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1 Analista dos Tribunais Direito Internacional Privado 2 Sumário 1. Conceitos Iniciais 5 2. Conflito de Leis no Tempo e no Espaço 14 3. Aplicação das Normas do DIP 20 4. Elementos de Conexão 29 5. Aplicação da Lei Estrangeira: Natureza Jurídica 39 6. Limites à Aplicação do Direito Estrangeiro - Ordem Pública - Art. 17, LINDB. 45 7. Direito Civil Internacional 51 8. Direito do Comércio Internacional e Lex Mercatoria 65 9. Direito do Trabalho Internacional 71 10. Direito Internacional 80 11. Direito Processual Internacional 91 12. Arbitragem Internacional 107 3 Apresentação Olá, caro (a) estudante! O período de dedicação e preparação para uma prova de concurso público é uma jornada árdua e trabalhosa. Pensando nisso, elaboramos esta Apostila com toda dedicação e atenção que você merece. O conteúdo dela foi criado com todo o rigor necessário para sua utilização como material de apoio ao estudo para todas as pessoas que almejam prestar concursos. Os conteúdos citam fontes confiáveis, atualizadas e completas sobre os mais variados temas em Direito e foram elaborados por profissionais com experiência em ensino e prática jurídica. O material está organizado hierarquicamente (em modo decrescente de hierarquia: Temas, Tópicos e Subtópicos). Essa estrutura permite a exploração organizada dos conteúdos da disciplina e agrupam os objetos do conhecimento que se relacionam, conferindo uma leitura mais fluida e orgânica. Mapas mentais, que são um método de memorização e organização do conhecimento adquirido, foram desenvolvidos ao final de cada Tema com o objetivo de facilitar o aprendizado dos conteúdos estudados. O Direito Internacional Privado tem como principal objeto de estudo a escolha da lei a ser aplicada quando uma relação jurídica privada envolve o direito de diferentes países. Terá aplicação quando uma disputa ou transação jurídica envolver a escolha de uma jurisdição, a lei aplicável para a solução de uma relação jurídica, ou ainda, o reconhecimento ou execução de uma sentença estrangeira. Ao contrário do que ocorre com o Direito Internacional Público que tem como principal fonte as convenções internacionais, no Direito Internacional Privado, a principal fonte é a lei interna. Contudo, o Direito Internacional Privado também é regulado em tratados e convenções incorporados no direito nacional, costumes e outros instrumentos que regulam as relações plurilocalizadas. O Direito Internacional Privado lida com uma variedade de tópicos, como contratos (internacionais); indenizações (lex loci delicti); questões familiares como o casamento, a adoção e o sequestro internacional de crianças; o reconhecimento de sentenças, questões envolvendo bens imóveis (lex rei sitae); propriedade intelectual; entre outros. 4 Desejamos bons estudos e uma excelente prova! Atenciosamente, Equipe pedagógica LFG. 5 1. Conceitos Iniciais O Direito Internacional Privado (DIPr) tem como objetivo estudar a aplicação das normas jurídicas que regulam fatos sociais que se relacionam com o direito de mais de um país. Como estes fatos transnacionais podem, em tese, ser regulados por mais de um ordenamento jurídico, o DIPr do país em que ocorre o processo regula qual a lei será aplicável dentre aquelas que potencialmente poderiam regular a relação conflituosa, evitando situações como a de omissão (ausência de normas) ou sobreposição espacial1. 1.1. Natureza, objeto e denominação do Direito Internacional Privado. As relações jurídicas de direito privado, na maioria dos casos, estão vinculadas estritamente ao território do Estado no qual os tribunais julgam uma eventual lide entre duas partes. Mas, no mundo inteiro, cada vez mais são frequentes as relações jurídicas com conexão internacional a transcender as fronteiras nacionais. Assim é também no Brasil, onde a mobilidade da população e as relações comerciais entre empresas ganham constantemente caráter internacional2. O Direito Internacional Privado (DIPr) é composto de princípios e regras, sendo estas positivadas ou costumeiras, e tais regras têm por primordial função resolver os conflitos de leis no espaço. Tais conflitos de leis no espaço podem ser caracterizados como a existência de duas ou mais leis potencialmente aplicáveis ao mesmo fato ou mesma relação jurídica em uma determinada situação, sendo que uma delas é de um ordenamento jurídico estrangeiro. Em outras palavras, um fato ou uma relação jurídica que gera efeitos em dois ou mais ordenamentos jurídicos. Por exemplo, o DIPr define a lei de sucessões de qual país será aplicada quando ocorrer a morte de um homem alemão, casado com uma mulher italiana, que possui bens no Japão e mora no Brasil. Assim, a causa do conflito de leis no espaço é a existência de elemento estrangeiro contido na relação jurídica, situação que se afigura cada vez mais cotidiana em função do atual cosmopolitismo humano impulsionado pela globalização econômica, cultural e política. Esses elementos estrangeiros são aqueles que dão a uma relação ou situação jurídica o 1 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educação:2018. p. 24. 2 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16. 6 caráter internacional. Exemplos que internacionalizam a relação jurídica de emprego são a nacionalidade do empregado e do empregador, o lugar da sede da empresa, o local da prestação de serviços e o foro da celebração do contrato. A principal função do Direito Internacional Privado é a solução de conflito das leis no espaço, isto é, a potencial aplicação dos diversos direitos aplicáveis (nacional ou estrangeiro) a uma mesma relação jurídica. Esse, inegavelmente, é o campo mais amplo e importante de seu objeto, o estudo dos princípios e regras que orientam o Juiz sobre a escolha da lei a ser aplicada. O conflito entre as legislações permanece, mas a situação concreta é resolvida mediante a aplicação de uma das leis, escolhida de acordo com as regras fixadas, seja pelo legislador, seja pela doutrina ou pela jurisprudência3. Essa situação pode ocasionar a flexibilização do princípio da territorialidade das leis na medida em que prescreve, em determinados casos, a aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. Importante enfatizar que mesmo que as normas desse ramo do Direito indiquem a aplicação de normas de direito material de natureza privada, a natureza de suas normas é de direito público, porque se dirigem ao juiz. Quanto a seu objeto, os franceses têm a concepção de que abrange quatro matérias distintas: a nacionalidade; a condição jurídica do estrangeiro; o conflito das leis e o conflito de jurisdições4. O DIPr resolve conflitos de leis no espaço referente ao direito privado, ou seja, determina o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. Ele não soluciona a questão jurídica propriamente dita, indicando, tão somente, qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado pelo juiz ao caso concreto (direito internacional privado stricto sensu). Como a aplicação desse tipo de norma jurídica depende de normas processuais específicas, isto é, das normas do direito processual civil internacional, considera-se que o direito internacional privado abrange também normas processuais respectivas na sua disciplina (direito internacional privado lato sensu)5. 3 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.1-5 4 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. p. 30. 5 RECHSTEINER, Beat Walter.Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17. 7 Entendendo-se que o DIPr regula relações privadas, sendo assim direito privado, mas o direito processual civil internacional pertence ao direito público, como o direito processual em geral, surge uma controvérsia. Segundo Bartin6, o DIPr é a projeção do direito interno sobre o plano internacional. A visão de Jacob Dolinger é similar, entendendo que o direito internacional privado não se restringe a instituições de direito privado, mas atua, igualmente, no campo do direito público. Dolinger preleciona que questões trabalhistas, fiscais, financeiras, monetário- cambiais, penais e administrativas assumem, igualmente, aspectos internacionais a exigir o recurso a regras e princípios do direito internacional privado7. No entanto, há unanimidade no entendimento de que as normas de direito internacional privado se destinam a resolver conflitos de leis no espaço, o que sempre pressupõe fatos, juridicamente relevantes, com conexão internacional8. 