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Temas Criminologia Clínica - Prof Alvino

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1 
CRIMINOLOGIA 
Professor Alvino – alvino@usp.br 
Monitor Bruno – http://getcrim.blogspot.com e shimex@hotmail.com 
Monitor Jovaci – jpeterfilho@yahoo.com.br 
 
 
 
 
Aula 28-02 
 
 
Introdução 
 
Estudaremos, agora, a criminologia clínica, focada no entendimento do indivíduo. 
No próximo semestre é que serão estudadas as teorias sociológicas sobre o crime. 
 
 
Programa 
 
1 – Escolas Criminológicas – da Antropologia Criminal (modelo Lombrosiano – “o 
crime se deve à raça”) à Psicologia Clínica (busca dos motivos do crime na história 
individual do criminoso – mas deve-se tomar cuidado para não criminalizar a misé-
ria); 
2 – Conceituações da Criminologia Clínica e os paradigmas da motivação criminal; 
3 – Personalidade e Crime; 
4 – Delinqüência Neurótica (a neurose deixa pessoa vulnerável, de maneira que o 
neurótico se torna mais facilmente recrutável pelo sistema punitivo); 
5 – Delinqüência caracteriológica (o psicopata, que possui transtorno de personalida-
de anti-social, é o delinqüente mais perigoso - ele não é necessariamente criminoso, 
mas potencialmente nocivo à sociedade); 
6 – História Individual de Conflitos e Comportamento Delinqüente; 
7 – Privação Emocional e Delinqüência (ou a delinqüência deriva diretamente da pri-
vação emocional, ou esta importa em maior vulnerabilidade ao sistema punitivo); 
8 – Seminários (“As normas da civilização e a reintegração dos encarcerados” e “O 
impacto do presídio na personalidade dos indivíduos”). 
 
 
Escolas Criminológicas 
 
Importa ressaltar, em primeiro lugar, a característica do atual sistema punitivo, que 
visualiza na classe baixa a existência de crimes. Há, pois, a criminalização da miséria. 
Essa é a grande questão da Criminologia Clínica. 
 
Enquanto, antes, na Antropologia Criminal e na Psicologia Sociológica, buscava-se 
compreender o porquê do cometimento do crime por aquele indivíduo, a Criminolo-
gia Clínica busca entender porque aquele indivíduo foi o escolhido para ser punido 
(e não os indivíduos mais abastados). Essa questão causa inquietação. 
 2 
Antropologia Criminal X Escola Clássica do Direito Penal 
 
Características da Escola Clássica: 
1 – Inspirou-se na Filosofia do Iluminismo. O homem é dotado da razão e da vonta-
de. São iluminados por essas duas capacidades. Assim, toda pessoa sabe exatamente 
o que está fazendo e consegue determinar-se na sua conduta. Tem plena capacidade 
para decidir sobre o que fazer. Nesse sentido, todos são dotados de livre-arbítrio. 
2 – Postulado básico: livre-arbítrio. Assim, todos são responsáveis e em condições de 
igualdade, perante a Lei e o Estado. 
3 – Prega Igualdade de todos os homens (Beccaria). Beccaria, ao postular essa igual-
dade, traz a idéia do livre-arbítrio, razão pela qual devem todos responder por seus 
atos, e, ainda, que todos são iguais perante a lei. Assim, todos devem ser punidos de 
igual forma, independentemente da posição social do indivíduo. A punição, que de-
ve ser proporcional, deve ter, portanto, uma finalidade. 
4 – Método = apriorístico. Todas as regras são definidas antes do ato praticado. Já no 
Direito Penal Moderno, não necessariamente (artigo 59, Código Penal – pena é defi-
nida “a posteriori”). 
5 – Delito = ente jurídico. Não deve ser entendido somente como uma conduta hu-
mana, em certo contexto. 
6 – Pena: tem finalidade repressiva e deve ser proporcional ao dano causado. 
 
O crime é, pois, para a Escola Clássica, um fenômeno da razão. Não tem porque ape-
lar para outro tipo de compreensão. E o Direito Penal é, única e exclusivamente, o 
Direito Penal do Ato (e não do autor). 
 
Em termos de humanismo, isso tem a sua vertente humanista, mas também tem sua 
vertente não-humanista, já que não leva em conta as condições peculiares da pessoa. 
 
Já se recairmos no Direito Penal do Autor, levaremos em conta a personalidade do 
agente. E há também o direito Penal do Inimigo, com uma espécie de antecipação da 
punibilidade, de acordo com a personalidade do autor. 
 
Características da Antropologia Criminal (Lombroso – livro “O homem delinqüen-
te”) 
1 – Nega fundamentalmente: 
a) livre-arbítrio. Não em todas as pessoas, mas em todos os criminosos. Quem nega o 
livre-arbítrio em todas as pessoas será Freud, que prega o determinismo psíquico. 
b) capacidade de autodeterminação. Os delinqüentes já nascem pré-determinados ao 
crime. 
2 – Substitui responsabilidade moral por responsabilidade social. Os criminosos não 
são moralmente responsáveis, o que dá a impressão de uma posição humanista. Mas 
até aí, os escravos não eram considerados moralmente responsáveis, por não serem 
considerados pessoas. Existe, todavia, uma responsabilidade social, do Estado, para 
conter, deter e segregar essas pessoas, por conta da segurança social. Lombroso pre-
ga, porém, que essas pessoas devem ser tratadas de forma humana e não deve ser 
aplicada pena de morte. Já que se trata de prevenção social, e não punição. 
 3 
3 – Reconhece no delinqüente verdadeiras predisposições básicas. É uma espécie de 
tautologia. Será mesmo que o indivíduo, com fome, que furta um mercado, tem pre-
disposições básicas. Lombroso diz que este não é o verdadeiro delinqüente. Este é só 
aquele que tem predisposições básicas. Aí vira uma tautologia. Delinqüente, na ver-
dade, é aquele que infringe a norma penal, independentemente dessas predisposi-
ções. 
 
Passa-se para o outro lado da medalha: Direito Penal do Autor. Aparece o conceito 
de periculosidade, que hoje é restrita aos inimputáveis e semi-imputáveis. Antes de 
1984, era tido por perigoso qualquer indivíduo reincidente ou que tivesse cometido 
seu crime de maneira tal que fizesse presumir, pelo Juiz, de maneira discricionária, 
traços especiais de personalidade, a revelarem essa periculosidade. 
 
Hoje, ainda se fala em periculosidade, o que é um absurdo. Esta é uma condição 
imanente que predispõe o indivíduo para o crime, e não faz, portanto, sentido nem 
para os inimputáveis e semi-imputáveis. 
 
Lombroso dizia que os verdadeiros criminosos teriam predisposições básicas para o 
crime e isso que é a real periculosidade. 
 
 
Causas da delinqüência verdadeira segundo a Antropologia Criminal 
 
É o chamado tríptico (tripé) lombrosiano, a saber: 
 
1 – Atavismo – são os chamados traços atávicos. É a essência da antropologia crimi-
nal. Trata-se dos traços arcaicos, raciais, do indivíduo. Há traços presentes em certa 
pessoa e que emergem quando do cometimento do crime. Lombroso teve essa idéia a 
partir de estudo que fez do esqueleto de um grande criminoso, descobrindo, em sua 
calota craniana, uma terceira fossa occipital, encontradiça em seres primitivos. A 
conclusão foi de que, provavelmente, os demais criminosos também teriam traços 
arcaicos a explicar a delinqüência. Passou, então, a descrever o tipo físico do crimino-
so (tipo lombrosiano). Só que essa pesquisa de campo tem um erro primário: ele foi 
pesquisar nos cárceres. Será que os indivíduos cometeram crimes por causa de tal 
conformação ou eles foram presos por causa desses traços atávicos? Há, aqui, clara 
aplicação do Direito Penal do Autor. O indivíduo é delinqüente verdadeiro não por-
que furtou uma fruta, mas porque, tendo aqueles traços, furtou essa fruta. Outro que 
cometesse esse furto, não seria considerado um delinqüente verdadeiro. Os traços 
atávicos podem ser de dois tipos: 
a) na morfologia: forma do corpo. 
b) no senso moral: traço inequívoco de raça. É algo incontrolável, que vem à tona 
quando o indivíduo comete um crime. 
A psicanálise também dá respaldo a essa idéia de traços atávicos, não propriamente 
para explicar o crime. Melanie Klein, por exemplo, fala no retorno do recalcado, para 
dizer que há certos impulsos primitivos da primeira infância da pessoa, que estão re-
calcados (supressos), mas que, em certo momento, voltam à tona. Nesse momento, a 
pessoa pode se transformar abruptamente, tendo uma conduta que nem ela espera-
 4 
va. O que foi recalcado é algo não resolvido, que coloca em risco o equilíbrio da pes-
soa, e desua relação com os demais. Outro autor também se refere isso, Jung, que 
trata do inconsciente coletivo. Os arquétipos são experiências fundamentais da hu-
manidade, que passaram a constituir esse inconsciente coletivo. São potenciais de vi-
vência e reação, se manifestando de maneira diferente de acordo com a história e 
contexto de cada um. Exemplo de arquétipo é a figura da mãe boa e da mãe má. Só 
que o arquétipo não é só impulsos ruins, tratando-se, na verdade, de energias, não 
necessariamente dirigidas para o mal. Grandes intuições foram feitas, durante a his-
tória da humanidade, por conta desse inconsciente coletivo. Lombroso, portanto, te-
ve grandes idéias. O problema é que associou isso ao crime, o que não é uma aplica-
ção necessária. 
 
2 – Taras degenerativas 
a) Epilepsia: é um quadro de instabilidade neurológica (e não o ataque epiléptico 
propriamente dito), que leva a pessoa a ter reações bruscas e explosivas. 
b) Loucura Moral: degeneração moral 
c) Idiotia (Q.I. de 0 a 25) e Imbecilidade (Q.I. de 25 a 50): atinge a inteligência. Há três 
tipos de deficiências mentais: a mais leve é a debilidade mental (oligofrenia – Q.I. de 
50 a 75), imbecilidade e idiotia. 
 
3 – Causas Sociais 
 
 
Aula 06-03 
 
 
Introdução 
 
Segundo Lombroso, o crime ocorre devido à predisposição interna do indivíduo. Pa-
ra Escola Clássica de Direito Penal, o crime se dá no âmbito da desrazão. Existe, por-
tanto, um conflito entre essas duas correntes de pensamento. 
 
