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1 CRIMINOLOGIA Professor Alvino – alvino@usp.br Monitor Bruno – http://getcrim.blogspot.com e shimex@hotmail.com Monitor Jovaci – jpeterfilho@yahoo.com.br Aula 28-02 Introdução Estudaremos, agora, a criminologia clínica, focada no entendimento do indivíduo. No próximo semestre é que serão estudadas as teorias sociológicas sobre o crime. Programa 1 – Escolas Criminológicas – da Antropologia Criminal (modelo Lombrosiano – “o crime se deve à raça”) à Psicologia Clínica (busca dos motivos do crime na história individual do criminoso – mas deve-se tomar cuidado para não criminalizar a misé- ria); 2 – Conceituações da Criminologia Clínica e os paradigmas da motivação criminal; 3 – Personalidade e Crime; 4 – Delinqüência Neurótica (a neurose deixa pessoa vulnerável, de maneira que o neurótico se torna mais facilmente recrutável pelo sistema punitivo); 5 – Delinqüência caracteriológica (o psicopata, que possui transtorno de personalida- de anti-social, é o delinqüente mais perigoso - ele não é necessariamente criminoso, mas potencialmente nocivo à sociedade); 6 – História Individual de Conflitos e Comportamento Delinqüente; 7 – Privação Emocional e Delinqüência (ou a delinqüência deriva diretamente da pri- vação emocional, ou esta importa em maior vulnerabilidade ao sistema punitivo); 8 – Seminários (“As normas da civilização e a reintegração dos encarcerados” e “O impacto do presídio na personalidade dos indivíduos”). Escolas Criminológicas Importa ressaltar, em primeiro lugar, a característica do atual sistema punitivo, que visualiza na classe baixa a existência de crimes. Há, pois, a criminalização da miséria. Essa é a grande questão da Criminologia Clínica. Enquanto, antes, na Antropologia Criminal e na Psicologia Sociológica, buscava-se compreender o porquê do cometimento do crime por aquele indivíduo, a Criminolo- gia Clínica busca entender porque aquele indivíduo foi o escolhido para ser punido (e não os indivíduos mais abastados). Essa questão causa inquietação. 2 Antropologia Criminal X Escola Clássica do Direito Penal Características da Escola Clássica: 1 – Inspirou-se na Filosofia do Iluminismo. O homem é dotado da razão e da vonta- de. São iluminados por essas duas capacidades. Assim, toda pessoa sabe exatamente o que está fazendo e consegue determinar-se na sua conduta. Tem plena capacidade para decidir sobre o que fazer. Nesse sentido, todos são dotados de livre-arbítrio. 2 – Postulado básico: livre-arbítrio. Assim, todos são responsáveis e em condições de igualdade, perante a Lei e o Estado. 3 – Prega Igualdade de todos os homens (Beccaria). Beccaria, ao postular essa igual- dade, traz a idéia do livre-arbítrio, razão pela qual devem todos responder por seus atos, e, ainda, que todos são iguais perante a lei. Assim, todos devem ser punidos de igual forma, independentemente da posição social do indivíduo. A punição, que de- ve ser proporcional, deve ter, portanto, uma finalidade. 4 – Método = apriorístico. Todas as regras são definidas antes do ato praticado. Já no Direito Penal Moderno, não necessariamente (artigo 59, Código Penal – pena é defi- nida “a posteriori”). 5 – Delito = ente jurídico. Não deve ser entendido somente como uma conduta hu- mana, em certo contexto. 6 – Pena: tem finalidade repressiva e deve ser proporcional ao dano causado. O crime é, pois, para a Escola Clássica, um fenômeno da razão. Não tem porque ape- lar para outro tipo de compreensão. E o Direito Penal é, única e exclusivamente, o Direito Penal do Ato (e não do autor). Em termos de humanismo, isso tem a sua vertente humanista, mas também tem sua vertente não-humanista, já que não leva em conta as condições peculiares da pessoa. Já se recairmos no Direito Penal do Autor, levaremos em conta a personalidade do agente. E há também o direito Penal do Inimigo, com uma espécie de antecipação da punibilidade, de acordo com a personalidade do autor. Características da Antropologia Criminal (Lombroso – livro “O homem delinqüen- te”) 1 – Nega fundamentalmente: a) livre-arbítrio. Não em todas as pessoas, mas em todos os criminosos. Quem nega o livre-arbítrio em todas as pessoas será Freud, que prega o determinismo psíquico. b) capacidade de autodeterminação. Os delinqüentes já nascem pré-determinados ao crime. 2 – Substitui responsabilidade moral por responsabilidade social. Os criminosos não são moralmente responsáveis, o que dá a impressão de uma posição humanista. Mas até aí, os escravos não eram considerados moralmente responsáveis, por não serem considerados pessoas. Existe, todavia, uma responsabilidade social, do Estado, para conter, deter e segregar essas pessoas, por conta da segurança social. Lombroso pre- ga, porém, que essas pessoas devem ser tratadas de forma humana e não deve ser aplicada pena de morte. Já que se trata de prevenção social, e não punição. 3 3 – Reconhece no delinqüente verdadeiras predisposições básicas. É uma espécie de tautologia. Será mesmo que o indivíduo, com fome, que furta um mercado, tem pre- disposições básicas. Lombroso diz que este não é o verdadeiro delinqüente. Este é só aquele que tem predisposições básicas. Aí vira uma tautologia. Delinqüente, na ver- dade, é aquele que infringe a norma penal, independentemente dessas predisposi- ções. Passa-se para o outro lado da medalha: Direito Penal do Autor. Aparece o conceito de periculosidade, que hoje é restrita aos inimputáveis e semi-imputáveis. Antes de 1984, era tido por perigoso qualquer indivíduo reincidente ou que tivesse cometido seu crime de maneira tal que fizesse presumir, pelo Juiz, de maneira discricionária, traços especiais de personalidade, a revelarem essa periculosidade. Hoje, ainda se fala em periculosidade, o que é um absurdo. Esta é uma condição imanente que predispõe o indivíduo para o crime, e não faz, portanto, sentido nem para os inimputáveis e semi-imputáveis. Lombroso dizia que os verdadeiros criminosos teriam predisposições básicas para o crime e isso que é a real periculosidade. Causas da delinqüência verdadeira segundo a Antropologia Criminal É o chamado tríptico (tripé) lombrosiano, a saber: 1 – Atavismo – são os chamados traços atávicos. É a essência da antropologia crimi- nal. Trata-se dos traços arcaicos, raciais, do indivíduo. Há traços presentes em certa pessoa e que emergem quando do cometimento do crime. Lombroso teve essa idéia a partir de estudo que fez do esqueleto de um grande criminoso, descobrindo, em sua calota craniana, uma terceira fossa occipital, encontradiça em seres primitivos. A conclusão foi de que, provavelmente, os demais criminosos também teriam traços arcaicos a explicar a delinqüência. Passou, então, a descrever o tipo físico do crimino- so (tipo lombrosiano). Só que essa pesquisa de campo tem um erro primário: ele foi pesquisar nos cárceres. Será que os indivíduos cometeram crimes por causa de tal conformação ou eles foram presos por causa desses traços atávicos? Há, aqui, clara aplicação do Direito Penal do Autor. O indivíduo é delinqüente verdadeiro não por- que furtou uma fruta, mas porque, tendo aqueles traços, furtou essa fruta. Outro que cometesse esse furto, não seria considerado um delinqüente verdadeiro. Os traços atávicos podem ser de dois tipos: a) na morfologia: forma do corpo. b) no senso moral: traço inequívoco de raça. É algo incontrolável, que vem à tona quando o indivíduo comete um crime. A psicanálise também dá respaldo a essa idéia de traços atávicos, não propriamente para explicar o crime. Melanie Klein, por exemplo, fala no retorno do recalcado, para dizer que há certos impulsos primitivos da primeira infância da pessoa, que estão re- calcados (supressos), mas que, em certo momento, voltam à tona. Nesse momento, a pessoa pode se transformar abruptamente, tendo uma conduta que nem ela espera- 4 va. O que foi recalcado é algo não resolvido, que coloca em risco o equilíbrio da pes- soa, e desua relação com os demais. Outro autor também se refere isso, Jung, que trata do inconsciente coletivo. Os arquétipos são experiências fundamentais da hu- manidade, que passaram a constituir esse inconsciente coletivo. São potenciais de vi- vência e reação, se manifestando de maneira diferente de acordo com a história e contexto de cada um. Exemplo de arquétipo é a figura da mãe boa e da mãe má. Só que o arquétipo não é só impulsos ruins, tratando-se, na verdade, de energias, não necessariamente dirigidas para o mal. Grandes intuições foram feitas, durante a his- tória da humanidade, por conta desse inconsciente coletivo. Lombroso, portanto, te- ve grandes idéias. O problema é que associou isso ao crime, o que não é uma aplica- ção necessária. 2 – Taras degenerativas a) Epilepsia: é um quadro de instabilidade neurológica (e não o ataque epiléptico propriamente dito), que leva a pessoa a ter reações bruscas e explosivas. b) Loucura Moral: degeneração moral c) Idiotia (Q.I. de 0 a 25) e Imbecilidade (Q.I. de 25 a 50): atinge a inteligência. Há três tipos de deficiências mentais: a mais leve é a debilidade mental (oligofrenia – Q.I. de 50 a 75), imbecilidade e idiotia. 3 – Causas Sociais Aula 06-03 Introdução Segundo Lombroso, o crime ocorre devido à predisposição interna do indivíduo. Pa- ra Escola Clássica de Direito Penal, o crime se dá no âmbito da desrazão. Existe, por- tanto, um conflito entre essas duas correntes de pensamento. Na Antropologia Criminal, dá-se uma ruptura entre a razão e a desrazão. Há, pois, uma linha divisória entre o criminoso e o não-criminoso. Daí decorre toda a ideologia de exclusão, do isolamento social ao qual o preso é condenado. Como se o criminoso fosse um indivíduo diferente, um “inimigo”. O Direito Penal do Inimigo apóia-se nessa idéia, do criminoso visto como um inimigo da sociedade. Daí o Direito separar os inimigos dos cidadãos comuns, para manter a segurança dos últimos. A questão é saber qual o critério para definir quem é inimigo e quem não é. A prática penal, porém, trata todos como inimigos. Há uma cisão entre o mundo da razão (dos que detém o poder) e o mundo da desrazão (dos oprimidos). Beccaria, a seu turno, propôs que todos são iguais, todos pertencem ao mundo da ra- zão. Rompeu, assim, com a cisão sugerida pela Antropologia Criminal (razão x des- razão). Na Antropologia Criminal, basta ser réu para ser tido como “lixo humano”, como se o criminoso nem sequer fosse humano. 