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Bioética: Código de Nuremberg e Declaração de Helsinque

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AULA 1 
BIOÉTICA 
Profª Ivana Maria Saes Busato 
 
 
2 
Vários acontecimentos contribuíram para o surgimento da bioética, os quais 
são formados por um conjunto de fatores em diferentes cenários: sociais, 
pesquisas com humanos, práticas sociais, práticas de saúde e avanço científico. 
Abreu (2018) afirma que a bioética, como nova disciplina intelectual, surgiu por 
força dos diferentes dilemas evidenciados nas áreas da biologia e da medicina, 
em especial a partir do início do século XX. 
Conforme Zanella, Sganzerla e Pessini (2019, p. 5), a bioética é a ciência 
sobre o uso da ciência e funciona como supervisor ético da ciência, para evitar 
que a ciência escape do controle humano. Vamos percorrer por alguns aspectos 
históricos que contribuíram para a bioética nascer e transformar as relações entre 
a ciência e a vida. 
TEMA 1 – O CÓDIGO DE NUREMBERG 
O Código de Nuremberg é um dos resultados do Tribunal de Nuremberg, 
responsável pelo julgamento de criminosos da Segunda Guerra Mundial, que, 
como sabemos, ocorreu entre 1939 e 1945 e foi um conflito permeado pelos 
embates entre por Alemanha, Itália e Japão, contra os países Aliados, que tiveram 
como principais atores a França, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a União 
Soviética. 
No final da guerra, veio à tona a monstruosidade de alguns experimentos 
realizados em seres humanos vulneráveis, na Alemanha nazista (Lopes, 2014, p 
265). O autor ainda destaca que 
“a humanidade, perplexa, vê, assentados no banco dos réus, 23 pessoas 
acusadas de crimes de guerra e contra a humanidade, e entre eles 20 
são médicos”. 
Saiba mais 
Acesse o link a seguir para assistir ao filme O julgamento de Nuremberg, 
para compreender os crimes julgados e sentenciados. 
O JULGAMENTO de Nuremberg – Dublado. Kawakita, 18 jun. 2016. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s>. Acesso em: 
17 abr. 2020. 
 
 
 
 
3 
1.1 Recomendações éticas do Código de Nuremberg 
Em agosto de 1947 o mesmo tribunal divulga as suas sentenças 
promovidas por juízes dos EUA para julgar os médicos nazistas acusados. O 
julgamento teve como réus 23 pessoas, e somente três destes não eram médicos. 
O julgamento constatou que o juramento de Hipócrates realizado pelos 
profissionais médicos responsáveis pelas pesquisas não garantiu a proteção dos 
voluntários das pesquisas. 
Com isso, foi concebido o documento histórico chamado Código de 
Nuremberg, que elabora dez recomendações éticas (Código de Nuremberg, 1949) 
a serem observadas nas pesquisas que envolvam seres humanos, que são 
resumidas no Quadro 1: 
Quadro 1 – Resumo das recomendações éticas do Código de Nuremberg 
1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial; 
2. O experimento deve produzir resultados vantajosos para a sociedade; 
3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação 
em animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros 
problemas em estudo; 
4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento 
físico ou mental desnecessários e danos; 
5. Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem 
razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; 
6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância 
humanitária do problema que o experimento se propõe a resolver; 
7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante 
do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, 
mesmo que remota; 
8. O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas 
cientificamente qualificadas; 
9. O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no 
decorrer do experimento, se ele chegou a um estado físico ou mental no 
qual a continuação da pesquisa lhe parecer impossível; 
 
