is the effort to provide for the region alternative demarcated borders to that proposed by the authors, which does justice to the new regional interaction flows and the classification of the African Horn as a regional security complex.
Keywords: International Security. Regional Security Complex. Horn of Africa.
 (
5
)SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	6
A TEORIA DOS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA E O CASO DO PRÉ-COMPLEXO AFRICANO	9
A REVISÃO DA CASSIFICAÇÃO: O CHIFRE DA ÁFRICA COMO UM COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA	13
O Papel das Externalidades de Segurança	14
O Papel da Etiópia	18
O Papel do IGAD	22
A DELIMITAÇÃO DE FRONTEIRAS	25
CONCLUSÃO	30
REFERÊNCIAS	32
O Complexo Regional de Segurança do Chifre Africano: Revisão da Classificação e Definição de Fronteiras1
 (
10
)
Introdução
Guilherme Bohrer Antonelo2
Nos últimos vinte e cinco anos a humanidade vivenciou uma série de intensas transformações que afetaram desde as a relações cotidianas entre os homens e o espaço que habitam, até as relações políticas, econômicas e securitárias dos Estados dentro de um sistema internacional que, aos poucos, se revela mais e mais complexo. Embora o Chifre da África seja uma das regiões mais instáveis do planeta em termos securitários e de desenvolvimento, permanece sendo um objeto de estudo posto à margem, dentro de um já marginalizado continente africano, em relação ao avanço da pesquisa científica dentro do campo das Relações Internacionais. É notável a falta de compreensão existente na área, em especial evidência no caso dos pesquisadores brasileiros, acerca dos assuntos de política e segurança relativos ao continente africano, embora haja importantes exceções de estudos e grupos de pesquisa que se debruçam sobre os estudos africanos. Por um lado, as teorias tradicionais não têm encontrado sucesso na tentativa de explicar certos fenômenos recorrentes, como causa e solução de conflitos, fraqueza estatal, intervenção externa. Por outro, os formuladores de política externa com frequência têm se deparado com interpretações superficiais e distorcidas a cerca do cenário africano, cometendo erros fundamentais na hora de conduzir sua ação política, como classicamente ficou conhecida a atuação de Henry Kissinger em uma de suas primeiras missões a frente do National Security Council Interdepartmental Group for África, ao tratar a disputa entre África do Sul e Angola na metade da década de 1970 (Chan 1990, 18). Dessa forma, este trabalho se posiciona despretensiosamente junto a uma nova corrente de estudos que buscam superar parte dessa lacuna e se dedicam a analisar, primeiro, o continente africano e segundo, o continente africano sob o prisma do Novo Regionalismo.
O Chifre da África vive, com o fim da Guerra Fria, um período de conturbadas interações políticas e duras crises envolvendo conflitos violentos, períodos de seca e
1 Artigo elaborado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Maria. Este artigo foi redigido com base nas normas técnicas da MDT.
2 Graduando do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria.
problemas sociais acentuados3. Em praticamente todos os indicadores sociais, econômicos e políticos globais pode-se encontrar algum dos Estados do Chifre entre os piores colocados, seja em índices desenvolvidos por organismos intergovernamentais como a ONU – por meio de suas agências, o Banco Mundial e o FMI, seja por Organizações Privadas e Não-Governamentais como The Fund for Peace (Fragile States Index4), Transparency International (Corruption Perception Index5) e Global Terrorism Database (Global Terrorism Index6). Por um lado nenhuma dessas classificações pode definir com clareza e imparcialidade a situação complexa do cenário internacional no que diz respeito a quais países conseguem melhor combinar poder, estabilidade e desenvolvimento. Por outro, essas considerações a cerca do panorama geral do Chifre da África nos ajudam a perceber, embora de maneira simplificada, a importância que ganha o Novo Regionalismo no campo das Relações Internacionais nos dias de hoje, em especial nos países do chamado “mundo em desenvolvimento”. Isso ocorre à medida que (1) os problemas dos Estados se tornam problemas da região com acelerada fluidez e facilidade, e justamente por isso (2) as soluções para os problemas dos Estados não podem ser alcançadas sem que sejam solucionados os problemas da região, e vice-versa.
O Novo Regionalismo, cujo debate central é a crescente importância das regiões, serve então como pano de fundo deste artigo.7 Essa renovada corrente teórica surge com o objetivo de lançar respostas às complexidades de um novo cenário internacional que se configura após o vácuo de poder deixado em grande parte do globo com o fim da Guerra Fria. Tanto a desintegração da URSS, por razões óbvias, quanto o inesperado recuo dos Estados Unidos, que a despeito de estabelecer-se como o principal polo de poder no sistema, passa a limitar seu ímpeto de ação a regiões estratégicas, são responsáveis por gerar em suas respectivas esferas de influência um processo de regionalização acentuado. É evidente a inexistência de
3 Importa dizer que tais problemas não ocorrem apenas no pós-Guerra Fria: crises políticas, conflitos violentos, períodos de seca e péssimos indicadores socioeconômicos caracterizam a região de maneira alternada ao longo do tempo, com alguns dos fatores fazendo parte do próprio processo de formação dos Estados. (Halliday and Molineaux 1981; Clapham, Herbst, and Mills 2001). Trata-se aqui de delimitar um espaço temporal a esta pesquisa e assinalar tanto a continuidade quanto a acentuação desses dilemas regionais do Chifre africano no pós-1991.
4 A Somália figurou por seis anos como o país número 1 no índice que mensura 12 fatores, entre eles o aparato de segurança estatal, a pressão demográfica, o número de refugiados e deslocados internos, e a incidência de intervenção externa; no índice de 2014 a Somália cai para a segunda posição deixando o primeiro lugar para o Sudão do Sul, o mais novo Estado do Chifre africano.
5 De 177 países avaliados em 2013, Somália aparece em 175º, Sudão em 174º, Sudão do Sul em 173º e Eritréia em 160º. O índice define corrupção como o uso indevido de bens públicos para benefício privado.
6 Índice que classifica os países com base em um catálogo de ocorrências de ataques terroristas ao redor do globo; o terrorismo internacional é mais um fator de instabilidade no Chifre, tendo como centro de propagação a Somália (6º), o Sudão (11º) e o Quênia (18º).
7 O Novo Regionalismo pode se referir ao novo ímpeto nos processos de integração regional no pós-Guerra Fria e à nova corrente no estudo das regiões. Este trabalho trata do segundo fenômeno. Mais sobre essa diferenciação e o segundo caso em específico ver Vayrynen (2003) e Fawn (2009).
consenso entre os pesquisadores sobre se o final da Guerra Fria teria gerado efeitos integradores ou desintegradores nas relações globais8, e mesmo se as regiões passam de fato a contar com maior autonomia de atuação nessa nova ordem mundial, com as potências emergentes sendo cada vez mais responsáveis por preencher esse vácuo de poder e ditar a pauta de segurança e desenvolvimento em suas regiões9, ou se o que vivenciamos é na verdade um desinteresse da potência hegêmonica, e não autonomia de fato das regiões10. A percepção compartilhada é, no entanto, a de que o fim da bipolaridade serviu como gatilho para um nível cada vez maior de interação entre os atores regionais, e como resultado, o aumento do interesse dos pesquisadores em compreender essas novas dinâmicas11. Dessa maneira, esses autores reconhecem que:
“Primeiro, regiões são agora característica mais saliente da política internacional. (…) Segundo, o final da Guerra Fria inaugurou novas possibilidades para orden regionais mais cooperativas. (…) Terceiro, regiões não são apenas sistemas internacionais menores que se comportam de maneira idêntica àquela de suas contrapartes „maiores‟. Nem elas são sui generis, passíveis de serem compreendidas apenas por meio de teorias exclusivas. Precisamos de teorias genéricas que incorporem as relações regionais. (...) Quarto, (...) a política externa das grandes potências deve ser ajustada às circunstanciais individuais das distintas regiões.” (Lake e Morgan 1997, 6-7, tradução nossa)12
O conceito de Complexo Regional de Segurança, desenvolvido no trabalho de Barry Buzan (1981) e consolidado por Barry Buzan e Ole Waever (2003), é um dos elementos centrais dos estudos regionalistas vinculados à área de Segurança Internacional. É amplamente mencionado e adotado em trabalhos que se debruçam sobre a tarefa de definir
8 Debate existente entre autores que assumem uma visão otimista sobre o Fim da Guerra Fria (aumento da cooperação internacional) e entre os que assumem uma visão pessimista (aumento do conflito e o desejo de “return to the good old days – or what we mistakenly thought the bad old days”), (Stein and Lobell 1997, 101). Os autores defendem que na verdade esse debate deve ser superado, já que regiões distintas evidenciam resultados distintos no que diz respeito aos resultados da Guerra Fria, que derivam do tipo de envolvimento das superpotências na região durante o período da disputa (supressão ou exacerbação dos conflitos regionais).
