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Atenção no SUAS à Criança e ao Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência APOSTILA COMPLETA Significado dos Ícones da Apostila Para facilitar o seu estudo e a compreensão imediata do conteúdo apresentado, ao longo de todas as apostilas, você vai encontrar essas pequenas figuras ao lado do texto. Elas têm o objetivo de chamar a sua atenção para determinados trechos do conteúdo, com uma função específica, como apresentamos a seguir. Texto-destaque: são definições, conceitos ou afirmações importantes às quais você deve estar atento. Glossário: Informações pertinentes ao texto, para situá-lo melhor sobre determinado autor, entidade, fato ou época, que você pode desconhecer. SAIBA MAIS! Se você quiser complementar ou aprofundar o conteúdo apresentado na apostila, tem a opção de links na internet, onde pode obter vídeos, sites ou artigos relacionados ao tema. Quando vir este ícone, você deve refletir sobre os aspectos apontados, relacionando- os com a sua prática profissional e cotidiana. SUMÁRIO Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 1 6 Aula1: Breve histórico da assistência e proteção às crianças e a os adolescentes 7 Aula2: O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e a Lei nº 13.431/2017 18 2.1 Entendendo o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente 18 2.2 O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência 21 2.3 A Lei 13.431/2017 e o enfrentamento das violências e outras violações de direitos 23 2.4 O conceito de violência na lei 13.431/2017 24 2.5 Respeito à diversidade e a proteção contra a discriminação 31 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 35 Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 2 39 Aula1: Introdução à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência 40 Aula 2: Princípios norteadores da execução da escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 47 2.1 A escuta especializada no âmbito do SUAS 47 2.2 Acessibilidade: garantir a escuta especializada de crianças e/ou adolescentes com deficiência 58 2.3 A Escuta de povos e culturas tradicionais 66 2.4 O ambiente de realização da escuta especializada 69 2.5 Boas práticas para realização da escuta especializada 72 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 81 Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 3 85 Aula1: As políticas de atendimento integradas e as medidas de proteção 86 1.1 As diretrizes gerais que orientam a atuação do SUAS no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do AdolescenteVítima ou Testemunha de Violência 86 1.2 Medidas de proteção e assistência previstas na legislação 89 1.3 Crimes Tipificados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei 13.431/2017 98 Aula 2: A atuação do SUAS na rede de atendimento e proteção de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência 101 2.1 O princípio da matricialidade sociofamiliar 101 2.2 A oferta do SUAS: unidades e serviços 108 2.3 Gestão e Governança do SUAS no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência 113 2.4 A Intersetorialidade na Lei 13.431 115 2.5 Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes 120 2.6 Pacto Nacional pela Implementação da Lei 13.431/2017 122 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 125 Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 4 128 Aula1: Mapeamento da Rede de Proteção e Protocolos para atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência 129 1.1 Mapeamento e articulação da Rede de Proteção à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência 129 1.2 Protocolos a serem adotados pela rede socioassistencial no atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 136 Aula2: Propostas de fluxogramas e documentação para atendimento de criança e adolescente vítima ou testemunha de violência 142 2.1 Fluxos de atendimento à criança e/ou ao adolescente em situação de violência 142 2.2 A elaboração de documentos utilizados no atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 147 CONCLUSÃO 156 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS 157 6 Apresentação e Guia de Estudos do Módulo 1 Neste módulo, preparamos um breve histórico do atendimento de crianças e adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando como a legislação se complementa a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da adesão do Brasil à Convenção de Direitos das Crianças. Dessa forma, faremos uma pequena análise do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – com destaque para a garantia de direitos e a proposta de enfrentamento da violência, trazendo termos importantes para a compreensão deste documento. Consideramos, para este estudo, o conceito legal de criança e adolescente, qual seja, criança é a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Em seguida, estudaremos o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, seus atores, organização e equipamentos, dando destaque para a Rede de Proteção e a importância da intersetorialidade no atendimento e proteção de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Consequentemente, apresentaremos a Lei 13.431/2017 e o Decreto 9.603/2018, buscando conhecer a quem se destinam; as formas de violência elencadas; e a necessidade de se proteger grupos especiais com necessidades e realidades especiais. Para aprimorar os seus estudos, siga a seguinte ordem de estudos: • Leia, na apostila, a Aula 1 do Módulo 1. • Assista à aula narrada 1. • Faça os exercícios de fixação da Aula 1. • Leia, na apostila, a Aula 2 do Módulo 1. • Assista à aula narrada 2. • Faça os exercícios de fixação da Aula 2. • Faça o jogo interativo 1 na plataforma. Bons estudos! 7 Aula 1 Breve histórico da assistência e proteção às crianças e aos adolescentes Você deve estar se perguntando: por que trazer fatos históricos para este curso? Sabemos que os diversos tipos de violências praticadas contra crianças e adolescentes, tal qual as compreendemos hoje, sempre estiveram presentes na sociedade brasileira. Neste sentido, precisamos entender como as crianças e adolescentes adquiriram personalidade jurídica, isto é, deixaram de ser mero objetos, raramente contemplados nas leis, para se tornarem sujeitos de direitos. Existem relatos de viajantes que descrevem como, entre o século XVI até meados do século XIX, as crianças indígenas eram escravizadas da mesma forma que os adultos. Até mesmo depois que as leis indigenistas proibiram o trabalho escravo dos nativos brasileiros, crianças indígenas eram comercializadas como uma mercadoria nas cidades coloniais e, às vezes, pelos próprios pais. Em condições ainda mais desumanas, viviam as crianças trazidas da África em navios negreiros ou nascidas no Brasil em cativeiro. De acordo com Del Priori, cerca de 4% dos escravos que desembarcaram no Rio de Janeiro no século XVIII eram crianças menores de 10 anos. Enquanto não adquiriam a força necessária para o trabalho agrícola, essas crianças realizavam pequenos trabalhos domésticos e, assim que despertavam para a puberdade, muitas dessas meninas tornavam-se mucamas de seus senhores. Mucama era o nome dado à escrava que prestava serviços domésticos para seus senhores. Na maioria das vezes, eram jovens e belas e, em alguns casos, também serviam como ama de leite para os filhos de seus patrões. Também conhecida por mucamba ou mocamba, este tipo de escrava ainda tinha a obrigação de satisfazer sexualmente os seus senhores, se lhe fosse solicitado. Mesmo tendo um tratamento diferenciado em comparação ao restante dos escravos, a mucama também era alvo de ameaças e torturas constantes, caso descumprisse alguma ordem ou contrariasse aos comandos de seus superiores. Veja que o racismo, o machismo e a violência sexual estão presentesem nossa realidade social desde os primórdios da colonização e ajudam a explicar violências que acontecem atualmente. Fonte: MUCAMA. In: Significados, 2016. Disponível em: <https://www.significados.com.br/mucama/>. Acesso em: 03 fev. 2021. https://www.significados.com.br/mucama/ 8 Jean-Baptiste Debret ”Soldados índios da província de Curitiba escoltando selvagens”, 1834 Foto de Jorge Henrique Papf. Petrópolis, 1899. Coleção de G. Ermakoff. Podemos afirmar, então, que durante o período colonial (1530 a 1822) e imperial (1822 a 1889), existiam direitos da criança e do adolescente? O que se sabe é que, naqueles tempos, os serviços de assistência se resumiam a ações de caridade praticadas pela Igreja Católica, associações civis, aristocracia rural e mercantil e, de forma bem reduzida, pela Coroa Portuguesa e/ou Imperador. Isto é, somente após a independência do Brasil (1822) que as crianças e os adolescentes apareceram nos textos legais. Mesmo assim, nem a Constituição de 1824, nem a primeira Constituição da República Brasileira, em 1891, trouxeram qualquer garantia aos direitos da criança e do adolescente. Após eventos importantes, como a abolição da Escravatura (1888), o Estado permanecia omisso em relação à proteção à infância e juventude. 