 
4 
10. O pesquisador deve estar preparado para suspender os 
procedimentos experimentais em qualquer estágio, que resulte em dano, 
invalidez ou morte para o participante. 
Fonte: Código de Nuremberg, 2020. 
Diniz e Corrêa (2001, p. 679) apontam que “durante os primeiros vinte anos 
de existência do documento, as diretrizes éticas de Nuremberg não atingiram o 
alvo desejado”, pesquisas clínicas sem o devido respeito no uso de seres 
humanos continuaram acontecendo. 
TEMA 2 – A DECLARAÇÃO DE HELSINQUE 
Diante do medo da comunidade médica com os experimentos clínicos e da 
recorrência de problemas do papel dos médicos em pesquisas clínicas, a 
Associação Médica Mundial, entidade reguladora de todas as associações 
médicas nacionais, instituiu a Declaração de Helsinki, tornando-se até hoje 
referência ética mais importante para a regulamentação de pesquisas médicas 
envolvendo seres humanos (Diniz; Corrêa, 2001). 
A Declaração é moralmente obrigatória para os médicos, e essa obrigação 
substitui quaisquer leis nacionais ou locais ou regulamentos 
2.1 Os princípios da Declaração de Helsinque 
A Declaração de Helsinque I, promulgada em 1964, durante a 18ª 
Assembleia Médica Mundial (Helsinque, Finlândia), confirmou os dez primeiros 
princípios defendidos no Código de Nuremberg, e acrescentou aos deveres éticos 
do médico constante na Declaração de Genebra, de 1948. A Declaração de 
Genebra (WMA, 2020) foi concebida como uma revisão modernizadora dos 
preceitos morais do Juramento de Hipócrates, é utilizada no Brasil e em outros 
países na solenidade de formatura dos profissionais egressos do bacharelado em 
medicina. 
Declaração de Helsinque I buscou retomar os princípios do dever do 
médico em promover e salvaguardar a saúde de seus pacientes, bem como de 
garantir que a evolução médica, mesmo usando a experimentação envolvendo 
serres humanos, garanta o bem-estar dos sujeitos de pesquisa diretamente, ou 
que envolva material humano identificável ou ainda de dados identificáveis, 
devendo prevalecer acima dos interesses da ciência e sociedade. 
 
 
5 
2.2 Revisões realizadas 
A Declaração de Helsinki I foi atualizada em sete reuniões da Associação. 
A primeira mudança ocorreu na 29ª Assembleia Médica Mundial, em Tóquio, no 
Japão, em 1975, e teve como objetivo deliberar sobre os direitos dos animais 
usados em pesquisas. A segunda foi realizada em 1983, na 35ª Assembleia 
(Veneza, Itália), e complementou os princípios com a necessidade do 
consentimento de menores sempre que possível. 
A terceira alteração ocorreu na reunião realizada em Hong Kong (1989), 
41ª Assembleia, para definir a função e a estrutura da comissão independente, 
que no Brasil é regulamentada pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – 
Conep. 
Em 1996, na 48ª Assembleia em Sommerset West, na África do Sul, foi 
redefinido o uso de placebos inertes em estudos em que não há nenhum método 
comprovado de diagnóstico ou de terapêutica comprovada. Isso foi necessário em 
especial nas pesquisas realizadas para aids com diferentes condutas entre países 
ricos e pobres. 
A quinta revisão, ocorrida na 52ª Assembleia de 2000 (Edimburgo, 
Escócia), foi imperativa a mudança de dois artigos para complementar e regular 
melhor o uso de placebos e garantir aos sujeitos de pesquisa o uso de intervenção 
melhor comprovada. As propostas de revisão focaram em “dois pontos relevantes: 
a questão do acesso e da qualidade dos cuidados médicos a serem oferecidos 
aos participantes das pesquisas e a utilização de placebo em grupos-controle” 
(Garrafa; Prado, 2007, p. 17). 
A sexta e a sétima mudanças aconteceram respectivamente nos anos de 
2008 (59ª Assembleia, Seul, Coreia do Sul) e 2013 (64ª Assembleia, em Fortaleza, 
Brasil). Suas principais deliberações vieram para complementar as revisões 
anteriores. 
TEMA 3 – OUTROS FATORES HISTÓRIOS 
A evolução científica e as mudanças sociais dos anos 60 e 70 mudaram os 
valores e a moralidade do homem em relação à vida, impulsionando a 
necessidade de novas reflexões sobre os direitos civis e humanos, surgindo 
outros questionamentos sobre valores moraistradicionalmente aceitos como 
 