9 Sobre mensuração de potências regionais no continente africano ver Castellano (2013, 66-77).
10 Katzenstein (2005) reconstrói a teoria sistêmica neorrealista agregando as novas variáveis propostas pelo Novo Regionalismo, como “openness of the region” e “weakness of the state”, e defende, por meio do seu modelo de “hub-and-spoke” que na verdade a situação atual não representa um aumento de autonomia nas regiões, mas sim demonstra a fraqueza e porosidade em relação ao interesse da potência hegemômica, no caso, os Estados Unidos. “Top down unipolaity erodes a regional level of analysis. (...) Regions are plataforms for the transmission of US power and cultural tropes. Katzenstein terms the US world order an „imperium‟. Washington coordinates the nodes for its own purpose.” (Kelly 2007, 222)
11 “The regional level stands more clearly on its own as the locus of conflict and cooperation for states and as the level of analysis for scholars seeking to explore contemporary security affairs.” (D. A. Lake and Morgan 1997, 6). Também os trabalhos de (Ayoob 1995, 115; Kelly 2007, 197; Prys 2010, 479) entre outros, relacionam o fim da Guerra Fria e o crescente interesse por regiões em si e pelos processos de regionalização.
12 “First, regions are now more salient features of international politics. (...) Second, the end of Cold War has opened new possibilities for more cooperative regional orders. (…) Third, regions are not simply little
international systems that behave in ways identical to their „larger‟ counterparts. Nor are they sui generis, understandable only through unique theories. We need general theories that incorporate regional relations. (…) Fourth, (…) the foreign policies of the great powers must be tailored to the individual circumstances of different regions.” (Lake e Morgan 1997, 6-7)
regiões e analisá-las como um nível distinto. No entanto, a sua aplicação empírica no próprio texto de 2003 apresenta limitações claras, especialmente no que diz respeito ao caso africano. O objetivo principal deste estudo é apresentar uma visão alternativa à percepção dos autores sobre o Chifre da África, mais especificamente contestando a classificaçãodessa região como um pré-complexo regional de segurança, em vez de um complexo regional de segurança. A primeira seção retoma a análise de Buzan e Waever sobre Complexos Regionais de Segurança e a sua aplicação ao Chifre africano e identifica os argumentos pelos quais o Chifre é considerado pelos autores um pré-complexo. A segunda seção é organizada com o objetivo de reunir elementos que permitem rebater a classificação de Buzan e Waever e justificar a classificação do Chifre africano como um complexo, sejam eles, o aumento do grau de interdependência securitária entre os países da região, o papel que a Etiópia desempenha como potência regional, e o avanço das iniciativas da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês) nas áreas de Segurança e Defesa. Ao constatar a evolução das dinâmicas regionais que sustentam essa reclassificação, constrói-se uma terceira e última seção, que consiste no esforço de oferecer para a região uma delimitação de fronteiras alternativa àquela proposta pelos autores, que faça jus aos novos fluxos de interação regionais e à classificação do Chifre africano como um complexo regional de segurança.
1 A Teoria dos Complexos Regionais de Segurança e o Caso do Pré- Complexo do Chifre Africano
O Novo Regionalismo estuda regiões pelas dinâmicas e interações entre as unidades de uma região estabelecida, e adota os avanços da Teoria de Relações Internacionais sobre análise do sistema internacional. Como mencionado por Buzan & Waever (2003, 41-42), há evidências de discussões sobre Complexos Regionais de Segurança desde 1983, e diversas formas de aplicação desse modelo de análise a determinadas regiões em particular. No entanto, a versão definitiva da teoria foi elaborada pelo próprio Buzan como um capítulo específico dentro de um livro mais genérico sobre segurança internacional (Buzan 1991, 186–229). Em síntese, o conceito de Complexo Regional de Segurança Um Complexo Regional de Segurança (CRS) se caracteriza como sendo “um conjunto de unidades cujos principais processos de securitização, dessecuritização, ou ambos, são tão interligados que seus problemas securitários não podem ser analisados ou resolvidos maneira separada entre
as unidades” (Buzan and Wæver 2003, 44, tradução nossa) 13. Importa aqui a definição de que o rastreamento de processos de independência securitária é o que nos permite definir os limites de um CRS. Resumidamente, a caracterização de um Complexo Regional de Segurança pelos autores fundamenta-se em quatro variáveis, como apontado por Machado (2009, 9): (1) o vínculo com a dimensão territorial, (2) a distribuição de poder entre as unidades (polaridade), (3) os padrões e processos de securitização e dessecuritização, e (4) os padrões de amizade e inimizade (polarização). A partir dessa caracterização, as regiões são agrupadas em categorias distintas14: a) regiões centralizadas – ou com base no papel de uma potência (caso do complexo da América do Norte) ou com base em uma forte institucionalização (caso do complexo da União Européia); ou b) regiões padrão – “com estrutura normalmente multipolar, lógica de interação westfaliana, e agenda de segurança marcada por questões políticas e militares” (Machado 2009, 10), na qual se enquadram a maioria dos onze grupos de regiões identificados, complexos ou subcomplexos.
Pré-complexo e proto-complexo surgem como casos intermediários entre os dois extremos de um contínuo que vai da ausência de relações de segurança no nível regional, situação de rara observação em que os atores regionais são tão fracos a ponto de serem incapazes de gerar interdependência securitária regional, até a existência de forte interdependência regional que justifique a existência de um complexo estruturado. Assim, para os autores, a questão é compreender a partir de qual momento as interações securitárias entre os países de uma região se tornam suficientemente fortes para dar início à formação e ao amadurecimento de relações regionais até atingirem a fase de um Complexo Regional de Segurança.
Durante dois momentos distintos, durante e após a Guerra Fria, os autores enquandram o Chifre africano sob as categorias de “pré-complexo” e “proto-complexo”, respectivamente. Conforme apresentam Buzan e Waever:
“Nós estaremos tratando de pré-complexos quando um conjunto de relações de segurança bilaterais aparenta ter potencial para formar um CRS, mas ainda não atingiu um nível suficiente de interações cruzadas (cross-linkage) entre as unidades para ser considerado como tal. O Chifre da África é um bom exemplo. E estaremos tratando de proto-complexos quando existe manifestação de interdependência securitária suficiente para delinear uma região e diferenciá-la das regiões vizinhas, no entanto as dinâmicas regionais ainda são muito fracas e insubstanciais para pensarmos a região como um CRS completamente estabelecido. A África Ocidental
13 “(…) a set of units whose major processes of securitisation, desecuritisation, or both are so interlinked that their security problems cannot reasonably be analysed or resolved apart from each other.” (Buzan and Wæver 2003, 44)
14 Para uma descrição detalhada das categorias de regiões ver Buzan e Wæver (2003, 62).
é o exemplo mais claro desta condição.” (Buzan and Wæver 2003, 64, tradução nossa)15
Os próprios Buzan e Waever (2003) já percebiam a possibilidade de evolução16 do Chifre africano para um complexo, especialmente devido ao surgimento de uma possível rivalidade acentuada entre Egito e Etiópia que trouxesse a órbita de segurança egípcia mais para perto do Chifre, e ao avanço do IGAD na área de segurança (Buzan and Wæver 2003, 233; 243), em função disto, vale ressaltar que este trabalho, mais que uma correção da estrutura proposta pelos autores, é uma demonstração de que as evoluções as quais os mesmos já podiam perceber, não apenas tomaram forma como se desdobraram em outras ainda mais contundentes para essa nova definição. O Chifre cada vez mais se estrutura e se conecta como região, embora se reconheça aqui que muitas das limitações apresentadas pelos autores permaneçam recorrentes. O ponto em questão é que um olhar mais atento e aprofundado sobre essa região nos permite perceber um maior nível de interação de segurança que aquele percebido por Buzan e Waever em 2003.