5 Conseqüências da Antropologia Criminal na Psicologia A pena possui uma dupla finalidade: a) segurança social; b) cura, para os recuperá- veis. A Escola Clássica não falava em segurança social. Já na Antropologia Criminal, não se fala em punição, pois não tem sentido punir quem não tem razão. Falam, portanto, em uma “cura”, do que derivou a noção de “tratamento penitenciário” e reintegração social. O termo “cura” pressupõe que o indivíduo é doente, perigoso. Daí advém a ideologia da perigosidade e do inimigo social. A idéia de cura evoluiu para o tratamento penitenciário, ressocialização e reintegra- ção social. A pena, para a Antropologia Criminal, jamais deve servir como vingança. O termo mais utilizado hoje em dia é ressocialização, pois não se parte mais da idéia de doença e cura, e sim de que o sujeito deve ser reintegrado na sociedade. A crimi- nologia clínica propõe a reintegração social, com a idéia do reencontro de duas partes que estão em uma relação antagônica. Não é, portanto, somente o preso que se rein- tegra, mas a sociedade também é responsável por sua reintegração. O movimento é das duas partes, não dependendo somente do preso, que deve se recuperar para vol- tar a integrar a sociedade. Essa reintegração baseia-se, pois, na troca, no diálogo, na interação, do que deriva sua diferença em relação à ressocialização. Antes da própria socialização, o preso precisa, de algum modo, se integrar, se sentir parte de certo grupo, pois só depois de pertencer a um grupo que irá aceitar as normas que deste derivem. Por tal motivo é que não dá para tentar socializar antes de integrar. Preocupação científica pela terapêutica penal e pela prevenção da criminalidade (proposta de individualização da pena) Para Lombroso, a pena deve servir como vingança. As penas impostas são de linha- gem criminosa, sendo certo que o Sistema Penal foi procurar nos próprios crimes os modelos de punição. A pena de prisão nada mais é do que um crime (“manutenção em cárcere privado”), mas, porque imposta pelo Estado, deixa de sê-lo. No mesmo sentido, a multa estatal nada mais é do que uma extorsão. Em muitos locais, a pena para o homicídio é um outro homicídio (pena de morte). Daí a afirmação de Lombroso, de que a pena estatal possui linhagem criminosa. Consigne-se que a burocratização do Direito conduz a uma insensibilidade do ope- rador do direito – corre-se o risco de transformar a pena em uma espécie de vingan- ça. Há, portanto, uma preocupação científica e terapêutica penal com a questão da pena, apresentando importante contribuição para a Antropologia Criminal. Beccaria: “Homem, conheça melhor a Justiça” – Direito Penal do Ato. Lombroso: “Justiça, conheça melhor o homem” – Direito Penal do Autor. 6 Compreensão da Delinqüência à luz da Criminologia Clínica Saímos das predisposições genéticas e raciais (Lombroso) e estamos no âmbito da história individual do sujeito. Apesar dessa diferença, a Antropologia Criminal influ- enciou a Criminologia Clínica. O predeterminismo não é mais racial/genético, mas está na história do sujeito. Há três linhas de pensamentos, na busca de explicações diagnósticas: a) Antiguidade: fala-se em “espíritos maus”. Há uma cisão entre o “eu” e o “não-eu”. A causa da loucura seria o demônio, os espíritos maus. Os doentes mentais estariam tomados pelo demônio. O mal está no “não-eu”, na desrazão. Essas pessoas eram ex- cluídas do convívio social, como se nem pertencessem à raça humana, O crime era algo tido como desumano, assim como a delinqüência. b) Kraepelin (século XVIII): diz que o mal pertence ao ser humano, está no seu pró- prio corpo. Aqui, há uma cisão entre a mente e o corpo. Há, pois, ume idéia de que corpo e mente são separados e que o mal está naquele. O curioso é que esta idéia está presente até hoje. c) Freud: faz uma explicação baseada na dinâmica psíquica. Ou seja, doenças e cri- mes decorrem do funcionamento psíquico. O pensamento de Freud contribuiu muito para a Criminologia Clínica, que se dividiu em: Criminologia Clínica Tradicional, Criminologia Clínica Moderna e Criminologia Clínica Crítica. Criminologia Clínica Tradicional Afasta-se bastante do predeterminismo, entendendo a conduta criminosa como uma conduta anormal, que exige um diagnóstico e um tratamento, na linha do modelo médico-psicológico. A dinâmica criminal é investigada no indivíduo sob o enfoque médico-psicológico. A partir do pensamento freudiano, o crime passa a ser pensado com base no contínuo saúde-doença, e não mais a partir da suposta cisão entre eu e não-eu, razão e desra- zão. Ou seja, não existe mais uma linha divisória entre o criminoso e o não- criminoso. Criminologia Clínica Moderna Nessa nova linha de pensamento, o predeterminismo é ainda menor. A conduta cri- minal é uma conduta socialmente desadaptada, que exige uma investigação de fato- 7 res multivariados (que abrangem o indivíduo, sua história e o seu ambiente), com propostas terapêutico-penais. A dinâmica criminal é investigada no indivíduo sob enfoque interdisciplinar. A con- duta criminosa não é anormal, mas sim uma conduta socialmente desadaptada. Nes- sa perspectiva de compreensão, a personalidade do indivíduo não é a causa do crime (como na visão tradicional); não há uma relação de causa e efeito entre a personali- dade e o crime. A personalidade é investigada e tida como um dos fatores, mas não é a única causa do crime. As características dapersonalidade ajudam a compreender a conduta cri- minosa, mas não esgotam a sua explicação. São fatores que possibilitam uma maior compreensão, mas não são a causa, que conduzam a explicações. Os fatores auxiliam os intérpretes do Direito a compreender o fenômeno do crime, diferentemente das causas (visão da Criminologia Clínica Tradicional), as quais for- necem apenas explicações. Criminologia Clínica Crítica A preocupação aqui não é com a prática do crime (como nas duas visões anteriores), mas porque essa conduta foi selecionada pelo Direito Penal para ser crime e porque o criminoso foi selecionado para ser punido. Aula 13-03 - Conceituação de Criminologia Clínica e os paradigmas da motivação criminal Conceito médico-psicológico – paradigma causal (tratamento) A Criminologia Clínica Tradicional, médico-psicológica, dá grande poder ao psicólo- go, visto que este irá “resolver” o destino do criminoso. O poder é exercido, portanto, pelo Direito Penal e por essa vertente médico-psicológica da Criminologia Clínica. Esta centraliza as causas do crime na personalidade da pessoa, e como o psicólogo conhece a pessoa, sabe como é psicologicamente, ele terá o poder para dizer se deve ou não receber determinado benefício. É a ciência que, valendo-se dos conceitos, dos princípios e dos métodos de investiga- ção médico-psicológicos (e sócio-familiares)1, ocupa-se do indivíduo condenado, pa- ra nele investigar: a) a dinâmica de sua conduta criminosa, sua personalidade e seu “estado perigoso” (diagnóstico). A primeira deve, ainda hoje, ser investigada, quando pedido o exame 1 A análise sócio-familiar também é importante para verificar a personalidade do indivíduo. No tocante à análise médico-psicológica, ressalte-se que só interessa o próprio condenado. 8 criminológico. Trata-se do porquê da conduta criminosa, suas causas. Quanto à per- sonalidade, é o estudo dos traços da pessoa. A investigação do “estado perigoso” não possui mais esse nome, já que o termo “periculosidade” foi retirado pela Reforma de 1984 (permanecendo só para os inimputáveis), mas a idéia ainda continua presente, relacionada à idéia de inimigo (esta encontra, em grande parte, suas bases teórico- conceituais nesse conceito médico-psicológico da Criminologia Clínica). É o estado da mente e da personalidade que predispõe o indivíduo a cometer novos crimes. Mas essa análise é muito complicada, sendo difícil averiguar as causas da conduta deliti- va. E, de todo modo, as características que o levam ao cometimento do crime não são, necessariamente, exclusivas de um criminoso. Por exemplo, o indivíduo que seja am- bicioso, líder, agressivo e inteligente não é necessariamente um criminoso. b) as perspectivas de desdobramentos futuros da mesma (prognóstico). Verificam-se quais são as perspectivas de superação do quadro diagnosticado na primeira fase de análise e se há possibilidade, ou não, de reincidência. c) assim propor estratégias de intervenção, com vistas à superação ou contenção de uma possível tendência criminal e a evitar a reincidência (tratamento). Se for no exame criminológico de entrada, pode auxiliar na fixação do regime, na escolha do tipo de presídio (se houvesse, no Brasil, tal diferenciação). Se for no exame crimino- lógico de progressão ou de livramento condicional, haverá conclusão favorável ou não ao deferimento do benefício. O exame criminológico caiu, com a Reforma da Lei de Execução Penal de 2003, para a análise do deferimento do benefício de progressão. Agora, há somente o exame cri- minológico de entrada (para a individualização da execução da pena). Mas, na práti- ca, o Ministério Público ainda requer, em muitos casos, esse exame, o que tem sido acolhido pelos Juízes. Conceito médico-psicológico: “A conduta criminosa tende a ser compreendida como conduta anormal, desviada, como possível expressão de uma anomalia física ou psí- quica, dentro de uma concepção pré-determinada do comportamento, pelo que ocu- pa lugar de destaque no diagnóstico de periculosidade”. É vista, portanto, como algo que desvia da normalidade do ponto de vista psicológico. Mas será que o agente do furto famélico é anormal psicologicamente? Dentro dessa linha, afirma-se que se trata de crime fortuito, visto que houve um rompimento lacunar dos instrumentos de con- trole, em razão de fatores externos. Seria uma espécie de exceção àquela regra. Isso lembra Lombroso. A diferença é que para ele essa predisposição é atávica, primitiva, antropológica, ao passo que a ótica médico-psicológica aceita também desvios relaci- onados com traços psíquicos. Conceito psico-social – paradigma multifatorial (ressocialização) Visa-se superar a visão mais reducionista, que é a medido-psicológica, trazendo uma visão mais abrangente. Busca-se colocar todos os fatores em uma balança, conside- rando-os igualmente importantes. 