 
6 
verdadeiros, e um novo olhar sobre as instituições sociais: família, escola, Igreja 
entre outros. 
3.1 As reflexões do filósofo Albert Jonsen 
O filósofo americano Albert Jonsen (1993) destaca em seu artigo “The Birth 
of Bioethics”, publicado na revista Hastings Center Reports em 1993, que três 
fatos históricos foram essenciais para o nascimento da bioética. 
o primeiro acontecimento apontado por ele aconteceu em 1962, quando a 
jornalista Shana Alexander (1962) publica um artigo na revista Life denunciando 
o Comitê de Admissão e Políticas do Centro Renal de Seattle na definição dos 
pacientes renais crônicos que deveriam fazer hemodiálise, visto que não havia 
aparelhos para todos os pacientes com essa necessidade. Com o título “Eles 
decidem quem vive, quem morre”, traduzido para o português, esse artigo traz a 
público que o grupo elegia critérios não-médicos de seleção dos pacientes para o 
tratamento. 
Muñoz e Muñoz (2003, p. 2) destacam, que nessa mesma época, nos anos 
1960, houve avanços na conquista dos direitos civis, promovendo o fortalecimento 
dos movimentos sociais organizados (feminismo, hippie, negro, entre outros 
grupos de minorias sociais). Os autores relacionam que esses movimentos e as 
conquistas dos direitos civis criaram condições favoráveis para o progresso da 
ciência bioética e as discussões éticas nas pesquisas com seres humanos. 
3.2 O artigo de Henry Beecher: segundo acontecimento 
O segundo acontecimento indicado por Albert Jonsen para o nascimento 
da bioética foi a publicação do artigo publicado no New England Journal of 
Medicine, de Henry Beecher, com o título em português “Ética e investigação 
clínica”, relatando vinte e duas pesquisas com transgressões ética explícitas 
(Muñoz; Muñoz, 2003). 
Diniz e Guilhem (2005, p. 15), no livro O que é bioética?, destacam que os 
fatos relatados no artigo de Henry Beecher foi o mais assombroso desde os 
relatos das pesquisas nazistas. Beecher tinha compilado inicialmente cinquenta 
relatos de pesquisas envolvendo seres humanos em condições pouco 
respeitosas. 
 
 
7 
Diniz e Guilhem (2005) realizam análise dos casos apontados por Henry 
Beecher, destacando o exemplo 17, em que os pesquisadores injetaram células 
cancerosas vivas em 22 pacientes idosos e senis hospitalizados, sem que eles 
soubessem, com o objetivo de acompanhar as respostas imunológicas do 
organismo. 
3.3 Terceiro acontecimento: 1º transplante de coração 
Outro acontecimento destacado por Albert Jonsen, em The Birth of 
Bioethics, é que o terceiro fato importante para a bioética foi a realização do 
primeiro transplante cardíaco, realizado por Christiann Barnard, em 3 de 
dezembro de 1967, na África do Sul, Groote Schur Hospital, em Cape Town, no 
paciente Sr. Washansky (Hueb; Cipullo; Kallás, 2015). 
Sua importância para bioética foi apontada por Lopes (2014, p. 269), que 
mostrou que esse procedimento inédito na medicina suscitou as seguintes 
questões: 
“como é possível retirar um coração vivo de uma pessoa morta? Quando 
considerar que alguém está definitivamente morto? A morte é um 
momento ou é um processo? Sendo processo, é possível determinar 
quando ele se torna irreversível?”. 
O primeiro transplantado do mundo morreu 17 dias após o transplante 
cardíaco devido à pneumonia secundária a pseudomonas (Hueb; Cipullo; Kallás, 
2015). 
Apesar de uma euforia inicial, os resultados foram insatisfatórios, com 
elevada mortalidade, ao final dos anos 1970, com o surgimento da ciclosporina, 
que possibilitou um melhor controle da rejeição, e os transplantes em geral 
obtiveram grande desenvolvimento (Mangini et al., 2015). 
Os autores constatam numa revisão que o “transplante de coração é 
atualmente a abordagem cirúrgica definitiva padrão-ouro no tratamento da 
insuficiência cardíaca refratária, situação na qual o paciente apresenta grande 
limitação funcional e elevada mortalidade” (Mangini et al., 2015, p. 310). 
Saiba mais 
Seis meses após o primeiro transplante no mundo, realizado por Christiann 
Barnard, em 3 de dezembro de 1967 na Cidade do Cabo na África do Sul, no 
Brasil também houve um transplante de coração, realizado por Euryclides de 
 