1.2. Fontes do DIP: leis, tratados internacionais, doutrina, jurisprudência e costume. Ao contrário do que ocorre no Direito Internacional Público que tem como principal fonte os tratados internacionais, o DIPr tem como sua principal fonte a lei nacional e a constituição do país em que a solução do conflito é buscada. Além disso, como em outros ramos do direito nacional, há outras fontes que serão utilizadas pelos juízes na elaboração de suas decisões: a) Leis. A lei é a fonte primária do direito internacional privado na grande maioria dos países. São elas que devem ser consultadas em primeiro lugar diante de uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. No Brasil, as regras básicas do direito internacional privado estão disciplinadas na Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro (LINDB), de acordo com a Lei n. 12.376/20109, que alterou a ementa do Decreto-Lei n. 4.657/42. Antes de sua vigência, a denominação oficial desse diploma legal era Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC) (Dec.-Lei n. 4.657, de 4-9-1942)10. Neste ponto, vale ressaltar que, mesmo 6 BARTIN, apud Yvon Loussouarn e Jean-Denis Bredin, Droit du Commerce International, 1969, p. 6, nota 4. 7 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.3 8 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 23. 9 LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. 10 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 82. 8 antes da aprovação da Lei n. 12.376/2010, a LINDB já era aplicada a todas as áreas do direito e considerada uma lei sobre todas as leis pela doutrina e jurisprudência nacional11. b) Tratados e Convenções Internacionais. São acordos internacionais, concluídos por escrito entre Estados e regidos pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica12. Cada país regula, individualmente, a incorporação do tratado internacional ao sistema jurídico interno13 e a sua ordem hierárquica dentro desse sistema14. No Brasil, após a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 200415, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mudou16, pois, conforme o novo art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais17. Antes da sua vigência, no Brasil, o tratado internacional, em regra, é negociado, assinado, aprovado, ratificado ou aderido, promulgado, registrado e publicado. Além disso, para poder vigorar no plano internacional, precisa obedecer aos critérios estabelecidos pelo próprio tratado. Internacionalmente um Estado é juridicamente vinculado a um tratado pela ratificação18. Esta se caracteriza como ato pelo qual o chefe de Estado confirma o tratado perante a comunidade internacional, aceitando seus termos19. O Brasil pode excluir ou 11 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. p. 94. 12 De acordo com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019. 13 REZEK, José Francisco. Direito internacional público; curso elementar, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998. p. 68-70. 14 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. p. 95-7 15 Emenda Constitucional 45. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. 16 Atualmente, o STF atribui aos tratados internacionais de direitos humanos caráter “supralegal”. Cf., nesse sentido, entre outros, STF, HC 94.013-7/SP, 1 ª T., j.10-2-2009, rel. Min. Carlos Ayres Britto, RT, 885:155-9, 2009. 17 De acordo com a nova redação do art. 109, V-A e § 5 º, da Constituição Federal> 109, V-A: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). 18 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 87. 19 Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual de direito internacional público, 12. ed., São Paulo, Saraiva, 1996, p. 25. 9 modificar o efeito jurídico de certas disposições de tratados multilaterais ou convenções mediante uma declaração unilateral, que é a reserva, se o próprio instrumento assim permitir. c) Jurisprudência. É reconhecida, tradicionalmente, como fonte jurídica no Direito Internacional Privado20. Esta pode ser levada em consideração quando a relação jurídica sub judice não pode ser decidida unicamente com base na legislação, na doutrina e na jurisprudência pátrias. No Brasil (e na América Latina como um todo), diferentemente da comunidade europeia, não há uma intensa atividade extraterritorial, de modo que a jurisprudência brasileira se limita praticamente a decisões sobre homologação de sentenças estrangeiras, exequatur em cartas rogatórias e processos de expulsão e de extradição. Portanto, considerando a escassez jurisprudencial, temos aqui um papel de destaque maior para a doutrina (obra teórica), enquanto os europeus e americanos voltam mais a atenção para a vivência prática21. d) Doutrina. Influenciou a evolução do Direito Internacional Privado em todas as partes do mundo, tendo elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do direito internacional privado. A doutrina nacional desempenha o papel de intérprete das decisões jurisprudenciais e de seu guia e orientador, para que os tribunais decidam as questões de DIPr22. e) Costume. No vigente Código Civil Brasileiro, o direito costumeiro só se aplica em caso de falta ou omissão da lei23. O elemento essencial à formação de uma regra do direito costumeiro internacional é o uso prolongado e geral, que consiste na prática uniforme e reiterada de atos com efeitos jurídicos, culminando na convicção jurídica de se tratar de uma regra de direito (opinio necessitatis), isto é, a certeza da imprescindibilidade da norma. É mister que seja suficientemente objetiva e clara, para ser reconhecida como regra de direito. Por fim, enfatiza-se que a fonte por excelência do Direito Internacional Privado é a leiinterna, ou seja, cada Estado tem competência para legislar sobre esta área do direito. No Brasil, a principal fonte do DIPr é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto- 20 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.64. 21 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. p. 96 -97. 22 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. p. 95. 23 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 10 Lei 4.657/1942), que trata do DIPr nos arts. 7° a 1724. Além dessa, é possível identificar na legislação nacional outros diplomas que abordam assuntos de interesse do DIPr, tais como a Constituição Federal, que trata da sucessão internacional no art. 5°, XXXI, e da competência do STJ em temas de cooperação judiciária internacional no art. 105, I, i, além do Código de Processo Civil, de 2015, que trata dos limites da jurisdição nacional, da cooperação internacional e do auxílio direto no seu Título II (artigos 21 a 41) e da homologação de sentenças estrangeiras e cartas rogatórias nos artigos 960 a 963. Já o tratado mais antigo no campo do DIPr ratificado pelo Brasil, e ainda em vigor, é o Código Bustamante, que é a denominação da Convenção de Havana de Direito Internacional Privado de 1928 e que funciona como um código internacional de DIPr. Algumas das principais organizações internacionais elaboradoras de regras do DIPr são: ⮚ A Conferência de Haia: é uma organização intergovernamental que trabalha para a unificação progressiva das regras de direito internacional privado, que tem atualmente 82 Estados-membros e que visa a elaboração de tratados que busquem a unificação do DIPr. É a grande referência na atualização multilateral do direito internacional privado. ⮚ Instituto de Direito Internacional, que é uma instituição privada que promove o estudo e o desenvolvimento do direito internacional e funciona por meio de sessões anuais e de comissões científicas. ⮚ Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit): É uma organização intergovernamental que tem por função estudar as formas de harmonizar e de coordenar o direito internacional privado entre Estados e preparar gradualmente a adoção, pelos diversos Estados, de uma legislação de direito internacional privado uniforme. 24 Decreto-lei 4.657. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 9, Nov. 2019. 11 Mapa Mental Fonte s Leis e CF Tratados Internacionais Doutrina Jurisprudência Costume 12 Referências Bibliográficas BARTIN, apud Yvon Loussouarn e Jean-Denis Bredin, Droit du Commerce International, 1969, p. 6, nota 4. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. Decreto-lei 4.657. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del4657.