9 De fato, a legislação brasileira do final do século XIX e início do século XX enxergava a criança e/ou o adolescente somente do ponto de vista infracional, quando se tornavam um fardo, um incômodo ou um perigo para a sociedade. Prova disso é o Código Penal de 1890 que estabelecia que jovens de 9 a 14 anos que cometessem infrações deveriam ser internados em estabelecimentos disciplinares industriais. Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos” (Brasil. DECRETO 8.47, de 11 de outubro de 1890). A mudança de perspectiva veio com o Decreto 17.943-A, chamado de Código de Menores ou Código Mello Mattos, que: A roda dos expostos ou roda dos enjeitados esteve ligada a instituições de caridade como conventos, mosteiros, Santa Casas, que instalavam em seus muros uma espécie de mecanismo onde eram abandonados recém-nascidos ou crianças bem jovens, cujos pais não podiam ou não queriam criar. Geralmente, as crianças escravas não eram enjeitadas, pois seus senhores as vendiam antes disso. Formada por uma caixa dupla de formato cilíndrico, a roda foi criada no período colonial (1530 a 1822) e existiu até a década de 1960. A existência da Roda dos Expostos, e de formas similares na atualidade, nos remete à questão das violências perpetuadas em nossa sociedade, transfiguradas em cuidado e proteção, e que reforçam falsos conceitos e preconceitos. Fonte: DEL PRIORE, M. História da Criança no Brasil. 2004. Foto de Claudia Castro 10 • inovou no tratamento dado ao infante/púbere ao organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente; • definiu quais eram as hipóteses de abandono e as situações que a ela poderiam ser equiparadas; • ampliou as causas para suspensão e destituição do poder familiar; • estabeleceu as situações e justificativas de colocação dos menores sob guarda de terceiros e; • indicou as sanções a serem aplicadas aos pais ou responsáveis (PAULA, 2002, p. 19). Em se tratando de proteção constitucional, somente na Constituição de 1934 que se esboçou um direito da criança e do adolescente, quando se instituiu a proibição do trabalho para os menores de 14 anos. Em seguida, as Constituições de 1937 e 1946 ampliaram a proteção à infância, com artigos que buscavam ampará-la desde a gestação. Em todo o mundo, as ações direcionadas para a proteção da infância e da adolescência começaram a ganhar força na primeira metade do século XX. Enquanto a organização não- governamental International Union for Child Welfare deu início a uma campanha política e ideológica em favor dos direitos da infância, o Unicef prestava assistência às crianças dos países devastados pelas guerras. O resultado dessa atuação foi a elaboração e promulgação, em 1959, da Declaração Universal dos Direitos das Crianças pelas Nações Unidas. Poucos anos depois, o Brasil entraria em um período de Regime Militar (1964 a 1985) e a Constituição de 1967, e sua Emenda de 1969, trouxeram novas expectativas para a infância e juventude, tais como: • instituição da idade de 12 anos como idade mínima para iniciação ao trabalho; • obrigatoriedade e gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais para crianças de 7 a 14 anos. Constituição de 1937, art. 127: “A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades” (BRASIL. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937). Constituição de 1946, art. 164: “É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa” (BRASIL. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 18 DE SETEMBRO DE 1946). 11 Durante o governo militar, também foram criadas no Brasil as instituições de caráter assistencialista de amparo aos chamados “menores em situação irregular”, como a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (FUNABEM), de abrangência nacional; e as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), em âmbito estadual (VARGAS, Angelo Luis de Souza. Op. cit. p. 148). Neste mesmo período, foi promulgada a Lei 6.697/79, o novo Código de Menores, com a finalidade de assistir às crianças e aos adolescentes que viviam afastados daquilo que eram consideradas condições ideais de existência ou que se encontravam em situação sócio-educacional irregular ou de risco. De acordo com SOUZA (2002), o Código de Menores priorizava problemas de ordem pedagógica, educacional e de formação profissional, buscando disciplinar as atividades administrativas para a manutenção de uma estrutura burocrática capaz de acompanhar a vida dos seus recuperandos. Isto é, o Código de Menores fundamentava-se na Doutrina da Situação Irregular e era direcionado a um tipo específico de criança e adolescente, o delinquente ou infrator, e não a uma totalidade que deveria ser amparada por direitos. A própria definição de “menor em situação irregular” decretou a marginalização que até hoje acompanha o termo. SAIBA MAIS: Doutrina da Situação Irregular — Os destinatários dessa doutrina eram apenas algumas crianças e adolescentes, tão somente aquelas enquadradas em uma hipótese de situação irregular. Era apenas o “menor” que se inserisse nos quesitos “abandonado” ou “delinquente”, ou seja, que estivesse em alguma destas situações consideradas “irregulares”. Fonte: Estante Virtual Fonte: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo 12 O processo de redemocratização do Estado brasileiro, iniciado em 1985, teve como desdobramento a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Considerada por diversos países como uma das mais avançadas do mundo em termos de Direitos Civis, foi apelidada de Constituição Cidadã e inovou ao garantir, às crianças e aos adolescentes brasileiros, direitos essenciais que, até então, não lhes eram assegurados. O art. 227 chama a atenção por estabelecer que a responsabilidade de garantir os direitos de crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, é compartilhada entre Estado, famílias e sociedade: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvode toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 227). Pela primeira vez na história legislativa do Brasil, as crianças e adolescentes passaram a ter assegurados, em uma Constituição, seus direitos básicos e, o mais importante, tornaram-se, reconhecidamente, sujeitos de direitos e verdadeiros cidadãos. Entrava em cena a Doutrina da Proteção Integral. SAIBA MAIS: Doutrina da Proteção Integral — A ideia principal dessa doutrina é compreender as crianças e os adolescentes como sujeitos de Direito e não apenas objetos de tutela e intervenção. Dessa forma, eles passam a ser os titulares dos direitos elencados na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ademais, tanto na esfera pública quanto na esfera privada, todos devem observar os deveres a serem cumpridos a fim de garantir os direitos das crianças e adolescentes. E por que é tão importante a garantia desses direitos na Constituição Federal? Vejamos: uma Constituição é a lei máxima de um país, a mais importante, à qual estará vinculado todo o conjunto de normas e leis que regem um Estado. Sendo assim, o texto constitucional determina todos os direitos e deveres de um ordenamento jurídico, sendo fundamental para a organização da vida em sociedade. Qualquer outra lei criada ou promulgada no Brasil, deve respeitar tudo aquilo que está previsto constitucionalmente. Promulgada é o mesmo que publicada, declarada. Dessa forma, a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (UNICEF), realizada em 20 de novembro de 1989, teve de ser promulgada pelo Congresso Nacional brasileiro para ter validade em nosso país. Isto é, o Congresso precisava declarar que a Convenção à qual o Brasil aderiu não feria o texto constitucional. 