O argumento apresentado nesse artigo busca em primeiro lugar chamar atenção para o que Machado define como a existência de “vícios de critérios” (Machado 2009, 12) na teoria de Buzan e Waever. O primeiro deles, a adoção de “um tipo de delimitação outside-in, na qual complexos regionais devem respeitar rigidamente as fronteiras de seus componentes estatais” (Machado 2009, 12). Essa visão é rebatida neste trabalho não tanto em relação à possibilidade de se repartir um Estado e enquadrá-lo parcialmente em dois ou mais CRS distintos, respeitando suas dinâmicas domésticas, mas de demonstrar que os limites apontados na interpretação de Buzan e Waever sobre a classificação do Chifre se devem igualmente a essa percepção estatocêntrica.17 Esta subestima a capacidade de elementos não- estatais e de elementos internos na produção de interações securitárias a nível regional,
15 “We will talk of pre-complexes when a set of bilateral security relations seems to have the potential to bind together into an RSC, but has not yet achieved sufficient cross-linkage among the units to do so. The Horn of Africa is a good example. And we will talk of proto-complexes when there is sufficient manifest security interdependence to delineate a region and differentiate it from its neighbours, but when the regional dynamics are still too thin and weak to think of the region as a fully fledged RSC. West Africa is the clearest example of this condition.” (Buzan and Wæver 2003, 64)
16 Na construção da teoria, os autores mencionam a existência de três possibilidades de evolução dos Complexos Regionais de Segurança em relação à „fotografia‟ temporal registrada na data de publicação da obra. No futuro, os complexos poderiam (1) nãosofrer mudanças significativas, mantendo assim o status quo do complexo, (2) sofrer transformações internas – nível de polaridade, de polarização e fim da anarquia estrutural como reflexo de um movimento de integração, e (3) sofrer transformações externas – as fronteiras do complexo podem expandir ou encolher. (Buzan and Wæver 2003, 53)
17 Embora seja evidente que os autores reconheçam a particularidade do caso africano em relação à fraqueza estatal (Buzan & Wæver, 2003, 219-252), adotam o mesmo tipo de metodologia de análise. Ao invés de repensar a teoria, eximem-se de explicar as distorções do caso africano assumindo que são casos “menos evoluídos”, como se pode verificar na classificação contestável de quase todo o continente.
especialmente em um espaço geográfico onde o fenômeno das guerras por procuração18, do terrorismo e da fome produzem um número bastante elevado de dilemas de segurança regionais, e mais importante, de demanda de soluções regionais para esses dilemas. O segundo vício é que “o estudo de Buzan e Waever, por definição, visa segmentar todo o espaço planetário em complexos regionais auto-excludentes (sem áreas de intersecção19)”(Machado 2009, 12). Este segundo critério é de fundamental impacto na análise deste trabalho, tendo em vista que um dos pontos mais importantes que impedem a classificação do Chifre como um complexo seria a incapacidade de determinar suas fronteiras meridionais (Buzan and Wæver 2003, 242). Ora, a porosidade de fato representa uma dificuldade na tentativa de estabelecimento dessas fronteiras, no entanto, como se demonstra na terceira seção desse artigo, a combinação da existência de interações de segurança com esforços de ação regionalizados, explicitamente por meio do IGAD, é o que nos permite, por exemplo, anexar Quênia e Uganda às fronteiras do complexo do Chifre africano, enquanto Egito e Iêmen são apontados como espécie de Estados-observadores, categoria não existente no modelo de Buzan e Waever, mas que é empregada aqui como forma de descrever os Estados que possuem evidências claras de compartilharem dinâmicas de segurança, embora estejam com seu centro de atuação regional voltados para outro complexo.
Feitas estas considerações, resta-nos detalhar os principais argumentos de Buzan e Waever que impossibilitam a caracterização do Chifre como um complexo. Segundo os autores, o fim da bipolaridade acompanha suficiente consolidação das dinâmicas do Chifre, o que permite avançar sua classificação de um pré- para um proto-complexo, no entanto, como
18 A Guerra por procuração ou “proxy war”, no termo em inglês, é um conflito armado que tem por característica essencial a intersubjetividade. É um tipo específico de conflito em que não há relação de subjugação entre as forças que travam a guerra e aquelas que a financiam. (Loveman 2002, 50). Ainda, segundo Castellano (2012a), a Guerra Proxy parece ter sido a característica da Guerra Fria no continente africano, permanencendo hoje como forma de guerra dominante na África. Para o autor, “Seria ingênuo pretender um conceito fixo e imutável de guerra proxy. Analiticamente, importam duas assertivas que, associadas à intersubjetividade referida, parecem caracterizar o fenômeno. Primeiro, a guerra proxy não é uma mera insurgência, o apoio do exterior permite que faça frente com relativa facilidade às gendarmerias ou guardas nacionais. Naturalmente, exige a presença do exército nacional e das armas combinadas para fazer frente aos grupos proxy de forma efetiva. Segundo, é possível caracterizar a guerra proxy através da presença conjugada de dois ou mais dos indicadores que seguem: (a) alinhamento político-ideológico (válido sobretudo para a época da Guerra Fria); (b) financiamento mediante contrapartida ou usufruto de enclave – diamante, cobre, ouro, etc.; (c) presença de assessores; e (d)
fornecimento de material bélico e munições.” (Castellano 2012a, 35 e 36)
19 A inviabilidade desse argumento é atestada pelos próprios autores ao tratar o caso particular de Uganda. Em função do vício de critério (e em clara tentativa de preservar a aplicabilidade da teoria defendida), são incapazes de enxergar que certos países atuam de maneira distinta em regiões distintas, e que sua classificação em um ou outro agrupamento regional depende, acima de tudo, do propósito do pesquisador. “Uganda illustrates the difficulty, seeming to be a kind of regional hub, yet without providing much connection between the different security dynamics in which it as engaged. Uganda plays into the Horn because of its interaction with Sudan into Central Africa because of its interactions with Rwanda and DR Congo, and into Eastern Africa because of its interactions with Kenya and Tanzania.” (Buzan and Wæver 2003, 233)
se pode perceber pelo trecho citado anteriormente, a distinção entre os dois casos é bastante imprecisa e de difícil mensuração (ambos teriam baixa interdependência securitária, no entanto o proto-complexo já estaria claramente formado20). Assim, apesar da evolução, importa destacar que em maior ou menor quantidade, em ambos os períodos o Chifre é caracterizado pela: (a) ausência de “crosslinkage” entre as unidades, ou seja, “existem muitos elementos que atestam forte interdependência securitária bilateral, mas fraqueza na tentativa de conectar esses elementos de maneira agrupada de forma a constituir um padrão integrado” (Buzan and Wæver 2003, 232–3;241) 21, especialmente a falta de ligação significativa entre as dinâmicas etíopes-somalis de um lado, e etíopes-sudanesas de outro; (b) a dificuldade de estabelecer as fronteiras ao sul do complexo; (c) a organização regional existente (o IGAD) é fraca e não se sustenta em uma comparação com a ECOWAS ou a SADC como corpo regional de segurança; por fim, ainda que não explicitamente redigido pelos autores, se pode inferir que os mesmos apontem (d) a inexistência de polaridade e polarização claras, capazes de conectar as dinâmicas regionais.
O objetivo da próxima seção é verificar e atualizar empiricamente estes argumentos. Ainda, demonstrar que o papel regional da Etiópia (sua posição geoestratégica, capacidades materiais e percepção de ameaças), as iniciativas desenvolvidas pelo IGAD, e a interdependência securitária gerada por três dilemas centrais que exigem soluções regionalizadas (conflito no Sudão, conflito na Somália, e o problema da seca) e seus efeitos colaterais, permitem a classificação do Chifre como um complexo regional.
2 A Revisão da Classificação: O Chifre da África como um Complexo Regional de Segurança
Esta seção busca apontar, como o fazem Diallo (2012) e Castellano (2012b) em seus respectivos estudos sobre a África Ocidental e a África Austral, ainda que aqui de maneira mais modesta, possíveis equívocos de interpretação de Buzan e Waever sobre a análise de regiões do continente africano. Enquanto Castellano busca repensar a extensão das fronteiras e a polaridade do complexo da África Austral, o esforço de Diallo é similar ao que se desenvolve neste artigo, e busca apresentar as causas que sustentam a evolução da
20 (Buzan and Wæver 2003, 233)
21 “(…) having many elements of strong bilateral security interdependence, but failing to link these together into an integrated pattern.” (Buzan and Wæver 2003, 232–3;241)
classificação do proto-complexo da África Ocidental para a de um complexo. Diallo já aponta em seu ensaio a possibilidade de que o mesmo erro de classificação tenha sido cometido na análise do Chifre africano. É na esteira de sua afirmação que a segunda e terceira seções do presente trabalho visam lançar luz sobre alguns fatos que demonstrem essa falha no Chifre da África.
Os argumentos que contestam a análise assumida por Buzan e Waever (2003) podem ser divididos em três pontos que se interconectam: primeiro, a existência de externalidades de segurança que geram impactos e demandam soluções regionais, segundo, o papel regional que a Etiópia assume na região, e terceiro, o papel fundamental de conexão regional que o IGAD desempenha. Cada um deles,e os três em conjunto, servem como contraponto aos argumentos de Buzan e Waever na medida em que demonstram (a) a existência de crosslinkage entre os países, (b) a existência de uma polaridade aparentemente centrada na Etiópia (c) o fortalecimento do IGAD como ator regional na área de segurança, e (d) a possibilidade de definir uma fronteira clara para o Chifre (esta explicitada na próxima seção). Em relação à centralidade etíope, assume-se aqui que os demais países da região orbitam por meio de interações entre si (em menor escala) e, mais intensamente, com a potência central22. Além disso, importaria averiguar a posição e o papel recentemente desempenhado por Quênia e Uganda23.
Essa divisão do argumento em três categorias é feita aqui com o mero objetivo de facilitar a compreensão e análise dos fatores, já que para demonstrar a evolução do Chifre africano para o nível de complexo é fundamental que todas elas sejam percebidas como sendo interconectadas. Por exemplo, a posição geográfica central da Etiópia e a forma como atua na região para fornecer uma solução ao conflito no Sudão do Sul formam um cenário que atesta o fortalecimento das relações de segurança. Ou ainda, o avanço da cooperação no Chifre por meio do IGAD, se dá, não por coincidência, em um contexto em que a Etiópia experiencia um momento econômico favorável, ao mesmo tempo em que para manter-se nesse rumo é fundamental que seja capaz de solucionar os dilemas regionais de segurança e desenvolvimento que afetam a região como um todo e o país em específico.