9 Esse conceito sofre influências das teorias sociológicas do crime (teoria da anomia, das associações diferenciais, etc). O problema reside em um leque multivariado de fatores. “A Criminologia Clínica, para essa visão, é uma ciência interdisciplinar que visa ana- lisar o comportamento criminoso e estudar estratégias de intervenção, junto ao en- carcerado, junto às pessoas com ele envolvidas e com a execução da sua pena”. O crime é um problema psicológico, social e sociológico, de tal modo que não são mais somente os técnicos que conseguem analisar o criminoso, mas também os de- mais indivíduos que estão envolvidos com a recuperação do preso. No sistema ante- rior, o diretor do presídio não tem nada a ver com o comportamento psicológico do preso. Aqui, ele passa a ser um gestor da interdisciplinaridade da ciência criminoló- gica. a) Busca-se conhecer o preso, agora, como pessoa, não somente como criminoso, co- mo se fazia no sistema anterior (que fazia, simplesmente, uma perícia técnica). Aqui, não se busca mais as causas da conduta criminosa, mas suas verdadeiras motivações. Verificam-se quais são as aspirações daquele ser humano. Isso se relaciona com a previsão do exame de personalidade, no artigo 9º, da LEP, que tem por fim conhecer a pessoa do preso, diferentemente do exame criminológico. Buscou-se implementar, no Estado de São Paulo, tal sistema, a partir de entrevistas de inclusão, efetuadas com assistentes sociais quando da entrada no presídio, mas isso também não é mais feito. Outro reflexo da interdisciplinaridade na LEP relaciona-se com as Comissões Técnicas de Classificação, as quais, presididas pelo diretor da casa, são compostas por, no mínimo, um psicólogo, um assistente social, dois chefes de serviço e outros profissionais e têm por incumbência a individualização da execução. b) Analisam-se quais são as possíveis estratégias de intervenção. Voltar-se-á para os diretores, agentes de segurança penitenciários, visando envolve-los num trabalho conjunto com os técnicos, assim como envolver todos os demais serviços do presídio e, de forma especial, a família do detento. Mas isso funciona? Já temos, há muito tempo, as Comissões Técnicas de Classificação. Só que elas não tinham tempo para individualizar as penas, já que tinham que dar a todo tempo pareceres de exames criminológicos. Hoje, com sua extinção, terão tempo para o trabalho da individuali- zação da execução. Houve, sim, um esboço de tal tarefa. Mas quando ia ser realmente implementada, os motins e ataques do PCC dificultaram o “diálogo” entre os presos e os agentes penitenciários, bem como levaram a que os juízes voltassem a pedir, constantemente, as avaliações técnicas. c) Deve ser feita uma avaliação, que levará em conta, não a dinâmica criminal, mas a sua resposta às estratégias de intervenção propostas, valendo-se não só de avaliações técnicas, mas também das observações dos outros profissionais, incluídos aí os agen- tes de segurança penitenciários, observações essas que serão tecnicamentecolhidas e interpretadas pelo corpo técnico. Assim, entram todos nesse bojo de avaliação, os professores, os mestres de oficina, os agentes penitenciários, etc. E é daqui que irá 10 emanar o parecer da Comissão Técnica de Avaliação. E este difere muito do exame criminológico, que possui cunho médico, sendo dotado de diagnóstico e prognóstico. O parecer irá analisar o próprio indivíduo, sua personalidade, bem como a resposta que ele vem dando aos programas impostos, o que deveria contar com a participação dos agentes (mas até hoje não se conseguiu). Conceito crítico – paradigma crítico (reintegração) Enquanto, tanto no primeiro, quanto no segundo modelo, permanece a pergunta do por que as pessoas cometem crimes, aqui se entende que essa pergunta afasta o indi- víduo dos verdadeiros problemas do crime, propondo outras duas questões: 1 – Qual o critério do Direito Penal para definir o que é crime? (isso coloca em xeque todo o sistema penal, relacionando-se com suas bases valorativas – porque o seqüestro com cárcere privado é crime hediondo ao passo que manter alguém em condição análoga a de escravo não é? – no primeiro caso, o autor é pobre e a vítima é rica, ao passo que, no segundo caso, o autor é rico e a vítima é pobre); 2 – Qual o critério para processar, condenar e prender? Para essa visão, a Criminologia Clínica é uma ciência interdisciplinar que visa conhe- cer o homem encarcerado enquanto pessoa, conhecer sua história de marginalização social, pela qual ele sofreu um processo de deterioração social e psíquica, fragilizan- do-se perante o sistema punitivo e se deixando criminalizar pelo mesmo. Assim, a Criminologia Clínica deve se preocupar em estudar: a) os fatores sociais e individuais que facilitaram a criminalização por parte do siste- ma penal b) vulnerabilidade do condenado perante o sistema punitivo, distinguindo a vulne- rabilidade anterior à intervenção penal daquela que é conseqüência da intervenção penal (já que a vulnerabilidade piora após o cárcere). Volta-se não para a recuperação ou tratamento, mas para o fortalecimento social e psíquico do indivíduo, para a sua reestruturação como pessoa. Desenvolvem-se estratégias de “reintegração social”, de intercâmbio sociedade - cár- cere, pelas quais se proporcionam à sociedade oportunidade de rever seus conceitos do crime e do “homem criminoso” e seus padrões éticos e humanos de relacionamen- to com o encarcerado e, a este, oportunidades de se re-descobrir como cidadão, de ter uma visão construtiva de seus deveres, direitos e qualidades. Acredita-se que, só com o sentimento de ser parte da sociedade, o indivíduo conseguirá sua ressocialização. Aula 27-03 – Personalidade e Crime Introdução 11 Refletiremos, um pouco, se existe uma relação entre a personalidade do agente e o crime, e de que forma pode se dar tal relação. Essa relação é tida como tranqüila na criminologia clínica tradicional, médico- psicológica, na qual se entende, inclusive, que exista uma personalidade criminosa, voltada ao crime. Isso hoje se entende por absurdo, dado que cabe à lei definir os crimes e, se não o fizesse, qual seria a personalidade criminosa? Por outro lado, no dia em que o cigarro fosse criminalizado, os seus comerciantes teriam personalidade criminosa? Pode-se, sim, vislumbrar uma personalidade que tenha prazer na ilegalidade, mas isso deriva de uma antisocialidade. A ilegalidade pura não tem base na personalida- de, esta pode somente fornecer instrumentos àquela. A personalidade se liga à an- tisocialidade. Esta pode ser secundária, quando não é visada pelo agente, mas mera conseqüência do ato ilícito. Entretanto, pode passar para o primeiro plano, quando a pessoa tenha prazer no cometimento do crime, no gerar prejuízo a outrem. Conceito de personalidade Núcleo Duro: “Personalidade é um padrão peculiar de conduta do indivíduo, que caracteriza e garante sua identidade, abrange suas disposições orgânicas e psíquicas, conscientes e inconscientes, manifestas e latentes”. Núcleo Evolutivo: “A personalidade vai se moldando e se readaptando por força de novas experiências significativas do indivíduo e dos fatores externos, ambientais, aos quais está sujeito”. O indivíduo adere aos objetivos sociais, buscando conquistá-los cada vez mais, de forma que não há parada. Há aqueles que aderem mais ferreamente, e aqueles que simplesmente o aderem. Alguns têm os meios necessários para a consecução desses objetivos, e outros não, surgindo outras respostas para este equilíbrio. Isso será estu- dado, futuramente, na Teoria da Anomia (Sociedade Anômica é aquela que apresen- ta contradições entre os objetivos propostos e os meios disponibilizados, e a resposta das pessoas diversifica muito, englobando, inclusive, o crime). No caso dos criminosos, determinados traços normais que possuam, como a ousadia e a agressividade, passam, com a evolução da personalidade, a serem aproveitados para a conduta delituosa, de acordo com o ambiente em que se encontram. No fundo, como se dá a relação entre personalidade e crime. Há certas características de personalidade que, somadas às condições ambientais (veja-se, aqui, a relação com o artigo 59, do Código Penal), “produzem” a conduta criminosa (aqui está a base pa- ra a perigosidade). Esta é uma concepção bem tradicional da criminologia clínica, bem médico-psicológica. É a concepção clássica da personalidade criminosa, pré- determinista. Nenhum desses teóricos irá negar que o meio em que viveu o crimino- so interferiu na sua personalidade criminosa, mas irá dizer que foram meros fatores 12 coadjuvantes, dado que o núcleo está em sua personalidade. Esse é o positivismo médico-psicológico máximo, que propõe os traços criminógenos na criminalidade. Outros dizem que aquelas características de personalidade, somadas às condições ambientais, não “produzem", mas tão-somente viabilizam, i.e., tornam possível (não tornam provável, nem predispõem), a conduta criminosa. Agora, a