13 SAIBA MAIS: Decreto Presidencial 99.710/90 promulgou o texto da Convenção, sobre os Direitos da Criança da ONU tornando obrigatório o cumprimento de seu Artigo 19, qual seja: “Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela”(BRASIL. DECRETO 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990). A Convenção sobre os Direitos da Criança pode ser considerada o primeiro instrumento jurídico internacional no que diz respeito aos direitos humanos da criança, pois estabeleceu normas extensas e abrangentes de como os estados signatários deveriam tratar, educar e proteger a criança, independentemente do contexto em que ela estivesse inserida. Assim, os países que aderiram a ela, dentre eles o Brasil, se comprometeram a estipular metas em relação à saúde, educação e assistência jurídica e social às crianças e aos adolescentes. Como a Constituição brasileira já havia adotado a Doutrina da Proteção Integral, era necessário a criação de uma lei que complementaria o texto constitucional e cumpriria as metas estabelecidas pela Convenção. Foi assim que o Congresso brasileiro editou a Lei 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, com o objetivo de tratar com particularidade a questão da criança e do adolescente Logo no Art. 1º do ECA, fica claro que a lei trata da proteção integral à criança e ao adolescente. Em seguida, o Art. 2º determina o conceito e explica o que considera como criança e como adolescente: ECA, 1990, Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (BRASIL. LEI 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990). Criança Adolescente 14 Não é a pretensão deste módulo trabalhar, isoladamente, cada direito da criança e do adolescente garantido pelo ECA, pois não é este nosso objetivo. No esquema a seguir, procuramos ilustrar o Estatuto da Criança e do Adolescente mapeado, com a finalidade de facilitar o entendimento da estrutura desta lei. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LEI 8.069/1990 Direitos Fundamentais – Art. 7º ao 69 Artigos Finais – Art. 259 ao 267 Adequação e promulgação do Estatuto Crimes e Infrações Administrativas – Art. 254 a 258 Crimes e infrações referentes às crianças e adolescentes; de�nições e penas. Política de atendimento – Art.86 ao 97 Políticas básicas; municipalização do atendimento; participação popular; conselhos; fundos articulação de ações; mobilização; regras de atendimento e �scalização. Medidas de proteção – Art. 98 ao 102 Medidas aplicadas pelo Conselho Tutelas ou poder judiciário por ação ou omissão da família, Estado ou sociedade ou pela ação da própria criança e adolescente Conselho Tutelar – Art. 131 ao 140 De�nições e atribuições. Acesso à justiça – Art. 141 ao 224 Atribuições do poder judiciário; regras para destituição do pátrio poder; colocação em família substituta; apuração de ato infracional; �scalização de entidades; proteção e interesses individuais, coletivos e difusos. Ato infracional – Art. 103 ao 128 De�nição de ato infracional; privação de liberdade pro �agrante ou ordem judiciais; garantias processuais; medidas sócio-educativas Medidas aos pais ou responsáveis – Art. 129 e 130 Encaminhamen- tos para auxílios, orientação e acompanhamen- tos. LIVRO 1 PARTE GERAL DISPOSIÇÕES PRELIMINARES LIVRO 2 – PARTE ESPECIAL ARTIGOS FINAIS Direito à vida e à Saúde – Art. 7º ao 14 Pré Natal; aleitamento materno; Vacinação; acompanhamento dos pais; registros hospitalares. Direito à Liberdade, ao Respeito e à dignidade – Art. 15 ao 18 Direito de ir e vir; opinião; crença, brincar; Vida familiar e comunitária; participação. Direito à pro�ssionalização e proteção – Art. 60 ao 69 Proibição de trabalho para menores de 14 anos; aprendiz com 16 anos; trabalhador após os 16 anos; proteção no trabalho. Prevenção – Art. 70 ao 85. Dever de todos; proibição de venda de produtos e regulamentação para espetáculos e viagens. Direito à convivência familiar e comunitária – Art. 19 ao 52 Igualdade entre �lhos adotados e naturais; Família natural e substituta; guarda. Direito à educação, cultura, esporte e lazer – Art. 53 ao 59 Educação para a cidadania e trabalho; Igualdade no acesso à educação; ser respeitado no âmbito escolar; direito à matrícula; escola é obrigada a noti�car suspeitas de maus tratos e violência. Fonte: Elaboração própria. 15 Já aprendemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu os princípios de proteção à infância e à adolescência amparando-se na Doutrina da Proteção Integral, claramente destacada no Art. 3º: ECA, 1990, Art. 3º - “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (BRASIL. Lei nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990). De forma abrangente, o Estatuto classifica os direitos e garantias da infância e da adolescência, porém não especifica quais são as formas legais de enfrentamento aos diversos tipos de violência contra a criança e ao adolescente. O Art. 5º garante que nenhuma criança ou adolescente poderá ser objeto de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e que aquele que atentar contra esse direito fundamental poderáser punido por ação ou omissão, na forma da lei. Ao utilizar o termo “na forma da lei”, abre-se espaço para a edição de uma lei específica para estes casos, já que o Estatuto não trata a questão de forma detalhada. Com o avanço dos direitos e garantias fundamentais e o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, o enfrentamento das violações praticadas contra a infância e a adolescência tornou-se prioritário. Por esta razão, surgiu a necessidade de se criar uma lei específica para garantir a proteção das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. É este o assunto que estudaremos na próxima aula. 16 HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL 1530 a 1822 Crianças e adolescentes negras e indígenas eram escravizadas e comercializadas. 1927 Lei de Assistência e Proteção aos Menores, conhecida como Código de Menores, é consolidada pelo Decreto 17.943-A; Maioridade penal de 18 anos. 1937 e 1946 Ampliação da proteção à Infância: Cuidado desde à gestação. 1959 Declaração Universal dos Direitos das crianças, nas Nações Unidas e reconhece os direitos das crianças à educação, à brincadeira, a um ambiente favorável e a cuidados de saúde. 1979 Lei 6697/79. Novo Código de Menores, antecipa a doutrina da proteção integral. 1890 Código Penal estabelece que jovens de 09 a 14 anos podem ser internados em estabelecimentos disciplinares industriais. 1934 Proibição do trabalho para menores de 14 anos. 1950 No dia 9 de julho, a UNICEF assina seu primeiro programa de cooperação com o Governo do Brasil. 1969 Instituição da idade de 12 anos para iniciação ao trabalho. Obrigatoriedade e gratuidade do ensino para crianças de 07 a 14 anos. 17 Fonte: Elaboração Própria. 1989 Convenção Internacional dos Direitos da Criança: Normas de como as crianças deveriam ser tratadas, educadas e protegidas. 1992 O Brasil assina o Pacto pela Infância. 2017 No ano de 2017 Brasil aprova a Lei 13.431/2017 estabelece o SGDCA, a Escuta Especializada e o Depoi- mento Especial (rati�cando o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre um procedimento de Comuni- cações). 1988 Elaboração da Constituição de 1988 (Constituição Cidadã). Inclui um artigo especí�co sobre os direitos das crianças, o artigo 227, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. 1990 Aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2004 O Brasil rati�ca o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, a Prostituição Infantil e a Pornogra�a Infantil e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de Crianças em Con�itos Armados. 2018 Decreto 9.603/2018, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. 