2.1 O Papel das Externalidades de Segurança
22 Em se artigo seminal sobre o estudo das regiões William Thompson (1973) compila uma série de hipóteses desenvolvidas, dentre outros assuntos, sobre a distinção entre a ação de Estados centrais e periféricos dentro de um sistema regional, deixando evidente que “relations between core and periphery frequently take precedence over and are more important than relations within the periphery”. (Thompson 1973, 110-11)
23 Essa discussão é mencionada brevemente na próxima seção, e desponta como objeto de pesquisas futuras.
Importa aqui a definição de David Lake (1997) de complexo de segurança como sendo um conjunto de Estados afetados por:
“ao menos uma externalidade de segurança transfronteiriça, ainda que local, e que emana de uma área geográfica em particular. Se a externalidade local se manifesta como uma ameaça real ou potencial à segurança física dos indivíduos ou do governo em outros Estados, ela acaba por produzir um complexo regional de segurança.” (D.
A. Lake 1997, 48, tradução nossa) 24.
Não há aqui espaço para, nem é o objetivo do trabalho analisar como as principais externalidades de segurança locais têm se tornado regionais no Chifre africano, mas sim identificar que, em três casos especiais isso tem ficado mais evidente: (a) o conflito em escalada no Sudão do Sul, (b) o aparentemente insolúvel conflito na Somália, e (c) o problema da seca/escassez de alimentos que se abate sobre a região periodicamente. Os conflitos na Somália e no Sudão, são importantes fatores que conectam as dinâmicas de segurança do Chifre, tanto na forma de atuação direta dos outros Estados unilateralmente, por meio de suas ações de política externa, quanto por meio do IGAD, em ações regionais conjuntas (mencionadas na próxima seção), e do auxílio internacional, seja na forma de financiamento ou contenção de grupos rebeldes e outros atores não-estatais que se infiltram com fluidez pelas fronteiras nacionais, seja na forma de auxílio militar por meio de treinamento e presença de tropas estrangeiras.
No caso da Somália, desde a desintegração estatal que dá início a Guerra Civil em 1991, após a queda do Presidente Siad Barré25, não há um governo central que seja capaz de estender seu controle sobre todo as fronteiras marítimas e territoriais, criando assim pressões regionais e internacionais difíceis de serem solucionadas. Problemas como pirataria, lavagem de dinheiro, tráfico humano e de drogas, pesca ilegal e radicalismo islâmico (JANES 2009, p. 24), têm feito com que os países da região e potências extrarregionais se envolvam na tentativa de reconstrução do país. Em dezembro de 2006 a Etiópia realiza uma intervenção unilateral mal-sucedida, que é amparada por tropas das Nações Unidas e da União Africana, sendo Uganda responsável pelo envio de grande parte dos soldados da operação. Em 2011, o Quênia monta uma operação assumidamente anti-terrorista na Somália26, em parceria com as
24 “(…) at least one transborder but local externality that emanates from a particular geographic area. If the local externality poses an actual or potential threat to the physical safety of individuals or governments in other state, it produces a regional security (…) complex.” (Lake 1997, 48)
25 Embora este seja considerado o marco inicial da Guerra Civil na Somália, se aplicarmos a definição do Correlates of War (COW), “(...) namely that military action is involved and that at least 1,000 battle deaths result annually (...)”, a Somália encontra-se em estado de guerra civil desde Maio de 1988. (JANES 2009, 24).
26 Algumas das justificativas para o envolvimento do Quênia no conflito da Somália são apontadas pelo Coronel Cyrus Oguna, em entrevista ao Africa Defense Forum: “Somalia-based militants, al-Shabaab, repeatedly
forças de paz do IGAD, repetindo o trio de Estados que também estão na linha de frente para a promoção da paz e do desenvolvimento estatal no Sudão do Sul.
Em relação a este segundo caso, a cessão entre Sudão e Sudão do Sul sempre foi mais relevante para a agenda de segurança regional que a porção de Darfur, onde os países do Chifre não possuem grande envolvimento. No entanto, a criação do novo país após o referendo de 2011 traz à tona uma série de novos dilemas securitários para o Chifre da África, dentre eles duas questões fundamentais, a produção de petróleo e a presença norte-americana, e a apropriação das águas do Nilo Branco, que fluem por entre o Sudão e o Sudão do Sul, e que aproximação do Egito com a região. Mais importante, a cooperação trilateral, que tem por sustentação a estratégia do IGAD (discutida no item 2.3), tem levado Etiópia, Quênia e Uganda a cooperarem para a mitigação dos problemas de instabilidade política e securitária no novo país que são percebidos como um entrave ao desenvolvimento regional.
Enquanto os dois primeiros envolvem interdependência securitária imediata, o terceiro elemento é ao mesmo tempo mais evidente e ainda mais complexo de ser solucionado. Uma relação direta pode ser estabelecida entre o problema da seca, e a securitização regional. Como apontado pelo relatório da Agência das Nações Unidas para s Refugiados (UNHCR, na sigla em inglês), sobre a vulnerabilidade climática e a perspectiva dos refugiados no Chifre da África (AFIFI et al. 2012)27, demonstra como o problema da migração em larga escala no Chifre vem sendo falsamente relacionado a uma mera questão de degradação e ambiental. Na verdade, o deslocamento populacional que é fruto de, e também reproduz, a instabilidade regional, é resultado de uma série de escolhas políticas domésticas e internacionais, combinada com uma transformação nas formas tradicionais de gerir o espaço e os recursos existentes. Nesse sentido, o problema da seca surge como mote para a exacerbação de uma série de outros males que afligem a região. De um lado, a falta de desenvolvimento tecnológico e a baixa capacidade estatal dos Estados, faz com que a pressão por recursos escassos como água e alimentos, coloque a sociedade em uma espiral de instabilidade. De outro lado, as consequências dessa a proliferação de movimentos rebeldes, terroristas ou não,
violated Kenya’s sovereignty through unprovoked attacks on Kenya’s citizens and other interests. There were several attempted pirate attacks in Kenya’s territorial waters and spirited efforts to recruit young Kenyans to join the terror group. Additionally, the militant group kidnapped individuals who were providing humanitarian services.”(Kihara e Kioko 2013, 39).
27 “The attention to the nexus between displacement and migration induced by environmental factors, including climate change and conflict or human security, has also increased. A recent report by the United Nations Secretary-General, „Climate Change and its Possible Security Implications‟, and another prepared by the High Representative and the European Commission to the European Council, „Climate Change and International Security”, define migration as one of the channels through which climate change works as a threat multiplier for existing threats to security, exacerbating economic, political and social problems‟.” (Afifi et al. 2012, 40).
o fluxo de refugiados e a presença internacional, por meio de potências, da ONU ou agências de ação humanitárias se propaga. Como bem apontado por Paul Nugent (2012, 330-375), a explosão de organizações humanitárias no continente africano, especialmente aquelas oriundas do norte global, e movidas pela vitimização do continente, deve ser analisada com cuidado, pois “embora há poucas razões para temer ONGs que organizam as mulheres de uma comunidade para a produção de sabão há boas razões para suspeitar daquelas relacionadas aos direitos humanos ou à questões ambientais” (Nugent 2012, 358). Ao usurparem as funções dos Estados, em alguns casos podem ser vistas como infringindo a soberania nacional, ou mesmo entrar em uma relação de troca de favores com os governos locais, na qual estes fornecem concessões e proteção em troca de benefícios28.
O mapa abaixo ilustra a dimensão da situação humanitária no Chifre da África em 2011, ano em que ocorreu a última seca prolongada e que acabou por atingir, em meio uma das mais severas crises de fome dos últimos tempos, o número alarmante de mais de dez milhões de pessoas em necessidade de assistência humanitária. Nas regiões críticas dos países mais afetados, Etiópia, Quênia e Somália, a porcentagem de precipitação durante o período de Junho de 2010 a Maio de 2011 não chega a atingir metade da quantidade de chuva esperada. A combinação de fatores ambientais, sociais e políticas é um dos maiores dilemas que os países do Chifre precisam enfrentar para atingir o rumo do desenvolvimento e da estabilidade política e securitária.
Mapa 1 – Regiões afetadas na Grande Fome de 2011 no Chifre da África
28 “A good example of someone who learned to play the game was the director of Ndugu Society in Kenya, Ezra Mbogori. When the Kenyan government introduced legislation subject NGOs to tighter controls in 1991, north NGOs and local NGOs joined forces to resist what they regarded as unwarranted interference. Mbogori was elected to a new lobby group, the NGO Standing Committee, which successfully challenged the government plan. However, the Ndugu Society itself stayed well clear of political controversy in its work with street children and sum dwellers, and was able to carry out resettlement schemes in Nairobi on the basis of its co-operative
relationship with the local administration” (Nugent 2012, 358-59).
