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Autora: Profa. Juliana Barbosa Corrêa Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Avaliação Funcional Professora conteudista: Juliana Barbosa Corrêa Mestra em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), é graduada em Fisioterapia pela Universidade Paulista (UNIP), especialista em Fisioterapia Motora Ambulatorial e Hospitalar Aplicada à Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e tem aperfeiçoamento em Cirurgia Plástica pela Unifesp. É formada no conceito Bobath pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento e Divulgação do Conceito Bobath (Abradimene) e certificada em pilates pela Metacorpus Pilates. Professora de estágio na clínica de fisioterapia da UNIP, é docente do curso de Fisioterapia na mesma instituição e também nos cursos de pós-graduação do Instituto Imparare, Biocursos e Faculdade Inspirar nas áreas de neurologia e agentes eletrofísicos. Possui diversos artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, é revisora de periódicos internacionais na área e membro da International Association for the Study of Pain (Iasp). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C824a Corrêa, Juliana Barbosa. Avaliação Funcional / Juliana Barbosa Corrêa. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Avaliação neurológica. 2. Exame de marcha. 3. Avaliação postural. I. Título. CDU 796.012 U508.03 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Juliana Muscovick Ingrid Lourenço Sumário Avaliação Funcional APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 EXAME DO SISTEMA NEUROMOTOR: ADULTO E INFANTIL ............................................................. 11 1.1 Exame da consciência ......................................................................................................................... 11 1.1.1 Coma .............................................................................................................................................................11 1.1.2 Letargia e estupor ................................................................................................................................... 12 1.1.3 Morte encefálica ..................................................................................................................................... 12 1.1.4 Fisiopatologia dos níveis de consciência ....................................................................................... 13 1.1.5 Abordagem diagnóstica ...................................................................................................................... 14 1.1.6 Avaliação do nível de consciência: escala de coma de Glasgow ....................................... 14 1.2 Exame das funções corticais ............................................................................................................ 18 1.2.1 Afasias ......................................................................................................................................................... 18 1.2.2 Afasia sensitiva ou afasia de Wernicke ......................................................................................... 18 1.2.3 Afasia motora ou de Broca ................................................................................................................. 18 1.2.4 Afasia mista ou global .......................................................................................................................... 19 1.2.5 Apraxias ..................................................................................................................................................... 19 1.2.6 Apraxia ideomotora ............................................................................................................................... 20 1.2.7 Apraxia ideatória ..................................................................................................................................... 20 1.2.8 Apraxia do vestir ..................................................................................................................................... 20 1.2.9 Apraxia construtiva ................................................................................................................................ 20 1.2.10 Agnosias .................................................................................................................................................. 21 1.2.11 Agnosia visual ........................................................................................................................................ 22 1.2.12 Agnosia visual para objetos ............................................................................................................. 22 1.2.13 Prosopagnosia ....................................................................................................................................... 22 1.2.14 Agnosia para as cores ........................................................................................................................ 22 1.2.15 Alexia pura (sem agrafia) .................................................................................................................. 22 1.2.16 Agnosia auditiva ................................................................................................................................... 23 1.2.17 Agnosia auditiva para os sons ........................................................................................................ 23 1.2.18 Amusia ...................................................................................................................................................... 23 1.2.19 Surdez verbal pura ............................................................................................................................... 23 1.2.20 Agnosia tátil (asterognosia) ............................................................................................................. 24 1.2.21 Negligência unilateral ou heminegligência ............................................................................. 24 1.2.22 Miniexame do estado mental ......................................................................................................... 26 1.2.23 Avaliação cognitiva Montreal ........................................................................................................ 28 1.3 Exame dos pares cranianos ..............................................................................................................30 1.3.1 Nervo olfatório, I par craniano ........................................................................................................ 30 1.3.2 Nervo óptico, II par craniano ............................................................................................................. 31 1.3.3 Nervo oculomotor, III par; nervo troclear, IV par; nervo abducente, VI par .................. 31 1.3.4 Nervo trigêmeo, V par ........................................................................................................................... 31 1.3.5 Nervo facial, VII par .............................................................................................................................. 32 1.3.6 Nervo vestibulococlear, VIII par ....................................................................................................... 33 1.3.7 Nervo glossofaríngeo, IX par ............................................................................................................ 33 1.3.8 Nervo vago, X par ................................................................................................................................... 34 1.3.9 Nervo acessório, XI par ......................................................................................................................... 34 1.3.10 Nervo hipoglosso, XII par ................................................................................................................. 34 2 AVALIACÃO NEUROLÓGICA ....................................................................................................................... 35 2.1 Avaliação da sensibilidade ................................................................................................................ 35 2.1.1 Equipamentos necessários para avaliação sensorial ................................................................ 35 2.1.2 Tubo de ensaio com rolha ................................................................................................................... 35 2.1.3 Teste da avaliação sensorial .............................................................................................................. 35 2.1.4 Avaliação da sensibilidade dolorosa................................................................................................ 36 2.1.5 Avaliação da temperatura ................................................................................................................... 36 2.1.6 Avaliação do tato protopático (tato grosso) ............................................................................... 36 2.1.7 Avaliação da pressão ............................................................................................................................ 37 2.1.8 Avaliação da propriocepção consciente ........................................................................................ 38 2.1.9 Sensibilidade vibratória ....................................................................................................................... 38 2.1.10 Tato epicrítico ....................................................................................................................................... 