18 Aula 2 O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e a Lei nº 13.431/2017 2.1 ENTENDENDO O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Como vimos na aula anterior, a adoção da Doutrina da Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro promoveu inúmeras mudanças nas práticas de assistência à criança e ao adolescente. Uma das mais importantes diz respeito à “desjudicialização” do atendimento à criança e ao adolescente (DIGIÁCOMO, 2014). Mas o que isso quer dizer? A desjudicialização significa que a interferência judiciária deve ocorrer apenas em situações excepcionais, priorizando o atendimento no âmbito das políticas públicas com a articulação entre ações governamentais e não-governamentais (art. 86 da Lei 8.069 de 1990). Dessa forma, a política de atendimento às crianças e adolescentes passa pela atuação conjunta de diversos órgãos, com atribuições específicas e diferenciadas, que dividem a responsabilidade de promover e efetivar os direitos infanto-juvenis e defendê-los. Para tanto, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) tem o papel de assegurar e viabilizar esses direitos, prevenir a ocorrência de ameaças e violações e atender e solucionar os casos em que os direitos das crianças e dos adolescentes são ameaçados e/ou violados. É importante destacar que o SGDCA não é uma instituição, mas sim um conjunto de ações nas quais cada órgão conhece o seu papel e dos demais, promovendo a articulação e o complemento desses papéis (REZENDE, 2014). Sendo assim, o SGDCA é um conjunto articulado de agentes e órgãos (governamentais e não-governamentais) que atuam na garantia dos direitos infanto- juvenis, tendo como base a política de atendimento deliberada e aprovada pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs). Neste sistema, nenhum órgão e/ ou agente é mais importante que o outro, pois todos se complementam. 19 Para melhor compreensão, as ações do SGDCA podem ser divididas em três eixos: • EIXO 1 - Promoção dos direitos da criança e do adolescente: é a elaboração e implementação da política de atendimento nos órgãos envolvidos de forma transversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas para a sua realização (BRASIL, 2006). Embora a elaboração e implementação seja uma responsabilidade dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, é indispensável a participação de todos os órgãos envolvidos para se definir metodologias, orçamento, conceitos, entre outros aspectos (DIGIÁCOMO, 2014). • EIXO 2 - Defesa dos direitos da criança e do adolescente: caracteriza-se pela garantia de acesso à Justiça, isto é, aos órgãos judiciais e mecanismos jurídicos necessários para assegurar os direitos humanos das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 2006). Além disso, este eixo direciona a responsabilização nas esferas administrativa, civil e criminal daqueles que violam os direitos infanto-juvenis. • EIXO 3 - Controle de efetivação dos direitos da criança e do adolescente: é o monitoramento sobre as ações públicas de promoção e defesa dos direitos infanto-juvenil (BRASIL, 2006). Essa constante avaliação é realizada com a igualdade de participação da sociedade civil e das instâncias públicas colegiadas. Assim, observamos que os conselhos dos direitos da criança e do adolescente e conselhos setoriais de políticas públicas são instituições de destaque nesse eixo (Elaboração própria com base na Resolução 113 de 2006 do CONANDA). Neste ponto, precisamos recordar que o Art. 88, inciso I da Lei 8.069 de 1990, determina a municipalização da política de atendimento à criança e ao adolescente, ou seja, grande parte das instituições que compõem o SGDCA são de âmbito municipal, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS), os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), os Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), entre outros. Mas isso não significa que seja uma exclusividade, já que o Sistema conta com equipamentos estaduais, como os Centros Estaduais de Atenção Especializada (CEAEs), hospitais e maternidades; Serviços Regionais de Assistência Social como CREAS e serviços de acolhimento, além dos Sistema de Segurança Pública (polícia civil, polícia militar, etc.), o Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, etc.) que são equipamentos estaduais. Conhecendo os eixos de atuação do SGDCA, podemos identificar os órgãos e atores que o compõem. Tendo em vista a extensa lista de equipamentos e/ou entidades e atores, buscamos apresentá-los conforme o eixo de atuação ao qual fazem parte. A imagem abaixo expõe essa relação: 20 Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente Promoção AçõesAtores Conselhos de Direitos (CMDCA) Desenvolver política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente de maneira transversal e intersetorial; Promover serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais; Promover serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitoshumanos, medidas socioeducativas e assemelhadas Saúde, esporte, educação, cultura e lazer e demais politicas setoriais. Pessoas que dedicam ao atendimento direto de direitos, prestando serviços públicos e/ou de relevância pública Conselhos de Direitos (CMDCA) Juizados da Infância e Ministério Público, das defensorias públicas, advocacia geral da união e procuradorias gerais dos estados. Garantir os direitos através da proteção legal, o acesso à justiça, a responsabilização. Conselho Tutelar Polícia Civil e Militar Organizações da sociedade civil Ouvidorias e corregedorias Acompanhar, avaliar e monitorar as ações de promoção e defesa dos direitosConselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas Organizações da sociedade civil Órgãos e os poderes de controle interno e externo Fóruns de discussão e controle social. Cidadãos AçõesAtores AçõesAtores Controle Defesa Figura 3: Elaboração própria com base em informações da Resolução Nº 113 de 2006 do CONANDA. 21 Além disso, precisamos compreender que no interior do SGDCA existe uma variedade de sistemas que regem as políticas sociais, como os de saúde, de educação, de assistência social, de segurança pública, etc; e aqueles que tratam de situações peculiares, como Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, que veremos a seguir. 2.2 O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência é uma espécie de subsistema do SGDCA, que tem por objetivo garantir a proteção e o atendimento qualificado, efetivo e eficaz às crianças e adolescentes que passaram por situação de violência. Este subsistema foi implementado pela Lei 13.431 de 2017. Além disso, é amparado pela Resolução 113 de 2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), tendo em vista que por se tratar de um desdobramento do SGDCA geral, o conteúdo expresso na referida resolução se estende a esse subsistema (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2018), de modo que esse também se funda na articulação entre as instâncias governamentais e sociedade civil na busca pela promoção, defesa e controle de efetivação dos direitos do grupo infanto-juvenil (BRASIL, 2006). A imagem, a seguir, nos permite visualizar essa articulação: SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEGURANÇA PÚBLICA SAÚDE JUSTIÇA EDUCAÇÃO CONSELHO TUTELAR CONSELHOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL CONSELHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA CONSELHOS DE SAÚDE CONSELHOS DE EDUCAÇÃO Fonte: Figura elaborada pelas autoras a partir de informações contidas na Lei 13.431/2017 22 Observem que o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência compreende múltiplas instituições e atores que se baseiam em duas dimensões primordiais: Proteção da criança e do adolescente (Dimensão Protetiva) Identificação e responsabilização (criminal/infracional, civil e administrativa) do autor da violência (defesa e responsabilização) E para garantir que esses propósitos sejam plenamente eficazes, o sistema de atendimento deverá ter as seguintes características: • Deve ser articulado, baseando-se nos princípios da integralidade e da intersetorialidade. E aqui estão dois conceitos importantes para quem atua diretamente nesses atendimentos. • Deve ter intervenção imediata. Isto é, o atendimento, seja na esfera protetiva ou de defesa e responsabilização, deve ser prestado imediatamente após a revelação da situação de violência. Dessa forma, deve ser considerada a garantia de