Fonte: UNOCHA (2011).
2.2 O Papel da Etiópia29
Duas questões parecem ser centrais em relação à análise da importância que a Etiópia representa no Chifre da África. A primeira consiste na dúvida pertinente salientada por Cepik e Schneider (2010) sobre a capacidade da Etiópia, como Estado unitário e potência regional, de impor a paz em sua região. Quais seriam os limites dessa atuação? A segunda questão envolve o questionamento subjacente de que, caso não seja ela capaz de assumir esse papel central, algum dos demais atores regionais estaria mais apto a fazê-lo?
A centralidade da Etiópia é defendida neste artigo com base em quatro fatores que, combinados, a postulam como a potência mais capaz de assumir a linha de frente na construção da pauta de segurança do Chifre africano.30 Primeiro, o fator material, na medida em que as capacidades excepcionais etíopes em relação aos seus países vizinhos a colocam em posição favorável; segundo, o fator econômico, que vislumbra nos últimos tempos um horizonte mais favorável do que aqueles vivenciado durante o período da Guerra Fria até a virada do século; terceiro, o fator geoestratégico, defendido aqui como um dos principais
29 Parte do conteúdo desse artigo é desenvolvida tendo como base o trabalho de (Mohammed 2007).
30 Sobre o estudo de potências regionais ver Nolte (2010) e Flemes (2010).
pontos de sustentação da centralidade etíope; quarto, e especialmente, o fator política externa para a região, pelo qual se pode observar, ainda mais claramente que em todos os anteriores, que a Etiópia se encontra essencialmente conectada a praticamente todos os dilemas de segurança regionais, sendo a grande responsável por integrar a região.
Primeiro, o fator material, classicamente utilizado pelas teorias realistas no cálculo de definição de potências: o tamanho do território, o tamanho da população, e o seu aparato burocrático estatal bastante desenvolvido31, somados com o fato de ser uma das três maiores forças militares da África32 são os itens mais frequentemente adotados para posicionar a Etiópia como um dos “big states” africanos. Segundo, o fator econômico: posta ao lado das duas outras potências regionais africanas mencionadas por Diallo e Castellano (Nigéria e África do Sul, respectivamente), a Etiópia é o Estado que tem demonstrado maior crescimento anual do PIB33, fortemente impulsionado pelo desenvolvimento da agricultura (as exportações de café são basilares na economia etíope), além do investimento em infraestrutura (as obras da “Represa do Grande Renascimento Etíope”, que com seu nome bastante sugestivo busca solucionar o problema da seca em certas regiões do país como sendo o principal expoente), e do Investimento Estrangeiro Direto, com destaque para a ação de países emergentes34.
O terceiro e o quarto fator, a posição geoestratégica etíope (i.e., vide Mapa 2) e sua política externa para a região são ainda mais determinantes. A primeira é uma condição paradoxalmente vantajosa. Embora o país tenha perdido seu acesso para o mar nos anos 1990 com a independência da Eritréia, está localizado no centro da região, o que o permite atuar como „hub‟, ou ponto de conexão, ao fazer fronteira com praticamente todos os outros países35. De fato, se levamos em consideração os oito membros do IGAD, percebemos que a Etiópia faz fronteira com sete deles, enquanto Quênia contabiliza cinco vizinhos de fronteira, Sudão do Sul quatro, e todos os demais apenas três, a Etiópia e mais dois (exceto pelo caso de Uganda, que só possui duas fronteiras com os países da região). Isso revela tanto um potencial
31 População em 2012: 91,73 milhões e em franco crescimento. Território: 1,104.30 (1.000km²) (World Bank 2013). Sobre o desenvolvimento e a distinção do aparato burocrático etíope ver (Schneider 2010, 157–158).
32 Juntamente com Marrocos e Egito. “The Ethiopian National Defense Forces (ENDF) numbers about 200,000 personnel, which makes it one of the largest militaries in Africa (…), [the] 29th largest in the world of 132 in terms of armed forces growth, and 11th out of 166 countries in terms of personnel. Military expenditure for the year 2005 amounts to $800,000,000.00 and this places her on 56th position of 170. The military expenditure was 3% of its GDP for 2006 and 49th in the world.” (Fentaw 2009, 1)
33 O PIB da Etiópia cresceu em 2010, 12.6%; em 2011, 11.2%, e em 2012 8.7%. No mesmo período o PIB da África do Sul cresceu, respectivamente, a 3.1%, 3.6% e 2.5% ao ano, e o da Nigéria a 7.8%, 4.7% e 6.7% ao ano. (World Bank 2013)
34 Sobre as relações de comércio entre Etiópia e BRICS ver o trabalho de Chukwuka Onyekwena, Idris Ademuyiwa, Olumide Taiwo, e Eberechukwu Uneze (Onyekwena et al. 2014).
35 Com exceção de Uganda, cuja capital, Kampala, encontra-se a 1.180km de Adis Abeba, mas que, no ponto mais próximo entre os dois países, não dista mais de 300km da Etiópia.
positivo (linhas de comércio), quanto negativo (neste ano, por exemplo, a Etiópia ultrapassao Quênia como maior receptor de refugiados da África com o aumento do conflito no Sudão do Sul).
Por fim, em relação à política externa etíope, podemos perceber claramente uma preocupação com a questão regional, dado que não apenas os países vizinhos são tratados de maneira particularizada no Livro de Defesa lançado em 2002, como há uma seção curta, porém específica, abordando o fortalecimento do IGAD e o papel que a Etiópia pode desempenhar na organização. Um último ponto relacionando esses dois últimos fatores é a posição simbólica que a Etiópia desempenha no continente e que, a despeito da desconfiança de vizinhos como a Eritréia e Sudão, a põe em posição de destaque.36
Em síntese, a Etiópia é a potência que detém condições de atuar regionalmente, e demonstra claras intenções de que é do seu interesse fazê-lo. A iminência de conflitos entre os Estados vizinhos e entre estes e a Etiópia (ameaça latente dado o histórico de guerras interestatais que torna o Chifre caso único no continente africano), a preocupação com uma presença egípcia na região e a própria instabilidade política interna etíope são as principais ameaças a uma ascensão regional etíope. Isso, considerando-se o fato de que o fator econômico (tradicionalmente um impeditivo para a ação regional etíope) vem sofrendo incrementos significativos nos últimos tempos, especialmente pelo desenvolvimento da cultura do café, da urbanização e do investimento estrangeiro.
Em relação à segunda questão apontada, qual seja, o questionamento acerca de quais dentre os demais países da região teriam capacidade de assumir um papel de liderança regional, resta mencionar que aparentemente Quênia e Uganda seriam os dois Estados que detêm capacidades similares às da Etiópia, ou em alguns aspectos até superiores. Por exemplo, embora a população absoluta da Etiópia seja expressivamente maior que a de Quênia e Uganda37, indicadores relevantes para o cálculo de capacidade estatal como a taxa de população urbana38, ou a projeção de crescimento da população em idade ativa (dos 15 aos 59 anos)39 nos permitem colocar os três Estados, em certo grau de comparação, na linha de
36 A Etiópia, envolvida nos assuntos africanos de maneira única, foi e segue sendo palco central de fenômenos políticos e econômicos internacionais que transformam o continente: membro fundador e sede da União Africana, símbolo de resistência ao colonialismo na África, aliada soviética durante o regime socialista, e hoje aliada norte-americana na luta contra o terror, e parceira da China para o crescimento econômico.
37 Populações absolutas em 2012: Etiópia - 96,633,45; Quênia - 45,010,056; Uganda - 35,918,91. (UN 2013). 38 População urbana em 2011: Etiópia – 17%; Quênia – 24%; Uganda – 15.6%. Projeção de população urbana em 2050: Etiópia – 35.5%; Quênia – 45.7%; Uganda – 36.9%. (UN 2013)
39 Projeção de crescimento da população entre 15-59 anos: (a) Etiópia – 52.1% (2013), 63.7% (2050), 54.7%
(2100); (b) Quênia – 53.5% (2013), 59.3% (2050), 58.4% (2100); Uganda – 47.9% (2013), 58% (2050), 59.%
(2100). (UN 2013)
frente dos atores regionais. Ainda, como mostra o gráfico abaixo (Figura 1), a projeção feita pelo Fundo Monetário Internacional acerca do crescimento econômico até 2018 também nos revela uma equiparação de forças entre os três países, e alerta para o crescimento significativo que o Sudão vem atingindo.
Figura 1 - CHIFRE DA ÁFRICA: CRESCIMENTO DO PIB (2010 a 2018)
 (
2010
2011
2012
2013
2014
2018
)10,00%
8,00%
6,00%
4,00%
2,00%
0,00%
Etiópia Quênia Sudão Uganda
-2,00%
-4,00%
-6,00%
Fonte: IMF (2013). Adaptado pelo autor.