38 2.2 Exames dos reflexos ............................................................................................................................ 38 2.3 Tônus muscular ..................................................................................................................................... 42 2.3.1 Hipertonia .................................................................................................................................................. 42 2.3.2 Hipotonia .................................................................................................................................................. 43 2.3.3 Avaliação do tônus ............................................................................................................................... 43 2.4 Avaliação das coordenações motoras grossa e fina ............................................................. 45 2.4.1 Testes de coordenação que não envolvem o equilíbrio ......................................................... 47 2.5 Avaliação do equilíbrio estático e dinâmico ............................................................................. 48 2.5.1 Testes de coordenação do equilíbrio ............................................................................................... 48 2.5.2 Testes de equilíbrio e mobilidade ..................................................................................................... 50 2.5.3 Estratégias motoras do equilíbrio .................................................................................................... 52 3 EXAME DA MARCHA NORMAL .................................................................................................................. 53 3.1 Cinética e cinemática da marcha normal .................................................................................. 53 3.1.1 Terminologia ............................................................................................................................................ 53 3.1.2 Fases da marcha ..................................................................................................................................... 54 3.1.3 Requisitos para a marcha .................................................................................................................... 60 3.1.4 Exigências para a locomoção bem-sucedida ............................................................................. 61 3.2 Métodos de avaliação da marcha .................................................................................................. 61 3.2.1 Análise observacional (exame visual) ............................................................................................. 63 3.2.2 Análise por videotape ........................................................................................................................... 64 3.2.3 Eletromiografia dinâmica ................................................................................................................... 65 4 MARCHA PATOLÓGICA .................................................................................................................................. 66 4.1 Tipos .......................................................................................................................................................... 66 4.1.1 Marcha ebriosa ........................................................................................................................................ 66 4.1.2 Marcha atáxica sensorial (talonante) ............................................................................................. 67 4.1.3 Marcha ceifante (hemiplégica) ......................................................................................................... 67 4.1.4 Marcha do PC diparético (marcha em tesoura, crouch ou agachamento) ..................... 68 4.1.5 Marcha parkinsoniana ou festinante .............................................................................................. 68 4.1.6 Marcha escarvante ................................................................................................................................. 69 4.1.7 Marcha em Trendelenburg .................................................................................................................. 70 4.1.8 Marcha miopática/anserina ................................................................................................................ 70 Unidade II 5 CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE (CIF)............. 74 5.1 Conceitos, objetivos e componentes ............................................................................................ 74 5.1.1 Conceito......................................................................................................................................................74 5.1.2 Objetivos .................................................................................................................................................... 74 5.1.3 Utilização na saúde ................................................................................................................................ 75 5.1.4 Organização ............................................................................................................................................. 75 5.1.5 Utilização .................................................................................................................................................. 77 5.1.6 Aplicação ................................................................................................................................................... 78 5.1.7 Diretrizes éticas ...................................................................................................................................... 79 5.1.8 Estrutura de codificação ..................................................................................................................... 80 6 EXAME DO SISTEMA RESPIRATÓRIO ....................................................................................................... 82 6.1 Principais sinais e sintomas respiratórios ................................................................................... 83 6.1.1 Tosse ............................................................................................................................................................. 83 6.1.2 Dispneia ...................................................................................................................................................... 85 6.1.3 Dor torácica ............................................................................................................................................. 85 6.1.4 Sibilo e estridores .................................................................................................................................... 86 6.1.5 Cianose ........................................................................................................................................................ 86 6.1.6 Hemoptise ................................................................................................................................................ 87 6.2 Sinais vitais (FR, FC, PA, T) ................................................................................................................. 87 6.2.1 Temperatura corporal ............................................................................................................................ 88 6.2.2 Frequência cardíaca ............................................................................................................................... 90 6.2.3 Frequência respiratória ......................................................................................................................... 91 6.2.4 Pressão arterial ........................................................................................................................................ 92 6.3 Exame físico ............................................................................................................................................ 95 6.3.1 Exame físico do tórax ............................................................................................................................ 95 6.3.2 Inspeção estática .................................................................................................................................... 97 6.3.3 Formas do tórax ....................................................................................................................................... 98 6.3.4 Inspeção dinâmica .................................................................................................................................. 99 6.3.5 Frequência respiratória ......................................................................................................................... 99 6.3.6 Ritmo respiratório .................................................................................................................................. 