experiência na vida do crime promove uma readequação do padrão de con- duta e de valores. As amizades criminosas levam a uma vida dirigida à transgressão dos valores sociais. Os presos, por exemplo, tem o sonho de fugir e viver uma vida pacata, mas ainda querem estar ligados à sua facção criminosa. Esta é a experiência da vida no crime, de sorte que a pessoa adere a certos compromissos e obrigações que vão muito além do cometimento do próprio crime. E isso irá moldar toda a per- sonalidade do indivíduo. Há uma readequação, portanto, dos padrões de conduta e de valores, de sorte que, para o criminoso, aquilo não é tido por desonesto. Aí você pega esse indivíduo, dez anos depois, e dirá que possui personalidade voltada para o crime. Mas a personalidade é assim por causa do crime, e não o contrário. Assim, a personalidade viabiliza o cometimento do crime e a inserção no meio criminoso leva a uma adaptação dessa personalidade, que passa a ser remodelada. Há, pois, uma concepção positivista, que estabelece uma relação mais (produz) ou menos (viabiliza) estrita entre os antecedentes (fatores da personalidade) e o conse- qüente (cometimento do crime) Visa, no grau máximo (produzir), explicar, e, no grau mínimo (viabilizar), compreender o comportamento criminoso. Há, também, uma abordagem mais crítica, segundo a qual não há interesse em saber dos antecedentes do crime, e sim o processo de criminalização do indivíduo. Não se quer entender quais os fatores que levaram certo indivíduo a se envolver com o cri- me, e sim porque que ele foi selecionado e foi criminalizado pelo sistema punitivo. É o processo de miserabilização. Feitas essas considerações, como fica a relação entre personalidade e crime nos con- ceitos de criminologia? a) Criminologia clínica (estudo da conduta criminosa, com vista às estratégias de re- abilitação ou ressocialização): - Conceito Tradicional: foco no indivíduo, no seu corpo e na sua personalidade,con- siderada em relação direta com a conduta criminosa. Examina-se a pessoa e tenta-se descobrir traços na sua infância e adolescência que levaram à formação de sua perso- nalidade voltada para o crime. Busca-se, pois, uma predisposição da pessoa para a conduta criminosa. - Conceito Moderno (psico-sociológico): o foco é no indivíduo em seu contexto e con- sidera-se que as características da personalidade podem viabilizar a conduta crimi- nosa. Entende-se que a personalidade se amolda a certo contexto, de forma que, mu- dado este, a personalidade poderá ser moldada de forma diversa. Naquele conceito tradicional, o contexto é entendido como parte da estrutura de caráter do indivíduo, tendo sido internalizado, ao passo que, aqui, é algo externo à pessoa. 13 b) Criminologia Clínica (estudo do processo de criminalização, e não da conduta criminosa, com vista às estratégias de Reintegração Social): - Conceito Crítico: o foco é no processo de deterioração social e psíquica do indiví- duo. Quanto à personalidade, sua deterioração e fragilização viabilizam o processo de criminalização. É por conta daquela deterioração social e psíquica que o indivíduo veio a ser selecionado pelo sistema punitivo (e não o motivo do cometimento do cri- me, em si). Entende-se que, se se quer reabilitar o indivíduo, deve-se reincluí-lo na Sociedade. Anote-se que aqui não se fala de ressocialização, mas de reintegração so- cial. Aquela supõe esta. A reintegração é o “encontro entre as partes antagônicas”, é o estabelecimento do diálogo, para que o indivíduo se sinta como parte e, pois, possa, após, se ressocializar. Mas que vantagem que o criminoso tem em aderir aos valores sociais, se é do crime que tira os seus proventos? A ressocialização deve, portanto, demonstrar a importância do “ser cidadão”, visto que os criminosos, no fundo, pos- suem aspiração em ser parte da sociedade. Mas devemos fazer, ainda, uma distinção: há casos patológicos, como o do maníaco do parque, nos quais se deve fazer uma análise criminológica mais detida, pois há evidentes desvios de personalidade. Aula 03-04 – Delinqüência Caracteriológica Introdução – Temperamento e Caráter A delinqüência caracteriológica é a chamada delinqüência de caráter. Nessas consi- derações introdutórias, cumpre trazer algumas noções a respeito de temperamento e caráter. São dois termos usados para nos definirmos à constituição do indivíduo, sua predisposição, sua bagagem hereditária constitucional (temperamento) e os aspectos evolutivos e adaptativos da personalidade (caráter). Temperamento é, pois, a dimensão heteroconstitucional da personalidade. É a baga- gem psicológica da pessoa. Tanto assim que existem os tipos temperamentais, que se relacionam diretamente com o tipo físico do indivíduo. Assim, o tipo físico leptossô- mico (com membros alongados) daria lugar para o temperamento esquisotímico (in- divíduo mais espiritualizado, mais interiorizado). Há, portanto, certos tipos físicos que correspondem a certos tipos temperamentais, havendo interdependência entre eles. É lógico que, atualmente, o diagnóstico com base no tipo físico não prevalece, mas ainda serve como algum dos indicadores iniciais para sugerir traços tempera- mentais e, pois, de personalidade. Tudo isso para demonstrar que quando se fala em temperamento se fala em instintos. Na literatura de Freud, o correspondente ao temperamento seria o ID. O tempera- mento tende também a ser mais estável do que o caráter, como uma predisposição de reações. 14 O caráter, por sua vez, é resultado do processo evolutivo, de desenvolvimento e adaptação da personalidade. O ego e o superego, provenientes do Id, são resultados do desenvolvimento do ser humano. E o caráter é também decorrência do próprio temperamento. Ele molda o temperamento, sendo produto da adaptação do indiví- duo ao meio. É, pois, produto do desenvolvimento, é algo aprendido, não previa- mente dado. Após essa evolução, não há mais como distinguir o que é caráter e o que é tempera- mento, visto que ambos passam a integrar a personalidade. É claro que quando a conduta é primitiva, pouco controlada, diz-se que é resultado muito mais do tempe- ramento, mas não exclusivamente. Enquanto o temperamento é a sede das emoções e paixões, o caráter se alimente da vontade e da ética. A vontade é a capacidade de autodeterminação, de direcionar as próprias condutas, de dizer sim ou não aos desejos e impulsos. Quem possui vontade fraca é aquele que cede facilmente a seus impulsos. Vontade não se confunde com desejo, pois aquela demanda um controle, por parte do indivíduo, de seus instintos. Já o desejo é o im- pulso. A vontade é, portanto, fonte de apaziguação dos desejos (só que, às vezes, o comportamento decorre do superego, e não da vontade). A ética é a capacidade de internalização dos valores, das regras de disciplina, etc. E essa capacidade de internalização da ética depende do caráter. A ética, enquanto ob- jeto de aprendizagem, depende da inteligência, mas enquanto objeto a ser internali- zado, depende do caráter. O caráter, diferentemente do temperamento, é mais adaptativo. Se o indivíduo tiver um defeito no caráter, se este defeito for nas suas bases, poderá ensejar a personali- dade psicopática. Personalidade psicopática É, exatamente, um defeito constitucional do caráter. Mas como pode haver um defei- to constitucional de algo que é adquirido? Esse defeito na constituição da personali- dade do indivíduo (em seu temperamento) leva a que ele não consiga sequer desen- volver um bom caráter. Há, em razão desse defeito constitucional, uma dificuldade de adaptação às normas sociais (diferente é o caso dos indivíduos com personalidade dissocial, o qual possui um desvio no caráter, e não defeito em suas bases). Ressalte-se que não existe um tipo único de psicopata, mas vários, havendo casos mais graves e mais amenos. Poderá haver casos em que, apesar da personalidade psicopática, o indivíduo seja um executivo de sucesso, exatamente em razão da falta de escrúpulos, mas nunca venha a cometer crimes. 15 A psicopatia é também chamada “transtorno de personalidade anti-social”. Todavia, pesquisas recentes atestaram que apenas 30 % daqueles que sofrem desses transtor- nos que são psicopatas. Características da psicopatia 1 – Predomínio da vida instintiva sobre os aspectos mais evoluídos da mente (aspec- tos superiores da vida psíquica): em razão do predomínio do primitivo, essas pessoas costumam praticar crimes bárbaros; 2 – Imediatismo na busca das soluções, com possibilidade de reações impulsivas: há dificuldade em pensar a médio e a longo prazo. O indivíduo consegue planejar sua conduta delitiva, mas não consegue planejar sua vida; 3 – Frieza e calculismo na prática dos atos: há, principalmente, a ausência de afeto e de sentimento de culpa (não há conflito interno, mas simplesmente com o ambiente); 4 – Utilização reiterada de mentiras: o psicopata mente sem dificuldades e com muita eficácia. A influência da família na personalidade psicopática O psicopata possui, inegavelmente, um instinto agressivo muito forte, que cria uma sensação de raiva, de ódio, perturbando-o interiormente. Assim, ele utiliza a projeção e joga essa raiva para o ambiente. Este passa a ser, portanto, hostil, de sorte que o psicopata desenvolve sentimento de persecutoriedade. Ele passa a ter atitudes de de- fesa e ataque em função disso. Esse é um comportamento psicodinâmico, que a psi- quiatria não dá conta de explicar. O psicopata é invejoso e narcisista. A inveja é projetada na sociedade, por meio do “esvaziamento” do outro. Quanto ao narcisismo, o psicopata vê o outro somente co- mo objeto de satisfação de suas necessidades. Por esses mecanismos, busca resolver seus conflitos internos (para a psicanálise, diferentemente da psiquiatria, o psicopata possui sentimento de culpa, porém o nega). A psicopatia pode, também, ser resultadode uma herança psíquica. O indivíduo