Na Antropologia Criminal, dá-se uma ruptura entre a razão e a desrazão. Há, pois, 
uma linha divisória entre o criminoso e o não-criminoso. Daí decorre toda a ideologia 
de exclusão, do isolamento social ao qual o preso é condenado. Como se o criminoso 
fosse um indivíduo diferente, um “inimigo”. O Direito Penal do Inimigo apóia-se 
nessa idéia, do criminoso visto como um inimigo da sociedade. Daí o Direito separar 
os inimigos dos cidadãos comuns, para manter a segurança dos últimos. A questão é 
saber qual o critério para definir quem é inimigo e quem não é. 
 
A prática penal, porém, trata todos como inimigos. Há uma cisão entre o mundo da 
razão (dos que detém o poder) e o mundo da desrazão (dos oprimidos). 
 
Beccaria, a seu turno, propôs que todos são iguais, todos pertencem ao mundo da ra-
zão. Rompeu, assim, com a cisão sugerida pela Antropologia Criminal (razão x des-
razão). Na Antropologia Criminal, basta ser réu para ser tido como “lixo humano”, 
como se o criminoso nem sequer fosse humano. 
 5 
 
Conseqüências da Antropologia Criminal na Psicologia 
 
A pena possui uma dupla finalidade: a) segurança social; b) cura, para os recuperá-
veis. 
 
A Escola Clássica não falava em segurança social. Já na Antropologia Criminal, não 
se fala em punição, pois não tem sentido punir quem não tem razão. Falam, portanto, 
em uma “cura”, do que derivou a noção de “tratamento penitenciário” e reintegração 
social. O termo “cura” pressupõe que o indivíduo é doente, perigoso. Daí advém a 
ideologia da perigosidade e do inimigo social. 
 
A idéia de cura evoluiu para o tratamento penitenciário, ressocialização e reintegra-
ção social. A pena, para a Antropologia Criminal, jamais deve servir como vingança. 
 
O termo mais utilizado hoje em dia é ressocialização, pois não se parte mais da idéia 
de doença e cura, e sim de que o sujeito deve ser reintegrado na sociedade. A crimi-
nologia clínica propõe a reintegração social, com a idéia do reencontro de duas partes 
que estão em uma relação antagônica. Não é, portanto, somente o preso que se rein-
tegra, mas a sociedade também é responsável por sua reintegração. O movimento é 
das duas partes, não dependendo somente do preso, que deve se recuperar para vol-
tar a integrar a sociedade. Essa reintegração baseia-se, pois, na troca, no diálogo, na 
interação, do que deriva sua diferença em relação à ressocialização. Antes da própria 
socialização, o preso precisa, de algum modo, se integrar, se sentir parte de certo 
grupo, pois só depois de pertencer a um grupo que irá aceitar as normas que deste 
derivem. Por tal motivo é que não dá para tentar socializar antes de integrar. 
 
 
Preocupação científica pela terapêutica penal e pela prevenção da criminalidade 
(proposta de individualização da pena) 
 
Para Lombroso, a pena deve servir como vingança. As penas impostas são de linha-
gem criminosa, sendo certo que o Sistema Penal foi procurar nos próprios crimes os 
modelos de punição. A pena de prisão nada mais é do que um crime (“manutenção 
em cárcere privado”), mas, porque imposta pelo Estado, deixa de sê-lo. No mesmo 
sentido, a multa estatal nada mais é do que uma extorsão. 
 
Em muitos locais, a pena para o homicídio é um outro homicídio (pena de morte). 
Daí a afirmação de Lombroso, de que a pena estatal possui linhagem criminosa. 
 
Consigne-se que a burocratização do Direito conduz a uma insensibilidade do ope-
rador do direito – corre-se o risco de transformar a pena em uma espécie de vingan-
ça. Há, portanto, uma preocupação científica e terapêutica penal com a questão da 
pena, apresentando importante contribuição para a Antropologia Criminal. 
 
Beccaria: “Homem, conheça melhor a Justiça” – Direito Penal do Ato. 
Lombroso: “Justiça, conheça melhor o homem” – Direito Penal do Autor. 
 6 
 
Compreensão da Delinqüência à luz da Criminologia Clínica 
 
Saímos das predisposições genéticas e raciais (Lombroso) e estamos no âmbito da 
história individual do sujeito. Apesar dessa diferença, a Antropologia Criminal influ-
enciou a Criminologia Clínica. O predeterminismo não é mais racial/genético, mas 
está na história do sujeito. 
 
Há três linhas de pensamentos, na busca de explicações diagnósticas: 
 
a) Antiguidade: fala-se em “espíritos maus”. Há uma cisão entre o “eu” e o “não-eu”. 
A causa da loucura seria o demônio, os espíritos maus. Os doentes mentais estariam 
tomados pelo demônio. O mal está no “não-eu”, na desrazão. Essas pessoas eram ex-
cluídas do convívio social, como se nem pertencessem à raça humana, O crime era 
algo tido como desumano, assim como a delinqüência. 
 
b) Kraepelin (século XVIII): diz que o mal pertence ao ser humano, está no seu pró-
prio corpo. Aqui, há uma cisão entre a mente e o corpo. Há, pois, ume idéia de que 
corpo e mente são separados e que o mal está naquele. O curioso é que esta idéia está 
presente até hoje. 
 
c) Freud: faz uma explicação baseada na dinâmica psíquica. Ou seja, doenças e cri-
mes decorrem do funcionamento psíquico. 
 
O pensamento de Freud contribuiu muito para a Criminologia Clínica, que se dividiu 
em: Criminologia Clínica Tradicional, Criminologia Clínica Moderna e Criminologia 
Clínica Crítica. 
 
 
Criminologia Clínica Tradicional 
 
Afasta-se bastante do predeterminismo, entendendo a conduta criminosa como uma 
conduta anormal, que exige um diagnóstico e um tratamento, na linha do modelo 
médico-psicológico. 
 
A dinâmica criminal é investigada no indivíduo sob o enfoque médico-psicológico. A 
partir do pensamento freudiano, o crime passa a ser pensado com base no contínuo 
saúde-doença, e não mais a partir da suposta cisão entre eu e não-eu, razão e desra-
zão. Ou seja, não existe mais uma linha divisória entre o criminoso e o não-
criminoso. 
 
 
Criminologia Clínica Moderna 
 
Nessa nova linha de pensamento, o predeterminismo é ainda menor. A conduta cri-
minal é uma conduta socialmente desadaptada, que exige uma investigação de fato-
 7 
res multivariados (que abrangem o indivíduo, sua história e o seu ambiente), com 
propostas terapêutico-penais. 
 
A dinâmica criminal é investigada no indivíduo sob enfoque interdisciplinar. A con-
duta criminosa não é anormal, mas sim uma conduta socialmente desadaptada. Nes-
sa perspectiva de compreensão, a personalidade do indivíduo não é a causa do crime 
(como na visão tradicional); não há uma relação de causa e efeito entre a personali-
dade e o crime. 
 
A personalidade é investigada e tida como um dos fatores, mas não é a única causa 
do crime. As características dapersonalidade ajudam a compreender a conduta cri-
minosa, mas não esgotam a sua explicação. São fatores que possibilitam uma maior 
compreensão, mas não são a causa, que conduzam a explicações. 
 
Os fatores auxiliam os intérpretes do Direito a compreender o fenômeno do crime, 
diferentemente das causas (visão da Criminologia Clínica Tradicional), as quais for-
necem apenas explicações. 
 
 
Criminologia Clínica Crítica 
 
A preocupação aqui não é com a prática do crime (como nas duas visões anteriores), 
mas porque essa conduta foi selecionada pelo Direito Penal para ser crime e porque o 
criminoso foi selecionado para ser punido. 
 
 
Aula 13-03 - Conceituação de Criminologia Clínica e os paradigmas da motivação 
criminal 
 
 
Conceito médico-psicológico – paradigma causal (tratamento) 
 
A Criminologia Clínica Tradicional, médico-psicológica, dá grande poder ao psicólo-
go, visto que este irá “resolver” o destino do criminoso. O poder é exercido, portanto, 
pelo Direito Penal e por essa vertente médico-psicológica da Criminologia Clínica. 
Esta centraliza as causas do crime na personalidade da pessoa, e como o psicólogo 
conhece a pessoa, sabe como é psicologicamente, ele terá o poder para dizer se deve 
ou não receber determinado benefício. 
 
É a ciência que, valendo-se dos conceitos, dos princípios e dos métodos de investiga-
ção médico-psicológicos (e sócio-familiares)1, ocupa-se do indivíduo condenado, pa-
ra nele investigar: 
 
a) a dinâmica de sua conduta criminosa, sua personalidade e seu “estado perigoso” 
(diagnóstico). A primeira deve, ainda hoje, ser investigada, quando pedido o exame 
 
1 A análise sócio-familiar também é importante para verificar a personalidade do indivíduo. No tocante à 
análise médico-psicológica, ressalte-se que só interessa o próprio condenado. 
 8 
criminológico. Trata-se do porquê da conduta criminosa, suas causas. Quanto à per-
sonalidade, é o estudo dos traços da pessoa. A investigação do “estado perigoso” não 
possui mais esse nome, já que o termo “periculosidade” foi retirado pela Reforma de 
1984 (permanecendo só para os inimputáveis), mas a idéia ainda continua presente, 
relacionada à idéia de inimigo (esta encontra, em grande parte, suas bases teórico-
conceituais nesse conceito médico-psicológico da Criminologia Clínica). É o estado 
da mente e da personalidade que predispõe o indivíduo a cometer novos crimes. Mas 
essa análise é muito complicada, sendo difícil averiguar as causas da conduta deliti-
va. E, de todo modo, as características que o levam ao cometimento do crime não são, 
necessariamente, exclusivas de um criminoso. Por exemplo, o indivíduo que seja am-
bicioso, líder, agressivo e inteligente não é necessariamente um criminoso. 
 
b) as perspectivas de desdobramentos futuros da mesma (prognóstico). Verificam-se 
quais são as perspectivas de superação do quadro diagnosticado na primeira fase de 
análise e se há possibilidade, ou não, de reincidência. 
 
c) assim propor estratégias de intervenção, com vistas à superação ou contenção de 
uma possível tendência criminal e a evitar a reincidência (tratamento). Se for no 
exame criminológico de entrada, pode auxiliar na fixação do regime, na escolha do 
tipo de presídio (se houvesse, no Brasil, tal diferenciação). Se for no exame crimino-
lógico de progressão ou de livramento condicional, haverá conclusão favorável ou 
não ao deferimento do benefício. 
 