99 6.3.7 Retração inspiratória fisiológica .....................................................................................................100 6.3.8 Palpação ...................................................................................................................................................101 6.3.9 Expansão torácica: amplitude respiratória .................................................................................102 6.3.10 Frêmitos ..................................................................................................................................................103 6.3.11 Percussão ................................................................................................................................................106 6.3.12 Ausculta .................................................................................................................................................108 6.3.13 Ruídos respiratórios normais .........................................................................................................108 Unidade III 7 EXAME DO SISTEMA CARDIOVASCULAR .............................................................................................117 7.1 SISTEMA CIRCULATÓRIO ................................................................................................................117 7.1.1 Exame periférico ..................................................................................................................................117 7.1.2 Pressão arterial .....................................................................................................................................119 7.2 Frequência cardíaca .........................................................................................................................120 7.2.1 Medição no pulso radial .................................................................................................................. 120 7.2.2 Medição no pulso carotídeo .......................................................................................................... 120 7.3 Aspectos gerais ....................................................................................................................................120 7.3.1 Teste ergométrico ................................................................................................................................ 120 8 AVALIAÇÃO POSTURAL................................................................................................................................124 8.1 Sistemas e postura .............................................................................................................................127 8.1.1 Sistema ósseo ........................................................................................................................................ 127 8.1.2 Sistema articular .................................................................................................................................. 128 8.1.3 Sistema muscular ................................................................................................................................ 128 8.1.4 Sistema neural ...................................................................................................................................... 129 8.2 Função da postura .............................................................................................................................131 8.3 Alterações posturais ..........................................................................................................................136 8.4 Postura e equilíbrio ............................................................................................................................1398.4.1 Sistema somatossensorial ................................................................................................................ 140 8.4.2 Sistema vestibular ................................................................................................................................141 8.4.3 Sistema visual .........................................................................................................................................141 8.5 Métodos clássicos de avaliação postural ..................................................................................141 8.5.1 Drop test .................................................................................................................................................. 150 8.5.2 Ficha de avaliação postural simplificada.................................................................................... 152 8.5.3 Ficha de avaliação postural detalhada ........................................................................................ 153 8.5.4 Métodos fotográficos: Sapo ............................................................................................................ 155 9 APRESENTAÇÃO Este livro-texto trata sobre a avaliação clínica e funcional das disfunções neuromusculares, cardíacas, vasculares e respiratórias do corpo, por meio da análise, compreensão, fundamentação e treinamento de procedimentos e manobras que as compõem. Engloba também a avaliação postural, a compreensão da biomecânica da marcha normal e o exame da marcha patológica. Por meio da avaliação do paciente, cujo método será mostrado neste livro-texto, o aluno vai adquirir conhecimento e obter recursos teórico-práticos para realizar a avaliação das diversas disfunções, quantificando-as e descrevendo-as, a fim de direcionar o raciocínio fisioterapêutico relativo para o diagnóstico funcional. Em seguida, será possível proceder com o tratamento, verificando a evolução do paciente. Este estudo tem por objetivo discutir as bases morfológicas, estruturais, cinesiológicas e fisiológicas envolvidas na avaliação funcional e clínica, bem como os fundamentos dos métodos utilizados na rotina fisioterapêutica, sua validade e seus limites. Espera-se que o aluno seja capaz de realizar a avaliação do paciente nos diversos sistemas e traçar estratégias e condutas para selecionar o melhor tratamento do paciente. Incialmente, é estudado o sistema neuromotor adulto e infantil e o exame da marcha normal e patológica. Em seguida, será abordada a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e o exame do sistema respiratório. Por último, são apresentados o exame do sistema cardiovascular e a avaliação postural. INTRODUÇÃO Este livro-texto tem como objetivo apresentar conhecimentos e recursos necessários para atuação na área de fisioterapia. Assim, são elucidadas informações relativas à avaliação funcional dos diversos sistemas do paciente, bem como noções de como realizar o diagnóstico fisioterapêutico para, posteriormente, o aluno ser capaz de traçar objetivos e condutas adequadas ao tratamento de diversas doenças. Além disso, são retratadas experiências práticas que permitem aos alunos da área da saúde que utilizem profissionalmente episódios referentes às situações fidedignas com as quais poderão se deparar. Inicialmente, é estudado o exame do sistema neuromotor adulto e infantil, que aborda o exame da consciência, das funções corticais, dos pares cranianos, a avaliação da sensibilidade, o exame dos reflexos miotáticos, o tônus muscular, a avaliação da coordenação motora grossa e fina e a avaliação do equilíbrio estático e dinâmico. As afecções do sistema nervoso central e periférico podem trazer prejuízos importantes aos pacientes, por isso é importante conhecer a avaliação neurológica correta para o diagnóstico e tratamento adequados. Posteriormente, passaremos ao estudo do exame da marcha normal e da marcha patológica. A marcha é a meta funcional de grande parte dos pacientes, o que faz com que seu estudo e conhecimento sejam ferramentas importantes para o profissional da área obter o diagnóstico das alterações da marcha. 10 O conhecimento da CIF pode ser um diferencial para o profissional, já que é uma forma de classificar a funcionalidade e a incapacidade do paciente, relacionando fatores como ambiente e condição social. Por isso, serão abordados os principais aspectos dessa avaliação e classificação. Serão abordadas as avaliações do sistema respiratório e cardiovascular, sabendo que alterações respiratórias e cardíacas podem trazer condições graves, possibilitando o óbito do paciente. A avaliação correta auxilia no diagnóstico fisioterapêutico decorrente das alterações nas doenças respiratórias e cardíacas, a fim de proporcionar o tratamento correto e precoce dos pacientes. Por fim, serão abordados aspectos referentes à avaliação postural, trazendo elucidações a respeito dos principais aspectos a serem avaliados no paciente. A avaliação postural faz parte da rotina do fisioterapeuta e pode trazer esclarecimentos a respeito de dores, alterações ósseas, musculares, de amplitude de movimento e de alterações dos movimentos. 11 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Unidade I 1 EXAME DO SISTEMA NEUROMOTOR: ADULTO E INFANTIL 1.1 Exame da consciência Estar consciente é ter conhecimento de si próprio e do ambiente ao redor. Estados alterados de consciência podem ser comuns na prática clínica e caracterizam emergência médica, visto que têm alta mortalidade, o que justifica diagnóstico e tratamento apropriados de maneira precisa e rápida. A avaliação do nível de consciência é um dos parâmetros mais importantes para se determinar as alterações e necessidades no atendimento ao paciente neurológico. Por meio de procedimentos relativamente simples, essa avaliação revela informações sobre o funcionamento do cérebro, medula espinal e nervos. A consciência de um indivíduo pode ser observada a partir de dois aspectos principais: o nível de consciência, também chamado de estado de vigília; e o conteúdo da consciência, incluindo funções cognitivas e de atenção, além das respostas afetivas, totalizando, assim, a consciência de si e do ambiente. No entanto, essas duas características (vigília e atenção) estão correlacionadas, já que, uma vez que há diminuição do estado de vigília, o mesmo acontece com a atenção. Os distúrbios relacionados às alterações da consciência acometem funções referentes ao córtex cerebral. Sendo assim, lesões em regiões específicas podem evoluir com um déficit parcial da consciência. Por exemplo, indivíduos com lesão parieto-temporal direita podem desenvolver um grau considerável de desatenção. As estruturas responsáveis por manter o indivíduo consciente estão localizadas no tronco cerebral, no diencéfalo e no córtex cerebral. Prejuízos que acometam essas áreas ou os hemisférios cerebrais difusamente, de origem traumática ou não, podem levar a um declínio da função tálamo-cortical e, consequentemente, evoluir para a alteração do nível de consciência, incluindo o estado de coma. 1.1.1 Coma O coma (do grego kôma, sono profundo) pode ser definido como o estado de perda total ou parcial da consciência, da motricidade voluntária e da sensibilidade. As principais causas geralmente estão relacionadas a lesões cerebrais, intoxicações, problemas metabólicos e endócrinos, os quais, dependendo da gravidade, alteram as funções vitais em maior ou menor grau. Quando fisiológico, o estado de coma pode ser mensurado por meio da escala de coma de Glasgow (ECG), que será abordada posteriormente. O fenômeno consciência não é uma entidade única, mas um conjunto de habilidades mediadas pelo processamento em paralelo e cooperativo de informações em diferentes módulos do sistema nervoso. Igualmente, porém, não muito bem descrito, encontra-se o fenômeno da inconsciência. Indivíduos em estado de coma considerados inconscientes intrigam muitos pesquisadores. 