po- de ser resultado de uma relação simbiótica, em que um precisa do outro (enquanto objeto de sua satisfação pessoal), desenvolvendo-se uma relação doentia e complica- da. Essa relação só se baseia em conquistas extrínsecas do casal, ligando-se à aparên- cia, ao status, à aquisição de bens, e não em conquistas internas. Eles não suportam perdas, e, havendo uma, um se volta contra o outro. E tudo isso se torna um gancho para um futuro filho psicopata, dada a característica de intolerância perante perdas e obstáculos. Ele possui enorme dificuldade de simbolização (capacidade de proscrati- nar o ato, elaborando sua resposta antes de agir), sendo voltado diretamente para o 16 ato. Há, nessa família, uma valorização do “parecer ser”, em detrimento do “ser”, uma ênfase na atuação, na aparência. O pai do psicopata costuma ser um déspota, alheio, socialmente valorizado (pode não ser o pai imediato, sendo que o psicopata pode aparecer após duas ou três gera- ções), ou então é um alcoólatra violento e desprezível. Em ambas as hipóteses, ele é frágil e inconsistente para o filho, e este passa a se identificar com os aspectos narci- sistas do pai, passando, na relação com este, a ser dominado por sentimentos de per- secução e desamor. Cai, aqui, por terra, aquela idéia de defeito constitucional, de modo que a psicopatia deriva de uma relação doentia existente dentro de casa. A mãe do psicopata, por sua vez, costuma ser ausente, autista, com relação dual e egoística de dependência com o filho, reduzindo-o ao objeto de sua satisfação pesso- al. A mãe, em regra, é capaz de acolher a criança e devolvê-la com os problemas emocionais resolvidos, de sorte que a criança se sente protegida. A mãe do psicopata quer uma criança sem problemas, que não dê preocupações para ela. Os pais do psicopata têm, portanto, uma relação de ambivalência (exigência e indul- gência), de modo que não aceitam que outros reclamem de seu filho, mas o castigam excessivamente. Como eles valorizam a aparência, seu filho será um terceiro excluí- do. Por fim, cumpre ressaltar que para esse filho não sobra mais nada na vida senão a seguinte alternativa: atuar, agir... Ele não tem como pensar, pois os pais não lhe de- ram retaguarda (são imediatistas, não resistem às perdas e são egoístas), não lhe de- ram a capacidade de simbolização. Assim, ele se transforma numa pessoa impulsiva, que não pensa antes de agir (a capacidade de abstração e simbolização da criança pode estar, inclusive, comprometida já nos seus primeiros seis meses de vida, se so- fre algum trauma nesse sentido). Aula 10-04 – Personalidades Dissociais Conceito Cícero Cristiano de Souza fala em três grupos de delinqüências: 1 – Ocasional: quando a delinqüência se dá pelo predomínio dos fatores ambientais desencadeantes e pelo rompimento lacunar (acidental e inesperado) dos mecanismos de controle, numa personalidade supostamente normal (há o ocasional puro, quando o sujeito, de repente, em razão de circunstâncias totalmente alheias, acaba cometendo um crime); 2 – Secundária (ou sintomática): o crime é sintoma de algum desajuste, desequilíbrio, transtorno mental, etc., é secundário, ao passo que o quadro principal é a neurose, a psicose, a epilepsia, a toxicofilia, a oligofrenia, etc.; 3 – Primária (ou caracteriológica): não é o sintoma, mas o próprio quadro primário, de forma que a pessoa já é, em sua essência, anti-social (trata-se das hipóteses das 17 personalidades psicopáticas ou anti-sociais e das personalidades dissociais ou delin- qüente – ou delinqüência social). Essa espécie de classificação, baseada nos antecedentes criminais, é prevista, inclusi- ve, no artigo 5º, da Lei de Execuções Penais, mas, na prática, não é feita. Ela também prevê o exame criminológico inicial para subsidiar essa classificação. E o artigo 6º dispõe que deverá ser feita por Comissão Técnica de Classificação. A classificação proposta por Cícero Cristiano de Souza parece bem interessante, permitindo um melhor prognóstico para a reincidência, que será baixo na delinqüên- cia ocasional e alto na primária, podendo assumir diferentes contornos em caso de delinqüência secundária. Sabemos que o indivíduo com personalidade psicopática é, na verdade, anti-social. Por outro lado, o que é a personalidade dissocial? É o desvio ético formativo do cará- ter. Não é defeito de constituição, o gesso é bom... Porém, a estátua saiu deformada. O desvio se dá, portanto, na própria formação do caráter do indivíduo. Enquanto na personalidade psicopática, o indivíduo tem dificuldade ou incapacidade de internali- zar a ética, aqui consegue faze-lo, mas não a ética vigente no grupo social maior, e sim a ética do seu grupo, da cultura onde vive. Por tal razão que se trata de desvio ético formativo. O prognóstico de recuperação do dissocial é melhor do que o do psicopata, pois aquele possui uma ética em seu caráter. Ilustrativamente, a personalidade psicopáti- ca é uma terra infértil, na qual não adianta plantar, que nada dá. Já a personalidade dissocial é uma terra fértil, na qual, porém, foi plantada maconha, razão pela qual, conseguindo-se retirar esta, é possível plantar outras coisas. O psicopata possui, somente, uma ética egocêntrica, visa somente os seus interesses. Já o delinqüente dissocial possui sua ética centrada no grupo do qual faz parte. Formação da personalidade dissocial É formada a partir de um lar carente de afeto, disciplina e valores. São mais comuns nas classes socialmente inferiores, mas também podem ser encontrados nas classes médias e altas. Em relação ao afeto, o problema não está em amar, mas na manifesta- ção do amor. Falar ainda é fácil, a questão está em agir. O lar carente de tais aspectos, irá favorecer o desenvolvimento do sentimento de re- jeição. A criança, quando não se sente amada, disciplinada e educada, pela transmis- são de valores, se sente rejeitada. Ao contrário, a criança, quando vê que é disciplina- da pelos pais com responsabilidade, que a amam e lhes transmitem valores, se senti- rá valorizada. O sentimento de rejeição leva, por conseqüência, a um sentimento de inferioridade. É formada uma espécie de ferida na criança, que não consegue lidar com essa idéia de 18 rejeição. Esse sentimento de rejeição é fundamental, ou seja, fundamenta a personali- dade e pode ser, até, estruturante. E o sentimento de rejeição corre o risco de se transformar em um sentimento de infe- rioridade. Essa passa a ser um mecanismo de defesa para que a pessoa não se res- ponsabilize por suas ações. Dentro do sentimento de inferioridade, surge um meca- nismo de defesa próprio, qual seja, a compensação. O indivíduo busca compensar a inferioridade em outras atividades (como, por exemplo, no plano intelectual). O in- divíduo se sente desamado, desorientado, indisciplinado, de sorte que será um “zero à esquerda”. Nessa compensação, o indivíduo vai à busca de grupos marginalizados compostos por jovens que possuam, mais ou menos, os mesmos problemas. A pessoa vai buscar solidariedade. A criança sai de casa, passando a morar praticamente fora de sua resi- dência. É formado, assim, um grupo à parte da sociedade. E nesse grupo marginali- zado, o indivíduo encontra uma identidade, sendo aceito como ele é, passando a de- sempenhar um papel dentro desse grupo. Essa é a chamada “inclusão perversa”. O grupo tem seu código, sua disciplina, suas regras e seus valores, de forma a propor- cionar à pessoa aquilo que o lar não proporcionou. E esse grupo, por conta desse histórico semelhante, passa a desenvolver uma ética própria, dissociada dos valores da Sociedade em geral, de forma que passarão a afrontar esta. Daí o termo “personalidade dissocial”. O grupo passará, portanto, a desenvolver atividades predatórias, como é o caso de pichação. Características 1 – Evasão e fuga do lar; 2 – Participação em grupos com atividade predatória; 3 – Desenvolvimentode condutas anti-sociais, que tendem a se tornar freqüentes; 4 – Adesão a uma ética própria do grupo ao qual pertence; 5 – Os crimes em geral são contra a propriedade, bem como o tráfico; 6 – Não há, em regra, o uso de violência, a qual só será utilizada quando necessária; 7 – Existência de um conflito interno, que, porém, é negado; 8 – A mentira só existe quando é instrumental; 9 – Há uma grande fidelidade ao grupo. Aplicação Forense Os crimes, consoante ressaltado, costumam ser contra o patrimônio, e cometidos em grupo (há, em regra, co-autoria delitiva). Além disso, são plenamente imputáveis. Os psicopatas podem ser semi-imputáveis, se assim reconhecidos, pois além de terem dificuldades de internalizar a ética, têm dificuldade de se controlar em seus impul- sos. Eles até podem adiar a sua satisfação se lhes for conveniente ou caso estejam em 19 situação de risco, mas, caso contrário, não consegue controlá-los. Já isso não ocorre com o dissocial, o qual é, portanto, plenamente imputável. Aula 17-04 – Seminário: Reintegração Social Textos 1. Alessandro Baratta, Ressocialização ou Controle Social – Uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado. 2. Alvino Augusto de Sá, Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 3. Sigmund Freud, O futuro de uma ilusão – o mal-estar de uma civilização e outros traba- lhos. Reintegração Social e Ressocialização No sistema prisional, as coisas não costumam mudar muito, e, se mudam, é em doses homeopáticas, e para um ou outro preso. Mas devemos, ainda assim, acreditar que as mudanças são possíveis. Reintegração é dar condições para que a pessoa “erga a cabeça”, se veja de forma di- ferente, de modo a ficar apta à vida social. É diferente da ressocialização, que de- manda uma revisão de conceitos éticos, para que o criminoso se adapte à vida em so- ciedade. Não é esse o objetivo que buscamos, mas, mais propriamente, e reintegra- ção, de maneira que os presos tenham consciência de seus direitos, suas