 
8 
Jesus Zerbini, em 26 de maio de 1968, no Hospital de Clínicas da Universidade 
de São Paulo 
Fonte: Mangini; et al., 2015. 
TEMA 4 – O RELATÓRIO BELMONT 
O governo e o Congresso norte-americano constituíram, em 1974, a 
National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and 
Behavioral Research (em português, Comissão Nacional para a Proteção de 
Sujeitos Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental). Muitos aspectos 
contribuíram para essa tomada de decisão do Governo Americano, oriundos dos 
fatos históricos estudados nos temas anteriores. Contudo, o Caso Tuskegee 
envolveu diretamente o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América 
e será discutido neste tema. 
O objetivo principal dessa Comissão foi identificar os princípios éticos 
básicos que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos. Passados 
quatro anos de discussões, foi elaborado o Belmont Report, (Relatório de 
Belmont), publicado em 1978 (Diniz; Guilhem, 2005). 
Destaca-se que o Relatório Belmont foi posteriormente sistematizado suas 
vertentes éticas na obra Princípios de ética biomédica, dos autores Beauchamp e 
Childress (1979), que desenvolveram os princípios do Relatório Belmont, como 
princípios gerais da ética em pesquisa em: autonomia, justiça, não maleficência e 
beneficência (Alburquerque, 2013). 
4.1 O caso Tuskegee 
O caso Tuskegee foi uma pesquisa realizada de 1932 a 1972 pelo Serviço 
de Saúde Pública dos Estados Unidos da América e contribui fortemente para 
ações do Governo e o Congresso norte-americano na produção do Relatório de 
Belmont. 
A pesquisa tinha o objetivo de observar a evolução da doença sífilis, livre 
de tratamento, em 600 homens negros, sendo que 400 pessoas foram deixadas 
sem tratamento (utilizavam placebo), da cidade de Macon, no estado do Alabama 
(Diniz; Guilhem, 2005, p. 18). Os participantes faziam parte de uma população 
muito vulnerável e recebiam como contrapartida pela participação no projeto: 
acompanhamento médico, uma refeição quente no dia dos exames, pagamento 
 
 
9 
das despesas com o funeral e prêmios em dinheiro pela participação. Conforme 
descrito por Diniz e Guilhem (2005, p. 18), os participantes sequer foram avisados 
de que participavam de um experimento, lembrando que a penicilina, 
medicamento fundamental para o tratamento da sífilis, eficaz até hoje, foi 
descoberto por Alexander Fleming em 1928 e começou a ser usado década de 
40, portanto esses pacientes poderiam ter sido beneficiados com essa 
descoberta. 
Goldim (1999, p. 2) descreve que, em 1969, a imprensa noticiou a 
confirmação de que já tinham ocorrido 28 mortes no estudo. Neste mesmo ano, 
James H. Jones tomou contato, por acaso, com documentos relativos ao 
experimento, porém achou que já havia sido descontinuado. Goldim (1999, p. 2) 
ainda explica que houve uma forte repercussão social e política sobre essa 
pesquisa quando a repórter Jean Heller, da Associated Press, publicou matéria 
denunciando, no New York Times, em 26 de setembro de 1972. O autor ainda 
explica o grau de crueldade sobre o experimento 
Após 40 anos de acompanhamento dos participantes, ao término do 
projeto, somente 74 sobreviveram. Mais de 100 participantes morreram 
de sífilis ou de complicações da doença. A instituição responsável pela 
condução do projeto, nas suas últimas etapas, foi o Centro de Controle 
de Doenças (CDC) de Atlanta. (Goldim, 1999, p. 2) 
Em 1976 o Governo norte-americano pediu desculpas públicas à 
comunidade negra da cidade de Macon (Alabama). Esse experimento é 
considerado uma infâmia científica. Somente a partir da segunda metade do 
século XX passaram a detectar sistematicamente as transgressõeséticas da 
atividade científica, amparadas pelo vácuo normativo que existiu durante os quase 
vinte anos que separaram Nuremberg e Helsinque (Kottow, 2008). 
Saiba mais 
1. A HISTÓRIA da Bioética - Parte 2. Bioéticas, 1 nov. 2016. Disponível 
em: <https://www.youtube.com/watch?v=tmodpAQwB7I&t=68s>. Acesso em: 18 
abr. 2020. 
2. Cobaias (Miss Evers´ Boys) – Legendado – O caso Tuskegee. Frankly 
Andrade, 6 maio 2013. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=5H24-PHs3Us>. Acesso em: 18 abr. 2020. 
 