12 UnidadeI O coma pode ser definido como um estado no qual o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e do ambiente, caracterizado pela ausência ou extrema diminuição do nível de alerta comportamental, permanecendo não responsivo aos estímulos internos e externos. As alterações do nível de consciência podem variar entre dois extremos, desde uma desorientação têmporo-espacial até um estado de coma profundo. As taxas de sobrevivência de uma pessoa que se encontra no estado de coma são em média de 50%, sendo que menos de 10% conseguem uma recuperação completa. Os sinais vitais do indivíduo em coma podem fornecer informações relevantes sobre o estado físico e emocional, sendo importante conhecer como eles são controlados e quais são suas relações intrínsecas. 1.1.2 Letargia e estupor Estados intermediários de alteração da consciência podem anteceder a instalação do quadro de coma e precisam ser reconhecidos. A sonolência ou letargia é considerada um estado de diminuição do nível de consciência em que o indivíduo consegue ser acordado com estímulos brandos. O estupor é considerado um estado de sonolência mais profundo, no qual o indivíduo precisa receber estímulos vigorosos e repetidos para despertar. Entre os estados que levam à alteração da consciência, encontra-se também o delírio, caracterizado por desorientação, déficit de atenção, sensação de medo, irritabilidade e alterações da percepção de estímulos sensoriais, tais como as alucinações visuais. Alguns estados comportamentais podem ser algumas vezes confundidos com o coma. O estado vegetativo persistente ou síndrome acognitiva é descrito como um estado que pode emergir em pacientes que sofreram lesões graves no sistema nervoso central, muitas vezes ficando em coma por algum período, mas que com o retorno do estado de alerta permanecem com a incapacidade de reagir ou de interagir aos estímulos ambientais. Há o retorno do padrão de sono-vigília e a manutenção das funções vegetativas, mas com quase completa ausência de funções cognitivas. Alguns autores têm utilizado termos como estado minimamente consciente para pacientes que recuperam algumas funções cognitivas, como a habilidade de seguir comandos simples, presença de gestos ou respostas tipo sim ou não ou verbalização ininteligível. A abulia é um comportamento em que há uma grave apatia com diminuição ou ausência de comportamento emocional ou mental, na qual o paciente não fala ou se movimenta espontaneamente, embora esteja alerta e reconheça os estímulos do ambiente. Geralmente ocorre em pacientes com lesões frontais bilaterais. 1.1.3 Morte encefálica A morte encefálica ocorre quando o dano encefálico é tão extenso que não há potencial para recuperação estrutural e funcional do encéfalo, então ele não pode manter a homeostase interna (funções cardiovasculares, respiratórias, gastrointestinais e controle da temperatura corpórea). Embora haja métodos artificiais para preservação de órgãos periféricos (medidas de suporte cardiovascular e ventilação mecânica), um corpo em morte encefálica desenvolve falência cardiovascular em alguns dias, raramente em algumas semanas, apesar do mais meticuloso cuidado intensivo. O que diferencia o estado de coma do diagnóstico de morte encefálica é a irreversibilidade do quadro, com repercussões 13 AVALIAÇÃO FUNCIONAL sistêmicas sobre a homeostase de órgãos vitais, baseadas em danos permanentes estruturais focais ou difusos no encéfalo. Observação Apesar de o profissional da área fazer a avaliação neurológica do paciente, só o médico pode fazer o diagnóstico de morte encefálica. Saiba mais Para saber mais sobre estados alterados de consciência, leia o capítulo do livro a seguir: RABELLO, G. D. Coma e estados alterados de consciência. In: NITRINI, R.; BACHESCHI, L. A. A neurologia que todo médico deve saber. São Paulo: Atheneu, 2003. 1.1.4 Fisiopatologia dos níveis de consciência As estruturas que são capazes de manter o indivíduo em alerta ou desperto estão localizadas na formação reticular e em outros locais entre a região pontomesencefálica e o diencéfalo (tálamo e hipotálamo), chamada de sistema ativador reticular ascendente (Sara). Lesões nessas estruturas ou as que acometem os hemisférios cerebrais de forma difusa ou multifocal podem levar a alterações do nível de consciência ou até mesmo ao coma. As causas que podem levar a alterações do nível de consciência ou coma são: alterações simétricas não estruturais; alterações simétricas estruturais; e alterações assimétricas estruturais. Entre as alterações simétricas não estruturais (difusas), podemos incluir: intoxicações (chumbo, tálio, metanol, monóxido de carbono); uso de drogas (álcool, sedativos, barbitúricos, anfetaminas); distúrbios metabólicos (hiponatremia, hipernatremia, hipóxia, hipercapnia, hipoglicemia, hiperglicemia, hipercalcemia, hipocalcemia, hipertermia, hipotermia, uremia, encefalopatia hepática, entre outros); infecções (meningite, encefalite); quadros psiquiátricos; entre outros. As alterações estruturais (focais) podem ser divididas em supratentoriais e infratentoriais. Por outro lado, as lesões estruturais simétricas incluem: supratentorial – oclusão bilateral da carótida interna, oclusão da artéria cerebral anterior bilateral, hemorragia subaracnóidea, hidrocefalia e infratentorial –, oclusão da artéria basilar, tumor de tronco e hemorragia pontina. Por fim, entre as alterações estruturais assimétricas estão: supratentoriais – tumor unilateral hemisférico com herniação, hemorragia subdural bilateral, sangramento parenquimatoso (tálamo) e outros e infratentoriais –, infarto ou hemorragia de tronco encefálico. 14 Unidade I 1.1.5 Abordagem diagnóstica A identificação da causa do coma deve começar pela coleta de informações com familiares e pessoas que possam ter presenciado a evolução clínica do paciente. É muito importante obter dados relacionados à forma de instalação e evolução do quadro, possível uso de drogas ou substâncias tóxicas, presença de febre, história de trauma, doenças prévias e antecedentes psiquiátricos. O exame clínico geral deve buscar indícios de condições sistêmicas que possam levar a alterações do nível de consciência. Deve-se obter também os sinais vitais, pressão arterial, pulso, frequência respiratória, temperatura e a glicemia capilar, já que a hipoglicemia pode ser prontamente revertida com a infusão de glicose a 50% para evitar danos irreversíveis ao encéfalo. O exame do sistema cardiovascular, pulmonar, gastrointestinal, da pele e de outros sistemas pode fornecer dados importantes quanto à etiologia (causa) do coma. O objetivo do exame neurológico nesse caso é ajudar na determinação da causa do coma, a fim de obter um parâmetro para seguimento evolutivo e auxiliar na determinação do prognóstico do paciente. Entre os dados do exame neurológico mais importantes para a localização e prognóstico do paciente estão: • Nível de consciência. • Padrão respiratório. • Tamanho e resposta pupilar à luz. • Motricidade ocular espontânea ou reflexa. • Resposta motora esquelética. 1.1.6 Avaliação do nível de consciência: escala de coma de Glasgow A avaliação do nível de consciência deve englobar uma descrição do estado de alerta do paciente em resposta a estímulos verbais e dolorosos. O objetivo dessa avaliação é determinar o grau de alteração do nível de consciência e ter um parâmetro clínico evolutivo e prognóstico. A escala de coma de Glasgow (ECG) é uma escala padronizada utilizada para avaliação do nível de consciência em pacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico. Consiste em uma tabela de escores que pode variar entre 3 (ausência de abertura ocular, da resposta verbal e da movimentação de extremidades, após estímulos dolorosos) e 15 (sem alteração do nível de consciência). Os parâmetros avaliados são a abertura ocular (escore de 1 a 4), padrão de resposta motora (escore de 1 a 6) e padrão de resposta verbal (escore de 1 a 5). O profissionalprecisa lembrar que a escala é apenas um parâmetro de avaliação; entretanto, até com suas limitações, a ECG apresenta uma linguagem comum para definir o estado da lesão cerebral. A escala foi publicada na revista Lancet, em 1974, por Graham Teasdale e Bryan Jennett, do Instituto de Ciências Neurológicas de Glasgow, na Escócia. Em abril de 2018, foi acrescentado outro importante fator para ser medido na escala: a reatividade pupilar. A modificação mais recente foi uma tentativa de obter melhores informações sobre o prognóstico no traumatismo cranioencefálico, incluindo a 15 AVALIAÇÃO FUNCIONAL probabilidade de morte, já que estudos revelaram maior precisão na análise do estado de saúde do paciente. Nasceu, então, a versão mais recente, denominada escala de coma de Glasgow com resposta pupilar (ECG-P). A utilização dessa escala deve ser considerada somente para vítimas de traumatismo craniano e/ou com rebaixamentos neurológicos. Outro fator importante é sempre valorizar e ter como padrão a melhor resposta, seja ela ocular, verbal ou motora. Para a aplicação adequada dos procedimentos, deve haver dois fatores principais: muito estudo e prática para a interpretação correta da escala. Saiba mais Para saber mais sobre a escala de coma de Glasgow, acesse o site a seguir: GLASGOW COMA SCALE (GCS). Recording the Glasgow Coma Scale. 