qualidades e seus valores. Visa-se, portanto, compor o interesse das duas partes em litígio históri- co: os encarcerados e a Sociedade. Devemos, portanto, diferenciar três termos, que, apesar de a doutrina utilizar indife- rentemente, são diametralmente opostos, a saber: reintegração, ressocialização e tra- tamento. Além disso, devemos fugir do mito de que não há maneira de integrar os presos, vislumbrando a possibilidade de readequá-los à convivência social. O Direito Penal, apesar de ou doutrinadores pensarem que conseguem dar respostas a tudo, é insuficiente para cuidar de todas as questões da criminalidade. Assim, faz- se necessário recorrer à psicanálise para explicar esses problemas. Deve-se indagar: por que as pessoas se inserem em uma civilização? Hoje, nos vemos num embate en- tre Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão. O cidadão é aquele que está inserido na sociedade, a partir da abdicação de parcela de sua liberdade. O ini- migo é aquele que não aderiu a essa idéia de civilização, conforme enunciada por Freud. A aplicação da pena “in concreto” cria duas contradições: i) leva a um antagonismo entre o indivíduo apenado e a Sociedade, a partir da idéia de que o indivíduo deverá 20 ser punido e segregado da comunidade (caráter retributivo da pena – “expiação”), ao invés de ser uma confirmação da norma (caráter de prevenção geral positiva); ii) a pessoa, qualquer que seja o seu crime, ingressa no cárcere completamente susceptí- vel, e talvez seja este o momento no qual há maior chance de resgatar essa pessoa de volta à Sociedade, visto que, já dentro do cárcere, voltará a se fortalecer, de acordo com os valores da prisão. Quando o avaliador inicial traz a lume esse sentimento de culpa, o superego fica tão martirizado que o ego tenta criar mecanismos para que a pessoa não sucumba, quais sejam, a cisão e a projeção. Quanto à projeção, o indivíduo projeta na sociedade o mal que lhe aflige. Já a cisão leva a que o preso se coloque como indivíduo à parte da So- ciedade, identificando o que é bom e o que é ruim. E o sentimento de culpa, quando terrível, insuportável, pode levar a que a pessoa pratique novamente o ato, para ten- tar dizer para si que não é tão ruim assim. Quais são os fins normalmente preconizados para a pena? O fim retributivo e o fim preventivo, quer geral, quer especial, quer positivo, quer negativa. Iremos nos con- centrar na prevenção especial positiva, que visa a reafirmação da norma do Direito. E nessa ordem de idéias, três são as tendências para explicar a finalidade da pena. Sob a perspectiva tradicional, a delinqüência seria analisada sob um viés etiológico, de sorte que o importante seria perseguir a causa do crime. Trata-se de perspectiva médico-psiquiátrica, pois o tratamento do delinqüente se baseia em concepções mé- dico-psiquiátricas, dado o caráter tipologicamente anormal do indivíduo. Assim, o criminoso deveria ser submetido a tratamento, já que seria um “ser patológico”. Nes- se sentido, todo ato de infração seria um ato de patologia do sujeito ativo, devendo ser tratada por profissionais especializados. Com a Criminologia Moderna, a preocupação passa a recair não sobre a causa do crime, mas sobre os fatores sociais, dizendo-se que o criminoso é um ser normal, mas não adaptado socialmente. A partir daí é que sem começa a falar em ressocialização. E aqui que pára a doutrina pátria, que passa a afirmar que a perspectiva ressocializa- dora está em decadência. Isso porque se a pena tem por fim que o ser inadaptado so- cialmente possa voltar a viver em Sociedade, a ressocialização deve buscar que os en- carcerados aceitem outros valores, que não os próprios. A crítica é que não é cabível, num Estado Democrático, impor uma conduta a outrem. Além disso, o cárcere não é o local que comporta esse tipo de processo. Não é simplesmente o oferecimento de condições de trabalho e de escola, dentro do cárcere, que levarão a que o preso, quando de volta à sociedade, esteja readaptado. A Criminologia Clínica (de que é expoente Alessandro Baratta), por sua vez, afirma que é necessário um engajamento da própria sociedade, não sendo bastante o ofere- cimento de condições dentro da prisão. Propõem-se, portanto, certos procedimentos para que a Sociedade possa se “abrir” mais para o cárcere, inclusive a partir de insti- tutos penais, como é o caso da Comissão Técnica de Avaliação, prevista na Lei de Execuções Penais. Ela analisa a evolução da pena do indivíduo e não se basta em um simples diagnóstico. Visa-se, ainda, que os cidadãos participem do processo de en- 21 carceramento. Na Inglaterra, toda vistoria que é feita ao presídio, é filmada e televisi- onada, o que é impensável em nosso país, dadas as condições dos nossos cárceres. E a nossa sociedade não se preocupa com isso. A Criminologia Crítica afirma, então, que se a comunidade entrar no cárcere, e verificar as condições subumanas nas quais as pessoas vivem, poderão auxiliar na reconstrução do nosso sistema prisional. Baratta faz uma análise da reforma e da contra-reforma dos presídios europeus, aquela desencadeada pelas más condições das prisões e esta pelos constantes ataques terroristas, que levou à idéia de que as condições das prisões deviam ser piores do que as de fora, para que a pessoa não queira ser mandada para o presídio. E é nesse momento que começa a se questionar o ideal ressocializador, visto que os presídios não possuíam sequer condições físicas para tanto. Ele diz que a Criminologia Crítica, quando aplicada ao ambiente carcerário, não deve ser algo abstrato, típico de penalis- ta, mas algo empírico, que fomenta a participação da sociedade na gestão dos presí- dios. Dentre os tópicos trazidos por Baratta, dois merecem maior destaque, quais se- jam, a presunção de normalidade do egresso do sistema; e a integração cárcere- sociedade, de modo a possibilitar que o egresso retorne à Sociedade. Por fim, é importante tratarmosda destecnicização, de maneira a que também a Soci- edade, que não é técnica, participe do processo reintegrador, e não só os técnicos. Questão: Dentro de um mesmo modelo/sistema penitenciário, é possível subsistirem as três perspectivas criminológicas, ou seja, tratamento, ressocialização e reintegração social? Aula 08-05 – Delinqüência Neurótica Conceito de Neurose Às vezes, pensamos que os crimes bárbaros devam sempre se relacionar com uma psicose, chamando seus autores de psicopatas, principalmente quando acompanha- dos por frieza e calculismo. Mas também o quadro neurótico pode contribuir para a prática de crimes bárbaros. É claro que não se quer, aqui, ser determinista, dizendo que sempre a neurose levará ao cometimento de crimes, dependendo, ao contrário, de uma confluência de fatores. A neurose relaciona-se com transtornos de ansiedade e transtornos dissociativos. Ela é o conflito intra-psíquico, entre as energias, impulsos, etc., provenientes do ID, e os mecanismos de defesa e de controle provenientes do Ego, acrescidos dos imperativos que provêm do Superego, conflito este para o qual o Ego não dispõe de uma solução satisfatória (a solução encontrada é somente temporária, não resolvendo o problema). Há um núcleo no nosso aparelho psíquico, local onde está, para Freud, o inconsciente (o ID), que tende a expandir os seus instintos, possuindo, portanto, uma capa prote- tora, que é o Ego, bem como uma segunda proteção, que é o Superego. 22 Algumas porções da libido são sempre represadas ao longo do desenvolvimento. Em relação a essas porções não são resolvidas, o indivíduo busca forma substitutivas de satisfazê-las, por meio de seu represamento. Na relação triangular existente entre o filho, o pai e a mãe, por exemplo, se aquele tem uma relação de posse com esta, ele desenvolve em relação ao pai um sentimento de competição, de inveja, e de rivalidade, que se espera que, com o desenvolvimento da personalidade, e com a resolução do Complexo de Édipo, seja resolvido. Mas se não resolvido, o filho permanece com um sentimento de raiva contra o pai, que será revivido se porventura aparecer um irmão. Isso tudo é transferido posteriormente, do pai para o marido, do irmão para o filho, etc., havendo atualizações constantes dos conflitos passados. E o Ego não conseguiu resolver esses conflitos de forma satisfatória, ele apenas os re- primiu. Pode ocorrer de o indivíduo promover uma transformação reativa, transfor- mando seus sentimentos no oposto, em razão de não conseguir conviver com aquele sentimento dentro da sua personalidade (o ódio por certa espécie de indivíduo em um amor incondicional). Mas, mesmo assim, às vezes reaparece aquele impulso não aceito. O sentimento de culpa E a neurose aparece em razão do sentimento de culpa, em relação àquele desejo que foi reprimido, mas que ainda está latente. Esse sentimento de culpa prescinde do ato para que ocorra, bastando que a pessoa deseje certa situação. Trata-se de um sentimento de auto-reprovação em razão dos desejos, fantasias ou condutas da pessoa. O “ciclo neurótico”, de F. Alexander O “ciclo neurótico” de F. Alexander é uma espécie de realimentação da neurose. Há um fator precipitante, relacionado ao núcleo reprimido da personalidade e ao confli- to não-resolvido pelo Ego, que acaba desorganizando a vida do indivíduo. Este, por conta do processo neurótico, passa a falhar na solução dos problemas atuais. Nesse momento, ele regride e vai reviver o seu conflito primário pela regressão. Ele irá, por- tanto, por conta do sentimento de culpa, se impor medidas autopunitivas, se enfra- quecendo cada vez mais com o conflito secundário e com a fragilização do seu Ego. Exemplo: a pessoa traz da infância uma inibição de suas funções agressivas, de sua auto-afirmação, do que resulta um sentimento de opressão em relação ao ambiente. Quando entra na faculdade, que é um ambiente totalmente diferente, será sentido novamente