No entanto, o conjunto de fatores supracitados, em especial a posição geoestratégica etíope, situam a Etiópia como potência central do complexo regional. Além disso, o envolvimento etíope com as principais pautas de segurança da região, como já citado, fortalecem seu papel de principal conector das dinâmicas de segurança do Chifre. Além disso, pode ser que vejamos ocorrer aqui algo similar ao que existia na primeira metade do século XX entre Estados Unidos e a Inglaterra, em que ambos eram pólos a nível sistêmico, nem por isso se opunham. Contudo, a predominância da cooperação, e não do conflito entre os três atores, aparentemente fortalece uma centralidade etíope. Sudão, Somália, e Eritréia, embora em momentos anteriores tenham agido como rivais ao poder etíope, cooptando suporte externo, hoje não se encontram em posição favorável ou não demonstram claras intenções de assumirem uma postura de potência regional, embora as relações ainda não sejam de toda forma estáveis. Uma forte evidência da centralidade etíope pode ser ainda apontada a partir do plano de modernização e reorganização da Ethiopian National Defence Force (ENDF)
lançado em 2005, com duração de dez anos. Fica claro neste plano, construído para atingir os objetivos da própria constituição de 1995 e do Foreign Affairs and National Security Policy and Strategy, lançado em 2002, que “a intenção é que as forças armadas se tornem flexíveis o suficiente para de adaptar ao desenvolvimento político e securitário do Chifre da África e de todo o continente” (IISS 2014, 418). Sendo assim, acordos de defesa estão sendo realizados com Sudão, Sudão do Sul, Quênia, Somália, Somaliland, Djibouti, Uganda, Burundi e Ruanda, bem como uma série de outras nações africanas mais distantes. Além disso, estudantes estrangeiros dos países vizinhos são encontrados na maioria das escolas e universidades militares etíopes, enquanto apenas alguns poucos estudantes etíopes frequentam as principais faculdades dos países vizinhos.
2.3 O Papel do IGAD
O IGAD – Intergovernmental Authority on Development, desponta recentemente como o organismo central, responsável por conectar as dinâmicas do Chifre. O argumento de Buzan e Waever sobre a inexistência de conexões entre os membros da região deve ser atualizado para fazer jus ao fortalecimento de organização. Se antes os autores argumentavam que as estruturas da organização eram frágeis a ponto de não conseguirem responder às dinâmicas de segurança, hoje a organização se fortalece tanto com base em sua atuação, quanto em seu reconhecimento pelos atores regionais e internacionais. Para o avanço da classificação do Chifre como complexo, mais que valorar se a organização tem gerado avanços ou não em termos de seus resultados em busca da paz e do desenvolvimento, importa levar em conta que este é hoje o principal fórum de debate e de ação coordenada da região. Seja em conluio com a União Africana, seja com a Nações Unidas, é por meio do IGAD que os Estados da região têm buscado atualmente formatar suas políticas regionais, em clara demonstração do que Kelly (2007, 218) se refere como sendo uma “sovereign-reinforcing International Organization”. Ou seja, a organização regional é responsável por reforçar, e não erodir a soberania estatal, fortalecendo a capacidade dos Estados para lutar e fornecendo apoio para lidar com problemas domésticos e assim melhor moldar a ação externa.
O principal fator que não chega a ser analisado por Buzan e Waever, e que representa um importante ponto de inflexão, foi o desenvolvimento e a aplicação da Estratégia do IGAD (IGAD 2010), um documento composto de cinco seções, elaborado em 2003 e adotado no 10º Encontro entre Chefes de Estado e Governo da região. Embora o documento não coloque nominalmente a paz e a segurança como aspectos centrais, a intenção de fortalecer a
organização por meio do desenvolvimento da agricultura e do ambiente, do trato das relações políticas e humanitárias na região, e da cooperação econômica, subjaz a noção de que o modo de resolução dos conflitos pode ser por outro caminho, que não o comumente adotado por meio da militarização. O fato é que a partir de 2003 uma série de programas envolvendo a restauração da estabilidade regional tem emergido dentro da organização, especialmente ativos na capacitação e na ação contra os principais dilemas regionais (citados no próximo item). Talvez um do mais impactante delesseria a criação em 2006 do IGAD Capacity Building Programme Against Terrorism (ICPAT), que junto com o Programa de Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos, da Divisão de Paz e Segurança, constitui a instância mais essencialmente securitária da organização. É inegável que o IGAD tem se demonstrado mais atuante no sentido de transformar o cenário de instabilidade e subdesenvolvimento em regional por meio de uma cooperação institucionalizada, intensificando a interdependência securitária regional. Em especial, a atuação trilateral de Quênia, Uganda e Etiópia tem reforçado essa tendência positiva.
A busca pelo fortalecimento das capacidades estatais dos atores regionais tem sido o mote que guia a atuação da organização. Como demonstra o comentário publicado na página da organização sobre o “IGAD Strategy”, documento desenvolvido e adotado em 2003 pelos Chefes de Estado dos países da região, o fortalecimento das capacidades estatais está na base da estratégia da organização para promover o desenvolvimento e a segurança regionais:
“A Seção [III] identifica a necessidade de destinar certo número de pautas estratégicas fundamentais pertencentes à natureza complexa e em constante transformação da cooperação regional. Estas incluem assuntos de política externa; compartilhamento de informações; construção de capacidades; estabelecimento de parcerias e alianças; e facilitação do desenvolvimento de pesquisa e tecnologia. (...) Deve ser destacado nesta articulação que a capacidade do IGAD abrange tanto a capacidade técnica quanto institucional dos Estados-Membros, as quais estão à disposição do IGAD.” (IGAD, 2010, tradução nossa).40
Essa estratégia central se converte em uma série de programas e agências que buscam atingir a missão e a visão da organização, e aplicar a estratégia de desenvolvimento da capacidade dos Estados de prever, gerenciar e resolver seus dilemas externos, e em conjunto, construir uma ordem regional mais próspera. No caso da Somália, é desenvolvido o “Somalia
40 The Section [III] identifies the need to address a number of key strategic issues pertaining to the complex and ever changing nature of regional cooperation. These include policy matters; development information sharing; capacity building; establishing partnerships and alliances; and facilitating research and technology development. (...) It should be underlined in this juncture that the capacity of IGAD encompasses both the technical and institutional capacity in the Member States that are to the IGAD disposal.” (IGAD, 2010)
Peace Facilitation Office”, e no caso do Sudão do Sul, a “Regional Capacity Enhancement Initiative” (“IGAD Initiative”, doravante). Este último é um caso especial que merece destaque, pois reúne a contribuição das três principais potências regionais, Etiópia, Quênia e Uganda, para promover o desenvolvimento das capacidades estatais no recém- independentizado Sudão do Sul. A IGAD Initiative vem sendo apontada por pesquisadores da área como um dos modelos de cooperação estatal pós-situação de conflitos mais inovadores evidenciados ao redor do globo, e consiste n fornecimento de cerca de 200 “civil service support officers” (CSSOs). Estes são funcionários dos governos de Etiópia, Quênia e Uganda, cedidos ao governo sul-sudanês, embora continuem sendo remunerados por seus países de origem, por um período de 2 anos com o objetivo de trabalharem como treinadores e conselheiros em funções geminadas no país vizinho.
Essa iniciativa promovida pelo IGAD e protagonizada pelas potências regionais é curiosa por dois motivos: primeiro, como demonstram Costa, Haldrup, Karlsrud, Rosén, & Tarp (2013, p. 2) ela envolve um alto comprometimento de recursos extremamente escassos, tanto financeiros41 quanto humanos42; e segundo, ela tem sido percebida por teóricos e governantes como um modelo promissor e potencialmente inovador de cooperação para desenvolvimento de capacidades43
Vale ressaltar aqui que, no entanto, limites à atuação da organização regional continuam servindo como entrave ao avanço da cooperação. Dentre estes limites, deve-se destacar a dificuldade de relacionamento entre a membresia, em especial a resistência da Eritréia, e a escassez de recursos humanos e financeiros, agravada pelo conflito na Somália e no Sudão. Estas se sustentam como as principais ameaças à evolução do IGAD44.