O exame criminológico caiu, com a Reforma da Lei de Execução Penal de 2003, para a 
análise do deferimento do benefício de progressão. Agora, há somente o exame cri-
minológico de entrada (para a individualização da execução da pena). Mas, na práti-
ca, o Ministério Público ainda requer, em muitos casos, esse exame, o que tem sido 
acolhido pelos Juízes. 
 
Conceito médico-psicológico: “A conduta criminosa tende a ser compreendida como 
conduta anormal, desviada, como possível expressão de uma anomalia física ou psí-
quica, dentro de uma concepção pré-determinada do comportamento, pelo que ocu-
pa lugar de destaque no diagnóstico de periculosidade”. É vista, portanto, como algo 
que desvia da normalidade do ponto de vista psicológico. Mas será que o agente do 
furto famélico é anormal psicologicamente? Dentro dessa linha, afirma-se que se trata 
de crime fortuito, visto que houve um rompimento lacunar dos instrumentos de con-
trole, em razão de fatores externos. Seria uma espécie de exceção àquela regra. Isso 
lembra Lombroso. A diferença é que para ele essa predisposição é atávica, primitiva, 
antropológica, ao passo que a ótica médico-psicológica aceita também desvios relaci-
onados com traços psíquicos. 
 
 
Conceito psico-social – paradigma multifatorial (ressocialização) 
 
Visa-se superar a visão mais reducionista, que é a medido-psicológica, trazendo uma 
visão mais abrangente. Busca-se colocar todos os fatores em uma balança, conside-
rando-os igualmente importantes. 
 9 
 
Esse conceito sofre influências das teorias sociológicas do crime (teoria da anomia, 
das associações diferenciais, etc). O problema reside em um leque multivariado de 
fatores. 
 
“A Criminologia Clínica, para essa visão, é uma ciência interdisciplinar que visa ana-
lisar o comportamento criminoso e estudar estratégias de intervenção, junto ao en-
carcerado, junto às pessoas com ele envolvidas e com a execução da sua pena”. 
 
O crime é um problema psicológico, social e sociológico, de tal modo que não são 
mais somente os técnicos que conseguem analisar o criminoso, mas também os de-
mais indivíduos que estão envolvidos com a recuperação do preso. No sistema ante-
rior, o diretor do presídio não tem nada a ver com o comportamento psicológico do 
preso. Aqui, ele passa a ser um gestor da interdisciplinaridade da ciência criminoló-
gica. 
 
a) Busca-se conhecer o preso, agora, como pessoa, não somente como criminoso, co-
mo se fazia no sistema anterior (que fazia, simplesmente, uma perícia técnica). Aqui, 
não se busca mais as causas da conduta criminosa, mas suas verdadeiras motivações. 
Verificam-se quais são as aspirações daquele ser humano. Isso se relaciona com a 
previsão do exame de personalidade, no artigo 9º, da LEP, que tem por fim conhecer 
a pessoa do preso, diferentemente do exame criminológico. Buscou-se implementar, 
no Estado de São Paulo, tal sistema, a partir de entrevistas de inclusão, efetuadas 
com assistentes sociais quando da entrada no presídio, mas isso também não é mais 
feito. Outro reflexo da interdisciplinaridade na LEP relaciona-se com as Comissões 
Técnicas de Classificação, as quais, presididas pelo diretor da casa, são compostas 
por, no mínimo, um psicólogo, um assistente social, dois chefes de serviço e outros 
profissionais e têm por incumbência a individualização da execução. 
 
b) Analisam-se quais são as possíveis estratégias de intervenção. Voltar-se-á para os 
diretores, agentes de segurança penitenciários, visando envolve-los num trabalho 
conjunto com os técnicos, assim como envolver todos os demais serviços do presídio 
e, de forma especial, a família do detento. Mas isso funciona? Já temos, há muito 
tempo, as Comissões Técnicas de Classificação. Só que elas não tinham tempo para 
individualizar as penas, já que tinham que dar a todo tempo pareceres de exames 
criminológicos. Hoje, com sua extinção, terão tempo para o trabalho da individuali-
zação da execução. Houve, sim, um esboço de tal tarefa. Mas quando ia ser realmente 
implementada, os motins e ataques do PCC dificultaram o “diálogo” entre os presos 
e os agentes penitenciários, bem como levaram a que os juízes voltassem a pedir, 
constantemente, as avaliações técnicas. 
 
c) Deve ser feita uma avaliação, que levará em conta, não a dinâmica criminal, mas a 
sua resposta às estratégias de intervenção propostas, valendo-se não só de avaliações 
técnicas, mas também das observações dos outros profissionais, incluídos aí os agen-
tes de segurança penitenciários, observações essas que serão tecnicamentecolhidas e 
interpretadas pelo corpo técnico. Assim, entram todos nesse bojo de avaliação, os 
professores, os mestres de oficina, os agentes penitenciários, etc. E é daqui que irá 
 10 
emanar o parecer da Comissão Técnica de Avaliação. E este difere muito do exame 
criminológico, que possui cunho médico, sendo dotado de diagnóstico e prognóstico. 
O parecer irá analisar o próprio indivíduo, sua personalidade, bem como a resposta 
que ele vem dando aos programas impostos, o que deveria contar com a participação 
dos agentes (mas até hoje não se conseguiu). 
 
 
Conceito crítico – paradigma crítico (reintegração) 
 
Enquanto, tanto no primeiro, quanto no segundo modelo, permanece a pergunta do 
por que as pessoas cometem crimes, aqui se entende que essa pergunta afasta o indi-
víduo dos verdadeiros problemas do crime, propondo outras duas questões: 1 – Qual 
o critério do Direito Penal para definir o que é crime? (isso coloca em xeque todo o 
sistema penal, relacionando-se com suas bases valorativas – porque o seqüestro com 
cárcere privado é crime hediondo ao passo que manter alguém em condição análoga 
a de escravo não é? – no primeiro caso, o autor é pobre e a vítima é rica, ao passo que, 
no segundo caso, o autor é rico e a vítima é pobre); 2 – Qual o critério para processar, 
condenar e prender? 
 
Para essa visão, a Criminologia Clínica é uma ciência interdisciplinar que visa conhe-
cer o homem encarcerado enquanto pessoa, conhecer sua história de marginalização 
social, pela qual ele sofreu um processo de deterioração social e psíquica, fragilizan-
do-se perante o sistema punitivo e se deixando criminalizar pelo mesmo. 
 
Assim, a Criminologia Clínica deve se preocupar em estudar: 
a) os fatores sociais e individuais que facilitaram a criminalização por parte do siste-
ma penal 
b) vulnerabilidade do condenado perante o sistema punitivo, distinguindo a vulne-
rabilidade anterior à intervenção penal daquela que é conseqüência da intervenção 
penal (já que a vulnerabilidade piora após o cárcere). 
 
Volta-se não para a recuperação ou tratamento, mas para o fortalecimento social e 
psíquico do indivíduo, para a sua reestruturação como pessoa. 
 
Desenvolvem-se estratégias de “reintegração social”, de intercâmbio sociedade - cár-
cere, pelas quais se proporcionam à sociedade oportunidade de rever seus conceitos 
do crime e do “homem criminoso” e seus padrões éticos e humanos de relacionamen-
to com o encarcerado e, a este, oportunidades de se re-descobrir como cidadão, de ter 
uma visão construtiva de seus deveres, direitos e qualidades. Acredita-se que, só com 
o sentimento de ser parte da sociedade, o indivíduo conseguirá sua ressocialização. 
 
 
Aula 27-03 – Personalidade e Crime 
 
 
Introdução 
 
 11 
Refletiremos, um pouco, se existe uma relação entre a personalidade do agente e o 
crime, e de que forma pode se dar tal relação. 
 
Essa relação é tida como tranqüila na criminologia clínica tradicional, médico-
psicológica, na qual se entende, inclusive, que exista uma personalidade criminosa, 
voltada ao crime. Isso hoje se entende por absurdo, dado que cabe à lei definir os 
crimes e, se não o fizesse, qual seria a personalidade criminosa? Por outro lado, no 
dia em que o cigarro fosse criminalizado, os seus comerciantes teriam personalidade 
criminosa? 
 
Pode-se, sim, vislumbrar uma personalidade que tenha prazer na ilegalidade, mas 
isso deriva de uma antisocialidade. A ilegalidade pura não tem base na personalida-
de, esta pode somente fornecer instrumentos àquela. A personalidade se liga à an-
tisocialidade. Esta pode ser secundária, quando não é visada pelo agente, mas mera 
conseqüência do ato ilícito. Entretanto, pode passar para o primeiro plano, quando a 
pessoa tenha prazer no cometimento do crime, no gerar prejuízo a outrem. 
 
 
Conceito de personalidade 
 
Núcleo Duro: “Personalidade é um padrão peculiar de conduta do indivíduo, que 
caracteriza e garante sua identidade, abrange suas disposições orgânicas e psíquicas, 
conscientes e inconscientes, manifestas e latentes”. 
 
Núcleo Evolutivo: “A personalidade vai se moldando e se readaptando por força de 
novas experiências significativas do indivíduo e dos fatores externos, ambientais, aos 
quais está sujeito”. 
 
O indivíduo adere aos objetivos sociais, buscando conquistá-los cada vez mais, de 
forma que não há parada. Há aqueles que aderem mais ferreamente, e aqueles que 
simplesmente o aderem. Alguns têm os meios necessários para a consecução desses 
objetivos, e outros não, surgindo outras respostas para este equilíbrio. Isso será estu-
dado, futuramente, na Teoria da Anomia (Sociedade Anômica é aquela que apresen-
ta contradições entre os objetivos propostos e os meios disponibilizados, e a resposta 
das pessoas diversifica muito, englobando, inclusive, o crime). 
 
No caso dos criminosos, determinados traços normais que possuam, como a ousadia 
e a agressividade, passam, com a evolução da personalidade, a serem aproveitados 
para a conduta delituosa, de acordo com o ambiente em que se encontram. 
 
No fundo, como se dá a relação entre personalidade e crime. Há certas características 
de personalidade que, somadas às condições ambientais (veja-se, aqui, a relação com 
o artigo 59, do Código Penal), “produzem” a conduta criminosa (aqui está a base pa-
ra a perigosidade). Esta é uma concepção bem tradicional da criminologia clínica, 
bem médico-psicológica. É a concepção clássica da personalidade criminosa, pré-
determinista. Nenhum desses teóricos irá negar que o meio em que viveu o crimino-
so interferiu na sua personalidade criminosa, mas irá dizer que foram meros fatores 
 12 
coadjuvantes, dado que o núcleo está em sua personalidade. Esse é o positivismo 
médico-psicológico máximo, que propõe os traços criminógenos na criminalidade. 
 