prioridade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 4). Além disso, é preciso que a intervenção profissional seja planejada, qualificada e comprometida com o princípio da proteção integral e deve ser a menor possível, de forma, que ações promovam o mínimo de alterações no âmbito da dinâmica familiar e na vida das crianças e adolescentes (DIGIÁCOMO, DIGIÁCOMO, 2018). • Deve promover campanhas preventivas, como campanhas de conscientização (Art. 70-A do ECA), e ações pontuais, como o trabalho com as famílias sobre violação dos direitos infanto-juvenis 23 SAIBA MAIS: INTERSETORIALIDADE O conceito de intersetorialidade refere-se à ideia de instituições e atores diversos que, com diferentes saberes, domínios, ações e poderes, trabalham em conjunto nos casos que lhes são encaminhados. (BOURGUIGNON, 2001; PEREIRA; TEIXEIRAS, 2013). INTEGRALIDADE O conceito de integralidade diz respeito ao atendimento integral, isto é, um atendimento que busca ofertar respostas às variadas demandas de forma completa e total. (BOURGUIGNON, 2001; PEREIRA; TEIXEIRAS, 2013). COMO OS CONCEITOS SE RELACIONAM? A partir desses dois conceitos, podemos perceber como eles se complementam para garantir um atendimento integral mediante a articulação de atores e órgãos diversos (Elaboração própria com base em Bourguignon (2001), Pereira e Teixeiras (2013)). 2.3 A LEI 13.431/2017 E O ENFRENTAMENTO DAS VIOLÊNCIAS E OUTRAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS Na aula anterior, vimos que o Estatuto da Criança e do Adolescente não esgotou a questão do enfrentamento da violência. Também vimos que, atendendo às necessidades sociais, editou- se uma lei específica para a proteção das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Tal lei, origina-se de um processo de debate em torno da revitimização de crianças e adolescentes durante o processo legal de apuração de situações de violência, especialmente na inquirição de crianças e adolescentes em razão de violência sexual (abuso, exploração sexual e tráfico de pessoas), e se baseia em experiências internacionais. Trata-se da Lei 13.431/2017 que, posteriormente, foi regulamentada pelo Decreto 9.603/2018. Esses são os principais instrumentos jurídicos que nortearão a atuação dos/das trabalhadores/trabalhadoras do SUAS nos casos em que crianças e adolescentes sejam vítimas ou testemunhas de violência. A Lei 13.431/2017 foi impulsionada por demandas de entidades do campo de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, com o objetivo de reconfigurar a maneira como crianças e adolescentes são atendidos pelo sistema de Justiça e órgãos de investigação, mas também pelos órgãos do sistema de proteção social. Entre outras medidas, estabelece os princípios para a escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com foco na redução de procedimentos revitimizantes e cria mecanismos para prevenir e coibir a violência. Deste modo, o grande desafio desta lei é fazer com que instituições distintas, com objetivos específicos, modos de atuar diferentes e, até mesmo, de poderes diferentes, consigam atuar de maneira integrada. Por hora, precisamos compreender que o maior desafio e a maior inovação da Lei 13.431/2017 é a garantia de que as crianças e adolescentes que vivenciaram experiências violentas não sejam revitimizadas. Estudaremos, detalhadamente, a questão da revitimização no Módulo 2. 24 Primeiramente, precisamos entender o seguinte: a Lei 13.431/2017 e o Decreto 9.603/2018 são destinados a todas as crianças e adolescentes? Sim, considerando seu caráter preventivo. Mas se pensarmos na designação das responsabilidades específicas para a Rede de Proteção, esses dois instrumentos são destinados para crianças e adolescentes que foram vítimas ou testemunhas de violência, criando mecanismos para prevenir ou coibir as manifestações violentas. O que não quer dizer que essa categoria, vítimas e testemunhas de violência, não esteja incluída no sistema de garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tanto a Lei 13.431/2017 como o Decreto 9.603/2018,são complementos do ECA e, tais como o Estatuto, deixam evidente a questão da proteção integral e da prioridade absoluta dos direitos fundamentais. Mas além de complementar o ECA, a Lei 13.431/2017 chama a atenção para a obrigatoriedade dos entes da administração pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) desenvolverem políticas INTEGRADAS e COORDENADAS, com o sistema de justiça e segurança pública, com o objetivo de garantir os direitos humanos da criança e do adolescente em todos os âmbitos de sua vida. Isto significa que o Estado torna-se responsável pela criação das chamadas “Redes de Proteção”, que estudaremos mais adiante. Neste momento, nos compete compreender o que a lei veio resguardar, ou seja, de que forma a lei garantirá o enfrentamento da violência praticada contra crianças e adolescentes. 2.4 O CONCEITO DE VIOLÊNCIA NA LEI 13.431/2017 De acordo com dados do Disque 100 e Ligue 1801, até o mês de setembro de 2020 foram contabilizadas 73.310 denúncias de violência praticada contra crianças e adolescentes. Um aumento de 12,4% em relação ao mesmo período de 2019. As principais violações praticadas contra crianças e adolescentes foram negligência, violência psicológica, violência física e violência sexual, sendo que uma mesma denúncia pode conter mais de um tipo de violação. Por exemplo, em um mesmo caso, como veremos adiante, pode-se encontrar aspectos de negligência, violência física e psicológica. Outro dado relevante, diz respeito aos autores dessas violências, já que grande parte das situações se referem a violações praticadas por pais, familiares ou outras pessoas responsáveis pelo cuidado, no ambiente doméstico, conforme dados do disque 100. Isso significa que a família, apesar de ser o principal espaço de cuidado e proteção, também figura como principal responsável pelas práticas de violências contra crianças e adolescentes, seja por vivência de vulnerabilidades e riscos, ou até mesmo por questões ainda intrínsecas em nossa sociedade, como a legitimação do “bater para educar” e outras violências e violações de direitos, que partem do machismo e do racismo. Em um país com a dimensão territorial do Brasil e cuja formação cultural e social é marcada pela diversidade, é de se aceitar que essas questões reflitam na questão da heterogeneidade familiar, criando espaços para olhares diversificados sobre afetividade, educação, princípios, etc. No módulo 3 deste curso, retomaremos este debate sobre a família como espaço contraditório de proteção e desproteção. 1 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Disque 100: canal de denúncias de violação de direitos humanos é ampliado durante a pandemia. In: BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Casa Civil. Brasília, 26 ago. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2020/agosto/disque-100-canal-de-denuncias-de- violacao-de-direitos-humanos-e-ampliado-durante-a-pandemia. Acesso em: 3 abr. 2021. https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2020/agosto/disque-100-canal-de-denuncias-de-violacao-de-direitos-humanos-e-ampliado-durante-a-pandemia https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2020/agosto/disque-100-canal-de-denuncias-de-violacao-de-direitos-humanos-e-ampliado-durante-a-pandemia 25 Foi considerando as denúncias de violência praticadas contra crianças e adolescentes no decorrer dos anos e o reconhecimento da necessidade de modernização e integração de práticas para a efetiva proteção, evitando a revitimização, que a Lei 13.431/2017 foi formulada, ampliando o SGDCA. Mas qual vem a ser o papel do SGDCA em situação de violência? A resposta para esta questão encontra-se explícita no Decreto 9.603/2018: Decreto 9.603/2018, Art. 3º - O sistema de garantia de direitos intervirá nas situações de violência contra crianças e adolescentes com a finalidade de: I - mapear as ocorrências das formas de violência e suas particularidades no território nacional; II - prevenir os atos de violência contra crianças e adolescentes; III - fazer cessar a violência quando esta ocorrer; IV - prevenir a reiteração da violência já ocorrida; V - promover o