2020. Disponível em: https://www.glasgowcomascale.org/recording-gcs/. Acesso em: 27 maio 2020. As notas devem ser registradas ao longo do atendimento, para que possam indicar a progressão do paciente. Em todos os segmentos observados pelo profissional de saúde, a primeira opção é uma resposta normal do paciente (nota máxima na escala) e a última, uma reação inexistente ou ausente (nota 1). É preciso marcar NT na pontuação caso não seja possível obter resposta do paciente por conta de alguma limitação. Pontuações de 13 a 15 indicam trauma leve; entre 9 e 12, trauma moderado; e de 3 a 8, trauma grave. Escala de coma de Glasgow Resposta ocular: (4) Espontânea: abre os olhos sem a necessidade de estímulo externo. (3) Ao som: abre os olhos quando é chamado. (2) À pressão: paciente abre os olhos após pressão na extremidade dos dedos (aumentando progressivamente a intensidade por 10 segundos). (1) Ausente: não abre os olhos, apesar de ser fisicamente capaz de abri-los. Resposta verbal: (5) Orientada: consegue responder adequadamente o nome, o local e a data. (4) Confusa: consegue conversar em frases, mas não responde corretamente as perguntas de nome, local e data. 16 Unidade I (3) Palavras: não consegue falar em frases, mas interage através de palavras isoladas. (2) Sons: somente produz gemidos. (1) Ausente: não produz sons, apesar de ser fisicamente capaz de realizá-los. Resposta motora: (6) À ordem: cumpre ordens de atividade motora (duas ações), como apertar a mão do profissional e colocar a língua para fora. (5) Localizadora: eleva a mão acima do nível da clavícula em uma tentativa de interromper o estímulo (durante o pinçamento do trapézio ou incisura supraorbitária). (4) Flexão normal: a mão não alcança a fonte do estímulo, mas há uma flexão rápida do braço ao nível do cotovelo e na direção externa ao corpo. (3) Flexão anormal: a mão não alcança a fonte do estímulo, mas há uma flexão lenta do braço na direção interna do corpo (decorticação). (2) Extensão: há uma extensão do braço ao nível do cotovelo (descerebração). (1) Ausente: não há resposta motora dos membros superiores e inferiores, apesar de o paciente ser fisicamente capaz de realizá-la. Pressão na ponta do dedo Pressão no trapézio Pressão supraorbitária Figura 1 – Locais para estimulação física na resposta verbal A B Figura 2 – Postura de decorticação (A) e descerebração (B) após estímulo doloroso 17 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Reação pupilar (atualização 2018): (2) Inexistente: nenhuma pupila reage ao estímulo de luz. (1) Parcial: apenas uma pupila reage ao estímulo de luz. (0) Completa: as duas pupilas reagem ao estímulo de luz. Diencéfalo pequenas e reativas III Nervo (uncal) dilatadas fixas Mesencéfalo médio-fixas Ponte puntiformes Tectal grandes e fixas Figura 3 – Possíveis achados patológicos das pupilas no coma Como utilizar a escala de coma de Glasgow corretamente: • Verificar: identificar fatores que podem interferir na capacidade de resposta do paciente. É importante considerar na avaliação se ele possui alguma limitação anterior ou limitações decorrentes do trauma que o impedem de reagir adequadamente naquele tópico da avaliação. Por exemplo, um paciente surdo não poderá reagir normalmente ao estímulo verbal. • Observar: analisar o paciente e ficar atento a qualquer comportamento espontâneo dentro dos três componentes da escala. • Estimular: caso o paciente não aja espontaneamente nos tópicos da escala, é preciso estimular uma resposta. Abordá-lo na ordem abaixo: — Estímulo sonoro: pedir ao paciente, em tom de voz normal ou em voz alta, que realize a ação desejada. — Estímulo físico: aplicar pressão nas extremidades dos dedos, trapézio ou incisura supraorbitária. • Pontuar e somar: os estímulos que obtiveram a melhor resposta do paciente devem ser marcados em cada um dos três tópicos da escala. Se algum fator impedir a vítima de realizar a tarefa, é marcado NT. As respostas correspondem a uma pontuação que indicará de forma simples e prática a situação do paciente. Por exemplo: ocular – 4, verbal – 2, motora – 1, com resultado geral igual a 7. 18 Unidade I • Analisar a reatividade pupilar (atualização 2018): suspender cuidadosamente as pálpebras do paciente e direcionar um foco de luz para seus olhos. Registrar a nota correspondente à reação ao estímulo. Esse valor será subtraído da nota obtida anteriormente, gerando um resultado final mais preciso. Essas reações devem ser anotadas periodicamente para possibilitar uma visão geral do progresso ou deterioração do estado neurológico do paciente. Lembrete A escala de coma de Glasgow deve ser aplicada e avaliada pelo profissional da saúde com conhecimento e treinamento adequados para sua interpretação. 1.2 Exame das funções corticais 1.2.1 Afasias O termo afasia significa perda da memória da palavra. Trata-se de uma condição decorrente de uma lesão cerebral, comumente no hemisfério esquerdo, frequentemente causada por acidentes vasculares cerebrais. Outras doenças também podem ocasionar afasias, como tumores, traumatismos cranianos e doenças degenerativas ou metabólicas. A lesão cerebral presente na afasia frequentemente pode levar a uma desorganização da linguagem, podendo afetar habilidades de acesso ao vocabulário, organização sintática e codificação e decodificação das mensagens. 1.2.2 Afasia sensitiva ou afasia de Wernicke Indivíduos com esse tipo de afasia podem falar com facilidade e com fluência, geralmente se expressam com frases longas e complexas que muitas vezes não fazem sentido no contexto da conversa, ou incluem palavras incompreensíveis, incorretas e desnecessárias. Esses pacientes geralmente não entendem o que está sendo falado e muitas vezes não percebem que as outras pessoas não conseguem compreendê-los. Além disso, são incapazes de compreender palavras ou de reconhecer símbolos auditivos, visuais ou táteis. É causada por um distúrbio na parte posterior do giro temporal superior do hemisfério dominante para linguagem. Com frequência, a alexia (perda da capacidade de ler palavras) também está presente. 1.2.3 Afasia motora ou de Broca Indivíduos com esse distúrbio possuem grande dificuldade para se expressar e limitações em achar as palavras, falando frases muito curtas e omitindo palavras. Exemplo de fala de um paciente com essa afasia: “Quer comida” ou “Parque de caminhada hoje”, sendo que o ouvinte algumas vezes entende o contexto do que foi dito. Esses pacientes podem entender o que as outras pessoas dizem melhor do que podem se expressar. Geralmente estão conscientes de suas dificuldades em se comunicar e podemficar frustrados e irritados. Esse tipo de afasia resulta de um distúrbio na parte dominante frontal esquerda ou área frontoparietal, incluindo a área de Broca. Frequentemente causa agrafia (perda da capacidade de escrever) e prejudica a leitura oral. 19 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Área de Broca Área de Wernicke Humano Figura 4 – Área em amarelo: área de Broca; área em azul: área de Wernicke 1.2.4 Afasia mista ou global A afasia mista ou global evolve uma grande dificuldade de compreensão e produção de linguagem, correspondendo à forma mais grave de afasia. Indivíduos com esse tipo de afasia têm perda completa da capacidade de compreender a linguagem, de formular a fala e de repetir sentenças, combinando dessa forma as afasias de Broca, de Wernicke e de condução (lesão no fascículo arqueado, que conecta as áreas de Broca e de Wernicke). Acompanha-se de fraqueza no lado direito da face e paralisia dos membros à direita e é causada por danos na região anterior da linguagem, nos núcleos da base e na ínsula (como na afasia de Broca), no giro temporal superior (como na afasia de condução) e nas regiões posteriores de linguagem (como na afasia de Wernicke). Uma lesão tão extensa só pode ser causada por um grande infarto da região irrigada pela artéria cerebral média. Esses pacientes praticamente não produzem discurso e apresentam um grave déficit de compreensão auditiva, apesar de poderem cumprir ordens devidamente contextualizadas e muito frequentes. 1.2.5 Apraxias O termo apraxia deriva do grego (a = privativo; prassein = fazer) e pode ser entendido como o comprometimento da capacidade de realizar movimentos, gestos ou habilidades previamente aprendidas, espontaneamente e/ou ao comando. O paciente apráxico tem dificuldade em realizar movimentos ao comando verbal e atos de mímica, mas, em alguns casos, pode executar os mesmos movimentos de modo adequado com iniciações automáticas. Em geral, apresenta dificuldades na utilização e no manuseio de utensílios e de ferramentas, realizando erros extraordinários, com hesitações, demoras, falta de ordem, perseverança ou movimentos de atalho. As apraxias se referem ao comprometimento na realização de movimentos intencionais, os quais não podem ser atribuídos à fraqueza muscular, incoordenação, perda sensorial ou falta de atenção aos comandos. A apraxia resulta de lesão no encéfalo, como infartos, tumores, traumas ou degeneração, em geral nos lobos parietais ou em suas conexões, que retêm memórias dos padrões de movimentos familiares. Com menor frequência, lesões em outras áreas do cérebro, como o córtex pré-motor (parte do lobo frontal anterior ao córtex motor) ou o corpo caloso, lobo frontal ou lesões difusas relacionadas a demências degenerativas resultam em apraxias. 