como opressor, impedindo qualquer manifestação de desejo ou de agres- sividade. Esse ambiente será um fator precipitante, levando à manifestação daquilo que já acreditava ter sido resolvido. O indivíduo, pois, entra em crise e regride, revi- 23 vendo a repressão sentida na infância, bem como o ódio daí decorrente, e o desejo de reagir diante dessa situação. Por conta desse impulso de reação, surgem medidas autopunitivas, como o isolamento, o sentimento de inferioridade em relação aos de- mais, etc. Surge um conflito secundário atual, que irá empobrecer o Ego, que terá no- vas falhas na resolução dos problemas, novas regressões, etc., começando o ciclo neurótico. Num desses momentos pode surgir o crime. A pessoa pode cometer o delito naquele ambiente hostil ou, ainda, fora dele, transferindo o sentimento de ódio vivido. Os mecanismos de defesa contra o sentimento de culpa: projeção e negação O primeiro mecanismo de defesa que surge é a projeção, passando o indivíduo a pro- jetar nos outros (Sociedade, Polícia, Sistema) a culpa, bem como a responsabilidade pelos crimes praticados. E nisso há certo risco na criminologia crítica, dado que a in- teração com os internos pode levar a um aumento dessa projeção, já que considera que é o Direito Penal e o Sistema Punitivo que selecionam as pessoas por eles atingi- das, a serem segregadas. A projeção é, na verdade, um mecanismo infantil, de modo que quando a pessoa a utiliza, ela não cresce, pois não permite a avaliação de sua conduta. Quanto à negação, o criminoso ou nega a prática do crime, ou nega a gravidade des- se delito, pela palavra, pela fantasia, ou pela maneira de agir. Às vezes, a prática de novos delitos visa, na verdade, negar a gravidade das condutas delituosas anteriores. As três “vantagens” do crime cometidos por força do sentimento de culpa A primeira vantagem do cometimento de crimes por força do sentimento de culpa, que alimenta a prática do delito (desde que este tenha relação, ainda que simbólica, com aquele impulso que ensejou o sentimento de culpa), é que, cometendo um ato real, a culpa passa agora a ser associada a algo conhecido e não a alguma coisa des- conhecida, que está no inconsciente. Passa a se relacionar com algo palpável, visto que o sentimento de culpa, quando intenso, é uma espécie de fantasma que acompa- nha e persegue a pessoa. O sentimento de culpa é uma ferida interna da pessoa, que a torna sensível, de modo que a crítica exterior que a atinja terá grandes proporções. E o cometimento do delito permite que essa culpa seja exteriorizada, passando a se relacionar com uma realidade palpável. O Superego irá punir, implacavelmente, as condutas relacionadas com aquele senti- mento de culpa, não havendo qualquer princípio aplicável, como a proporcionalida- de, previsão legal, etc. A punição será líquida e certa, passível de ocorrer de qualquer forma. Assim, a realização de ato concretizando a fantasia pela qual o indivíduo se sente culpado, leva à concretização da culpa, à sua atualização, à sua limitação. O crime é 24 sentido de forma menos grave, apesar de ser uma atualização do conflito primário. Estar-se-á trocando um crime primário, referente a relações parentais, mais paradig- máticas, por um crime considerado menos grave. Substitui-se (o que, na verdade, é ilusório), a punição interna, que é indeterminada, interminável e indefensável, por uma punição externa, que tem previsão legal, é proporcional, delimitada no tempo e passível de defesa. E essa punição passa a ser mais tolerável para o criminoso, já que a culpa concreta, atualizada no crime, será mais branda, dada a menor gravidade desse delito do que seria, por exemplo, o crime porventura cometido contra algum parente. Só que mesmo após o cometimento do crime, e, a partir daí, o cumprimento da pena, a pessoa pode regredir e reviver o conflito primário. Assim, aquele que tinha conflito com o pai e o irmão e, ao invés de praticar um crime contraeles, pratica qualquer ou- tro delito, cumprindo a pena devida, pode, no futuro, constituindo sua própria famí- lia, reviver seu conflito, com o nascimento de seu filho, que irá dividir a atenção da sua esposa. Influência sobre o Direito Como o Direito pode se utilizar de todas essas conclusões e análises relacionadas à personalidade do agente? É extremamente difícil, visto que, para o Direito, essas pes- soas são plenamente imputáveis. A atenção a essas características deve ocorrer no momento da aplicação do artigo 59, do Código Penal, individualizando-se a pena de acordo com as características específicas daquela pessoa. De qualquer forma, o Direito Penal não foi feito para resolver os problemas psicoló- gicos do indivíduo, não podendo eliminar a punibilidade das pessoas que porventu- ra apresentem esses desvios comportamentais, apesar de dever levá-los em conta na análise da personalidade do agente. Por outro lado, na Execução da pena há espaço para trabalhar com esses aspectos. A Lei de Execução prevê o exame criminológico de entrada, o qual serviria para a indi- vidualização da execução, de acordo com as características próprias do detento, mas não é aplicado dessa maneira na prática. O certo seria que os executores da pena soubessem, a partir do exame, essas condições pessoais do agente, que deveriam ser levadas em conta para a confecção dos programas individualizadores. Aula 15-05 – História Individual de Conflitos e o Comportamento Delinqüente Consideração Psicológica sobre Conflito A maturação psicológica, que Yung apresenta como o processo de individualização, é uma caminhada de conflitos. Trata-se de visão realista da vida (não necessariamen- te pessimista). Há certos conflitos principais, já previstos para todos e determinantes do desenvolvimento para todas as pessoas, como o conflito do nascimento, da ado- 25 lescência, da constituição de novo lar, da morte, etc. E com o processo de individuali- zação, a criança passa a resolver seus conflitos anteriores e a controlar seus impulsos, adquirindo capacidade de reflexão, de simbolização e, se for o caso, de postergação da resposta. Aos 6, 7 anos, a criança vai saber, intelectualmente, que não pode ter tu- do o que quer naquele momento, mas não emocionalmente. Só depois que fará a prova da realidade, percebendo que nem tudo o que quer vai lhe pertencer. Assim, quanto mais maduro o indivíduo, mais é capaz de refletir perante o conflito. Todo conflito busca uma solução, que pode ser através do ato (respostas imediatas) ou através do pensamento (respostas mediadas pela simbolização). Freud conclui, portanto, com a seguinte frase: “no princípio, o homem era somente ato”. Hoje, vivemos em uma civilização que prima pelo pensamento, de sorte que o ato vige nas sociedades mais primitivas. Só que nas civilizações atuais também exis- tem os mesmos impulsos primitivos que existiam antigamente. Conflito Fundamental Freud diz que no começo da História de todos nós há um conflito fundamental, que é a rivalidade entre filhos e pais. Essa rivalidade é sofrida, porque entre pessoas que se amam, mas é necessária e saudável, pois através dela que o filho vai descobrir sua identidade. E os pais também, vão descobrindo que os filhos não são uma continui- dade deles. Ambos se distinguem e se mantêm distintos.2 Neste conflito, estaria o processo básico de aprendizagem, de como lidar com a agressividade, com a rivalidade e de como se portar na relação entre iguais, em que só um irá sair ganhando. E a vida é uma seqüência de competições. Se aplicarmos a idéia de Bergeret a Dahrendorf, que afirma que os conflitos sociais se devem às rela- ções de domínio, podemos dizer que na base de constituição do indivíduo está esse impulso de “quem domina quem”. De forma simplista, o conflito fundamental comporta duas soluções: satisfatória ou insatisfatória. Mas isso é pura abstração, já que existem, somente, soluções mais ou menos satisfatórias. A solução menos satisfatória é quando há a fixação do conflito, i.e., quando o adolescente não supera a relação de competitividade com os pais, ten- dendo a dar respostas irracionais, não refletidas, como brigas, atuações, etc, impelido pela necessidade de se libertar, de afirmar sua autonomia (já que se a conquistou, não tem necessidade de afirmá-la). O filho, pois, chamado rebelde, é porque ainda não superou o conflito. E aí entre pais e filhos sempre haverá, por parte daqueles, uma atuação, em lugar de uma reflexão. 2 Essa rivalidade é o paradigma dos grandes conflitos sociais sob a interpretação do Bergeret, em relação ao conflito de Édipo. Para Freud, Édipo matou seu pai PARA se apossar de seu leito, pois o que está no epicentro do conflito é a libido. Para Bergeret, Édipo matou seu pai E se apossou de seu leito, pois o que está no epicentro do conflito é a agressividade. 