atendimento de crianças e adolescentes para minimizar as sequelas da violência sofrida; e VI - promover a reparação integral dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL. Decreto 9.603, de 10 de dezembro de 2018). Esses são os objetivos primordiais da Lei 13.431/2017 e, no momento de sua elaboração, foi importante nominar os tipos mais comuns de violências praticadas contra crianças e adolescentes. Isto é, as formas de violência qualificadas na lei, são aquelas que motivaram sua criação, que estão no dia a dia do SUAS e que tanto carecem de assistência. As violências qualificadas foram a física, psicológica, sexual e institucional, que serão discutidas a seguir, a partir do artigo 4º da Lei 13.431/2017. I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico. Vejamos o caso do menino Bernardo, amplamente divulgado na mídia. Bernardo tinha 11 anos e foi encontrado morto às margens de um rio. O atestado de óbito do menino aponta que ele foi morto de “forma violenta”, já que os legistas encontraram uma dosagem alta de Midazolam em seu corpo, droga usada para sedar pacientes em situações como a realização de endoscopia. Em doses elevadas, o remédio tira a capacidade respiratória do organismo. Bernardo chegou a procurar a Justiça, sozinho, para relatar que sofria diversos tipos de violência por parte de seu pai, o médico Leandro Boldrini, e sua 26 madrasta. Mas o juiz da Vara da Infância e Juventude determinou que ele continuasse morando com o pai, mesmo após o Ministério Público (MP) instaurar uma investigação por negligência afetiva e abandono familiar. O pai, a madrasta, uma amiga dela e seu irmão foram presos e condenados pelo crime. Se esta situação ocorresse hoje, a Lei 13.431/2017 lhe garantiria uma rede de proteção que, talvez, evitaria esse desfecho trágico. Este caso gerou tamanha repercussão que foi determinante para a criação da Lei 13.010/2014, que ficou conhecida como Lei Menino Bernardo. Esta lei alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos, de tratamento cruel ou degradante. II - violência psicológica: a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional; No exemplo a seguir, veremos um caso2 que envolve violência psicológica: depreciação, constrangimento, humilhação, ridicularização e bullying praticados contra a adolescente Jéssica, de 14 anos. A mãe de Jéssica controla a oferta e quantidade de alimentos da filha com a alegação de que ela tem genética de obesos. Todos os dias ela relembra a filha de que ela está fora do peso, vestindo roupas grandes, e que a considera feia. A mãe até apelidou a filha de Orca, comparando-a a uma baleia. Sentindo-se pressionada, Jéssica iniciou um processo de automutilação e autoisolamento e está sendo acompanhada pelo CREAS de sua cidade. Esse tipo de violência é muito comum em âmbito familiar e escolar e vem sendo frequentes os relatos de bullying no SUAS. Mas o que podemos entender por bullying? É intimidação sistemática por meio de ameaça, ou qualquer outra ação de: constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal, xingamento, ridicularização, etc,. Neste outro caso, fica evidente um episódio de bullying ocorrido em uma escola pública. O Conselho Tutelar foi acionado pela mãe de André, de 13 anos, que relatou que o filho não queria ir à escola porque o professor de EducaçãoFísica vivia fazendo piadas com a deficiência do garoto. André teve um câncer no fêmur que fez com que ele amputasse a perna direita aos 10 anos. Ao 2 Caso fictício baseado em fatos reais. 27 propor uma atividade física, o professor usava frases como “corre saci, vai ficar de bobeira aqui não” ou “não tem moleza não, aqui todo mundo é tratado como normal”, acompanhado pelas risadas e deboche dos colegas, que geraram imensa tristeza no adolescente, ao ponto dele se negar a voltar para a escola. b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este; Jorge e Marcela se divorciaram no ano passado e têm a guarda compartilhada de Heloísa, de 08 anos. Heloísa contou à Assistente Social que quando está na casa do pai, ela ouve, com frequência, a avó paterna dizer que a culpa da separação é de Marcela, pois ela foi infiel à família. Além disso, a avó se refere à ex-nora como “vagabunda”, “interesseira” e arremata dizendo que ela é assim por ser “preta, uma raça que é dada a essas coisas”. A avó de Heloísa interfere na formação psicológica da neta ao colocar a culpa do divórcio em Marcela, ao dizer que a mãe da menina é vagabunda, e ao construir uma ideia racista de que somente os negros se comportam de forma desaconselhável3. c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha; Naiara, 5 anos, e Alex, 03 anos, foram levados ao CREAS após seu pai, de 32 anos, ser preso em flagrante. Naiara contou que eles estavam na cozinha, almoçando, quando o pai chegou e começou a discutir com a mãe sobre valor de “mesada” (pensão alimentícia). A mãe ficou nervosa e arremessou um copo de vidro na direção do pai e este, para revidar, pegou uma faca e desferiu vários golpes na barriga e no peito da mãe. As duas crianças presenciaram toda a cena e Naiara contou, impressionada, que nunca tinha visto tanto sangue. Neste caso, as duas crianças são testemunhas de um crime bárbaro, que trouxe muito sofrimento e cujos impactos negativos precisam de atenção e cuidado4. 3 Caso fictício baseado em fatos reais. 4 Caso fictício baseado em fatos reais. 28 III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda: a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro; b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico; c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação; Tatiane, 15 anos, recebeu uma proposta para trabalhar como modelo em São Paulo. A família, grande e muito humilde, autorizou que Tatiane viajasse com um homem que se dizia agente de modelos. Mal desembarcou em São Paulo e Tatiane foi confinada em uma casa com outras 6 adolescentes. Elas eram obrigadas a ter relações sexuais com homens e mulheres diante de uma câmera que transmitia o ato, ao vivo, para “assinantes” de um canal de pedofilia. Tatiane conseguiu fugir do cativeiro e buscou ajuda em uma delegacia de polícia. Este caso contempla as três hipóteses de violência sexual além de se caracterizar como uma das piores formas de trabalho infantil 5. 5 Caso fictício baseado em fatos reais. 29 É importante destacar que, de acordo com os registros do Disque 100, o abuso sexual aparece em quarto lugar nas estatísticas de violência contra criança e adolescente. Muitas vezes, ocorre de forma bastante sutil e é de difícil identificação, trazendo sofrimento e sequelas muito graves para as vítimas, como neste próximo exemplo6. Marina tem 11 anos e já possui um triste histórico de violência sexual que pode ter começado na sua concepção. Filha de uma relação incestuosa, a menina vivencia a violência que sua mãe sofria do avô desde muito nova. A mãe de Marina a teve com 16 anos, e, após o nascimento da filha, decidiu ir embora e deixar a menina com seus pais. Anos depois, tentou conseguir a guarda da filha, pois suspeitava que seu pai estaria abusando dela também. Segundo o que foi relatado à assistente social do CREAS, os abusos ocorriam com frequência no sítio onde moravam, em “um mato” perto da casa, onde o avô mantinha relações sexuais com ela. Isso só foi descoberto e denunciado porque a mãe suspeitou que a história se repetia e permaneceria escondida se ela não fizesse nada. IV - violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização. O Decreto 9.603/2018, em seu Art. 5º, complementa o conceito legal de violência institucional ao determinar que ela pode ser praticada por agente público no desempenho de função pública, em instituição de qualquer natureza, por meio de atos comissivos ou omissivos que prejudiquem o atendimento à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência. 6 Caso real, porém com os dados pessoais alterados. Filmes que tratam da temática da violência sexual contra criança e adolescente no Brasil: 1 - MUNDO SEM PORTEIRA (Documentário). Mundo sem Porteira é um curta-metragem que traz uma visão da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil e propostas de como solucionar esse problema. O documentário conta com depoimentos de caminhoneiros, de organizações para proteção, educadores, especialistas, líderes em Direitos Humanos, jovens engajados, entre outros. Direção: Gisela Arante. Brasil: UMIHARU, 2019, 27 min, online. Disponível em: <http://mundosemporteira.umiharu.com.br/o-filme/>. Acesso em: 12 abr. 2021. 