20 Unidade I Pacientes com apraxia não conseguem conceituar ou realizar tarefas motoras complexas aprendidas apesar de terem os sistemas motor, sensorial e de coordenação íntegros e serem capazes de realizar todos os componentes de uma sequência de movimentos. De forma geral, não reconhecem seus déficits. A apraxia é considerada um sintoma relevante para a reabilitação dos pacientes neurológicos, de difícil diagnóstico, pois além de alguns pacientes apresentarem mais de um tipo de apraxia, não há padronização para sua avaliação e a eficácia dos testes é controversa. Os profissionais da saúde envolvidos na recuperação neuromotora desses pacientes necessitam de instrumentos que permitam detectar o mais precocemente possível tal sintoma, para poderem dirigir seus programas de tratamento de modo mais específico e, consequentemente, mais eficiente. Observação Para avaliar as apraxias, recomenda-se que os pacientes façam tarefas comuns, realizem testes neuropsicológicos e façam exames de imagens cerebrais. São recomendadas fisioterapia e terapia ocupacional de suporte caso a apraxia seja evidente. 1.2.6 Apraxia ideomotora Refere-se a um distúrbio na realização de gestos simples ou simbólicos, sem a utilização de objetos. Embora o paciente saiba o que fazer, é incapaz de fazê-lo com intenção, mas pode executá-los automaticamente. Por exemplo, ordena-se que o paciente faça o sinal da cruz, só que ele não o faz, mas o realiza automaticamente ao entrar em uma igreja. 1.2.7 Apraxia ideatória Refere-se a um distúrbio evidente na sequência dos atos necessários de movimento para a utilização de um objetivo. A forma como o paciente cumpre a tarefa parece uma distração ou demência. O desempenho não melhora com a presença do objeto nem com a imitação. Por exemplo, se for pedido ao paciente que fume um cigarro, pode-se observar que ele acenderá o fósforo com o cigarro, ou que leva o cigarro aos lábios e fuma sem tê-lo acendido. 1.2.8 Apraxia do vestir Trata-se da incapacidade de orientar peças de vestuário em relação ao corpo. O indivíduo perde a noção da sequência correta de vestir as várias peças de roupas. Nas formas mais intensas, não consegue colocar a própria camisa. Frequentemente, o erro é maior ao colocar a manga esquerda. 1.2.9 Apraxia construtiva Trata-se da incapacidade ou dificuldade de reproduzir ou desenhar espontaneamente o que fazia sem dificuldade antes da lesão neurológica. Por exemplo, ele é incapaz de fazer um desenho com molde ou um desenho espontâneo. 21 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Modelo 1 Quadrado Caso 4 Modelo 2 Flor Caso 3 Modelo 3 Cubo Caso 1 Não há modelo Relógio Caso 5 Figura 5 – Teste de apraxia construtiva 1.2.10 Agnosias Agnosia é a incapacidade de reconhecimento de objetos, seja por meio da visão, audição e/ou tato, quando há ausência de lesão dos órgãos executores. O processo de identificação de um objeto tem duas etapas: a primeira, denominada sensação, depende das áreas primárias e consiste na chegada de informações sensoriais do objeto (forma, tamanho, volume, cor). Na segunda, chamada de etapa gnósica, as informações sensoriais do objeto são comparadas com o conceito do objeto existente na memória do indivíduo e, assim, sendo reconhecido. O diagnóstico é clínico e geralmente inclui testes neurofisiológicos com exames de imagem do encéfalo (tomografia computadorizada ou ressonância magnética nuclear) para identificar a causa da agnosia. As causas da agnosia geralmente são lesões por infarto, tumor, abcesso, trauma ou degeneração das áreas encefálicas que integram percepção, memória e identificação. Observação As agnosias devem ser diagnosticadas solicitando aos pacientes que identifiquem objetos; para agnosias sutis, se realizam testes neuropsicológicos. Outro procedimento é identificar imagens do cérebro para caracterizar a lesão causadora. Recomenda-se reabilitação com fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia para ajudar os pacientes a compensar os déficits. 22 Unidade I 1.2.11 Agnosia visual A agnosia visual pode ser dividida em aperceptiva e associativa: • Aperceptiva: o indivíduo tem um prejuízo da percepção da imagem do objeto. Ocorre por lesões temporo-occipitais bilaterais. • Associativa: a percepção do objeto está preservada, porém o indivíduo não consegue associar a imagem vista a seu conhecimento já armazenado sobre o significado daquele objeto. Ocorre por lesões temporo-occipitais à direita, à esquerda ou bilaterais. Para diferenciar as formas de agnosia visual, podemos pedir ao indivíduo que copie o desenho de um objeto simples como, por exemplo, uma casa. Na agnosia aperceptiva, o paciente não consegue fazer a cópia, pois não é capaz de descrever adequadamente o que está vendo. Na associativa, o indivíduo consegue reproduzir o desenho perfeitamente, embora não saiba qual é o objeto copiado. Nessa forma de agnosia visual, o indivíduo também é capaz de descrever exatamente o que está vendo. 1.2.12 Agnosia visual para objetos Incapacidade de reconhecer objetos simples por meio de seus atributos visuais. O paciente vê o objeto, mas não é capaz de dizer o que ele significa. 1.2.13 Prosopagnosia Incapacidade de reconhecer rostosfamiliares, embora possa identificar elementos isolados, tais como nariz, olhos, boca, e identificar que se trata de uma face. Alguns indivíduos podem não reconhecer seu próprio rosto no espelho ou em fotos. 1.2.14 Agnosia para as cores Incapacidade de reconhecer informações referentes a cores, pertinentes a um determinado objeto ou estímulo. O paciente não consegue referir a cor de um objeto (por exemplo, de que cor é a banana), lembrar-se de objetos de determinada cor (por exemplo, falar objetos que têm a cor verde) ou escolher a cor certa de um objeto para pintar um desenho. 1.2.15 Alexia pura (sem agrafia) Incapacidade de reconhecer símbolos gráficos, podendo ser classificada como distúrbio de linguagem, já que o paciente não consegue ler. Ocorre uma desconexão entre o córtex visual e as áreas de linguagem. O indivíduo é capaz de copiar os símbolos gráficos e também de escrever, caracterizando alexia sem agrafia. 23 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Lembrete Agrafia é a incapacidade de escrever. As agnosias são de difícil diagnóstico, por isso o fisioterapeuta deve reconhecer e saber avaliar esse déficit após uma lesão neurológica. 1.2.16 Agnosia auditiva A agnosia auditiva pode ser dividida em associativa e discriminativa: • Associativa: o indivíduo não consegue atribuir o significado adequado a cada som. • Discriminativa: o indivíduo não consegue diferenciar sons como sendo diferentes entre si. Por exemplo, não consegue distinguir o som de uma sirene de uma ambulância. 1.2.17 Agnosia auditiva para os sons Incapacidade de reconhecer e distinguir sons de diferentes categorias. 1.2.18 Amusia Perda da habilidade de um ou vários aspectos relacionados: • A perceber elementos como tom, timbre e ritmo. Reconhecimento de uma melodia. • À capacidade de reproduzir (cantar ou tocar) uma música. • A reproduzir (compor), ler e escrever utilizando a linguagem musical. 1.2.19 Surdez verbal pura Trata-se de uma agnosia específica para palavras, gerando incapacidade de reconhecer as palavras ouvidas. No entanto, o paciente é capaz de se expressar (oralmente e pela escrita), bem como compreender textos escritos de forma relativamente normal. Observação As agnosias auditivas são causadas por lesões no lobo temporal no hemisfério não dominante, dominante ou em ambos os hemisférios. 24 Unidade I 1.2.20 Agnosia tátil (asterognosia) Trata-se do comprometimento do reconhecimento de objetos por meio do estímulo tátil. Ocorre em lesões parietais bilaterais. Para avaliação da agnosia tátil, deve-se retirar o estímulo visual do paciente e ele deve reconhecer o objeto utilizando o tato. Saiba mais Para conhecer diversos casos reais de pacientes com distúrbios perceptuais (agnosias e apraxias), leia o livro a seguir: SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 1.2.21 Negligência unilateral ou heminegligência A negligência unilateral (NU) pode ser definida como dificuldade de se orientar em direção a algo localizado espacialmente ou de obter resposta a estímulos gerados do lado contralateral à lesão cortical, caracterizando-se pela inabilidade do sujeito registrar, integrar ou responder a eventos provenientes do hemicorpo ou hemiespaço contralateral à lesão cerebral. Nesse caso, as alterações não são primariamente atribuíveis aos déficits sensoriais e motores eventualmente presentes no paciente, mas sim a uma alteração perceptual. É comum encontrar vários termos para referir-se à heminegligência. Os mais frequentes são negligência unilateral, desatenção espacial unilateral ou hemidesatenção espacial. Hemi é o prefixo grego que significa metade, negligência é proveniente do latim, que pode ser traduzida como falta de cuidado. Assim, heminegligência significa falta de cuidado com a metade. Na verdade, esse termo não é o mais adequado para denominar a síndrome, visto que a palavra negligência transmite ideia de voluntariedade, e as sequelas apresentadas pelos pacientes com essa síndrome não dependem de sua vontade. Apesar disso, o termo heminegligência é o mais difundido. Um fator importante é que pacientes com heminegligência apresentam pior prognóstico quando comparados a pacientes sem esse problema. Por exemplo, a gravidade do acidente vascular