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. Emenda Constitucional 45. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Disponível em < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes - permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica - externa/EstCortIntJust.html >. Acesso em: 13, Nov. 2019. LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educação:2018. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. REZEK, José Francisco. Direito internacional público; curso elementar, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm 13 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. 14 2. Conflito de Leis no Tempo e no Espaço Os conflitos de leis no tempo ocorrem com o ingresso de uma nova lei no ordenamento jurídico com possível e consequente revogação de outras leis. Para isso, deve-se tentar visualizar, em um determinado caso concreto, qual lei deverá ser aplicada: se a anterior (revogada) ou a posterior (revogadora). Isso é o conflito de leis, ou seja, o conflito que pode surgir nos casos concretos em relação à aplicação de lei anterior ou posterior, em que vige a regra de que a lei posterior revoga a lei anterior naquilo que com ela é incompatível ou quando expressamente a revoga.25 Por outro lado, como vimos, nos conflitos de leis no espaço, aplicam-se principalmente os artigos 7º, 10, 12 e 17, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro26. Ao analisarmos a LINDB, vemos que é um instrumento que orienta a sua própria aplicação do direito em geral, definindo e compondo diferentes situações. Constituem uma base de suma importância para entendermos algo mais sobre o mundo jurídico, que constitui objeto da disciplina de Instituições de Direito Público e Privado. Assim, a LINDB é aplicável a todo o ordenamento jurídico, já que tem as funções de regular a vigência e a eficácia das normas jurídicas (arts. 1°e 2°), apresentando soluções aos conflitos de normas no tempo (art. 6°) e no espaço (art. 7° a 19), critérios de hermenêutica (art. 5°), estabelecer mecanismos de integração de normas, quando houver lacunas (art. 4°), garantir não só a eficácia global da ordem jurídica, não admitindo erro de direito (art. 3°) que a comprometeria, mas também a certeza, segurança e estabilidade do ordenamento, preservando as situações consolidadas em que o interesse individual prevalece (art. 6°). 25 Como consta do art. 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 12, nov. 2019. 26 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del4657.htm>. Acesso em: 12, nov. 2019. 15 2.1. Reenvio e Conflitos Positivos e Negativos Ao analisarmos os conflitos de leis no espaço podemos identificar conflitos denominados positivos e negativos. Quando uma relação jurídica é plurilocalizada, isto é, tem elementos que a conectam a mais de um ordenamento jurídico, os direitos dos Estados envolvidos se tornam potencialmente aplicáveis e competentes. Isso quer dizer que, em regra, mais de um direito pode ser aplicado a uma mesma situação de fato, gerando o chamado conflito aparente de normas que é solucionadopelo DIPr. Os conflitos se resolvem pela lex fori, isto é, pela aplicação das regras de DIPr previstas no local em que a pessoa busca a solução de sua lide perante o Poder Judiciário. Essas regras visam solucionar o aparente conflito, indicando qual o direito será aplicável para solucionar um problema no quadro previsto em lei, como por exemplo, a capacidade da pessoa, a validade de um casamento, ou qual a lei aplicável para reger a sucessão de uma pessoa falecida. Para decidir qual dos sistemas jurídicos deve ser aplicado, utiliza-se as regras de conexão do DIPr. Tratam-se de normas instrumentais, como se fosse uma seta indicativa do direito aplicável, e, neste, se aplicará as normas jurídicas que regulam o caso sub judice27. No DIPr brasileiro, por exemplo, quando se trata de determinar o direito aplicável à capacidade de uma pessoa, será adotada a lei do país em que ela for domiciliada. Contudo, em outros Estados, a DIPr determina a competência da lei aplicável como sendo a do país da sua nacionalidade, a chamada a lex patriae28. Há, contudo, hipóteses em que o DIPr de um Estado estabelece a competência do direito de outro país e a norma de DIPr deste último ordenará que se aplique o direito do primeiro Estado ou de um terceiro Estado. Por exemplo, se o país A considera aplicável a lei do país B, e, por sua vez, o país B considera aplicável a lei do país A, o país A remeteria para a lei do país B, e este, reenviando, devolvendo para a lei do país A29. Como, nesse caso, cada uma das legislações por seu DIPr considera inaplicável sua própria legislação, negando 27 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020, p. 396. 28 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.297. 29 Apud p. 298. 16 competência a seu próprio sistema jurídico para a solução de uma questão específica, chama- se conflito negativo. Uma das alternativas para solucionar os conflitos negativos é justamente através do retorno ou reenvio. 2.2. Teoria do Retorno ou Reenvio Como dito acima, quando um determinado país nega competência à sua própria lei e considera aplicável a lei de outro país, e o mesmo ocorrer no sentido inverso, levando a uma situação em que ambos os países remetam reciprocamente ao outro, dá-se o fenômeno chamado de reenvio ou retorno ou devolução. A Teoria do Reenvio é ainda muito discutida na doutrina internacional e, apesar de já aceita em muitos países, ainda vem com muitas restrições e exceções - além de ter muitas críticas. Quando no reenvio ocorrer a indicação da aplicação da lei do primeiro Estado (A) como sendo o competente na aplicação da Lei do Estado (B) ocorrerá o chamado reenvio de primeiro grau. O reenvio pode também ter caráter mais complexo, situação em que será chamado de reenvio de 2º grau, que é justamente quando o DIPr do país (A) remeter ao direito aplicável de país (B), e este, por sua vez, remeter à aplicação do direito ao país (C)30. É importante salientar que o reenvio é vedado pelo direito brasileiro, devendo o intérprete aplicar a lei estrangeira indicada pela regra de conflito nacional, sem que seja considerada qualquer remissão por ela realizada à aplicação de outro direito. Isto quer dizer que se o direito nacional indicar a aplicação do direito do Estado (B) será esse o direito aplicável, mesmo que as regras de conflito daquele Estado indiquem como a aplicável a de outro Estado.31 Mapa Mental 30 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.297-8. 31 “Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.”. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 12, Nov. 2019. 17 C o n fl it o s d e Le is Conflitos de leis no tempo Conflitos de leis no espaço conflitos positivos e negativos Reenvio 18 Referências Bibliográficas DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. 19 3. Aplicação das Normas do DIPr As Normas de Direito Internacional Privado integram a ordem jurídica interna de cada país e devem ser aplicadas pelo juiz de ofício. Na sua essência, elas designam o direito aplicável a relações jurídicas de direito privado com conexão internacional. Este sempre será ou o direito interno ou um determinado direito estrangeiro. Quanto à aplicação do direito interno, não há dúvida de que o juiz o aplique de ofício. No entanto, é assunto controvertido, na doutrina, o “como” o juiz deve aplicar o direito estrangeiro no processo32. A doutrina e a jurisprudência internacional predominantes frisam o dever do juiz de aplicar ex officio às normas que designam o direito aplicável a uma causa de direito privado com conexão internacional, questão essa que é incontroversa no Brasil33. Por vezes, o direito internacional privado da lex fori faculta às partes escolherem o direito aplicável a suas relações contratuais com conexão internacional, mesmo na pendência de um processo civil34. Sendo essa escolha juridicamente válida, o juiz deve respeitar a vontade das partes, considerando ser esta o próprio elemento de conexão, mediante o qual é determinado o direito aplicável à causa sub judice. O direito brasileiro regula, expressamente, como o juiz deve aplicar o direito estrangeiro35. O juiz brasileiro deve, em princípio, aplicar o direito estrangeiro de ofício. Com efeito, se não for adotada tal regra no processo, as normas de direito internacional privado designativas do direito aplicável qualificar-se-iam como imperfeitas, o que, na realidade, não é o caso36. O próprio direito internacional privado não faz restrições à aplicação do direito estrangeiro e não o discrimina em relação ao direito interno. Se o juiz não for obrigado a aplicar o direito estrangeiro de ofício, torna-se incerto se o direito designado pelas normas do direito internacional privado será, de fato, o aplicado no processo. Não existe qualquer garantia, nesse caso, de que a norma do direito internacional privado será aplicada como ela mesma 32 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 155 33 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. p. 224 34 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 156. 