26 E esse conflito não resolvido tende a ser intra-individual, ou seja, permanece como espécie de paradigma, que vai entrar em ação diante de novos conflitos da vida. A pessoa passa, então, a resolver todos os seus conflitos futuros ligados à figura da au- toridade de forma irracional. O conflito histórico, fundamental, passa a contaminar os futuros conflitos pontuais. O conflito pontual, agora, pois, adquire dimensão que ultrapassa, e muito, suas dimensões reais, de sorte que repercutirá de forma inusita- da para essa pessoa em específico (sua reação passa a ser considerada exagerada pe- los demais). No caso do crime, consiste em respostas desviadas dos objetivos legítimos (“conflitos irrealísticos”). E ocorre um crime desproporcional, que é muito mais uma resposta de um conflito histórico, do que como resposta daquele conflito atual. Assim, um homi- cídio simples, provavelmente, é expressão de um conflito atual, ao passo que o homi- cídio qualificado, em muitos casos, será expressão de conflito histórico, que não foi resolvido. Agora, quando a solução do conflito é satisfatória, as pessoas passam a refletir, não deixando se contaminar com outros conflitos históricos, de sorte que passam a resol- ver os conflitos atuais de forma inter-individual. A pessoa passa a dar respostas raci- onais, com ênfase no pensamento. Pode haver uma discussão acalorada, mas o confli- to se mantém no inter-individual e as respostas são racionais. Concluída a discussão, as pessoas continuam se relacionando como antes. Os crimes passam a ser respostas voltadas a objetivos legítimos – “conflitos realísti- cos” (como, por exemplo, comprar alimentos) -, apesar do meio ser ilegítimo. O crime será, então, uma inabilidade de solucionar os conflitos sociais atuais, objetivos e reais. (o sujeito é inábil para resolver os conflitos, mas não desvirtua os objetivos). Nos crimes de estupro, via de regra, o objetivo não é legítimo, visto que a busca da satisfação sexual por meio da violência não é algo legítimo. A satisfação sexual, se consistir na sucumbência do outro, não é madura, e sim perversa, regredida. A Neutralização do Crime No Processo Penal, com o afastamento da vítima, a qual só presta queixa e, após, fica “por conta” do Estado. Há, assim, uma neutralização do crime, que perde o caráter de dramaticidade. Esse caráter continua na medida em que é expressão de conflitos intra-individuais, já que mexe com os conflitos do público em geral. A pena passa a ser somente o pagamento da dívida perante o Estado. E o conflito, quer intra- individual, quer inter-individual, continua em aberto. O caso do crime de colarinho branco entra um uma outra dimensão. Há, nesse caso, uma forma de violência secundária, quando o ser humano tem tudo o que os outros tem, mas quer ter mais que isso. Voltando aos crimes comuns, há um conflito inter- individual que não é tão pontual, mas entre excluídos e excludentes da Sociedade, de 27 forma que “quem tem menos” se sente dominado por “quem tem mais” e reage ais- so. E esse conflito continua em aberto, a despeito da pena. Aplicação à Execução Penal E como a Execução Penal pode lidar com tudo isso? 1 – Mudança do Foco de Atenção: já vimos que na criminologia clínica tradicional, há um paradigma etiológico, sendo que o apenado é o centro das atenções. Isso se aplica para o conflito intra-individual. No paradigma do conflito, por outro lado, visa-se uma interação entre os sistemas de poder, domínio e privilégios. Enquanto na pri- meira, a “solução” é o tratamento do apenado, aqui a “solução” é a reintegração soci- al, visto que, se o problema é um conflito inter-individual, deve ocorrer um diálogo de igual para igual. E esse diálogo seria feito por certos segmentos da Sociedade, que iriam para o cárcere. 2 – Propostas i) A proposta de Alessandro Baratta (um tanto quanto utópica), coloca que o que se deveria fazer é buscar o desenvolvimento de uma consciência política no condenado, substituindo-se respostas irracionais, i.e., que não atingem os objetivos pretendidos, por respostas racionais, que seria questionar o próprio sistema, o que não ocorre, de verdade, por meio do cometimento de crimes. Para Baratta, não á através do crime que se consegue promover mudanças no sistema, que são necessárias, mas devem ocorrer por meio de movimentos sociais. Mas muitos dos condenados são pessoas simples, incultas, de modo que é utópico querer desenvolver uma consciência políti- ca, sendo mais factível pensar-se numa consciência reflexiva, para que pensem antes de agir. ii) Para Zaffaroni, as pessoas, por vezes, sofreram uma marginalização social, de mo- do que houve uma deterioração da sua personalidade, bem como um enfraquecimen- to social, com a qual não consegue se relacionar. Torna-se, a partir daí, um indivíduo psiquicamente vulnerável, candidato à criminalização, i.e., à escolha pelo Sistema Punitivo. A deterioração leva à perda dos direitos da pessoa, e de sua relação com a Sociedade. Sua proposta é de que o tratamento dos condenados deve buscar a supe- ração do quadro de personalidade deteriorada. Dessa forma, devem-se distinguir os processos prévios e os atuais de deterioração social. iii) Segundo Schneider, devem ser feitos “programas de recompensas”, ou seja, en- contros entre agressor, vítima e Sociedade, proporcionando àquele rever sua conduta e constatar que através da vitimização daquela pessoa, ele não resolveu seu proble- ma. Quanto à vítima e à Sociedade, será uma oportunidade de melhor compreender a figura do agressor e superar o seu trauma. É claro que esses encontros devem ser feitos entre pessoas predispostas a tanto, já que impô-los seria desastroso. Isso por- que o crime é, na verdade, expressão de um conflito entre pessoas, que podem ser retomados, para se buscar a superação. 28 Ressalte-se que quando o crime é expressão de conflitos intra-individuais e, portanto, são perversos, não há aplicabilidade para essas propostas, visto que, por exemplo, os criminosos de colarinho branco não necessitam de reintegração social, a pena deve ser no bolso. Em resumo, quaisquer programas que se desenvolvam nos cárceres devem buscar o fortalecimento psíquico do condenado, para enfrentar os conflitos da vida. Não deve, simplesmente, “decorar” respostas prontas, mas conseguir fortalecer o seu “eu”. E esse fortalecimento pode se dar por meio do trabalho, de modo que, fortalecida, a pessoa não irá aceitar qualquer emprego, e nem procurá-lo de cabeça baixa e sem qualquer imposição. A pessoa deve passar a se impor, mostrando seus valores e seus direitos, e não por meio de uma relação de submissão. Deve, ainda, haver uma reaproximação gradativa entre cárcere e Sociedade. Todos os programas devem procurar essa reaproximação, inclusive através de programas de recompensa, conforme preconizado por Schneider. E em todos os programas, deve-se estimular o pensamento, a reflexão e a capacidade de simbolização. Aula 05-06 – Privação Emocional e Delinqüência Experiência Gratificante na Relação com a Mãe/Lar A experiência gratificante com a Mãe/Lar propicia algumas conseqüências à saúde mental da criança, ao seu desenvolvimento. Um deles é a separação Eu-Mundo. Esta sempre ocorre, quer a pessoa queira, quer não. Ela ocorre quando a pessoa descobre que o mundo não precisa dela. Para a cri- ança isso é ruim, a princípio, pois ela se tem como centro do mundo, visto ser o cen- tro das atenções da família. Ela passa a ver que está separada do Mundo e de seus pais. Isso é importante para os filhos e também para os pais, que gostam de ver os filhos acoplados neles. É preciso, pois, conquistar essa separação entre pais e filhos, por ambos os lados, e a criança passa a descobrir que é uma pessoa diferente das demais (que são dois entes diversos). E para que esta separação seja saudável, é ne- cessária uma relação gratificante com a mãe, pois esta leva ao desenvolvimento e in- dependência do outro. Essa experiência também propicia o desenvolvimento da capacidade de envolvimen- to, como versão positiva do sentimento de culpa (que é de auto-reprovação). Trata-se da capacidade da pessoa assumir a responsabilidade por seus atos. Quando a pessoa, dotado dessa capacidade de envolvimento, prejudica, por seu trabalho, o grupo do qual faz parte, a ela não se culpa, mas assume a responsabilidade, a falha, de forma que o sentimento de culpa será positivo, e não mera reprovação (e é diferente assu- mir a autoria do ato, e assumir a responsabilidade, se submetendo às conseqüências que porventura existam). E a família é importante nesse assunto (quer seja o pai ou a mãe, quer seja qualquer outro ente familiar). 29 Por fim, a experiência gratificante com a Mãe/Lar leva ao desenvolvimento da capa- cidade construtiva, ou seja, a capacidade de colaborar, de construir. Tipos de Privação Emocional Podem ocorrer em virtude de relações insuficientes com a mãe, não havendo aquela experiência gratificante. A privação pode se dar também por relação descontínua, quando a relação com a mãe é interrompida por um prazo razoável (ex: hospitaliza- ção, separação, viagem, morte, etc.). Por fim, pode ocorrer a privação em virtude de relações distorcidas, como a violência física, sexual, etc., ou ainda quando a mãe é superprotetora, ou por uma culpa, ou por uma projeção na criança, ou ainda porque vê na criança um apêndice seu, confundindo os problemas da criança com os seus problemas. Formas de Solução de Privação Emocional Algumas são mais maduras, como a maturidade por elaboração psíquica (a pessoa é capaz de superar a privação por maturação psicológica), ou o controle da privação através de outras relações significativas da infância ou da juventude (que compen- sam a privação emocional com a mãe), como namoros importantes. Pode também haver a solução por objetos substitutivos, como a profissão (a pessoa se dedica ao trabalho, por um mecanismo de isolamento das emoções). Também pode ser “soluci- onada” pelas drogas e, finalmente, pela delinqüência. A “solução” pela delinquência visa chamar a atenção da Sociedade ou ir à busca do objeto perdido, que nunca será encontrado. Casuística Um rapaz, preso em Presidente Bernardes, nasceu e foi achado em uma caixa de fa- zer concreto em uma construção. O pedreiro, então, pegou-o e, por insistência da es- posa, acabou ficando com a criança, adotando-o faticamente. A criança recebeu mui- to carinho e foi muito bem tratado e tinha uma irmã, filha biológica do casal. Quando soube que era adotado, passou a amar mais ainda os pais. Com sete anos, colocado na escola, teve uma sensação de pânico quando a mãe foi embora, visto que já tinha sido abandonado uma vez (a criança, apesar de, à época, não ter a consciência com- pleta do abandono, teve uma experiência traumática, que, exatamente em razão da falta de consciência, não conseguiu internalizar). No segundo ano, conheceu um amigo, de alcunha “Gaguinho”, o qual morava
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