cerebral, juntamente com a presença de heminegligência, está relacionada com pior prognóstico nas atividades de vida diária (AVDs), maiores índices de morbidade e letalidade, e maior tempo de internação hospitalar. Pacientes heminegligentes apresentam, em média, maior acometimento sensorial e motor, maior comprometimento cognitivo e possuem menor pontuação em escalas de independência funcional quando comparados àqueles sem o quadro. Além disso, ao contrário do que se imagina, a heminegligência não é uma alteração rara. 25 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Observação Poucos profissionais envolvidos na reabilitação neurológica utilizam critérios diagnósticos e técnicas de reabilitação baseadas nas evidências científicas. Muitos profissionais negligenciam a heminegligência! A negligência pode ser avaliada de várias formas, como o teste de cancelamento (cancellation test), divisão de linhas (line bisection), desenho livre (drawing test), cópia de desenhos (copying test), imaginação visual (imagery test), leitura de textos, descrição de objetos e cenários, e por testes funcionais, como avaliar a maneira do paciente vestir-se, alimentar-se e andar ou tocar a cadeira de rodas. O line bisection, cancellation test, drawing test e o copying test são os chamados testes de lápis e papel e, por sua administração simples e rápida, são os mais utilizados. Saiba mais Para saber mais sobre a heminegligência, leia o artigo a seguir: LOPES, M. L. et al. As diferentes manifestações da heminegligência e sua avaliação clínica. Fisioterapia Brasil, v. 19, n. 2, 2018. Figura 6 — Teste de atenção por cancelamento para avaliar a atenção seletiva Desenhos do examinador Desenhos do paciente Figura 7 – Teste de cópia de desenho para pacientes com negligência unilateral. Pacientes com heminegligência reproduzem apenas a metade do desenho referente ao lado do hemicorpo não comprometido 26 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre os testes utilizados na área de fisioterapia, leia o livro a seguir: O’SULLIVAN, S. B.; SCHMITZ, T. J. Fisioterapia: avaliação e tratamento. 2. ed. São Paulo: Manole, 1993. 1.2.22 Miniexame do estado mental O miniexame do estado mental (MEEM) é o teste mais utilizado para avaliar a função cognitiva dos pacientes neurológicos por se tratar de um teste rápido (leva em torno de 10 minutos), de fácil aplicação e que não requer material específico. Deve ser utilizado como um instrumento de rastreamento, ou seja, não substituindo uma avaliação mais detalhada, pois, apesar de avaliar vários domínios (orientação espacial, temporal, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem-nomeação, repetição, compreensão, escrita e cópia de desenho), não serve como teste diagnóstico, mas sim para indicar funções que precisam ser investigadas. É um dos poucos testes validados e adaptados para a população brasileira. O MEEM é constituído de duas partes. Uma delas abrange orientação, memória e atenção, com pontuação máxima de 21 pontos; e outra que aborda habilidades específicas, como nomear e compreender, com pontuação máxima de 9 pontos, totalizando um escore de 30 pontos. Os valores mais altos do escore indicam maior desempenho cognitivo. O teste aborda questões referentes à memória recente e registro da memória imediata, orientação temporal e espacial, atenção e cálculo e linguagem – afasia, apraxia e habilidade construcional. Devido à conhecida influência do nível de escolaridade sobre os escores totais do MEEM, foram adotadas notas de corte diferentes para pessoas com distintos graus de instrução. Assim, a nota de corte proposta por Brucki et al. (2003) foi: 20 pontos para analfabetos; 25 pontos para pessoas com escolaridade de 1 a 4anos; 26,5 para 5 a 8 anos de escolaridade; 28 para aqueles com 9 a 11 anos de escolaridade; e 29 para mais de 11 anos de escolaridade. Na publicação original do MEEM, o escore de 24 pontos era considerado como sendo a nota de corte mais adequada. Os eventuais erros cometidos pelo indivíduo durante o teste não devem ser corrigidos, pois essa correção pode inibir a pessoa. O teste deve ser realizado da seguinte forma: • Fazer as perguntas referentes à orientação. • Perguntar também o nome do local onde estão realizando a entrevista e os itens restantes deste tópico. Coloque um ponto para cada resposta correta e zero para as respostas erradas ou não respondidas. • Perguntas do tipo “Posso testar sua memória?” permitem que a entrevista ocorra mais informalmente, deixando o paciente tranquilo. 27 AVALIAÇÃO FUNCIONAL • Pedir ao paciente que repita as três palavras. Marcar 1 ponto para cada resposta correta, 0 para incorreta ou se o paciente foi incapaz de repetir as três palavras. • Para os cálculos, mesmo que o paciente erre uma conta intermediária, considerar os resultados corretos. Porém, se ao subtrair 7 do resultado errado ele der uma resposta correta, só considere a errada. Dar um ponto para cada resposta correta. • Se o paciente não conseguir se sair bem nessa prova, pedir a ele que soletre a palavra mundo de trás para frente. • Pedir ao paciente que leia FECHE OS OLHOS e fazer o que está sendo pedido. Se ele executar o comando na ordem escrita, dar um ponto. • Pedir ao paciente que escreva uma frase, que deve ser espontânea. Deve ser uma frase completa, não valem palavras soltas ou escrever o nome completo. • Para que a cópia do desenho seja considerada correta, é preciso que sejam feitos os dez lados e, portanto, dez ângulos. Também é importante que as figuras apareçam intersectadas. ªRua é usado para visitas domiciliares. Local, para consultas nos hospitais ou em outras instituições. ¹Alternativo é usado quando o entrevistado erra já na primeira tentativa, ou acerta na primeira e erra na segunda. Sempre que o alternativo for utilizado, o escore do item será aquele obtido com ele. Não importa se a pessoa não sabe fazer cálculos - de qualquer forma se inicia o teste pedindo que faça a subtração inicial. A ordem de evocação tem que ser exatamente igual à da apresentação Orientação • Qual é o (ano) (estação) (dia/semana) e (mês). • Onde estamos (país) (estado) (cidade) (rua ou localª) (andar). Registro • Dizer três palavras: Pente rua azul. Pedir para prestar atenção, pois terá que retirar mais tarde. Pergunte pelas três palavras após tê-las nomeado. Repetir até que evoque corretamente e anotar número de vezes: ___ Atenção e cálculo • Subtrair: 100-7 (5 tentativas: 93 - 86 - 79 - 72 - 65) Alternativo¹: Série de 7 dígitos (5 8 2 6 9 4 1) Evocação • Perguntar pelas 3 palavras anteriores (pente-rua-azul) Linguagem • Identificar lápis e relógio de pulso • Repetir: “Nem aqui, nem ali, nem lá“. • Seguir o comando de três estágios: “Pegue o papel com a mão direita, dobre ao meio e ponha no chão“. • Ler “em voz baixa“ e executar: Feche os olhos • Escrever uma frase (um pensamento, ideia completa) • Copiar o desenho: 5 5 5 3 3 2 1 1 1 1 3 Total: Figura 8 – Miniexame do estado mental (MEEM) 28 Unidade I 1.2.23 Avaliação cognitiva Montreal A avaliação cognitiva Montreal (MoCA) é uma ferramenta neuropsicológica que requer aproximadamente 15 minutos para avaliar os seguintes domínios: atenção, funções executivas, memória, linguagem, habilidades visuoconstrutivas e orientação. O teste MoCA foi criado como um teste de triagem para detectar comprometimento cognitivo com pontuação de corte de 26 pontos em uma pontuação total de 30 pontos. Estudos demonstraram que o teste apresenta alta precisão diagnóstica para comprometimento cognitivo leve e demência leve entre indivíduos vivendo em países de alta renda que frequentemente têm 12 anos de escolaridade. No entanto, outros estudos mostraram que idade e menor escolaridade podem impactar a pontuação. A adição de 1 ponto ao escore para indivíduos com tempo ≤12 anos de escolaridade foi considerado insuficiente para o ajuste das diferenças educacionais. Uma revisão sistemática e meta-análise da literatura para determinar a precisão diagnóstica do MoCA, com o objetivo de diferenciar indivíduos cognitivamente intactos de possíveis déficits cognitivos leves, demonstrou que o ponto de corte ≤25 pontos poderia levar à alta taxa de falsos positivos. Portanto, os autores sugeriram um ponto de corte ≤22 pontos. Nos oito estudos selecionados na revisão, a escolaridade média mínima encontrada foi de 8,9 anos. A versão brasileira do MoCA foi validada inicialmente por meio de uma amostra clínica de idosos com uma educação de quatro anos ou mais, e uma pontuação de corte de 25 pontos gerou uma boa sensibilidade e especificidade. No entanto, neste estudo, a escolaridade média foi de 11,42 anos. Portanto, a amostra não era representativa de adultos brasileiros mais velhos. O teste visa cumprir uma necessidade urgente que não tenha sido respondida por outros instrumentos de rastreamento disponíveis para detectar pacientes com comprometimento cognitivo leve e diferenciá-los dos normais e idosos com doença de Alzheimer. 29 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Figura 9 – Teste MoCa 30 Unidade I 1.3 Exame dos pares cranianos Os nervos cranianos são os nervos ligados ao encéfalo que trocam informações entre a periferia e o encéfalo. A maior parte deles é ligada ao tronco encefálico, com exceção apenas do nervo olfatório, que se liga ao telencéfalo; e o do óptico, que se liga ao diencéfalo. Os nervos cranianos diferem dos nervos espinais por sua especialização, alguns são exclusivamente motores; outros, exclusivamente sensoriais; e outros, motores e sensoriais. Os nervos cranianos desempenham três funções: • Fornecem informação motora para os músculos da face, dos olhos, da língua, dos maxilares e para os músculos cervicais esternocleidomastóideo e trapézio. • Transmitem informação somatossensorial originada na pele e nos músculos da face, da articulação temporomandibular, além de informação sensorial especial, relacionada à sensibilidade visual, auditiva, vestibular, olfativa, gustativa e visceral. • Fornecem regulação parassimpática de frequência cardíaca, da pressão arterial, respiração e digestão. Olfatório (I) Oculomotor (III) Troclear (IV) Abducente (VI) Hipoglosso (XII) Acessório (XI) Vago (X) Facial (VII) Trigêmeo (V) Óptico (II) Glossofaríngeo (IX) Vestibulococlear (VIII) Figura 10 – Pares de nervos cranianos 1.3.1 Nervo olfatório, I par craniano É um nervo exclusivamente sensitivo cujas fibras conduzem impulsos olfatórios originados dos quimiorreceptores nasais até o bulbo olfativo. 