35 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 14: “Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”. 36 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 156-158. 20 ordena, razão pela qual incumbe ao próprio juiz tomar a iniciativa de aplicar o direito estrangeiro ao processo37. Como já realçado, aplicar o direito estrangeiro de ofício não significa que o juiz não tenha a faculdade de ordenar a colaboração das partes e determinar-lhes diligências para apuração do teor, da vigência e da interpretação do direito estrangeiro. De fato, emregra, o juiz não conhece tão bem o ordenamento jurídico estrangeiro quanto o direito pátrio que lhe é familiar. Por essa razão, justifica-se a necessidade da participação ativa das partes no processo quando inexistir, por parte do juiz, conhecimento certo do direito estrangeiro aplicável a uma causa com conexão internacional38,39. De acordo com o CPC 2015, cabe ao juiz determinar que as partes demonstrem o seu teor e a sua vigência nos autos do processo, como consta do art. 376: “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar”. Vale lembrar que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas em afirmar que o juiz deve aplicar o direito de acordo com as regras que o próprio juiz estrangeiro observaria em conformidade com o ordenamento jurídico vigente em seu país, e isso no interesse da concordância da decisão com o sistema jurídico alienígena40. Isto é, o juiz nacional deverá aplicar a lei estrangeira da mesma forma que o magistrado estrangeiro a aplica, de acordo com todo o seu ordenamento jurídico. 3.1. Estatuto Pessoal e Elementos de Conexão Quando um país adota como elemento de conexão a nacionalidade ou o domicílio da pessoa física, o direito aplicável se determina de acordo com esses dois princípios. Nesse caso, o objeto de conexão, correspondente a esses elementos de conexão, é o estatuto pessoal da pessoa física. O estatuto pessoal da pessoa física determina o direito aplicável às 37 Ibid., p. 26-8. 38 Ibid., p. 156. 39 No sentido de que a prova da lei estrangeira possa ser dispensada pelo magistrado vide: STJ, AgRg no REsp 1.139.800/SC, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 17-2-2009, DJe, 19-2-2010, 40 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 33-4. 21 suas relações pessoais de direito privado com conexão internacional41. No DIPr brasileiro a capacidade da pessoa é regulada de acordo com a lei de seu domicílio, conforme estabelecido pelo art. 7 da LINDB42. 3.2. Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica no Direito Internacional Privado O estatuto pessoal da pessoa jurídica determina a lei aplicável nas suas relações jurídicas internacionais de direito privado, e é denominado, pela doutrina, lex societatis. Assim sendo, regula a natureza jurídica da pessoa jurídica, a sua constituição, a sua dissolução e liquidação, bem como a sua capacidade de gozo ou de direito, aquela de exercício ou de fato, o seu nome comercial, a sua organização interna, particularmente da sociedade com os seus sócios, o regime jurídico da responsabilidade civil pela violação de normas do direito societário, a responsabilidade jurídica pelas dívidas da pessoa jurídica, a sua administração, gestão e funcionamento, a sua representação perante terceiros, a emissão de títulos e seu regime jurídico43. Consoante a teoria da incorporação, é aplicável a lei do lugar da constituição da pessoa jurídica. De acordo com a teoria da incorporação, os sócios fundadores possuem a faculdade de constituir a pessoa jurídica conforme o direito de sua escolha, ainda que esta não desenvolva as suas principais atividades no país da sua constituição. É sempre decisiva a sede estatutária ou aquela designada no contrato social da pessoa jurídica. Já a teoria da sede social determina como direito aplicável aquele do lugar da sede efetiva da pessoa jurídica, que se situa no lugar da sua administração real. A sede estatutária, ou aquela designada no contrato social da pessoa jurídica, tem de coincidir, obrigatoriamente, 41 Ibid., p. 106. 42 Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 18, Nov. 2019. 43 Ibid., p. 103. 22 com a sede efetiva para que se reconheça a sua capacidade jurídica44. No DIPr brasileiro, as pessoas jurídicas obedecem à lei do Estado em que se constituem45. 3.3. Qualificação A teoria das qualificações foi desenvolvida pelos juristas Franz Kahn (1861-1904), na Alemanha, em 1891, e Etienne Bartin (1860-1948), na França, em 1897 e atinge a norma indicativa ou indireta do direito internacional privado, afetando apenas o seu objeto de conexão, nunca o seu elemento de conexão46. Tendo o objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta de direito internacional privado conteúdo vago e aberto, a subsunção de uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional perante essa norma, eventualmente, pode causar dificuldades. Podem ocorrer dúvidas quanto a determinar se uma relação jurídica desse gênero deve ser subsumida a esta ou a uma outra norma indicativa ou indireta do direito internacional privado da lex fori. É justamente esse processo de subsunção a uma única norma indicativa ou indireta de direito internacional privado que caracteriza a qualificação47. É princípio básico que o juiz sempre aplica as normas do Direito Internacional Privado da lex fori. A qualificação focaliza de imediato o objeto de conexão de uma norma indicativa ou indireta de DIPr. Por esse motivo, na realidade, a qualificação deve ser feita conforme a lex fori48. A teoria da lex causae não leva em consideração o fato de que a qualificação precede, logicamente, à determinação do direito aplicável pelo juiz. Apenas quando a subsunção de uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional perante a norma adequada de direito internacional privado já foi feita é que é possível designar o direito aplicável49. 44 Ibid., p.109. 45 Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em: 18, Nov. 2019. 46 Ibid., p. 105. 47 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.310. 48 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 97. 49 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.311 23 3.4. Questão Prévia ou Incidental Questão prévia significa que o juiz não pode apreciar a questão jurídica principal sem ter- se pronunciado anteriormente a respeito de uma outra, que, pela lógica, a precede. O julgamento da questão jurídica principal pelo juiz depende de sua decisão anterior, referente à questão prévia50. Como exemplo, analisa-se a situação em que o de cujus teve o seu último domicílio no Brasil e deixou um filho cuja qualidade como tal é juridicamente duvidosa, é necessário avaliar, em primeiro lugar, a sua capacidade para sucedê-lo. Tão somente quando definida a sua qualidade de filho, nos termos da lei, será possível ao juiz decidir a questão jurídica principal, que é a sucessão do de cujus. Existem duas possibilidades para que o juiz determine o direito aplicável à questão prévia. Ou o juiz aplica o mesmo direito que empregará na questão jurídica principal,, caso em que o direito aplicável à questão prévia depende do aplicável à questão jurídica principal; ou ele determina o direito aplicável à questão prévia, independentemente da principal, reconhecendo assim a autonomia da questão prévia em face da questão jurídica principal. Importante ressaltar que decisões das autoridades judiciárias ou administrativas nacionais referentes ao estado de uma pessoa física (divórcio,adoção, reconhecimento de um filho) têm plena eficácia jurídica perante o direito interno, ainda que o direito estrangeiro aplicável à questão jurídica principal não as reconheça51. A mesma regra se aplica, também, a decisões estrangeiras do mesmo gênero, se os requisitos para o seu reconhecimento no país estiverem cumpridos. Na falta de uma regra definida, ou seja, de que o direito aplicável à questão prévia se determine independentemente da questão jurídica principal, o juiz, antes de tomar uma decisão, deve ponderar os interesses concorrentes no caso. A tendência do magistrado, provavelmente, será a de aplicar à questão prévia o mesmo direito estrangeiro aplicado à questão jurídica principal, se a relação jurídica de direito privado, em si, tiver conexão 50 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 123. 