2 - BAIXIO DAS BESTAS (Drama). O filme traz a história de uma adolescente explorada sexualmente pelo avô, com cenas de nudez e violência. Direção: Cláudio Assis. Brasil: Imovision, 2007, 1h20min. ATENÇÃO: Os dois filmes contém cenas fortes de violência e/ou menção a ela. 30 Neste exemplo, a mãe de Miguel, 10 anos e negro, procurou o Ministério Público para denunciar um caso de violência institucional. Ela contou que a diretora da escola pública na qual Miguel estuda retirou o menino da quadra onde seriam feitas as fotos das turmas, impedindo-o de ser fotografado com os demais colegas brancos. O menino ouviu a diretora e a professora falarem que a foto ficaria mais “bonita e limpa” sem o Miguel. As duas educadoras serão ouvidas pela Polícia Civil e indiciadas por crime de racismo institucional7. Nós já compreendemos que, por muitas vezes, a lei não contempla todas as realidades vividas no cotidiano das pessoas. Os conceitos legais de violência, elencados na Lei 13.431/2017, são os mais relatados no âmbito da Assistência Social, mas não são os únicos, pois existem casos em que essas violências são multifacetadas, abrigando mais de umaforma de prática ou mesclando-as. Um exemplo que podemos citar são as formas análogas de violência, como as várias formas de negligência que uma criança ou adolescente pode ser vítima. Julgamos pertinente trazer alguns casos de violências que não estão expressamente definidas em lei. São elas: • Trabalho infantil: Pela lei brasileira, qualquer forma de trabalho é proibida até os 13 anos de idade, sendo que a partir dos 14 anos é permitido o trabalho na condição de aprendiz e entre 16 a 18 anos a permissão de trabalho é restrita, sendo proibidas as atividades noturnas (entre dez da noite e cinco da manhã), perigosas, insalubres e descritas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, a Lista TIP. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)8, 4,6% das crianças e adolescentes brasileiros viviam em situação de trabalho infantil, em 2019. A operação de tratores e máquinas agrícolas, o beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar, a extração e corte de madeira, o trabalho em pedreiras, a produção de carvão vegetal, a construção civil, a coleta, seleção e beneficiamento de lixo, o comércio ambulante, o trabalho doméstico e o transporte de cargas são algumas das atividades remuneradas exercidas por crianças e adolescentes no Brasil. Não é raro a mídia publicar notícias vergonhosas dessa prática em nosso país. Fonte: Foto retirada do site do Ministério do Trabalho. 7 Caso fictício baseado em fatos reais. 8 CAMPOS, Ana Cristina. IBGE: Brasil tem 4,6% das crianças e adolescentes em trabalho infantil: Dados divulgados hoje são referentes ao ano de 2019. In:, Empresa Brasil de Comunicação. Agência Brasil. Rio de Janeiro, 17 dez. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-12/ibge-brasil-tem-46-das-criancas-e- adolescentes-em-trabalho-infantil#. Acesso em: 3 abr. 2021. 31 • Violência Cultural: de todas as formas de violência, a cultural é a considerada a mais sutil, pois ela nasce nas crenças e nos costumes quando eles são manipulados para justificar ou legitimar formas de violência, sem que isso pareça estar errado. Essa violência ocorre, também, quando um indivíduo ou um grupo fere os valores de uma determinada cultura. Dentre as manifestações mais comuns de violência cultural está aquela que envolve questões religiosas. Um exemplo de caso concreto ocorreu com uma menina muçulmana, de 13 anos, que foi proibida de usar o hijab em uma escola pública. Seu direito de praticar sua religião foi ferido e os pais acionaram a promotoria pública para resolver a questão. Hijab é o véu usado pelas mulheres muçulmanas para cobrir os cabelos e o pescoço. 2.5 RESPEITO À DIVERSIDADE E A PROTEÇÃO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO Ao falarmos sobre as diversas formas de violência contra crianças e adolescentes, é importante pensar sobre a importância da diversidade e a proteção de povos tradicionais e grupos específicos em nosso estudo. Se o ECA nos traz que a criança e adolescente são sujeitos de direitos em condição especial de desenvolvimento, portanto vulneráveis, como não ter um olhar diferenciado para as diversidades? Considerando nosso percurso histórico e as grandes diferenças demográficas e regionais do território brasileiro, é importante fazer um recorte quando falamos de criança e adolescente, pois não estamos falando de um único grupo, uniforme e coeso, mas de distintos grupos dentro desta faixa etária. Falar de infância e adolescência no Brasil é falar de várias infâncias e diferentes adolescências. Uma menina que mora na zona rural tem concepções diferentes de um menino que mora em um centro urbano. Da mesma forma, desconsiderar os valores culturais de um adolescente imigrante ou de um indígena e dizer que não existem peculiaridades entre eles é, também, uma forma de violação de direitos e marginalização. Não atentar para as singularidades inerentes à criança e ao adolescente com deficiência é negar seus direitos fundamentais. O artigo 5º, inciso IV da Lei 13.431/2017 menciona o respeito à diversidade e a proteção contra a discriminação: Ser protegido contra qualquer tipo de discriminação, independentemente de classe, sexo, raça, etnia, renda, cultura, nível educacional, idade, religião, nacionalidade, procedência regional, regularidade migratória, deficiência ou qualquer outra condição sua, de seus pais ou de seus representantes legais (BRASIL. LEI 13.431, DE 04 DE ABRIL DE 2017, Art. 5º, Inciso IV). 32 Já o Decreto 9.603/2018 é mais detalhado ao apontar a questão da criança e do adolescente que fale outro idioma, pertencentes às comunidades tradicionais, conforme os artigos abaixo: Decreto 9.603/2018: Art. 4º - A criança ou o adolescente, brasileiro ou estrangeiro, que fale outros idiomas deverá ser consultado quanto ao idioma em que prefere se manifestar, em qualquer serviço, programa ou equipamento público do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, tomadas as medidas necessárias para esse atendimento, quando possível. Art. 17 - No atendimento à criança e ao adolescente pertencente a povos ou comunidades tradicionais, deverão ser respeitadas suas identidades sociais e culturais, seus costumes e suas tradições. Parágrafo único. Poderão ser adotadas práticas dos povos e das comunidades tradicionais em complementação às medidas de atendimento institucional. Art. 18 - No atendimento à criança ou ao adolescente pertencente a povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio - Funai do Ministério da Justiça e o Distrito Sanitário Especial Indígena do Ministério da Saúde deverão ser comunicados (DECRETO 9.603, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2008). Observe que os artigos transcritos mencionam determinadas categorias, mas deixam a critério dos órgãos encarregados da proteção à criança e ao adolescente as práticas que poderão ser adotadas, já que compete a todos os órgãos da Rede de Proteção o tratamento cultural adequado. Quanto às crianças e adolescentes com deficiência, faz-se necessário alertar para os cuidados no atendimento a essa categoria, pois, muitas vezes, um indivíduo com deficiência visual, auditiva ou intelectual pode ter dificuldade em compreender que está sofrendo uma violência. Dependendo do estágio de desenvolvimento, a percepção de que um adulto está violando um direito é muito complexa e, talvez, até inexistente. Ainda conforme o Decreto 9.603/2018 é necessário garantir a acessibilidade: Art. 6º - A acessibilidade aos espaços de atendimento da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência deverá ser garantida por meio de: I - implementação do desenho universal nos espaços de atendimentos a serem construídos; II- eliminação de barreiras e implementação de estratégias para garantir a plena comunicação de crianças e adolescentes durante o atendimento; III - adaptações razoáveis nos prédios públicos ou de uso público já existentes; e IV - utilização de tecnologias assistivas ou ajudas técnicas, quando necessário. Vejamos um caso ocorrido, recentemente, que nos traz uma melhor compreensão da necessidade de se ter diferentes estratégias para atendimento culturalmente adequado aos públicos diversos. 