Outros dizem que aquelas características de personalidade, somadas às condições 
ambientais, não “produzem", mas tão-somente viabilizam, i.e., tornam possível (não 
tornam provável, nem predispõem), a conduta criminosa. 
 
Agora, a experiência na vida do crime promove uma readequação do padrão de con-
duta e de valores. As amizades criminosas levam a uma vida dirigida à transgressão 
dos valores sociais. Os presos, por exemplo, tem o sonho de fugir e viver uma vida 
pacata, mas ainda querem estar ligados à sua facção criminosa. Esta é a experiência 
da vida no crime, de sorte que a pessoa adere a certos compromissos e obrigações 
que vão muito além do cometimento do próprio crime. E isso irá moldar toda a per-
sonalidade do indivíduo. Há uma readequação, portanto, dos padrões de conduta e 
de valores, de sorte que, para o criminoso, aquilo não é tido por desonesto. Aí você 
pega esse indivíduo, dez anos depois, e dirá que possui personalidade voltada para o 
crime. Mas a personalidade é assim por causa do crime, e não o contrário. Assim, a 
personalidade viabiliza o cometimento do crime e a inserção no meio criminoso leva 
a uma adaptação dessa personalidade, que passa a ser remodelada. 
 
Há, pois, uma concepção positivista, que estabelece uma relação mais (produz) ou 
menos (viabiliza) estrita entre os antecedentes (fatores da personalidade) e o conse-
qüente (cometimento do crime) Visa, no grau máximo (produzir), explicar, e, no grau 
mínimo (viabilizar), compreender o comportamento criminoso. 
 
Há, também, uma abordagem mais crítica, segundo a qual não há interesse em saber 
dos antecedentes do crime, e sim o processo de criminalização do indivíduo. Não se 
quer entender quais os fatores que levaram certo indivíduo a se envolver com o cri-
me, e sim porque que ele foi selecionado e foi criminalizado pelo sistema punitivo. É 
o processo de miserabilização. 
 
Feitas essas considerações, como fica a relação entre personalidade e crime nos con-
ceitos de criminologia? 
 
a) Criminologia clínica (estudo da conduta criminosa, com vista às estratégias de re-
abilitação ou ressocialização): 
- Conceito Tradicional: foco no indivíduo, no seu corpo e na sua personalidade,con-
siderada em relação direta com a conduta criminosa. Examina-se a pessoa e tenta-se 
descobrir traços na sua infância e adolescência que levaram à formação de sua perso-
nalidade voltada para o crime. Busca-se, pois, uma predisposição da pessoa para a 
conduta criminosa. 
- Conceito Moderno (psico-sociológico): o foco é no indivíduo em seu contexto e con-
sidera-se que as características da personalidade podem viabilizar a conduta crimi-
nosa. Entende-se que a personalidade se amolda a certo contexto, de forma que, mu-
dado este, a personalidade poderá ser moldada de forma diversa. Naquele conceito 
tradicional, o contexto é entendido como parte da estrutura de caráter do indivíduo, 
tendo sido internalizado, ao passo que, aqui, é algo externo à pessoa. 
 13 
 
b) Criminologia Clínica (estudo do processo de criminalização, e não da conduta 
criminosa, com vista às estratégias de Reintegração Social): 
- Conceito Crítico: o foco é no processo de deterioração social e psíquica do indiví-
duo. Quanto à personalidade, sua deterioração e fragilização viabilizam o processo 
de criminalização. É por conta daquela deterioração social e psíquica que o indivíduo 
veio a ser selecionado pelo sistema punitivo (e não o motivo do cometimento do cri-
me, em si). Entende-se que, se se quer reabilitar o indivíduo, deve-se reincluí-lo na 
Sociedade. Anote-se que aqui não se fala de ressocialização, mas de reintegração so-
cial. Aquela supõe esta. A reintegração é o “encontro entre as partes antagônicas”, é o 
estabelecimento do diálogo, para que o indivíduo se sinta como parte e, pois, possa, 
após, se ressocializar. Mas que vantagem que o criminoso tem em aderir aos valores 
sociais, se é do crime que tira os seus proventos? A ressocialização deve, portanto, 
demonstrar a importância do “ser cidadão”, visto que os criminosos, no fundo, pos-
suem aspiração em ser parte da sociedade. 
 
Mas devemos fazer, ainda, uma distinção: há casos patológicos, como o do maníaco 
do parque, nos quais se deve fazer uma análise criminológica mais detida, pois há 
evidentes desvios de personalidade. 
 
 
Aula 03-04 – Delinqüência Caracteriológica 
 
 
Introdução – Temperamento e Caráter 
 
A delinqüência caracteriológica é a chamada delinqüência de caráter. Nessas consi-
derações introdutórias, cumpre trazer algumas noções a respeito de temperamento e 
caráter. São dois termos usados para nos definirmos à constituição do indivíduo, sua 
predisposição, sua bagagem hereditária constitucional (temperamento) e os aspectos 
evolutivos e adaptativos da personalidade (caráter). 
 
Temperamento é, pois, a dimensão heteroconstitucional da personalidade. É a baga-
gem psicológica da pessoa. Tanto assim que existem os tipos temperamentais, que se 
relacionam diretamente com o tipo físico do indivíduo. Assim, o tipo físico leptossô-
mico (com membros alongados) daria lugar para o temperamento esquisotímico (in-
divíduo mais espiritualizado, mais interiorizado). Há, portanto, certos tipos físicos 
que correspondem a certos tipos temperamentais, havendo interdependência entre 
eles. É lógico que, atualmente, o diagnóstico com base no tipo físico não prevalece, 
mas ainda serve como algum dos indicadores iniciais para sugerir traços tempera-
mentais e, pois, de personalidade. 
 
Tudo isso para demonstrar que quando se fala em temperamento se fala em instintos. 
Na literatura de Freud, o correspondente ao temperamento seria o ID. O tempera-
mento tende também a ser mais estável do que o caráter, como uma predisposição de 
reações. 
 
 14 
O caráter, por sua vez, é resultado do processo evolutivo, de desenvolvimento e 
adaptação da personalidade. O ego e o superego, provenientes do Id, são resultados 
do desenvolvimento do ser humano. E o caráter é também decorrência do próprio 
temperamento. Ele molda o temperamento, sendo produto da adaptação do indiví-
duo ao meio. É, pois, produto do desenvolvimento, é algo aprendido, não previa-
mente dado. 
 
Após essa evolução, não há mais como distinguir o que é caráter e o que é tempera-
mento, visto que ambos passam a integrar a personalidade. É claro que quando a 
conduta é primitiva, pouco controlada, diz-se que é resultado muito mais do tempe-
ramento, mas não exclusivamente. 
 
Enquanto o temperamento é a sede das emoções e paixões, o caráter se alimente da 
vontade e da ética. 
 
A vontade é a capacidade de autodeterminação, de direcionar as próprias condutas, 
de dizer sim ou não aos desejos e impulsos. Quem possui vontade fraca é aquele que 
cede facilmente a seus impulsos. Vontade não se confunde com desejo, pois aquela 
demanda um controle, por parte do indivíduo, de seus instintos. Já o desejo é o im-
pulso. A vontade é, portanto, fonte de apaziguação dos desejos (só que, às vezes, o 
comportamento decorre do superego, e não da vontade). 
 
A ética é a capacidade de internalização dos valores, das regras de disciplina, etc. E 
essa capacidade de internalização da ética depende do caráter. A ética, enquanto ob-
jeto de aprendizagem, depende da inteligência, mas enquanto objeto a ser internali-
zado, depende do caráter. 
 
O caráter, diferentemente do temperamento, é mais adaptativo. Se o indivíduo tiver 
um defeito no caráter, se este defeito for nas suas bases, poderá ensejar a personali-
dade psicopática. 
 
 
Personalidade psicopática 
 
É, exatamente, um defeito constitucional do caráter. Mas como pode haver um defei-
to constitucional de algo que é adquirido? Esse defeito na constituição da personali-
dade do indivíduo (em seu temperamento) leva a que ele não consiga sequer desen-
volver um bom caráter. Há, em razão desse defeito constitucional, uma dificuldade 
de adaptação às normas sociais (diferente é o caso dos indivíduos com personalidade 
dissocial, o qual possui um desvio no caráter, e não defeito em suas bases). 
 
Ressalte-se que não existe um tipo único de psicopata, mas vários, havendo casos 
mais graves e mais amenos. Poderá haver casos em que, apesar da personalidade 
psicopática, o indivíduo seja um executivo de sucesso, exatamente em razão da falta 
de escrúpulos, mas nunca venha a cometer crimes. 
 
 15 
A psicopatia é também chamada “transtorno de personalidade anti-social”. Todavia, 
pesquisas recentes atestaram que apenas 30 % daqueles que sofrem desses transtor-
nos que são psicopatas. 
 
 
Características da psicopatia 
 
1 – Predomínio da vida instintiva sobre os aspectos mais evoluídos da mente (aspec-
tos superiores da vida psíquica): em razão do predomínio do primitivo, essas pessoas 
costumam praticar crimes bárbaros; 
 
2 – Imediatismo na busca das soluções, com possibilidade de reações impulsivas: há 
dificuldade em pensar a médio e a longo prazo. O indivíduo consegue planejar sua 
conduta delitiva, mas não consegue planejar sua vida; 
 
3 – Frieza e calculismo na prática dos atos: há, principalmente, a ausência de afeto e 
de sentimento de culpa (não há conflito interno, mas simplesmente com o ambiente); 
 
4 – Utilização reiterada de mentiras: o psicopata mente sem dificuldades e com muita 
eficácia. 
 
 
A influência da família na personalidade psicopática 
 
O psicopata possui, inegavelmente, um instinto agressivo muito forte, que cria uma 
sensação de raiva, de ódio, perturbando-o interiormente. Assim, ele utiliza a projeção 
e joga essa raiva para o ambiente. Este passa a ser, portanto, hostil, de sorte que o 
psicopata desenvolve sentimento de persecutoriedade. Ele passa a ter atitudes de de-
fesa e ataque em função disso. Esse é um comportamento psicodinâmico, que a psi-
quiatria não dá conta de explicar. 
 