31 AVALIAÇÃO FUNCIONAL Exame neurológico Utilizam-se óleos aromáticos, sabonetes e alimentos (como café ou alho) para que os odores sejam identificados enquanto uma narina fica ocluída. O paciente avaliado deve estar com os olhos fechados e as duas narinas devem ser avaliadas. 1.3.2 Nervo óptico, II par craniano É um nervo exclusivamente sensitivo cujas fibras conduzem impulsos visuais originados na retina para o corpo geniculado lateral do tálamo e para núcleos no mesencéfalo. Exame neurológico Pedir ao paciente que identifique letras, símbolos, números de uma distância de aproximadamente 5 metros. O indivíduo deve ler/identificar algo com um dos olhos fechados e cada olho é testado individualmente. Para observação do campo visual, o examinador move um dedo para fora do campo visual (cima, baixo, esquerda e direita) até que o paciente relate estar vendo a ponta do dedo. As alterações incluem hemianopsias (perda parcial ou completa da visão em uma das metades do campo visual de um ou de ambos os olhos). Também se observa o reflexo pupilar incidindo uma luz nos olhos do paciente. 1.3.3 Nervo oculomotor, III par; nervo troclear, IV par; nervo abducente, VI par São nervosresponsáveis pela motricidade ocular, contendo axônios de motoneurônios inferiores que inervam os seis músculos extraoculares que movem o olho e controlam a constrição reflexa da pupila. Origem aparente: III par, sulco medial do pedúnculo cerebral; IV par, véu medular superior; VI par, sulco bulbopontino. Exame neurológico Na avaliação dos nervos cranianos 3º (oculomotor), 4º (troclear) e 6º (abducente), os olhos são observados quanto à simetria de movimento, posição do globo ocular, assimetria ou queda das pálpebras (ptose) e espasmos ou tremulações dos globos ou das pálpebras. Os movimentos extraoculares controlados por esses nervos são testados pedindo-se ao paciente para acompanhar um alvo em movimento (por exemplo, dedo do examinador, sinal luminoso) nos quatro quadrantes (inclusive através da linha mediana) e em direção à ponta do nariz. Esse teste pode detectar nistagmo (oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou de ambos os olhos). Anisocoria ou diferenças nos tamanhos pupilares devem ser observadas em um quarto com luz fraca. O reflexo pupilar à luz é testado para simetria e rapidez. 1.3.4 Nervo trigêmeo, V par É um nervo misto, contendo fibras sensoriais e motoras. Possui três ramos: nervo oftálmico, nervo maxilar e nervo mandibular. Os impulsos exteroceptivos são originados: 1) Pele da face e da fronte; 32 Unidade I 2) Conjuntiva ocular; 3) Mucosa da cavidade bucal, nariz e seios paranasais; 4) Dentes; 5) Sensibilidade geral dos 2/3 anteriores da língua; 6) Maior parte da dura-máter. Exame neurológico Para avaliação das três divisões sensoriais (oftálmica, maxilar e mandibular) do 5º nervo (trigêmeo), o examinador faz a avaliação tátil e dolorosa na testa, bochecha e queixo. Para testar o reflexo corneano, passar uma mecha de algodão na parte inferior ou lateral da córnea. Quando há perda de sensibilidade facial, deve-se examinar o ângulo da mandíbula; a preservação dessa área (inervada pela raiz espinal C2) sugere um déficit trigeminal. Um piscar fraco, decorrente de fraqueza facial (por exemplo, paralisia do VII nervo craniano) deve ser distinguido de um reflexo corneano diminuído ou ausente, comum em indivíduos que usam lentes de contato. Um paciente com fraqueza facial normalmente sente a mecha de algodão em ambos os lados, até mesmo com o piscar diminuído. A função motora do trigêmeo é testada palpando-se o músculo masseter, enquanto o paciente cerra firmemente os dentes, e pede-se para que abra a boca contra resistência. Quando o músculo pterigoideo está fraco, a mandíbula desvia para o lado desse músculo. Observação Algumas avaliações dos pares de nervos cranianos necessitam da ajuda de outros profissionais, já que o fisioterapeuta só realiza diagnóstico cinético-funcional. 1.3.5 Nervo facial, VII par É um nervo misto, contendo fibras sensoriais e motoras. O nervo facial inerva os músculos da mímica facial, músculo estilohioideo e ventre posterior do digástrico; é responsável pela inervação das glândulas lacrimal, submandibular e sublingual; recebe impulsos gustativos originados nos 2/3 anteriores da língua. Exame neurológico O 7º nervo craniano (facial) é avaliado verificando-se a fraqueza hemifacial. Observa-se os movimentos faciais do paciente, como sorriso, fechamento dos olhos e enrugamento da testa. Com frequência, a assimetria de movimentos faciais é mais evidente durante a conversação espontânea, em especial quando o paciente sorri ou, se estiver mentalmente confuso, fizer caretas perante um estímulo nocivo. No lado debilitado, o sulco nasolabial aprofunda-se e a rima das pálpebras amplia-se. Se o paciente apresentar apenas fraqueza facial inferior (o enrugamento da fronte e o fechamento das pálpebras são preservados), a fraqueza do VII nervo é central, e não periférica. A sensibilidade gustativa nos dois terços anteriores da língua pode ser testada com soluções doces, azedas, salgadas e amargas colocadas em ambos os lados da língua. 33 AVALIAÇÃO FUNCIONAL 1.3.6 Nervo vestibulococlear, VIII par É um nervo exclusivamente sensitivo com dois ramos distintos. Compõe-se de duas partes: parte vestibular, que conduz impulsos nervosos relacionados à posição e movimentos da cabeça; e parte coclear, que se relaciona com informações da audição. Exame neurológico Como o 8º nervo craniano (vestibulococlear, acústico, auditivo) transmite entradas auditivas e vestibulares, a avaliação envolve: • Exames de audição. • Testes da função vestibular. A audição é testada primeiro em cada ouvido sussurrando algo e ocluindo o ouvido oposto e o examinador esfrega os dedos próximo do ouvido do paciente. Seu desempenho pode ser comparado ao do próprio examinador. Qualquer perda suspeita deve ser levada imediatamente a testes audiológicos para confirmar os resultados para ajudar a diferenciar perda auditiva condutiva de perda neurossensorial. A função vestibular não é testada, a não ser que o paciente relate vertigens ou desequilíbrio. Lentamente, vire a cabeça do paciente para um lado e para o outro, ou para cima e para baixo (reflexo vestíbulo-ocular). No teste past pointing o paciente toca o dedo do examinador, fecha os olhos, move seu braço acima de sua cabeça e toca, de novo, o dedo do examinador. Podem ocorrer alterações como nistagmo (movimentos rápidos dos olhos) e incoordenação devido à disfunção cerebelar ou espinocerebelar. 1.3.7 Nervo glossofaríngeo, IX par É um nervo misto que emerge do sulco pós-olivar no bulbo. Suas fibras são responsáveis pela sensibilidade geral do 1/3 posterior da língua, faringe, úvula, tonsila e tuba auditiva. Exame neurológico Reflexo de deglutição Posição da úvula (na região posterior e medial da garganta): verificada solicitando ao indivíduo que diga “á, ã”. O IX nervo craniano (glossofaríngeo) e o X nervo craniano (vago) em geral são avaliados em conjunto. Observa-se se há elevação simétrica do palato quando o paciente diz “ah”. Se um lado é parético, a úvula é levantada e separada do lado parético. A parte posterior de cada lado da faringe pode ser tocada com um abaixador de língua para checar o reflexo faríngeo (de ânsia), e a assimetria do reflexo faríngeo é observada. A ausência bilateral do reflexo faríngeo é comum em pessoas saudáveis e pode não ser importante. Em um paciente entubado, não responsivo, a sucção no tubo endotraqueal deflagra a tosse. 34 Unidade I 1.3.8 Nervo vago, X par O nervo vago é misto e essencialmente visceral. Emerge pelo forame jugular, percorre o pescoço e o tórax, terminando no abdome. No X par da origem há numerosos ramos que inervam a laringe, faringe, entrando na formação autônoma das vísceras torácicas e abdominais. Exame neurológico Reflexo do vômito e mobilidade de cordas vocais. 1.3.9 Nervo acessório, XI par Nervo motor formado por uma raiz craniana ou bulbar e por uma raiz espinal. Inerva os músculos trapézio e esternocleidomastóideo. Juntamente com o nervo vago (X par), faz o controle eferente dos músculos: elevador do véu palatino, úvula e palatoglosso. Exame neurológico Solicitar ao paciente que mantenha os ombros elevados e siga o procedimento: • Tentar abaixar os ombros. • Manter a cabeça virada para um dos lados. • Tentar virar a cabeça para o lado oposto, fazendo resistência no queixo, enquanto palpa o esternocleidomastóideo oposto. 1.3.10 Nervo hipoglosso, XII par Nervo exclusivamente motor. Inerva os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua. Exame neurológico Motilidade da língua: observar a língua dentro e fora da boca. Registrar assimetrias, desvios e atrofia da língua no interior da boca e fora dela. O XII nervo craniano (hipoglosso) é avaliado solicitando-se ao paciente que estenda a língua, para assim verificar se há atrofia, fasciculações (contrações musculares involuntárias) e fraqueza (desvio para o lado da lesão). Saiba mais Para saber mais sobre neuroanatomia, leia o livro a seguir: MACHADO, A. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Atheneu,
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