33 O caso do menino acorrentado em um barril A Polícia Militar recebeu uma denúncia anônima na qual o autor afirmava que um casal mantinha seu filho em condições desumanas. A PM enviou viaturas para o endereço indicado e, ao chegarem na casa, encontraram um menino de 11 anos, acorrentado pelos pés, mãos e cintura. A família era acompanhada pelo Conselho Tutelar que não identificou qualquer violação de direitos. Mas, de acordo com os policiais, o garoto estava preso no mesmo barril — sem água ou comida — há cerca de um mês e os vizinhos disseram que os maus tratos ocorriam há anos e, mesmo com as denúncias a situação continuou. A vítima foi levada para o hospital, onde ficou internada para tratar de desnutrição. Uma vez recuperada, a criança foi enviada para um abrigo, a pedidodo Ministério Público. Isso porque sua guarda ainda não foi definida (pode ficar sob os cuidados da tia, que o acompanhou na internação). O caso agora deve ser acompanhado pelos diversos órgãos da Rede de Proteção. Foi aberta uma investigação a fim de verificar eventuais omissões e falhas por parte dos agentes públicos, que não identificaram a violação de direitos enquanto ela acontecia, e solicitou que relatórios sobre os atendimentos prestados ao garoto fossem apresentados pelas secretarias responsáveis. Em depoimento à Polícia Civil, o pai do menino disse que o filho é muito agitado, agressivo e que fugia de casa. O cárcere, portanto, seria uma forma de protegê-lo e educá-lo. Preso preventivamente, o homem pode ser condenado por tortura e as mulheres respondem pelo crime de omissão. Fonte: MALVA, Pamela. O REVOLTANTE CASO DO GAROTO DE 11 ANOS QUE FOI ACORRENTADO EM UM BARRIL: Encontrado em 30 de janeiro de 2021, o menino foi vítima de uma tortura cruel infligida pelo próprio pai durante meses. In: X, Grupo Perfil. AH - Aventuras na História. São Paulo, 6 fev. 2021. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com. br/noticias/reportagem/o-revoltante-caso-do-garoto-de-11-anos-que-foi-acorrentado-em-um-barril.phtml. Acesso em: 3 abr. 2021. Nesse contexto, é importante refletir sobre o papel do estado com famílias em situação de vulnerabilidade social que possuem crianças e adolescentes com deficiência, pois, muitas vezes, elas não sabem lidar com seus comportamentos e jeito de ser, por falta de informação, falta de apoio para o cuidado, e acabam incorrendo em violação de direitos. Assim como as políticas públicas têm um papel imprescindível no enfrentamento das situações de violação de direitos, com proteção às vítimas, investigação dos casos e responsabilização dos agressores, também têm papel crucial na prevenção dessas situações “De acordo com a Organização Mundial da Saúde, há, em todo o mundo, cerca de 200 milhões de crianças e adolescentes com deficiência, com incapacidades físicas, sensoriais, como cegueira e surdez, déficits intelectuais e transtornos mentais. Cerca de 10% da população jovem mundial até 19 anos nasceram com alguma deficiência ou a adquiriram ao longo do tempo. Ainda assim, conforme dados da United Nations Children’s Fund (UNICEF), apenas 3% das crianças com deficiência frequentam a escola e o maior contingente de adultos com deficiência não está inserido no mercado de trabalho. Há estimativas de que a violência contra crianças com deficiência ocorra numa taxa 1,7 vezes maior do que ocorre com crianças em geral.” (ROSA 2013, p.20) 34 Nos módulos seguintes, trabalharemos essa questão com mais profundidade, a fim de trazê-la para a realidade dos atendimentos a grupos específicos SUAS. O FILHO ETERNO (Drama). O casal Roberto e Cláudia aguardam a chegada de seu primeiro bebê. A notícia de que seu filho seria portador de Síndrome de Down faz com que Roberto, que é escritor, tenha dificuldades com a paternidade. Direção: Paulo Machline. Brasil: Sony Picturew, 2016, 1h26min. Atenção: Classificação Livre para todos os públicos. 35 REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS NORMAS: BRASIL. DECRETO Nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. [online]. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11- outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. 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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946). Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte. [online]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao46.htm>. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967. O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte. [online]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 03 fev. 2021. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao67.htm 36 BRASIL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, de 17 de outubro de 1969. Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967.Diário Oficial da União de 20 de outubro de 1969 [online]. 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Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. [online]. Brasília: DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União de 14 de julho de 1990 [online].. Brasília: DF, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em 03 fev. 2021. 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Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, Brasília: CONANDA, 2006. Disponível em: <https://www.legisweb.com. br/legislacao/?id=104402>. Acesso em: 05 fev. 2021. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Convenção adotada na Assembléia Geral da ONU, em 20/11/1989. Aprovada pelo Dec. Legislativo nº 28, de 14/09/1990 e promulgada pelo Dec. nº 99.710 DE 21/11/1990. Disponível em: <http:// www.unicef.pt/docs/pdf.../convencao_direitos_crianca2004.pdf >. Acesso em: 03 fev. 2021. LIVROS E ARTIGOS: BOURGUIGNON, J. A. Concepção de rede intersetorial. set. 2001. Disponível em: <http:// www.uepg.br/nupes/intersetor.htm>. Acesso em: 15 fev. 2021. DEL PRIORE, M. História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. DIGIÁCOMO, M. J.; DIGIÁCOMO, E. COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.431/2017. Curitiba: MPPR, 2018. 92 p. 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Para aprimorar os seus estudos, siga a seguinte ordem de estudos: • Leia, na apostila, a Aula 1 do Módulo 2. • Assista à aula narrada 1. • Faça os exercícios de fixação da Aula 1. • Faça o Jogo Interativo 2. • Leia, na apostila, a Aula 2 do Módulo 2. • Assista à aula narrada 2. • Faça os exercícios de fixação da Aula 2. • Ouça o Podcast 1. Bons estudos! 40 Aula 1 Introdução à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunha de violência Nós vimos no Módulo 1 que a Lei 13.431/2017 complementou o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo para o ordenamento jurídico brasileiro novos elementos e garantias de proteção para crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, com o desafio de prevenir, entre outras questões, a revitimização. Mas você sabe o que é revitimização? De acordo com o Decreto 9.603/2018, a revitimização é: Decreto 9.603/2018, Art. 5º, II - discurso ou prática institucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem. Já o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes1 entende que a revitimização é: O processo de ampliação do trauma vivido pela vítima de violência, em função de procedimentos inadequados realizados sobretudo nas instituições oficiais, durante o atendimento da violência notificada. Também é chamada de dupla vitimização. Em outros países, a literatura utiliza a mesma expressão em sentido outro: como a manutenção e repetição da conduta violenta contra a mesma vítima. (BRASIL, 2007, p.6) Observe que, nos dois conceitos, a revitimização está atrelada às práticas de instituições oficiais e, por esta razão,
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