51 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 7º: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.”. 24 claramente predominante com a ordem jurídica estrangeira. Se, por outro lado, os interesses da lex fori forem preponderantes quanto ao objeto da questão prévia, o juiz aplicar-lhe-á essa lei52. Não existem, porém, regras mais precisas para determinar o direito aplicável à questão prévia. 3.5. Reenvio O direito aplicável em conflitos de leis no espaço é sempre o direito nacional ou um determinado direito estrangeiro que as normas do direito internacional privado da lex fori indicarem. Quando o direito estrangeiro é o aplicável, faz-se mister definir a extensão do seu conteúdo. No direito brasileiro, as normas do DIPr designam, como direito aplicável estrangeiro, tão só as normas substantivas ou materiais, excluindo assim as normas indicativas ou indiretas de Direito Internacional Privado do seu âmbito53. Por esse motivo, o juiz brasileiro não precisa levar em consideração o conteúdo do Direito Internacional Privado estrangeiro, conforme a legislação em vigor, quando julga uma causa de direito privado com conexão internacional54. Como se resolve a questão do reenvio de primeiro grau na doutrina e na jurisprudência? A regra geral é a de que o país A aceite o reenvio (devolução, retorno) do país B e aplique a lex fori, isto é, a lei substantiva ou material do foro55. O direito internacional privado do país A designa o direito do país B como o aplicável. O direito internacional privado do país B, por seu lado, indica o direito internacional privado do país C como o aplicável (reenvio de segundo grau). A situação torna-se problemática nesses casos, quando também o direito do país C não se declara aplicável. Tais casos são raros na prática. Para resolvê-los, as diversas legislações e a doutrina defendem várias soluções56. Quanto às convenções internacionais, caso não tratem, excepcionalmente, da questão do reenvio em si, em regra designarão o direito 52 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 123. 53 Lei de Introdução ao Código Civil, art 16: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”. 54 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 121. 55 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.282. 56 Ibid., p.288. 25 estrangeiro substantivo ou material, excluindo assim do seu âmbito o Direito Internacional Privado da ordem jurídica estrangeira57. No DIPr brasileiro há a vedação do reenvio em razão da aplicação do art. 16 da LINDB: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.” Portanto, deve ser aplicada a lei estrangeira sem que seja considerada eventual remissão que ela faça à aplicação de outro direito, seja ele o da lex fori (reenvio de primeiro grau) ou de um terceiro direito aplicável (reenvio de segundo grau). 57 Ibid. 26 Mapa Mental Aplicação das Normas do DIP Capacidade Pessoa Física - domicílio Pessoa Jurídica - local de sua constituição Qualificação Questão prévia Reenvio 27 Referências Bibliográficas DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del4657.htm>. Acesso em: 14, Nov. 2019. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1. 28 4. Elementos de Conexão Os elementos de conexão são parte da norma indicativa ou indireta do direito internacional privado que determinam o direito aplicável. Eles são definidos pelo direito internacional privado de cada Estado. 4.1. Definição e Função dos Elementos de Conexão Stricto sensu, o direito internacional privado refere-se às relações jurídicas de direito privado com conexão internacional. As regras de conexão são utilizadas nos casos que envolvem relação jurídica ou fato dotados de elemento estrangeiro, isto é, relações jurídicas que geram efeitos em dois ou mais ordenamentos jurídicos. As regras de conexão do DIPr são indiretas, pois não resolvem os problemas materiais nem as questões processuais, apenas o conflito de leis no espaço, através da indicação da lei a ser aplicada no caso concreto. 4.2. Território Art. 8° (LINDB) - Lex rei sitae "Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.” 58 Trata-se da regra de conexão lex rei sitae ou lex situs, sobre a qualificação dos bens e a regulação das relações a eles concernentes. Esta regra determina ser aplicável ao bem, a lei do lugar onde ele está situado, que é justamente a aplicação do princípio da territorialidade. O objeto de conexão da lex rei sitae é o regime jurídico geral dos bens. Assim, designa o direito aplicável quanto à aquisição, posse, aos direitos reais de tais bens59. O conceito dos bens, quando relacionados ao elemento de conexão da lex rei sitae, abrange tão somente os corpóreos (tangíveis). O direito 58 LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. 59 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.45. 29 aplicável concernente à cessão de créditos obrigacionais, p. ex., não é por ela determinado. Também com referência aos direitos da propriedade intelectual se prescinde da aplicação da lex rei sitae60. "Será preciso, ainda, não olvidar que a Iex rei sitae regulará tão somente os bens móveis e imóveis considerados individualmente (uti singuli), pertencentes a nacionais ou estrangeiros, domiciliados ou não no país. Quando forem elementos de uma universalidade, afastado estará tal critério, pois a lei normalmente competente para regê-los sob esse aspecto é aquela a que se subordina o instituto correspondente. Assim, os bens considerados uti universitas, como o espólio, o patrimônio conjugal, escapam à aplicação da lex rei sitae, passando a se reger pela reguladora da sucessão (Iex domicilii do autor da herança) (LINDB, art. 10), da sociedadeconjugal (LINDB, art. 7°)”61. 4.3. Domicílio: aquisição e perda de domicílio. Pluralidade e ausência de domicílio No Brasil, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, conforme redação dada pela Lei n. 12.376, de 30-12-2010, consagrou o princípio do domicílio para a solução de conflitos referentes à capacidade e ao direito de família: "Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.”. Atualmente, o critério está baseado no domicílio da pessoa: em outras palavras, a regra de conexão é a lex domicilii. Desse modo, a lei do domicílio do indivíduo determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. A Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional Privado foi assinada mas não ratificada pelo Brasil. Contudo pode ser utilizada como regra norteadora para solucionar questões relacionadas ao tema. O art. 2° da Convenção dispõe que o domicílio será determinado em tais circunstâncias e ordem: a) pelo lugar da residência habitual; b) pelo lugar do centro principal de seus negócios; c) na ausência 60 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 106. 61 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 317. 30 dessas circunstâncias, considerar-se-á como domicílio o lugar da simples residência; d) em sua falta, se não houver simples residência, o lugar onde se encontrar. No art. 6°, a Convenção determina: "quando uma pessoa tiver domicílio em dois Estados-partes, será considerada domiciliada naquele em que tiver a simples residência e, se tiver em ambos, preferir-se-á o lugar onde se encontrar.”62 §8º do art. 7°- Caracterização do domicílio "§ 8° Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.”