O psicopata é invejoso e narcisista. A inveja é projetada na sociedade, por meio do 
“esvaziamento” do outro. Quanto ao narcisismo, o psicopata vê o outro somente co-
mo objeto de satisfação de suas necessidades. Por esses mecanismos, busca resolver 
seus conflitos internos (para a psicanálise, diferentemente da psiquiatria, o psicopata 
possui sentimento de culpa, porém o nega). 
 
A psicopatia pode, também, ser resultadode uma herança psíquica. O indivíduo po-
de ser resultado de uma relação simbiótica, em que um precisa do outro (enquanto 
objeto de sua satisfação pessoal), desenvolvendo-se uma relação doentia e complica-
da. Essa relação só se baseia em conquistas extrínsecas do casal, ligando-se à aparên-
cia, ao status, à aquisição de bens, e não em conquistas internas. Eles não suportam 
perdas, e, havendo uma, um se volta contra o outro. E tudo isso se torna um gancho 
para um futuro filho psicopata, dada a característica de intolerância perante perdas e 
obstáculos. Ele possui enorme dificuldade de simbolização (capacidade de proscrati-
nar o ato, elaborando sua resposta antes de agir), sendo voltado diretamente para o 
 16 
ato. Há, nessa família, uma valorização do “parecer ser”, em detrimento do “ser”, 
uma ênfase na atuação, na aparência. 
 
O pai do psicopata costuma ser um déspota, alheio, socialmente valorizado (pode 
não ser o pai imediato, sendo que o psicopata pode aparecer após duas ou três gera-
ções), ou então é um alcoólatra violento e desprezível. Em ambas as hipóteses, ele é 
frágil e inconsistente para o filho, e este passa a se identificar com os aspectos narci-
sistas do pai, passando, na relação com este, a ser dominado por sentimentos de per-
secução e desamor. Cai, aqui, por terra, aquela idéia de defeito constitucional, de 
modo que a psicopatia deriva de uma relação doentia existente dentro de casa. 
 
A mãe do psicopata, por sua vez, costuma ser ausente, autista, com relação dual e 
egoística de dependência com o filho, reduzindo-o ao objeto de sua satisfação pesso-
al. A mãe, em regra, é capaz de acolher a criança e devolvê-la com os problemas 
emocionais resolvidos, de sorte que a criança se sente protegida. A mãe do psicopata 
quer uma criança sem problemas, que não dê preocupações para ela. 
 
Os pais do psicopata têm, portanto, uma relação de ambivalência (exigência e indul-
gência), de modo que não aceitam que outros reclamem de seu filho, mas o castigam 
excessivamente. Como eles valorizam a aparência, seu filho será um terceiro excluí-
do. 
 
Por fim, cumpre ressaltar que para esse filho não sobra mais nada na vida senão a 
seguinte alternativa: atuar, agir... Ele não tem como pensar, pois os pais não lhe de-
ram retaguarda (são imediatistas, não resistem às perdas e são egoístas), não lhe de-
ram a capacidade de simbolização. Assim, ele se transforma numa pessoa impulsiva, 
que não pensa antes de agir (a capacidade de abstração e simbolização da criança 
pode estar, inclusive, comprometida já nos seus primeiros seis meses de vida, se so-
fre algum trauma nesse sentido). 
 
 
Aula 10-04 – Personalidades Dissociais 
 
 
Conceito 
 
Cícero Cristiano de Souza fala em três grupos de delinqüências: 
1 – Ocasional: quando a delinqüência se dá pelo predomínio dos fatores ambientais 
desencadeantes e pelo rompimento lacunar (acidental e inesperado) dos mecanismos 
de controle, numa personalidade supostamente normal (há o ocasional puro, quando 
o sujeito, de repente, em razão de circunstâncias totalmente alheias, acaba cometendo 
um crime); 
2 – Secundária (ou sintomática): o crime é sintoma de algum desajuste, desequilíbrio, 
transtorno mental, etc., é secundário, ao passo que o quadro principal é a neurose, a 
psicose, a epilepsia, a toxicofilia, a oligofrenia, etc.; 
3 – Primária (ou caracteriológica): não é o sintoma, mas o próprio quadro primário, 
de forma que a pessoa já é, em sua essência, anti-social (trata-se das hipóteses das 
 17 
personalidades psicopáticas ou anti-sociais e das personalidades dissociais ou delin-
qüente – ou delinqüência social). 
 
Essa espécie de classificação, baseada nos antecedentes criminais, é prevista, inclusi-
ve, no artigo 5º, da Lei de Execuções Penais, mas, na prática, não é feita. Ela também 
prevê o exame criminológico inicial para subsidiar essa classificação. E o artigo 6º 
dispõe que deverá ser feita por Comissão Técnica de Classificação. 
 
A classificação proposta por Cícero Cristiano de Souza parece bem interessante, 
permitindo um melhor prognóstico para a reincidência, que será baixo na delinqüên-
cia ocasional e alto na primária, podendo assumir diferentes contornos em caso de 
delinqüência secundária. 
 
Sabemos que o indivíduo com personalidade psicopática é, na verdade, anti-social. 
Por outro lado, o que é a personalidade dissocial? É o desvio ético formativo do cará-
ter. Não é defeito de constituição, o gesso é bom... Porém, a estátua saiu deformada. 
O desvio se dá, portanto, na própria formação do caráter do indivíduo. Enquanto na 
personalidade psicopática, o indivíduo tem dificuldade ou incapacidade de internali-
zar a ética, aqui consegue faze-lo, mas não a ética vigente no grupo social maior, e 
sim a ética do seu grupo, da cultura onde vive. Por tal razão que se trata de desvio 
ético formativo. 
 
O prognóstico de recuperação do dissocial é melhor do que o do psicopata, pois 
aquele possui uma ética em seu caráter. Ilustrativamente, a personalidade psicopáti-
ca é uma terra infértil, na qual não adianta plantar, que nada dá. Já a personalidade 
dissocial é uma terra fértil, na qual, porém, foi plantada maconha, razão pela qual, 
conseguindo-se retirar esta, é possível plantar outras coisas. 
 
O psicopata possui, somente, uma ética egocêntrica, visa somente os seus interesses. 
Já o delinqüente dissocial possui sua ética centrada no grupo do qual faz parte. 
 
 
Formação da personalidade dissocial 
 
É formada a partir de um lar carente de afeto, disciplina e valores. São mais comuns 
nas classes socialmente inferiores, mas também podem ser encontrados nas classes 
médias e altas. Em relação ao afeto, o problema não está em amar, mas na manifesta-
ção do amor. Falar ainda é fácil, a questão está em agir. 
 
O lar carente de tais aspectos, irá favorecer o desenvolvimento do sentimento de re-
jeição. A criança, quando não se sente amada, disciplinada e educada, pela transmis-
são de valores, se sente rejeitada. Ao contrário, a criança, quando vê que é disciplina-
da pelos pais com responsabilidade, que a amam e lhes transmitem valores, se senti-
rá valorizada. 
 
O sentimento de rejeição leva, por conseqüência, a um sentimento de inferioridade. É 
formada uma espécie de ferida na criança, que não consegue lidar com essa idéia de 
 18 
rejeição. Esse sentimento de rejeição é fundamental, ou seja, fundamenta a personali-
dade e pode ser, até, estruturante. 
 
E o sentimento de rejeição corre o risco de se transformar em um sentimento de infe-
rioridade. Essa passa a ser um mecanismo de defesa para que a pessoa não se res-
ponsabilize por suas ações. Dentro do sentimento de inferioridade, surge um meca-
nismo de defesa próprio, qual seja, a compensação. O indivíduo busca compensar a 
inferioridade em outras atividades (como, por exemplo, no plano intelectual). O in-
divíduo se sente desamado, desorientado, indisciplinado, de sorte que será um “zero 
à esquerda”. 
 
Nessa compensação, o indivíduo vai à busca de grupos marginalizados compostos 
por jovens que possuam, mais ou menos, os mesmos problemas. A pessoa vai buscar 
solidariedade. A criança sai de casa, passando a morar praticamente fora de sua resi-
dência. É formado, assim, um grupo à parte da sociedade. E nesse grupo marginali-
zado, o indivíduo encontra uma identidade, sendo aceito como ele é, passando a de-
sempenhar um papel dentro desse grupo. Essa é a chamada “inclusão perversa”. O 
grupo tem seu código, sua disciplina, suas regras e seus valores, de forma a propor-
cionar à pessoa aquilo que o lar não proporcionou. 
 
E esse grupo, por conta desse histórico semelhante, passa a desenvolver uma ética 
própria, dissociada dos valores da Sociedade em geral, de forma que passarão a 
afrontar esta. Daí o termo “personalidade dissocial”. O grupo passará, portanto, a 
desenvolver atividades predatórias, como é o caso de pichação. 
 
 
Características 
 
1 – Evasão e fuga do lar; 
2 – Participação em grupos com atividade predatória; 
3 – Desenvolvimentode condutas anti-sociais, que tendem a se tornar freqüentes; 
4 – Adesão a uma ética própria do grupo ao qual pertence; 
5 – Os crimes em geral são contra a propriedade, bem como o tráfico; 
6 – Não há, em regra, o uso de violência, a qual só será utilizada quando necessária; 
7 – Existência de um conflito interno, que, porém, é negado; 
8 – A mentira só existe quando é instrumental; 
9 – Há uma grande fidelidade ao grupo. 
 
 
Aplicação Forense 
 
Os crimes, consoante ressaltado, costumam ser contra o patrimônio, e cometidos em 
grupo (há, em regra, co-autoria delitiva). Além disso, são plenamente imputáveis. Os 
psicopatas podem ser semi-imputáveis, se assim reconhecidos, pois além de terem 
dificuldades de internalizar a ética, têm dificuldade de se controlar em seus impul-
sos. Eles até podem adiar a sua satisfação se lhes for conveniente ou caso estejam em 
 19 
situação de risco, mas, caso contrário, não consegue controlá-los. Já isso não ocorre 
com o dissocial, o qual é, portanto, plenamente imputável. 
 
 
Aula 17-04 – Seminário: Reintegração Social 
 
 
Textos 
 
1. Alessandro Baratta, Ressocialização ou Controle Social – Uma abordagem crítica da 
“reintegração social” do sentenciado. 
 
2. Alvino Augusto de Sá, Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 
 
3. Sigmund Freud, O futuro de uma ilusão – o mal-estar de uma civilização e outros traba-
lhos. 
 
 
Reintegração Social e Ressocialização 
 
No sistema prisional, as coisas não costumam mudar muito, e, se mudam, é em doses 
homeopáticas, e para um ou outro preso. Mas devemos, ainda assim, acreditar que as 
mudanças são possíveis. 
 