41 “The accumulated budget approaches $18 million for the two first years, on top of salaires paid by the seconding countries, making this Project the largest of its kind to date to be implemented anywhere in the world.” (COSTA, et al., 2013, p. 2)
42 “(...) the study found that the calibre and integrity of the CSSOs were high – sometimes extraordinarily high. Because of the regional interconnectedness and the sheer size of the investment, the sending countries had made significant efforts to recruit the most suitable and capable CSSOS for deployment. There has therefore been significant attention from the most senior levels of government not to make it a waste of sparse government resources.” (COSTA, et al., 2013, p. 5)
43 “Firstly, it provides a model of large-scale support to rapid capacity development in core government functions. Secondly, the use of regional capacity to a certain degree mitigates the potential resentment that capacity support can generate when external experts are brought into capacity-poor environments. Thirdly, the programme already shows evidence of impact on core practices such as establishing strategic plans, drafting policies and supporting their development. Finally, there seems to be a strong ownership of the programme by the government of South Sudan and many of the twins.” (COSTA, et al., 2013, p. 1)
44 Desafios do IGAD na seção específica do Livro de Defesa da Etiópia (Ethiopia 2002, 105).
3 A Delimitação de Fronteiras
Com base no exposto, passa-se aqui à sugestão de uma delimitação de fronteiras para o Chifre da África. Sabe-se que tal tipo de esforço de pesquisa sempre será fruto de arbitrariedade e determinado pelo conjunto de variáveis que o pesquisador busca avaliar em seu objeto de estudo. Assim, impera reafirmar que esta definição é derivada das relações de interação entre os atores no campo de segurança explicitadas na seção anterior, e por isso, adequada para o propósito da análise aqui desenvolvida. Isso significa que não se assume qualquer pretensão de gerar uma definição universalista ou definitiva.
Primeiramente, para a definição das fronteiras desse espaço geográfico, analiticamente demarcado pelas fronteiras dos Estados-nacionais, é útil a observação feita por Carvalho (2010) sobre a existência de múltiplas visões sobre quais Estados constituem a região:
“Em sua definição mais abrangente, [o Chifre da África] ocupa uma área que vai desde o Sudão, a oeste, até a Somália, a leste, e desde o Sudão, ao norte, até a Tanzânia, ao sul. Por muitas vezes, entretanto, sua definição variou de acordo com o momento político (...). Algumas definições ainda incluem o Iêmen, que nem na África está. A Combined Joint Task Force – Horn of Africa (instrumento dos EUA de combate ao terrorismo na região), por exemplo, tem sua jurisdição nas áreas do Djibuti, Eritréia, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão e Iêmen. A Organização das Nações Unidas (ONU) fornece um mapa do Chifre da África que contém apenas o Djibuti, Eritréia, Etiópia, Quênia e Somália, enquanto o International Crisis Group caracteriza a região como o território que compreende o Djibouti, a Eritréia, a Etiópia, a Somália e o Sudão. Entre os acadêmicos, a definição de Chifre da África também está longe de ser consensual. Se para Rotberg (2005), o Chifre da África é exatamente igual ao da Combined Joint Task Force – Horn of Africa, para Clapham (2000), o Chifre da África compreende apenas o Djibuti, a Eritreia, a Etiópia e a Somália.” (Carvalho 2010, 6–7)
Ainda é válido ressaltar que também na configuração de Buzan e Waever acerca da configuração do Chifre da África (2003, p. 241-3), os países que fazem parte do pré-complexo não podemser estabelecidos com facilidade, como já foi mencionado, em função do caráter insular do extremo sul (fronteiras com o Quênia e Uganda).
Em primeiro lugar, a classificação de Etiópia, Eritréia, Djibuti e Somália como pertencentes ao Chifre parece ser consensual45. Uma série de argumentos pode justificar a adesão do Sudão (e assim, consequentemente, do recém independentizado Sudão do Sul),
45 Apesar de Flora (2010) excluir o Djibuti, a proximidade geográfica e a própria argumentação apresentada pelo o autor parecem contradizer essa opção. Apesar do baixo grau de interação regional, seria impensável deixar o país de fora do Chifre da África, pois (1) não há como deixar um espaço vazio na região, como se nada ali existisse: onde ele, território contíguo do continente africano, estaria incluído se não no Chifre? (2) ainda que isso possua um caráter mais simbólico, excluir o Djibuti seria excluir o país detentor da sede do IGAD (Djibuti City), organização cada vez mais atuante nas questões de segurança regionais e (3) não é possível, de toda forma, prever o que sucederá no futuro: existe uma potencialidade de securitização latente no território se levamos em conta a presença islâmica, a influência francesa e, principalmente, a norte-americana, bem como a posição geoestratégica do país (acesso ao Golfo de Aden).
entre eles a ocorrência histórica tanto de disputas de fronteiras quanto de guerras civis que ameaçam a sobrevivência dos regimes e dos Estados, crises econômicas e suas consequências (problema crônico da fome) que em grande parte se devem à fraqueza das instituições e políticas domésticas dos países, a mobilização regional por meio do IGAD, em especial no Sudão do Sul, e a vinculação com o latente dilema das águas do Nilo, e em especial a relação dos países com a Etiópia nessa e em outras contendas políticas. Na defesa da inevitabilidade de adesão do Sudão e do Sudão do Sul, faz-se útil mencionar o argumento de Carvalho (2010):
“Com o passar do tempo e o recrudescimento das relações etíope-sudanesas, o Sudão também passou a ser considerado como parte da região (...) essa expansão que ocorre devido à percepção de problemas históricos comuns na região, que ligam tais Estados uns aos outros, transpassando suas fronteiras, acaba por obrigar seus governos a securitizar – individualmente – os mais diversos atores regionais, isto é, Estados, grupos guerrilheiros, insurgentes, terroristas, etc. Tal dinâmica tornou possível o alargamento da definição de Chifre da África de forma a incluir o Sudão. (Carvalho 2010, 7–8)
Quanto à adição do Quênia e Uganda, cada vez mais uma análise sobre as dinâmicas de segurança e poder no Chifre da África se fragiliza caso algum desses dois países não seja considerado como parte integrante da região. Dos estudos encontrados sobre o tema, ainda são maioria aqueles que defendem a classificação de nenhum ou de apenas um dos dois países como estando dentro das fronteiras do Chifre africano, apesar da existência de uma série de indícios que apontem à anexação de ambos, os quais fazem a divisa entre o Chifre e as dinâmicas da África Central: a definição das Nações Unidas inclui o Quênia no Chifre e a análise de Buzan e Waever já aponta para fortes laços entre Uganda e o então pré-complexo regional. Assim, em uma síntese do já apontado na seção anterior, adicioná-los faz-se essencial devido: (1) à existência de continuidade territorial e dilemas fronteiriços que conectam Quênia e Uganda às dinâmicas do Chifre; (2) ao papel central que os dois países têm desempenhado, ao lado da Etiópia, na tentativa de fortalecer as estruturas de segurança do IGAD; (3) à intensificação das interações entre esses países e o restante da região sendo os maiores exemplos deste fato a recorrência da fome e o escoamento do conflito da Somália e do Sudão para Uganda e Quênia (o que aproxima também os Estados da preocupação norte- americana em relação ao desenvolvimento do terrorismo islâmico na região do Chifre, e no mundo como um todo).
William Thompson (1973) retoma quatro critérios mais comumente adotados na literatura regionalista acerca da identificação e formação de regiões. Dentre estes fatores, a interdependência entre os atores da região, entendida como sendo uma situação na qual o compartilhamento de externalidades de segurança existe em tal medida que uma mudança
fundamental em um ponto do sistema regional afeta os demais pontos (Thompson 1973, 101), é usada aqui como justificativa para a classificação de Egito e Iêmen como observadores. Ou seja, existe interdependência securitária entre os país, no entanto, são bastante específicas as transformações conjunturais que, caso venham a ocorrer nesses países, acabem por gerar de fato tal efeito sistêmico na região. Assim, ao posicionar o Egito e o Iêmen como Estados- observadores, busca-se evidenciar o limitado grau de interdependência que ambos os países compartilham com o restante da região.