. Aí têm-se a regra para determinação do domicílio da pessoa, que é o elemento de conexão para indicação da lei aplicável ao estatuto pessoal. Isto é, quando o domicílio for indeterminado, a pessoa será considerada domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. A residência habitual configura-se quando cumpridos determinados requisitos objetivos. Destarte, caracteriza-se como sendo o centro da vida de uma pessoa, ou seja, o lugar em que habita ou tem o centro de suas ocupações. Entretanto, aspectos subjetivos, tal como ocorre com a definição de domicílio, não são levados em consideração63. Na falta de uma residência habitual ou de um domicílio, o direito aplicável rege-se, em regra, de acordo com a lei do lugar da residência simples de uma pessoa. O indivíduo sem domicílio é conceituado pela doutrina como adômide. Mas sua caracterização é muito difícil, pois, como visto acima, se o domicílio do indivíduo for indeterminado, este será determinado pelo lugar de residência ou até mesmo onde se encontre. Para tal situação, Maria Helena Diniz (2011) diz tratar-se de um concurso sucessivo de elementos de conexão, pois, faltando o critério de conexão principal, que é o domicílio, a lei indica dois critérios de conexão subsidiários, ou seja, o do lugar da residência ou o daquele em que a pessoa se achar, destinados a funcionar sucessivamente na medida em que o anterior não possa preencher sua função64. 62 Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional Privado. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-44.htm>. Acesso em 12, Nov. 2019. 63 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 99. 64 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 293. 31 § 1º do art. 8º - Lex domicilii do proprietário "§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.”. O parágrafo cuida de uma regra de conexão subsidiária - a lei do domicílio do proprietário (lex domicilii do proprietário) -, aplicada quando os bens estiverem em situação de intensa mobilidade e trânsito, o que tornaria impossível sua localização espacial para fins de aplicação da lei indicada pela regra de conexão lex rei sitae. Assim, os bens móveis que estiverem em situação de intensa mobilidade terão como regra de conexão a lei do domicílio do proprietário. Ou seja, a qualificação desses bens e a regulação de suas relações serão determinados pela lei do domicílio do proprietário. § 2° do art. 8°- Lex domicilii do possuidor "§ 2° O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada”. Cuida de uma regra de conexão subsidiária - a lei do domicílio do possuidor (lex domicilii do possuidor) -, aplicada somente no tocante ao penhor, isto é, daquele que se encontrar com a posse direta da coisa empenhada, no momento da constituição dos direitos de garantia real. O objetivo de tal regra é dar maior segurança ao negócio, pois o credor, após a tradição do bem dado em penhor, será o possuidor direto. § 1 o do art. 9°- Lex loci executionis "§ 1 o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.”. Não se trata de regra de conexão subsidiária, mas sim de regra unilateral, pois determina a aplicação da lei brasileira no tocante à forma essencial para a validade da obrigação constituída no exterior e que será executada no Brasil (lex loci executionis). Leia- se aqui "forma essencial" como requisitos para validade do negócio jurídico. Ou seja, é a aplicação da lei da jurisdição em que se efetua a execução forçada de uma obrigação. 32 É interessante verificar que a regra do §1º não colide, mas sim reforça a regra geral de conexão locus regit actum (lei do local da realização do ato jurídico). Isso porque prescreve, além do respeito à forma essencial ditada pelo direito brasileiro, a aplicação da lei do local onde a obrigação se constituiu . Um exemplo disso é a exigência estipulada pelo art. 108 do CC/2002: um negócio constituído no exterior que envolva a constituição ou a transferência de direitos reais sobre imóvel, situado no Brasil, com valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país, dependerá para sua efetivação que se proceda à lavratura da escritura pública, caso não disponha a lei em contrário. Outro elemento de conexão tradicional no direito internacional privado é a regra da lex loci delicti commissi, aplicando-se às obrigações extracontratuais que induzem à responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos65. A lex loci delicti commissi corresponde à lei do lugar onde um ato ilícito foi cometido. Este pode ter sido praticado em vários lugares (ato ilícito a distância), seja dentro do território de um único país, seja em países diferentes. O lugar do ato propriamente dito não é idêntico ao do lugar onde o ato produz seus efeitos (na doutrina se considera, também, esse lugar como o local onde foi praticado o ato ilícito). Na prática, o campo de aplicação da lex loci delicti commissi é muito amplo. Os casos mais recentes de atos ilícitos (com conexão internacional) que ocorrem com maior frequência são aqueles causados por poluição ou outras emissões, de concorrência desleal e de violação dos direitos gerais da personalidade pela mídia66. 4.4. Autonomia da vontade, Escolha de lei e Eleição de Foro A autonomia da vontadedas partes, no direito internacional privado, significa que as próprias partes podem escolher o direito aplicável. O elemento de conexão aqui é a própria vontade manifestada pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional. O princípio da autonomia da vontade das partes não é, porém, fonte de direito original, desvinculada da ordem jurídica estatal. Também não é uma regra de direito costumeiro internacional67, pois é sempre a lex fori de cada país que decide se admite a autonomia da vontade das partes como elemento de conexão. À medida que um Estado 65 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.246. 66 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100. 67 Ibid., p. 109. 33 admite a autonomia da vontade das partes como elemento de conexão, é aplicável a lei designada pelas próprias partes, levando em consideração a sua vontade subjetiva, e não a vontade objetiva do legislador. Este determina, subsidiariamente, o direito aplicável na ausência de escolha do direito aplicável pelas partes68. A autonomia da vontade como regra de conexão no tocante aos contratos é adotada na maioria dos países na atualidade. Tal regra privilegia a flexibilidade e promove um ambiente propício aos negócios. A título de exemplo, tal regra encontra-se insculpida na Convenção de Roma de 198069 e na Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais de 199470. A autonomia da vontade apenas teria limitações ditadas pela ordem pública do país no qual o contrato seria executado. Isto é, faz-se necessário que a lei escolhida para reger o contrato não desrespeite a ordem pública do país-sede da execução do contrato. Leia-se aqui "ordem pública" como o conjunto de regras e princípios basilares de um certo ordenamento jurídico. O art. 9° da LINDB funciona como um limitador da autonomia da vontade, na medida em que determina que as obrigações serão reguladas pela lei do país onde forem constituídas. Ora, em tal quadro as partes não podem escolher a lei aplicável ao contrato já constituído. Todavia, se a lei do país onde a obrigação foi constituída permitir a autonomia da vontade sobre a escolha da lei incidente ao contrato, permitida estará a escolha da lei aplicável pelas partes, sendo limitada apenas pela ordem pública do país-sede da execução do contrato. A autonomia da vontade das partes no direito internacional privado distingue-se, fundamentalmente, da autonomia que o direito substantivo ou material interno de um Estado lhes concede. A primeira (autonomia da vontade das partes) tolera nos seus limites, inclusive, a derrogação de normas cogentes da última (direito substantivo ou material interno), desde que a relação jurídica tenha uma conexão internacional. 68 Ibid., p. 100 69 Convenção de Roma. Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A41998A0126%2802%29>. Acesso em 13, Nov. 2019. 70 Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019. 34 As regras gerais do direito internacional privado aplicam-se sempre aos casos perante os quais o direito aplicável é aquele decorrente da autonomia da vontade das partes. Sendo assim, a reserva da ordem pública interfere quando o direito escolhido pelas partes é um determinado direito estrangeiro que viola princípios fundamentais de direito da lex fori. Igualmente, as leis de aplicação imediata da lex fori impedem que seja aplicado in casu o direito estrangeiro escolhido pelas partes. Por outro lado, se um Estado estrangeiro exigir a aplicação de seu direito público a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, será exclusivamente o direito da lex fori que decidirá se o direito estrangeiro poderá ser levado em consideração71. Exceção se dá na Lei n. 9.307/9672 que dispõe sobre a arbitragem, que determina de forma expressa que as partes poderão escolher livremente as regras de direito a serem aplicadas na arbitragem. Assim sendo, em princípio as partes são autorizadas a escolher o direito aplicável, caso sejam vinculadas juridicamente a uma convenção de arbitragem. 