 
 
10 
4.2 Os princípios de relatório 
No Relatório de Belmont, foram estabelecidos três princípios: o princípio do 
respeito às pessoas, o princípio da beneficência e o princípio da justiça. Esses 
princípios são considerados básicos para nortear a pesquisa biomédica com seres 
humanos e são nominados de Princípios e Diretrizes Éticas para a Proteção de 
Pacientes Humanos em Pesquisas (The Belmont Report, 1978). 
O princípio de respeito às pessoas emanados do Relatório incorporou dois 
pressupostos éticos: o respeito à autonomia das pessoas e a proteção pelas 
pessoas cuja autonomia está diminuída (Diniz; Guilhem, 2005, p. 22). As autoras 
explicam que a vontade das pessoas deve ser um pré-requisito fundamental para 
a participação na pesquisa científica (Diniz; Guilhem, 2005). 
O princípio da beneficência representa a necessidade de não causar 
nenhum dano a outrem na realização da pesquisa. Diniz e Guilhem (2005, p. 22) 
indicam que nesse princípio está inserido o compromisso do pesquisador em 
garantir o bem-estar das pessoas. Outro ponto importante versa sobre a 
maximização dos benefícios para promover equilíbrio entre dano/benefício. 
O princípio da justiça, por sua vez, está ligado ao princípio da equidade, ao 
reconhecimento de que as pessoas têm necessidades diferentes, devendo-se 
considerar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes, na proporção 
de suas desigualdades (Diniz; Guilhem, 2005, p. 22). 
TEMA 5 – A IMPORTÂNCIA DE POTTER 
Van Rensselaer Potter, americano nasceu em 1911, e morreu em 2001 ao 
completar 90 anos, deixando esposa, três filhos, seis netos e duas irmãs (Pessini, 
2005). Pessini (2005, p. 148) também apresenta que “Potter doutorou-se em 
bioquímica e trabalhou mais de 50 anos na Universidade de Wisconsin, nos 
Laboratórios MacArdle para a pesquisa de câncer, aposentando-se em 1982”. 
Pessini (2005, p. 148) adiciona que 
Sua contribuição original sobre a compreensão do metabolismo das 
células cancerígenas foi reconhecida, contribuindo para sua eleição para 
a Academia Nacional de Ciências. Foi presidente da Sociedade 
Americana de Pesquisa sobre o Câncer em 1974, além de ter atuado em 
inúmeras outras organizações científicas de grande prestígio nos EUA. 
Nem o próprio Potter poderia imaginar a velocidade como as coisas 
transcorreriam (Costa; Garrafa; Odelka, 1998, p. 15). Os autores ainda reforçam 
 
 
11 
que a visão de Potter para a bioética focava um compromisso mais global frente 
ao equilíbrio entre seres humanos e ecossistema. López (2012, p. 61) explica a 
importância de Potter para a bioética 
manifestação de um novo tipo de conhecimento que tem entre suas 
características distintivas a abordagem central de reunir conhecimento, 
científico e humanístico, até então separado [...], em face ao problema 
dos problemas contemporâneos: alcançar a sobrevivência aceitável da 
espécie humana. 
5.1 Neologismo da bioética 
Van Rensselaer Potter, entre 1970 e 1971, produziu dois trabalhos que 
cunharam o neologismo bioethics (bioética): o primeiro foi o artigo “Bioethics, 
science of survival”, publicada no Persp Biol Med (em português, “Bioética ciência 
para sobrevivência”), colocando a “bioética como um campo do conhecimento 
voltado para o estudo da sobrevivência da civilização humana no contexto da 
sobrevivência de todo o planeta” (Fischer et al., 2017. p. 392). 
A agenda de discussões políticas e de produções científicas internacionais 
referentes aos temas ecológicos, desde a publicação de Potter em 1970, tornou-
se cada vez mais presente, resultando na atualização das reflexões sobre a 
relação ética entre seres humanos e meio ambiente, que Potter publicou em 1988 
um novo livro, Global bioethics (Fischer et al., 2017. p. 397). 
A visão potteriana de bioética não somente merece ser resgatada, mas é 
preciso promovê-la e ampliá-la devido ao seu valor em relação à sobrevivência e 
ao futuro da vida neste planeta (Zanella; Sganzerla; Pessin, 2019, p. 2). Conforme 
Zanella, Sganzerla e Pessini (2019, p. 2), Potter viu 
a interconectividade da vida humana e da natureza como auto evidente, 
dado que nós, seres humanos, estamos situados em um ambiente 
natural e procuramos nos conectar não apenas com a saúde dentro do 
hospital, mas também com a vida holística no mundo. Em 1988, ele 
publicou seu segundo e último livro sobre bioética, somente agora 
traduzido ao português brasileiro, a saber, Bioética Global: Construindo 
a partir do legado de Leopold. 
Potter tinha uma grande preocupação com a interação do problema 
ambiental às questões de saúde foi um 
“bioeticista virtuoso, não apenas viveu sua visão de bioética, como 
também conclamou outros a fazê-lo, alertando que, para merecer ser 
chamado de bioeticista se deve seguir tal credo”. (Pessini, 2005, p. 147) 
Retomaremos a esse ponto de vista de Potter para uma bioética global 
quando estudarmos a bioética latino-americana. 
 