Reintegração é dar condições para que a pessoa “erga a cabeça”, se veja de forma di-
ferente, de modo a ficar apta à vida social. É diferente da ressocialização, que de-
manda uma revisão de conceitos éticos, para que o criminoso se adapte à vida em so-
ciedade. Não é esse o objetivo que buscamos, mas, mais propriamente, e reintegra-
ção, de maneira que os presos tenham consciência de seus direitos, suas qualidades e 
seus valores. Visa-se, portanto, compor o interesse das duas partes em litígio históri-
co: os encarcerados e a Sociedade. 
 
Devemos, portanto, diferenciar três termos, que, apesar de a doutrina utilizar indife-
rentemente, são diametralmente opostos, a saber: reintegração, ressocialização e tra-
tamento. Além disso, devemos fugir do mito de que não há maneira de integrar os 
presos, vislumbrando a possibilidade de readequá-los à convivência social. 
 
O Direito Penal, apesar de ou doutrinadores pensarem que conseguem dar respostas 
a tudo, é insuficiente para cuidar de todas as questões da criminalidade. Assim, faz-
se necessário recorrer à psicanálise para explicar esses problemas. Deve-se indagar: 
por que as pessoas se inserem em uma civilização? Hoje, nos vemos num embate en-
tre Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão. O cidadão é aquele que 
está inserido na sociedade, a partir da abdicação de parcela de sua liberdade. O ini-
migo é aquele que não aderiu a essa idéia de civilização, conforme enunciada por 
Freud. 
 
A aplicação da pena “in concreto” cria duas contradições: i) leva a um antagonismo 
entre o indivíduo apenado e a Sociedade, a partir da idéia de que o indivíduo deverá 
 20 
ser punido e segregado da comunidade (caráter retributivo da pena – “expiação”), ao 
invés de ser uma confirmação da norma (caráter de prevenção geral positiva); ii) a 
pessoa, qualquer que seja o seu crime, ingressa no cárcere completamente susceptí-
vel, e talvez seja este o momento no qual há maior chance de resgatar essa pessoa de 
volta à Sociedade, visto que, já dentro do cárcere, voltará a se fortalecer, de acordo 
com os valores da prisão. 
 
Quando o avaliador inicial traz a lume esse sentimento de culpa, o superego fica tão 
martirizado que o ego tenta criar mecanismos para que a pessoa não sucumba, quais 
sejam, a cisão e a projeção. Quanto à projeção, o indivíduo projeta na sociedade o mal 
que lhe aflige. Já a cisão leva a que o preso se coloque como indivíduo à parte da So-
ciedade, identificando o que é bom e o que é ruim. E o sentimento de culpa, quando 
terrível, insuportável, pode levar a que a pessoa pratique novamente o ato, para ten-
tar dizer para si que não é tão ruim assim. 
 
Quais são os fins normalmente preconizados para a pena? O fim retributivo e o fim 
preventivo, quer geral, quer especial, quer positivo, quer negativa. Iremos nos con-
centrar na prevenção especial positiva, que visa a reafirmação da norma do Direito. E 
nessa ordem de idéias, três são as tendências para explicar a finalidade da pena. 
 
Sob a perspectiva tradicional, a delinqüência seria analisada sob um viés etiológico, 
de sorte que o importante seria perseguir a causa do crime. Trata-se de perspectiva 
médico-psiquiátrica, pois o tratamento do delinqüente se baseia em concepções mé-
dico-psiquiátricas, dado o caráter tipologicamente anormal do indivíduo. Assim, o 
criminoso deveria ser submetido a tratamento, já que seria um “ser patológico”. Nes-
se sentido, todo ato de infração seria um ato de patologia do sujeito ativo, devendo 
ser tratada por profissionais especializados. 
 
Com a Criminologia Moderna, a preocupação passa a recair não sobre a causa do 
crime, mas sobre os fatores sociais, dizendo-se que o criminoso é um ser normal, mas 
não adaptado socialmente. A partir daí é que sem começa a falar em ressocialização. 
E aqui que pára a doutrina pátria, que passa a afirmar que a perspectiva ressocializa-
dora está em decadência. Isso porque se a pena tem por fim que o ser inadaptado so-
cialmente possa voltar a viver em Sociedade, a ressocialização deve buscar que os en-
carcerados aceitem outros valores, que não os próprios. A crítica é que não é cabível, 
num Estado Democrático, impor uma conduta a outrem. Além disso, o cárcere não é 
o local que comporta esse tipo de processo. Não é simplesmente o oferecimento de 
condições de trabalho e de escola, dentro do cárcere, que levarão a que o preso, 
quando de volta à sociedade, esteja readaptado. 
 
A Criminologia Clínica (de que é expoente Alessandro Baratta), por sua vez, afirma 
que é necessário um engajamento da própria sociedade, não sendo bastante o ofere-
cimento de condições dentro da prisão. Propõem-se, portanto, certos procedimentos 
para que a Sociedade possa se “abrir” mais para o cárcere, inclusive a partir de insti-
tutos penais, como é o caso da Comissão Técnica de Avaliação, prevista na Lei de 
Execuções Penais. Ela analisa a evolução da pena do indivíduo e não se basta em um 
simples diagnóstico. Visa-se, ainda, que os cidadãos participem do processo de en-
 21 
carceramento. Na Inglaterra, toda vistoria que é feita ao presídio, é filmada e televisi-
onada, o que é impensável em nosso país, dadas as condições dos nossos cárceres. E 
a nossa sociedade não se preocupa com isso. A Criminologia Crítica afirma, então, 
que se a comunidade entrar no cárcere, e verificar as condições subumanas nas quais 
as pessoas vivem, poderão auxiliar na reconstrução do nosso sistema prisional. 
 
Baratta faz uma análise da reforma e da contra-reforma dos presídios europeus, 
aquela desencadeada pelas más condições das prisões e esta pelos constantes ataques 
terroristas, que levou à idéia de que as condições das prisões deviam ser piores do 
que as de fora, para que a pessoa não queira ser mandada para o presídio. E é nesse 
momento que começa a se questionar o ideal ressocializador, visto que os presídios 
não possuíam sequer condições físicas para tanto. Ele diz que a Criminologia Crítica, 
quando aplicada ao ambiente carcerário, não deve ser algo abstrato, típico de penalis-
ta, mas algo empírico, que fomenta a participação da sociedade na gestão dos presí-
dios. Dentre os tópicos trazidos por Baratta, dois merecem maior destaque, quais se-
jam, a presunção de normalidade do egresso do sistema; e a integração cárcere-
sociedade, de modo a possibilitar que o egresso retorne à Sociedade. 
 
Por fim, é importante tratarmosda destecnicização, de maneira a que também a Soci-
edade, que não é técnica, participe do processo reintegrador, e não só os técnicos. 
 
Questão: Dentro de um mesmo modelo/sistema penitenciário, é possível subsistirem 
as três perspectivas criminológicas, ou seja, tratamento, ressocialização e reintegração 
social? 
 
 
Aula 08-05 – Delinqüência Neurótica 
 
 
Conceito de Neurose 
 
Às vezes, pensamos que os crimes bárbaros devam sempre se relacionar com uma 
psicose, chamando seus autores de psicopatas, principalmente quando acompanha-
dos por frieza e calculismo. Mas também o quadro neurótico pode contribuir para a 
prática de crimes bárbaros. É claro que não se quer, aqui, ser determinista, dizendo 
que sempre a neurose levará ao cometimento de crimes, dependendo, ao contrário, 
de uma confluência de fatores. 
 
A neurose relaciona-se com transtornos de ansiedade e transtornos dissociativos. Ela 
é o conflito intra-psíquico, entre as energias, impulsos, etc., provenientes do ID, e os 
mecanismos de defesa e de controle provenientes do Ego, acrescidos dos imperativos 
que provêm do Superego, conflito este para o qual o Ego não dispõe de uma solução 
satisfatória (a solução encontrada é somente temporária, não resolvendo o problema). 
 
Há um núcleo no nosso aparelho psíquico, local onde está, para Freud, o inconsciente 
(o ID), que tende a expandir os seus instintos, possuindo, portanto, uma capa prote-
tora, que é o Ego, bem como uma segunda proteção, que é o Superego. 
 
 22 
Algumas porções da libido são sempre represadas ao longo do desenvolvimento. Em 
relação a essas porções não são resolvidas, o indivíduo busca forma substitutivas de 
satisfazê-las, por meio de seu represamento. 
 
Na relação triangular existente entre o filho, o pai e a mãe, por exemplo, se aquele 
tem uma relação de posse com esta, ele desenvolve em relação ao pai um sentimento 
de competição, de inveja, e de rivalidade, que se espera que, com o desenvolvimento 
da personalidade, e com a resolução do Complexo de Édipo, seja resolvido. Mas se 
não resolvido, o filho permanece com um sentimento de raiva contra o pai, que será 
revivido se porventura aparecer um irmão. Isso tudo é transferido posteriormente, 
do pai para o marido, do irmão para o filho, etc., havendo atualizações constantes 
dos conflitos passados. 
 
E o Ego não conseguiu resolver esses conflitos de forma satisfatória, ele apenas os re-
primiu. Pode ocorrer de o indivíduo promover uma transformação reativa, transfor-
mando seus sentimentos no oposto, em razão de não conseguir conviver com aquele 
sentimento dentro da sua personalidade (o ódio por certa espécie de indivíduo em 
um amor incondicional). Mas, mesmo assim, às vezes reaparece aquele impulso não 
aceito. 
 
 
O sentimento de culpa 
 
E a neurose aparece em razão do sentimento de culpa, em relação àquele desejo que 
foi reprimido, mas que ainda está latente. Esse sentimento de culpa prescinde do ato 
para que ocorra, bastando que a pessoa deseje certa situação. 
 
Trata-se de um sentimento de auto-reprovação em razão dos desejos, fantasias ou 
condutas da pessoa. 
 
 
O “ciclo neurótico”, de F. Alexander 
 
O “ciclo neurótico” de F. Alexander é uma espécie de realimentação da neurose. Há 
um fator precipitante, relacionado ao núcleo reprimido da personalidade e ao confli-
to não-resolvido pelo Ego, que acaba desorganizando a vida do indivíduo. Este, por 
conta do processo neurótico, passa a falhar na solução dos problemas atuais. Nesse 
momento, ele regride e vai reviver o seu conflito primário pela regressão. Ele irá, por-
tanto, por conta do sentimento de culpa, se impor medidas autopunitivas, se enfra-
quecendo cada vez mais com o conflito secundário e com a fragilização do seu Ego. 
 