4.5. Nacionalidade - Lex patriae Inicialmente, as Convenções de Haia adotaram a nacionalidade como elemento de conexão básico; na América Latina, o Código Bustamante permitiu às partes contratantes utilizarem a nacionalidade como principal elemento de conexão, no que se refere ao estatuto pessoal da pessoa física. A tendência moderna do direito internacional privado, porém, prefere os elementos de conexão do domicílio e da residência habitual àquele da nacionalidade, considerando-os, assim, como os principais elementos de conexão do estatuto pessoal da pessoa física. Entretanto, o princípio da nacionalidade mantém-se ainda como um elemento de conexão importante no direito internacional privado73. 71 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 107-110. 72 Lei 9.307. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019. 73 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. Pp. 33-34. 35 Quando uma pessoa física não possui nacionalidade, isto é, quando é apátrida, ou quando tem o status jurídico de refugiado, é aplicável a lei do seu domicílio ou, na falta de domicílio, a lei da sua residência74. 4.6. Condição Jurídica do Estrangeiro As regras jurídicas sobre a condição do estrangeiro são as normas substantivas diretamente aplicáveis às pessoas de nacionalidade estrangeira. Em relação às regras aplicáveis, no Brasil a própria Constituição já disciplina várias regras limitativas ou mesmo proibitivas para o estrangeiro75, que dispõe que compete privativamente à União legislar sobre “emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros76. As regras gerais e principais da condição jurídica do estrangeiro no Brasil estão resumidas em lei própria, a Lei de Migração77, que revogou o chamado “Estatuto do Estrangeiro”. Às vezes, ainda, a situação jurídica do estrangeiro está determinada apenas de forma mediata na lei. Nesses casos, cabe à jurisprudência a sua correta interpretação no caso concreto. 74Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, art.12. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4246.htm>. Acesso em 11, Nov. 2019. 75 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 37. 76 Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019. 77 Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2017/Lei/L13445.htm>. Acesso em 13, Nov. 2019. 36 Mapa Mental Referências Bibliográficas Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del5452.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. DIPr Elementos de Conexão Definição e função Território Domicílio Nacionalidade Autonomia da Vontade Condição Jurídica do estrangeiro 37 Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. Convenção de Roma. Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A41998A0126%2802%29>. Acesso em: 13, Nov.2019. Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional Privado. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B- 44.htm>. Acesso em: 14, Nov. 2019. Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, art.12. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4246.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 317. Lei 9.307. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 14, Nov. 2019. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado; parte geral. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1994. P.45. LINDB. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del4657compilado.htm> . Acesso em: 14, Nov. 2019. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17-18. 38 5. Aplicação da Lei Estrangeira: Natureza Jurídica Viu-se que, com a aplicação da regra de conexão, é possível determinar o direito material que vai regular o caso com elemento de estraneidade. Esse direito indicado pela norma indireta do DIPr pode ser tanto o nacional como o estrangeiro, isto é, em determinadas situações, o juiz brasileiro terá de aplicar o direito estrangeiro. Segundo Jacob Dollinger (2012), Caracterizada a norma estrangeira como lei e não fato, segue-se que sua ignorância não é admitida, que o juiz deve aplicá-la ex officio, que pode ser invocada a qualquer tempo, isto é, em qualquer fase do processo, e que, em nosso regime processual, pode ser objeto de recurso especial e de ação rescisória. O recurso especial se dará quando nossos tribunais negarem vigência à lei estrangeira competente, ou aplicando-a, lhe derem interpretação divergente da que lhe tenha sido dada por outro acórdão, também de tribunal brasileiro. 5.1. Proibição de Reenvio ou Devolução - Art. 16 da LINDB Como visto, o direito indicado pela regra de conexão e que incidirá no fato ou na relação jurídica com elemento estrangeiro é o direito material, tanto nacional como internacional. Todavia, juízes de alguns países aplicavam não o direito material do país estrangeiro, mas sim seu DIPr, o que possibilitava, em algumas situações, o reenvio ou retorno, ou seja, a regra de conexão estrangeira indicava a lex fori como apta a resolver o caso misto. Funciona como se a solução fosse enviada para o direito de certo país e o direito desse país a reenviasse (de volta ou para outro país). Em outras palavras, o reenvio é uma interpretação que despreza a norma material indicada pela regra de conexão e aplica DIPr estrangeiro para chegar a outra norma material, geralmente de índole nacional. O reenvio pode ser de distintos graus: a) reenvio de 1 o grau: refere-se a dois países, isto é, a legislação do país A remete à do país B, que reenvia para A; b) reenvio de 2° grau: refere-se a três países, situação em que a legislação de A remete à de B, que reenvia para C; c) e reenvio de 3° grau: refere-se a quatro países; é similar ao reenvio de 2° grau, com a diferença de que nesta a legislação de C remete à do país D. 39 Dentro desse quadro, ergue-se o art. 16 da LINDB que proíbe o juiz nacional de utilizar- se do reenvio. O juiz utiliza o DIPr brasileiro para determinar o direito material aplicável, e, se este for estrangeiro, caberá ao próprio magistrado aplicá-lo. Interessante é perceber que o instituto do reenvio é um desfigurador das regras de conexão, pois a estas cabe solucionar os conflitos de leis no espaço, e, a partir do momento em que o DIPr brasileiro indica o DIPr estrangeiro, ele não está cumprindo com sua função. 5.2. Prova do Direito Estrangeiro - Art. 14 da LINDB A aplicação da lei estrangeira, quando determinada pelo DIPr brasileiro, é uma obrigação do juiz, e não mera faculdade. Tanto é assim, que a doutrina brasileira tem entendimento robusto no sentido de aplicação ex officio do direito estrangeiro pelo magistrado. A dúvida que o art. 14 da LINDB cria é no tocante à prova do texto e da vigência do direito estrangeiro. Como a Lei de Introdução não disciplina a forma como deve se dar a prova do texto e da vigência do direito estrangeiro, é interessante vermos o que dispõe o art. 409 do Código Bustamante: ''A parte que invoque a aplicação do direito de qualquer Estado contratante em um dos outros, ou dela divirja, poderá justificar o texto legal, sua vigência e sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate.”. O Código Bustamante ainda traz outra maneira de proceder à verificação do texto e da vigência do direito estrangeiro, insculpida no art. 410 (pela via diplomática). E os Estados se obrigam a fornecer a informação requerida sobre o texto e a vigência de seu direito (art. 411 do Código Bustamante). Percebe-se que o juiz brasileiro terá o auxílio do Código Bustamante para bem aplicar o direito estrangeiro e utilizará o art. 14 da Lei de Introdução e o art. 376 do NCPC - que dispõe justamente que a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar - para exigir da parte que o invoca a prova de seu texto e de sua vigência, no caso de não o conhecer. A título conclusivo, pode-se dizer que o juiz deve aplicar ex officio o direito estrangeiro, caso o conheça. Do contrário, pedirá que as partes provem o texto e a vigência desse direito. Mas caso seja inviável a produção da prova do teor e da vigência de lei estrangeira, o juiz 40 brasileiro aplicará o direito nacional, pois o litígio não pode ficar sem solução (em função do princípio da proibição do non liquet). Cabe mencionar a Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro, de 1979, que, no âmbito da OEA, foi incorporada pelo Brasil na segunda Cidip. Por fim, deve-se dizer que a lei estrangeira, aplicada por força de dispositivo de Direito Internacional Privado brasileiro, se equipara à legislação federal brasileira, para efeito de admissibilidade de recurso especial, quando contrariada ou lhe for negada vigência pelo juiz nacional (STF, RE 93.131-í/MG, 2a T., j. 1 í.12.1981, rei. Min. Moreira Alves, DJ 23.04.1982). 