 
12 
5.2 Ponte para o futuro 
Em 1971, Van Rensselaer Potter publica o livro Bioethics: bridge to the 
future, em português “Bioética: ponte para o futuro”, Potter apresenta a bioética 
como uma ponte entre a ciência biológica e a ética. O neologismo bioética 
“apareceu na mídia em 19 de abril de 1971, quando a revista Time publicou longo 
artigo com o título ‘Man into superman: the promise and peril of the new genetic’” 
(em português, “Homem em super-homem: a promessa e o perigo da nova 
genética”) (Pessini, 2013, p. 10). 
Abreu (2018, p. 71) destaca que a criação de Potter objetivava a 
“identificação de valores e de normas que fossem capazes de orientar a ação 
humana, em especial, o uso da ciência e da tecnologia na biosfera”. Pessini (2013, 
p. 11) explica que a ponte proposta por Potter deveria ligar duas margens, 
oriundas de termos gregos 
termos gregos bios (vida) e ethos (ética), sendo que bios representa o 
conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e ethos o 
conhecimento dos valores humanos. Potter almejava criar uma disciplina 
em que promovesse a dinâmica e a interação entre o ser humano e o 
meio ambiente. (Pessini, 2013, p. 10) 
5.3 A bioética principialista 
A percepção da necessidade de discussões éticas também está presente 
na prática clínica e assistencial, apresentadas por Thomas L. Beauchamp e 
James F. Childress publicaram, em 1979, no livro Principles of biomedical ethics, 
obra que ficou mundialmente conhecida por apresentar os quatro princípios 
bioéticos que deveriam ser considerados, tanto para realização de pesquisas 
quanto para a prática clínica. Nesse livro, Beauchamp e Childress utilizaram os 
três princípios definidos pelo Relatório Belmont (respeito às pessoas, à 
beneficência e à justiça) e adicionaram um quarto princípio, a não maleficência. 
Outra mudança significativa e que faz diferença crucial para compreensão da 
bioética foi em relação ao respeito às pessoas para respeito à autonomia das 
pessoas (Beauchamp; Childress, 2004). Assim, ficaram consolidados os quatro 
princípios da bioética: autonomia, justiça, beneficência e não maleficência. 
Retomaremos os conceitos desses quatro princípios e estudaremos suas 
implicações e desafios atuais posteriormente. 
 
 
 
 
13 
Saiba mais 
Para refletir sobre a importância da bioética e Van Rensselaer Potter: 
A bioética deve representar uma nova ética científica que conecte a 
humildade, a responsabilidade e a capacidade, numa ciência que tenha comocaracterísticas constitucionais ser interdisciplinar, intercultural e global, e que 
exalte o significado da humanidade. Objetiva o bem-estar do ser humano no 
contexto relacional harmonioso com a natureza, pois é parte integrante desta. 
Nessa perspectiva, a bioética global potteriana busca ser uma espécie de ciência 
da sobrevivência e garantia de um futuro promissor para toda a humanidade. 
Fonte: Zanella, Sganzerla e Pessini, 2019, p. 5. 
Santos (2018, p. 71) constata que o modelo principialista traz a 
necessidade de usar método específico para a melhor maneira de resolver os 
problemas éticos provenientes do cuidado para com a saúde do ser humano. 
Contudo a bioética principialista recebeu críticas de diversos autores em 
diferentes momentos e por distintas razões, fazendo surgir diversas abordagens 
distintas que estudaremos mais tarde. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
REFERÊNCIAS 
ABREU, C. B. (Org). Bioética e gestão em saúde. Curitiba: InterSaberes, 2018. 
ALBUQUERQUE, A. Para uma ética em pesquisa fundada nos direitos humanos. 
Revista de Bioética, v. 21, n. 3, p. 412-422, 2013 
ALEXANDER, S. They decide who lives, who dies. Life, v. 53, p. 102-25, 1962 
BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de ética biomédica. 4 ed. São 
Paulo: Edições Loyola, 2002. 
CÓDIGO de Nuremberg. Tribunal Internacional de Nuremberg, Tribunal 
Internacional de Nuremberg – 1947. Julgamento de criminosos de guerra perante 
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