Exemplo: a pessoa traz da infância uma inibição de suas funções agressivas, de sua 
auto-afirmação, do que resulta um sentimento de opressão em relação ao ambiente. 
Quando entra na faculdade, que é um ambiente totalmente diferente, será sentido 
novamente como opressor, impedindo qualquer manifestação de desejo ou de agres-
sividade. Esse ambiente será um fator precipitante, levando à manifestação daquilo 
que já acreditava ter sido resolvido. O indivíduo, pois, entra em crise e regride, revi-
 23 
vendo a repressão sentida na infância, bem como o ódio daí decorrente, e o desejo de 
reagir diante dessa situação. Por conta desse impulso de reação, surgem medidas 
autopunitivas, como o isolamento, o sentimento de inferioridade em relação aos de-
mais, etc. Surge um conflito secundário atual, que irá empobrecer o Ego, que terá no-
vas falhas na resolução dos problemas, novas regressões, etc., começando o ciclo 
neurótico. 
 
Num desses momentos pode surgir o crime. A pessoa pode cometer o delito naquele 
ambiente hostil ou, ainda, fora dele, transferindo o sentimento de ódio vivido. 
 
 
Os mecanismos de defesa contra o sentimento de culpa: projeção e negação 
 
O primeiro mecanismo de defesa que surge é a projeção, passando o indivíduo a pro-
jetar nos outros (Sociedade, Polícia, Sistema) a culpa, bem como a responsabilidade 
pelos crimes praticados. E nisso há certo risco na criminologia crítica, dado que a in-
teração com os internos pode levar a um aumento dessa projeção, já que considera 
que é o Direito Penal e o Sistema Punitivo que selecionam as pessoas por eles atingi-
das, a serem segregadas. A projeção é, na verdade, um mecanismo infantil, de modo 
que quando a pessoa a utiliza, ela não cresce, pois não permite a avaliação de sua 
conduta. 
 
Quanto à negação, o criminoso ou nega a prática do crime, ou nega a gravidade des-
se delito, pela palavra, pela fantasia, ou pela maneira de agir. Às vezes, a prática de 
novos delitos visa, na verdade, negar a gravidade das condutas delituosas anteriores. 
 
 
As três “vantagens” do crime cometidos por força do sentimento de culpa 
 
A primeira vantagem do cometimento de crimes por força do sentimento de culpa, 
que alimenta a prática do delito (desde que este tenha relação, ainda que simbólica, 
com aquele impulso que ensejou o sentimento de culpa), é que, cometendo um ato 
real, a culpa passa agora a ser associada a algo conhecido e não a alguma coisa des-
conhecida, que está no inconsciente. Passa a se relacionar com algo palpável, visto 
que o sentimento de culpa, quando intenso, é uma espécie de fantasma que acompa-
nha e persegue a pessoa. O sentimento de culpa é uma ferida interna da pessoa, que 
a torna sensível, de modo que a crítica exterior que a atinja terá grandes proporções. 
E o cometimento do delito permite que essa culpa seja exteriorizada, passando a se 
relacionar com uma realidade palpável. 
 
O Superego irá punir, implacavelmente, as condutas relacionadas com aquele senti-
mento de culpa, não havendo qualquer princípio aplicável, como a proporcionalida-
de, previsão legal, etc. A punição será líquida e certa, passível de ocorrer de qualquer 
forma. 
 
Assim, a realização de ato concretizando a fantasia pela qual o indivíduo se sente 
culpado, leva à concretização da culpa, à sua atualização, à sua limitação. O crime é 
 24 
sentido de forma menos grave, apesar de ser uma atualização do conflito primário. 
Estar-se-á trocando um crime primário, referente a relações parentais, mais paradig-
máticas, por um crime considerado menos grave. Substitui-se (o que, na verdade, é 
ilusório), a punição interna, que é indeterminada, interminável e indefensável, por 
uma punição externa, que tem previsão legal, é proporcional, delimitada no tempo e 
passível de defesa. E essa punição passa a ser mais tolerável para o criminoso, já que 
a culpa concreta, atualizada no crime, será mais branda, dada a menor gravidade 
desse delito do que seria, por exemplo, o crime porventura cometido contra algum 
parente. 
 
Só que mesmo após o cometimento do crime, e, a partir daí, o cumprimento da pena, 
a pessoa pode regredir e reviver o conflito primário. Assim, aquele que tinha conflito 
com o pai e o irmão e, ao invés de praticar um crime contraeles, pratica qualquer ou-
tro delito, cumprindo a pena devida, pode, no futuro, constituindo sua própria famí-
lia, reviver seu conflito, com o nascimento de seu filho, que irá dividir a atenção da 
sua esposa. 
 
 
Influência sobre o Direito 
 
Como o Direito pode se utilizar de todas essas conclusões e análises relacionadas à 
personalidade do agente? É extremamente difícil, visto que, para o Direito, essas pes-
soas são plenamente imputáveis. A atenção a essas características deve ocorrer no 
momento da aplicação do artigo 59, do Código Penal, individualizando-se a pena de 
acordo com as características específicas daquela pessoa. 
 
De qualquer forma, o Direito Penal não foi feito para resolver os problemas psicoló-
gicos do indivíduo, não podendo eliminar a punibilidade das pessoas que porventu-
ra apresentem esses desvios comportamentais, apesar de dever levá-los em conta na 
análise da personalidade do agente. 
 
Por outro lado, na Execução da pena há espaço para trabalhar com esses aspectos. A 
Lei de Execução prevê o exame criminológico de entrada, o qual serviria para a indi-
vidualização da execução, de acordo com as características próprias do detento, mas 
não é aplicado dessa maneira na prática. O certo seria que os executores da pena 
soubessem, a partir do exame, essas condições pessoais do agente, que deveriam ser 
levadas em conta para a confecção dos programas individualizadores. 
 
 
Aula 15-05 – História Individual de Conflitos e o Comportamento Delinqüente 
 
 
Consideração Psicológica sobre Conflito 
 
A maturação psicológica, que Yung apresenta como o processo de individualização, 
é uma caminhada de conflitos. Trata-se de visão realista da vida (não necessariamen-
te pessimista). Há certos conflitos principais, já previstos para todos e determinantes 
do desenvolvimento para todas as pessoas, como o conflito do nascimento, da ado-
 25 
lescência, da constituição de novo lar, da morte, etc. E com o processo de individuali-
zação, a criança passa a resolver seus conflitos anteriores e a controlar seus impulsos, 
adquirindo capacidade de reflexão, de simbolização e, se for o caso, de postergação 
da resposta. Aos 6, 7 anos, a criança vai saber, intelectualmente, que não pode ter tu-
do o que quer naquele momento, mas não emocionalmente. Só depois que fará a 
prova da realidade, percebendo que nem tudo o que quer vai lhe pertencer. Assim, 
quanto mais maduro o indivíduo, mais é capaz de refletir perante o conflito. 
 
Todo conflito busca uma solução, que pode ser através do ato (respostas imediatas) 
ou através do pensamento (respostas mediadas pela simbolização). 
 
Freud conclui, portanto, com a seguinte frase: “no princípio, o homem era somente 
ato”. Hoje, vivemos em uma civilização que prima pelo pensamento, de sorte que o 
ato vige nas sociedades mais primitivas. Só que nas civilizações atuais também exis-
tem os mesmos impulsos primitivos que existiam antigamente. 
 
 
Conflito Fundamental 
 
Freud diz que no começo da História de todos nós há um conflito fundamental, que é 
a rivalidade entre filhos e pais. Essa rivalidade é sofrida, porque entre pessoas que se 
amam, mas é necessária e saudável, pois através dela que o filho vai descobrir sua 
identidade. E os pais também, vão descobrindo que os filhos não são uma continui-
dade deles. Ambos se distinguem e se mantêm distintos.2 
 
Neste conflito, estaria o processo básico de aprendizagem, de como lidar com a 
agressividade, com a rivalidade e de como se portar na relação entre iguais, em que 
só um irá sair ganhando. E a vida é uma seqüência de competições. Se aplicarmos a 
idéia de Bergeret a Dahrendorf, que afirma que os conflitos sociais se devem às rela-
ções de domínio, podemos dizer que na base de constituição do indivíduo está esse 
impulso de “quem domina quem”. 
 
De forma simplista, o conflito fundamental comporta duas soluções: satisfatória ou 
insatisfatória. Mas isso é pura abstração, já que existem, somente, soluções mais ou 
menos satisfatórias. A solução menos satisfatória é quando há a fixação do conflito, 
i.e., quando o adolescente não supera a relação de competitividade com os pais, ten-
dendo a dar respostas irracionais, não refletidas, como brigas, atuações, etc, impelido 
pela necessidade de se libertar, de afirmar sua autonomia (já que se a conquistou, não 
tem necessidade de afirmá-la). O filho, pois, chamado rebelde, é porque ainda não 
superou o conflito. E aí entre pais e filhos sempre haverá, por parte daqueles, uma 
atuação, em lugar de uma reflexão. 
 
 
2 Essa rivalidade é o paradigma dos grandes conflitos sociais sob a interpretação do Bergeret, 
em relação ao conflito de Édipo. Para Freud, Édipo matou seu pai PARA se apossar de seu leito, pois o 
que está no epicentro do conflito é a libido. Para Bergeret, Édipo matou seu pai E se apossou de seu 
leito, pois o que está no epicentro do conflito é a agressividade. 
 26 
E esse conflito não resolvido tende a ser intra-individual, ou seja, permanece como 
espécie de paradigma, que vai entrar em ação diante de novos conflitos da vida. A 
pessoa passa, então, a resolver todos os seus conflitos futuros ligados à figura da au-
toridade de forma irracional. O conflito histórico, fundamental, passa a contaminar 
os futuros conflitos pontuais. O conflito pontual, agora, pois, adquire dimensão que 
ultrapassa, e muito, suas dimensões reais, de sorte que repercutirá de forma inusita-
da para essa pessoa em específico (sua reação passa a ser considerada exagerada pe-
los demais). 
 
No caso do crime, consiste em respostas desviadas dos objetivos legítimos (“conflitos 
irrealísticos”). E ocorre um crime desproporcional, que é muito mais uma resposta de 
um conflito histórico, do que como resposta daquele conflito atual. Assim, um homi-
cídio simples, provavelmente, é expressão de um conflito atual, ao passo que o homi-
cídio qualificado, em muitos casos, será expressão de conflito histórico, que não foi 
resolvido. 
 