5.3. Prova dos Fatos Ocorridos no Estrangeiro - Art.13 da LINDB A prova dos fatos ou atos ocorridos no estrangeiro deverá ser feita com base na lex loci. É a lei do país onde ocorreu o fato ou o ato que vai regular o procedimento probatório ( locus regit actum). O mencionado acima transmite uma parte da regra disposta no art. 13 da LINDB. A outra parte, que funciona como ressalva, dispõe que o juiz não poderá se valer das provas não admitidas pelo ordenamento brasileiro. "Não admitidas" aparece sublinhada no trecho anterior como forma de contrastar com o texto literal do art. 13, que se refere às provas que a lei brasileira não conheça. Se prevalecesse o texto literal, teríamos uma mitigação do direito da parte de defender-se por meio de todas as provas em direito admitidas. Portanto, deve ser aceito qualquer meio de prova, desde que lícito, conforme os ditames do ordenamento jurídico brasileiro, e que não viole a ordem pública (art. 1º “í” da LINDB). Ademais, o art. 369 do NCPC dispõe nesse sentido: "As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz". Nesse contexto, cabe apontar as Convenções da Haia sobre Direito Processual Civil de 1954 e sobre Obtençãode Prova no Estrangeiro em Matéria Civil e Comercial de 1910, além da Convenção Interamericana sobre Obtenção de Provas no Exterior de 1915, no âmbito da 41 OEA. Na Convenção Interamericana adotou-se a carta rogatória como instrumento para solicitações, entre juízes, de recebimento e de colheita de provas. 5.4. Interpretação do Direito Estrangeiro Quando o juiz nacional, por intermédio das regras de conexão, tem de aplicar direito material estrangeiro ao caso a ele apresentado, não poderá utilizar-se de métodos interpretativos oriundos de sua própria jurisdição. Ou seja, para bem aplicar o direito estrangeiro terá de interpretá-lo com base nos métodos utilizados no país de origem desse direito (art. 2° da Convenção sobre Regras Gerais de Direito Internacional Privado). Nesse sentido, o Código Bustamante, em seu art. 409, estabelece que, ao aplicar direito estrangeiro, o magistrado deve atentar-se à interpretação dada no país de origem, respeitando a posição doutrinária e jurisprudencial do local no qual emana a norma a ser aplicada78.Do contrário, seria prejudicada até mesmo a função do DIPr, pois o direito material indicado, mediante procedimento interpretativo, poderia ser aplicado de maneira muito disforme caso comparado com sua aplicação dentro do sistema jurídico de seu país de origem. Mapa Mental 78 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. p. 538. A p li c a ç ã o d a l e i e s tr a n g e ir a Proibição de reenvio ou devolução Prova do direito estrangeiro Prova dos fatos ocorridos no estrangeiro Interpretação do direito estrangeiro 42 Referências Bibliográficas Convenção sobre Regras Gerais de Direito Internacional Privado. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-1979-9-agosto-1996-435690- publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 2, mar. 2020. Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-18871-13-agosto-1929- 549000-publicacaooriginal-64246-pe.html>. Acesso em: 2, mar. 2020. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 283. DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense Ltda., 2020. LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2010/Lei/L12376.htm>. Acesso em: 13, Nov. 2019. 43 6. Limites à Aplicação do Direito Estrangeiro - Ordem Pública - Art. 17, LINDB. Dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 17 que: "Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. ” Percebe-se que existe um filtro em relação aos atos, leis, contratos e sentenças estrangeiras, pois tais só propagarão seus efeitos no Brasil se não ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Poderíamos englobar esses filtros na ideia de ordem pública, mais abrangente. A doutrina, por muito tempo, tentou estabelecer um conceito indubitável para ordem pública, o que restou infrutífero em função de sua abstratividade. Todavia, podem-se considerar ordem pública os valores compartilhados por uma dada sociedade em determinado corte temporal (sentido amplo). Pela ideia, percebe-se que é uma noção abstrata e dinâmica, pois se modifica conforme a evolução/involução cultural da sociedade de um país. Em outras palavras, são as ideias políticas, econômicas, culturais etc. compartilhadas por grande parte de uma dada sociedade ou, como dito no subitem 3.3.1, é o conjunto de regras e princípios basilares de um certo ordenamento jurídico (sentido jurídico). O juiz, ao julgar uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, aplica sempre as normas de direito internacional privado da lei do foro (lex fori). Essas normas resolvem, essencialmente, conflitos de leis no espaço, isto é, determinam qual o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. Se for aplicável o direito estrangeiro, o direito internacional privado da lex fori, em princípio, não leva em consideração o conteúdo desse direito79. Em toda parte do mundo, porém, os juízes não aplicam o direito estrangeiro, embora sendo o aplicável, se este viola, in casu, a ordem pública. No direito internacional privado brasileiro, a reserva da ordem pública está expressa no art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe o seguinte: “as leis, atos e 79 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 118 44 sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”80. A reserva da ordem pública é uma cláusula de exceção que se propõe a corrigir a aplicação do direito estrangeiro, quando este leva, no caso concreto, a um resultado incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna81. De fato, “denega-se, no Brasil, efeito ao direito estrangeiro que choca concepções básicas do foro, que estabelece normas absolutamente incompatíveis com os princípios essenciais da ordem jurídica do foro, fundados nos conceitos de justiça, de moral, de religião, de economia e mesmo de política, que ali orientam a respectiva legislação. É uma noção fluida, relativa, que se amolda a cada sistema jurídico, em cada época, e fica entregue à jurisprudência em cada caso”82. A ordem pública é um conceito aberto que, necessariamente, precisa ser concretizado pelo juiz, quando este julga uma causa de direito privado com conexão internacional. A doutrina distingue as reservas gerais das reservas especiais de ordem pública. As primeiras intervêm sempre que é aplicável o direito estrangeiro a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional83. Quando a reserva refere-se, tão somente, à determinada matéria de direito, costuma-se falar em reserva especial de ordem pública84. A função da ordem pública dentro do DIPr é defender o sistema de valores de determinado país. Isso porque, por exemplo, uma sentença proveniente de um sistema de valores diverso poderia vir a romper com os valores compartilhados pela nação. Destarte, mesmo se o DlPr brasileiro indicar o direito estrangeiro como aplicável ao caso misto, o juiz poderá afastá-lo para proteger a ordem pública. 80 LINDB. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 19 fev. 2022. 81 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 118. 82 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, 5. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980, v. 1.p. 496. 83 O art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro em vigor, constitui uma reserva geral da ordem pública. 84 Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, art. 7º, § 6º: “O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de um ano da data da sentença salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país.” 45 Assim, leis estrangeiras, atos ou negócios jurídicos celebrados no exterior (contrato, casamento, testamento etc.) e sentenças estrangeiras serão impedidos de irradiar efeitos
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