Primeiro, o distanciamento do Iêmen se ampara na posição geográfica do país, já que o mesmo não pertence ao continente africano e apesar de sua posição costeira geoestratégica (jurisdição parcial sobre as águas do estreito de Bab-el-Mandeb, uma das principais rotas marítimas do planeta) que o conecta com o Chifre, sua inserção internacional se dá mais pelas conexões com o mundo árabe que com o mundo africano. Depois, se levamos em consideração sua presença em instituições regionais, percebemos que o país é membro da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, e não da União Africana e do IGAD. Ainda, em que pese às dinâmicas regionais de segurança, suas relações diplomáticas e econômicas são essencialmente bilaterais e limitadas aos países mais próximos (Somália, Eritréia e Djibouti), sem interações expressivas com o restante região. No entanto, a relação do país com o Chifre está vinculada a uma série de outros fatores, entre estes a preocupação norte-americana com o avanço do terrorismo na região, e o receio do avanço de um Estado Islâmico por parte da Etiópia. Em termos mais contundentes, desde 2002, com a formação de uma aliança entre Sudão, Etiópia e Iêmen, que o último tem se aproximado cada vez mais das dinâmicas securitárias do Chifre. O objetivo inicial de realizar uma pressão organizada contra a Eritréia, país com o qual tanto o Iêmen, quanto o Sudão e a Etiópia travavam disputas desde 1995, foi expressamente substituído em 2004, quando a aliança assume um caráter antiterrorista, buscando tirar proveito do interesse estadunidense na região, conforme explicitado no trecho a seguir:
“Os três países estão ansiosos para reverter sua imagem de paraíso para militantes islâmicos, e as operações contra a AIAI46 podem envolver troca de informações ou
46 Al-Itihaad al-Islamiya, organização criada para derrubar o governo somali que se alia com a Al-Qaeda de Bin Laden em 1993. “AIAI was listed on 6 October 2001 (…) as being associated with Al-Qaida, Usama bin Laden or the Taliban for „participating in the financing, planning, facilitating, preparing or perpetrating of acts or
activities by, in conjunction with, under the name of, on behalf or in support of”, „supplying, selling or
transferring arms and related materiel to‟ or „otherwise supporting acts or activities of” Al-Qaida and Usama bin Laden. (…) AIAI was established between 1982 and 1984 and, along with other organizations, sought to overthrow the government in Somalia. AIAI‟s leadership has included Hassan Abdullah Hersi al-Turki and Hassan Dahir Aweys. (…) Usama bin Laden (deceased) devoted substantial funds towards the establishment of
an AIAI-administered authority in Somalia, which supported the ultimate aim of setting up an Al-Qaida base of operations there. AIAI later supported Al-Qaida‟s bombing of the United States Embassies in Kenya and
até mesmo cooperação militar entre os três países. Dado o histórico da Etiópia como um aliado dos EUA, este 'eixo anti-terror‟ não pode ser visto apenas como uma apropriação cínica da agenda dos EUA para fins domésticos. No entanto,a Eritreia sente o seu cerco estreitar-se, e tem denunciado essa aliança como um "eixo de beligerância". (JANES 2009, 18, tradução nossa)47
Segundo, e finalmente, a fragilidade e limitações das relações entre Egito e o Chifre, pautadas pela sua fronteira com o Sudão e pelo controle das águas do Nilo, fundamental para sua sobrevivência econômica, atrelando-o a uma rivalidade com a Etiópia, já havia sido observado pelos próprios Buzan e Waever e segue ainda hoje sendo evidenciada. Embora a preocupação com o nível das águas do Rio Nilo siga aumentando gradativamente, especialmente com a prospecção do desenvolvimento de um cenário mais pacífico no Sudão do Sul e com o início de novas fases das obras para desviar o curso do Nilo Azul por parte da Etiópia, o país ainda se apresenta como um ator externo à região. Por mais que possua capacidade de interferência, o Egito se limita hoje a promover uma espécie de guerra psicológica com a Etiópia, ameaçando a utilização de ataques aéreos e suporte a grupos rebeldes, embora nada tenha acontecido, e o mesmo permaneça sem um envolvimento para além de suas próprias questões de interesse nacional:
“Esses movimentos têm conduzido a uma política externa egípcia cada vez mais ativa na região, aumentando a possibilidade específica de uma rivalidade Egíto- Etiópia (...). Embora o Egito tenha desde longa data uma história colonial singular em torno do Nilo Austral, tem sido ali um player periférico (...). Sua posição tem sido consistentemente contrária à etíope, dando apoio à Somália em 1977 e ao Sudão em 1976. A despeito de muitos atritos entre Cairo e Cartum (...) os dois governos [Egito e Sudão] vivem um momento de aproximação. O Egito preocupa-se com o controle das águas do Nilo, e assim se opõe tanto à secessão do Sudão do Sul (pelo qual fluem as águas do Nilo Branco), quanto (em uma situação na qual podemos traçar muitos paralelos com aquela existente entre Turquia e Iraque) se preocupa sobre os planos etíopes de construir usinas nas nascentes do Nilo Azul.” (Buzan e
Waever 2003, 243, tradução nossa).48
Tanzania on 7 August 1998. AIAI also supported Al-Qaida‟s bomb attack on the Paradise Hotel in Kikambala and the simultaneous attack against a civilian airliner in Mombasa, Kenya, in 2002.” (UN 2011)
47 “All three countries are eager to shed their image as havens for Islamist militants, and operations against the likes of AIAI may involve information or even military co-operation between the three countries. Given Ethiopia's record as a US ally, this 'anti-terror axis' cannot be seen purely as a cynical hijacking of the US agenda for domestic purposes. Nonetheless, Eritrea feels its encirclement very keenly, and has denounced the alliance as an 'axis of belligerence'. “ (JANES 2009, 18)
48 “These moves have run into an increasingly activist Egyptian policy in the region, raising the specific possibility of an Egyptian–Ethiopian rivalry (...). Although Egypt has its own longstanding colonial history along the Southern Nile, it was a peripheral player (…). Its position was consistently anti-Ethiopian, supporting Somalia in 1977 and Sudan in 1976. Despite the many frictions between Cairo and Khartoum, (…) the two governments are now moving closer together. Egypt worries about control of the Nile waters, and thus opposes both the secession of southern Sudan (through which flows the White Nile), and (in a situation with many parallels to that between Turkey and Iraq) also worries about Ethiopian plans to build dams on the headwaters of the Blue Nile.” (Buzan and Wæver 2003, 243)
Feitas estas observações, e com base nas percepções extraídas da pesquisa, chega-se à conclusão de que a fim de procurar abarcar a complexidade das relações de securitização dos países do Chifre da África, a sua configuração mais adequada (Mapa 1) poderia envolver como pertencentes os oito Estados (Etiópia, Somália, Eritréia, Djibuti, Sudão, Sudão do Sul, Quênia e Uganda) que possuem tanto continuidade geográfica (proximidade/ocorrência de externalidades), como também fazem parte da organização regional, o IGAD (interdependência securitária acentuada). Outros dois Estados ainda estão fortemente atrelados às dinâmicas do Chifre em termos de ocorrência de externalidades, Egito e Iêmen, no entanto, embora vinculados a importantes dilemas de segurança regionais, têm seu centro de ação política voltado para outra região que não o Chifre (a África do Norte e o Oriente Médio, no caso egípcio49, e o Oriente Médio ou Península Arábica, no caso iemenita); por esse motivo justifica-se sua classificação como Estados-observadores.
MAPA 2 – FRONTEIRAS REGIONAIS DO CHIFRE DA ÁFRICA
49 Sobre o desafio que o caso do Egito representa à Teoria dos Complexos Regionais de Segurança ver (Buzan and Wæver 2003, 259-260).
Fonte: CIA (2010). Adaptado pelo autor.
Delimitação das fronteiras do Chifre da África (correspondência com as fronteiras do IGAD).
Países observadores
CONCLUSÃO
Este trabalho buscou realizar uma revisão da aplicação da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança de Barry Buzan e Ole Waever (2003) para o caso do Chifre africano, e fornecer uma visão alternativa quanto ao nível de relações de interdependência securitárias percebidas pelos autores como sendo existentes na região. A primeira seção retomou a Teoria do Complexo Regional de Segurança, desenvolvida pelos autores em 2003 com base em trabalhos anteriores, e apresentou a posição de Buzan e Waever quanto à incapacidade de
classificar o Chifre da África como um Complexo Regional de Segurança, atestada pelos mesmos em função da insuficiência tanto de dinâmicas de segurança quanto de níveis de interdependência entre os atores regionais. A segunda seção buscou atualizar a discussão e defender que um novo cenário vem se desenhando no Chifre nos últimos anos, em função do aumento do nível de interdependência securitária representado parte pelos desafios impostos pelas externalidades de segurança, e parte pelas tentativas de solução comum para os problemas regionais. Em especial, o papel que a Etiópia assume na região foi posto em destaque como mais um contra-argumento à classificação do Chifre como um pré-complexo ou um proto-complexo por Buzan e Waever. Por fim, a terceira seção trouxe uma definição das fronteiras regionais alternativa àquela apresentada por Buzan e Waever, delimitando a fronteira sul do Complexo Regional com a inclusão de Uganda, Quênia, e sugerindo a vinculação de Egito e Yêmen como estados-observadores.
Assume-se que as variáveis escolhidas para justificar uma reclassificação do Chifre para o status mais elevado de Complexo Regional de Segurança, e redefinir suas fronteiras com base nas dinâmicas de interação entre os atores, podem ser contestadas. entanto, mais que estabelecer uma visão definitiva acerca do assunto, o principal objetivo deste artigo é despertar a discussão sobre esta que, com base em todos os argumentos já mencionados, é uma das regiões que mais instigadoramente fornecem substrato para o avanço dos estudos regionalistas, especialmente em termos políticos e securitárioss. A pesquisa contribuiu, enfim, para problematizar a definição de um dos principais conceitos dentro dos estudos de Segurança em Relações Internacionais e a sua aplicação em relação ao continente africano.
As constatações oriundas deste trabalho se somam à corrente de estímulo aos estudos africanos que se aprofunda no Brasil, e fornecem, em especial para aqueles que se dedicam a compreender os assuntos relativos às dinâmicas de segurança do Chifre da África, mais um prisma de interpretação. Ainda, estudar questões de segurança regional sob uma nova perspectiva, qual seja, a de que a cooperação regional pode servir como forma de consolidação e desenvolvimento dos Estados, de reforço da soberania empírica (e não meramente jurídica), e de promoção da estabilidade e do desenvolvimento.
Por fim, importa salientar que a conclusão deste trabalho traz consigo possibilidades para estudos futuros que

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