Agora, quando a solução do conflito é satisfatória, as pessoas passam a refletir, não 
deixando se contaminar com outros conflitos históricos, de sorte que passam a resol-
ver os conflitos atuais de forma inter-individual. A pessoa passa a dar respostas raci-
onais, com ênfase no pensamento. Pode haver uma discussão acalorada, mas o confli-
to se mantém no inter-individual e as respostas são racionais. Concluída a discussão, 
as pessoas continuam se relacionando como antes. 
 
Os crimes passam a ser respostas voltadas a objetivos legítimos – “conflitos realísti-
cos” (como, por exemplo, comprar alimentos) -, apesar do meio ser ilegítimo. O crime 
será, então, uma inabilidade de solucionar os conflitos sociais atuais, objetivos e reais. 
(o sujeito é inábil para resolver os conflitos, mas não desvirtua os objetivos). 
 
Nos crimes de estupro, via de regra, o objetivo não é legítimo, visto que a busca da 
satisfação sexual por meio da violência não é algo legítimo. A satisfação sexual, se 
consistir na sucumbência do outro, não é madura, e sim perversa, regredida. 
 
 
A Neutralização do Crime 
 
No Processo Penal, com o afastamento da vítima, a qual só presta queixa e, após, fica 
“por conta” do Estado. Há, assim, uma neutralização do crime, que perde o caráter 
de dramaticidade. Esse caráter continua na medida em que é expressão de conflitos 
intra-individuais, já que mexe com os conflitos do público em geral. A pena passa a 
ser somente o pagamento da dívida perante o Estado. E o conflito, quer intra-
individual, quer inter-individual, continua em aberto. 
 
O caso do crime de colarinho branco entra um uma outra dimensão. Há, nesse caso, 
uma forma de violência secundária, quando o ser humano tem tudo o que os outros 
tem, mas quer ter mais que isso. Voltando aos crimes comuns, há um conflito inter-
individual que não é tão pontual, mas entre excluídos e excludentes da Sociedade, de 
 27 
forma que “quem tem menos” se sente dominado por “quem tem mais” e reage ais-
so. E esse conflito continua em aberto, a despeito da pena. 
 
 
Aplicação à Execução Penal 
 
E como a Execução Penal pode lidar com tudo isso? 
 
1 – Mudança do Foco de Atenção: já vimos que na criminologia clínica tradicional, há 
um paradigma etiológico, sendo que o apenado é o centro das atenções. Isso se aplica 
para o conflito intra-individual. No paradigma do conflito, por outro lado, visa-se 
uma interação entre os sistemas de poder, domínio e privilégios. Enquanto na pri-
meira, a “solução” é o tratamento do apenado, aqui a “solução” é a reintegração soci-
al, visto que, se o problema é um conflito inter-individual, deve ocorrer um diálogo 
de igual para igual. E esse diálogo seria feito por certos segmentos da Sociedade, que 
iriam para o cárcere. 
 
2 – Propostas 
 
i) A proposta de Alessandro Baratta (um tanto quanto utópica), coloca que o que se 
deveria fazer é buscar o desenvolvimento de uma consciência política no condenado, 
substituindo-se respostas irracionais, i.e., que não atingem os objetivos pretendidos, 
por respostas racionais, que seria questionar o próprio sistema, o que não ocorre, de 
verdade, por meio do cometimento de crimes. Para Baratta, não á através do crime 
que se consegue promover mudanças no sistema, que são necessárias, mas devem 
ocorrer por meio de movimentos sociais. Mas muitos dos condenados são pessoas 
simples, incultas, de modo que é utópico querer desenvolver uma consciência políti-
ca, sendo mais factível pensar-se numa consciência reflexiva, para que pensem antes 
de agir. 
 
ii) Para Zaffaroni, as pessoas, por vezes, sofreram uma marginalização social, de mo-
do que houve uma deterioração da sua personalidade, bem como um enfraquecimen-
to social, com a qual não consegue se relacionar. Torna-se, a partir daí, um indivíduo 
psiquicamente vulnerável, candidato à criminalização, i.e., à escolha pelo Sistema 
Punitivo. A deterioração leva à perda dos direitos da pessoa, e de sua relação com a 
Sociedade. Sua proposta é de que o tratamento dos condenados deve buscar a supe-
ração do quadro de personalidade deteriorada. Dessa forma, devem-se distinguir os 
processos prévios e os atuais de deterioração social. 
 
iii) Segundo Schneider, devem ser feitos “programas de recompensas”, ou seja, en-
contros entre agressor, vítima e Sociedade, proporcionando àquele rever sua conduta 
e constatar que através da vitimização daquela pessoa, ele não resolveu seu proble-
ma. Quanto à vítima e à Sociedade, será uma oportunidade de melhor compreender 
a figura do agressor e superar o seu trauma. É claro que esses encontros devem ser 
feitos entre pessoas predispostas a tanto, já que impô-los seria desastroso. Isso por-
que o crime é, na verdade, expressão de um conflito entre pessoas, que podem ser 
retomados, para se buscar a superação. 
 28 
Ressalte-se que quando o crime é expressão de conflitos intra-individuais e, portanto, 
são perversos, não há aplicabilidade para essas propostas, visto que, por exemplo, os 
criminosos de colarinho branco não necessitam de reintegração social, a pena deve 
ser no bolso. 
 
Em resumo, quaisquer programas que se desenvolvam nos cárceres devem buscar o 
fortalecimento psíquico do condenado, para enfrentar os conflitos da vida. Não deve, 
simplesmente, “decorar” respostas prontas, mas conseguir fortalecer o seu “eu”. E 
esse fortalecimento pode se dar por meio do trabalho, de modo que, fortalecida, a 
pessoa não irá aceitar qualquer emprego, e nem procurá-lo de cabeça baixa e sem 
qualquer imposição. A pessoa deve passar a se impor, mostrando seus valores e seus 
direitos, e não por meio de uma relação de submissão. 
 
Deve, ainda, haver uma reaproximação gradativa entre cárcere e Sociedade. Todos os 
programas devem procurar essa reaproximação, inclusive através de programas de 
recompensa, conforme preconizado por Schneider. E em todos os programas, deve-se 
estimular o pensamento, a reflexão e a capacidade de simbolização. 
 
 
Aula 05-06 – Privação Emocional e Delinqüência 
 
 
Experiência Gratificante na Relação com a Mãe/Lar 
 
A experiência gratificante com a Mãe/Lar propicia algumas conseqüências à saúde 
mental da criança, ao seu desenvolvimento. 
 
Um deles é a separação Eu-Mundo. Esta sempre ocorre, quer a pessoa queira, quer 
não. Ela ocorre quando a pessoa descobre que o mundo não precisa dela. Para a cri-
ança isso é ruim, a princípio, pois ela se tem como centro do mundo, visto ser o cen-
tro das atenções da família. Ela passa a ver que está separada do Mundo e de seus 
pais. Isso é importante para os filhos e também para os pais, que gostam de ver os 
filhos acoplados neles. É preciso, pois, conquistar essa separação entre pais e filhos, 
por ambos os lados, e a criança passa a descobrir que é uma pessoa diferente das 
demais (que são dois entes diversos). E para que esta separação seja saudável, é ne-
cessária uma relação gratificante com a mãe, pois esta leva ao desenvolvimento e in-
dependência do outro. 
 
Essa experiência também propicia o desenvolvimento da capacidade de envolvimen-
to, como versão positiva do sentimento de culpa (que é de auto-reprovação). Trata-se 
da capacidade da pessoa assumir a responsabilidade por seus atos. Quando a pessoa, 
dotado dessa capacidade de envolvimento, prejudica, por seu trabalho, o grupo do 
qual faz parte, a ela não se culpa, mas assume a responsabilidade, a falha, de forma 
que o sentimento de culpa será positivo, e não mera reprovação (e é diferente assu-
mir a autoria do ato, e assumir a responsabilidade, se submetendo às conseqüências 
que porventura existam). E a família é importante nesse assunto (quer seja o pai ou a 
mãe, quer seja qualquer outro ente familiar). 
 
 29 
Por fim, a experiência gratificante com a Mãe/Lar leva ao desenvolvimento da capa-
cidade construtiva, ou seja, a capacidade de colaborar, de construir. 
 
 
Tipos de Privação Emocional 
 
Podem ocorrer em virtude de relações insuficientes com a mãe, não havendo aquela 
experiência gratificante. A privação pode se dar também por relação descontínua, 
quando a relação com a mãe é interrompida por um prazo razoável (ex: hospitaliza-
ção, separação, viagem, morte, etc.). Por fim, pode ocorrer a privação em virtude de 
relações distorcidas, como a violência física, sexual, etc., ou ainda quando a mãe é 
superprotetora, ou por uma culpa, ou por uma projeção na criança, ou ainda porque 
vê na criança um apêndice seu, confundindo os problemas da criança com os seus 
problemas. 
 
 
Formas de Solução de Privação Emocional 
 
Algumas são mais maduras, como a maturidade por elaboração psíquica (a pessoa é 
capaz de superar a privação por maturação psicológica), ou o controle da privação 
através de outras relações significativas da infância ou da juventude (que compen-
sam a privação emocional com a mãe), como namoros importantes. Pode também 
haver a solução por objetos substitutivos, como a profissão (a pessoa se dedica ao 
trabalho, por um mecanismo de isolamento das emoções). Também pode ser “soluci-
onada” pelas drogas e, finalmente, pela delinqüência. 
 
A “solução” pela delinquência visa chamar a atenção da Sociedade ou ir à busca do 
objeto perdido, que nunca será encontrado. 
 
 
Casuística 
 
Um rapaz, preso em Presidente Bernardes, nasceu e foi achado em uma caixa de fa-
zer concreto em uma construção. O pedreiro, então, pegou-o e, por insistência da es-
posa, acabou ficando com a criança, adotando-o faticamente. A criança recebeu mui-
to carinho e foi muito bem tratado e tinha uma irmã, filha biológica do casal. Quando 
soube que era adotado, passou a amar mais ainda os pais. Com sete anos, colocado 
na escola, teve uma sensação de pânico quando a mãe foi embora, visto que já tinha 
sido abandonado uma vez (a criança, apesar de, à época, não ter a consciência com-
pleta do abandono, teve uma experiência traumática, que, exatamente em razão da 
falta de consciência, não conseguiu internalizar). 
 
No segundo ano, conheceu um amigo, de alcunha “Gaguinho”, o qual morava

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