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2 As dimensões profissionais do serviço social

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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INSTRUMENTALIDADE 
DO SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
AS DIMENSÕES PROFISSIONAIS DO 
SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
SUMÁRIO 
 
Serviço Social e construção de hegemonia das classes subalternas ................ 4 
Os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social brasileiro na 
contemporaneidade .......................................................................................... 10 
O processo de constituição das principais matrizes do conhecimento e da ação do Serviço 
Social brasileiro ................................................................................................ 11 
O Serviço Social nos anos 80: as tendências históricas e teórico metodológicas do debate 
profissional ....................................................................................................... 17 
Serviço Social nos anos 90: as tendências históricas e teórico-metodológicas do debate 
profissional ....................................................................................................... 20 
As polêmicas dos dias atuais ........................................................................... 25 
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 28 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
Serviço Social e construção de hegemonia das classes subalternas 
 
A subalternidade é uma categoria política e faz parte do mundo dos dominados, dos 
submetidos à exploração social, econômica e política. Supõe, como complementar, o 
exercício do domínio ou da direção por meio de relações político‑ sociais em que 
predominam os interesses dos que detêm o poder econômico e de decisão política. Nesse 
sentido, não podemos abordar indivíduos e grupos subalternos isolando‑os do conjunto da 
sociedade. A subalternidade diz respeito à ausência “de poder de mando, de poder de 
decisão, de poder de criação e de direção” (Almeida, 1990, p. 35). 
É nos Cadernos do cárcere (Caderno 25 de 1934) que Gramsci amplia a noção de 
classes e grupos subalternos, relacionando‑os com as categorias de Estado, Sociedade 
civil, hegemonia, ideologia, cultura e filosofia da práxis. Nesse Caderno, Gramsci apresenta 
as principais características dos grupos sociais subalternos: “desagregação”, traços de 
iniciativa autônoma e tendência à unificação rompida pelas iniciativas dos grupos 
dominantes. 
O Estado, como nos lembra Simionatto, “educa o consenso” por meio dos “aparelhos 
privados de hegemonia” — mecanismos fortalecedores da fragmentação social das classes 
subalternas — criação de um novo senso comum (do qual são expelidos a política, a 
participação, a vida em relação aos outros, o sentido de comunidade). No âmbito da 
sociedade civil, a classe dominante, por meio do uso do poder por meios não violentos, 
contribui para reforçar o conformismo, apostando na desestruturação das lutas das classes 
subalternas, reduzindo‑as e apostando na desestruturação das lutas das classes 
subalternas, reduzindo‑as a interesses mera‑ mente econômico‑ corporativos (Simionato, 
2009, p. 41). 
Caracterizando as reivindicações dos grupos subalternos, Simionatto (2009, p. 42) 
sugere a observação de mediações, tais como suas relações com o “desenvolvimento das 
transformações econômicas”, sua “adesão ativa ou passiva às formações políticas 
dominantes”, às lutas travadas a fim de “influir sobre os pro‑ gramas dessas formações para 
impor reivindicações próprias”, à formação de “novos partidos dos grupos dominantes, para 
manter o consenso e o controle dos grupos sociais subalternos”, à caracterização das 
reivindicações dos grupos subalternos e “às formas que afirmam a autonomia” (Gramsci, 
2002, p. 140; Simionatto, 2009, p. 42). 
Historicamente, os subalternizados vêm construindo seus projetos com base em 
interesses que não são seus, mas que lhe são inculcados como seus. Experienciam a 
5 
 
 
dominação e a aceitam, uma vez que as classes dominantes, para assegurar sua hegemonia 
ou dominação, criam formas de difundir e reproduzir seus interesses como aspirações 
legítimas de toda a sociedade. 
Uma análise dessas relações de dominação do ponto de vista político‑ ideológico 
coloca em evidência que o Estado, por intermédio de suas instituições sociais e políticas, é 
veiculado como instância da ordem e da autoridade superior sobre a sociedade civil. Nesse 
sentido, através de seu “monopólio de instituições”, o Esta‑ do ajuda a manter e a reproduzir 
as estruturas da sociedade a partir da ótica dos interesses dominantes (cf. Almeida, 1990, p. 
37). É importante lembrar que da sociedade civil partem demandas que o Estado deve 
atender. Ambos, sociedade civil e Estado, expressam relações sociais contraditórias e 
produzem instituições e políticas voltadas para o atendimento das necessidades sociais e 
políticas da sociedade (Yazbek, 2009, p. 27). 
Entendo que o contexto de crise e mudanças interpela o Serviço Social sob múltiplas 
dimensões e aspectos: 
1) A primeira dimensão que interpela o Serviço Social nesse contexto são as 
novas manifestações e expressões da questão social, resultantes dessas transformações 
estruturais do capitalismo, com as quais nos deparamos no cotidiano institucional ao lado 
das velhas questões de sempre. Sobre a questão social, cada vez mais estruturante de 
relações sociais desiguais, impossibilidade de alcançar a realidade da população com a qual 
trabalhamos sendo estranhos ao lugar que ocupa nas re‑ lações sociais, à sua cultura, à 
sua linguagem, a seu saber do mundo, ao seu sofri‑ mento e às suas estratégias de 
resistência nesse universo de dimensões insuspeita‑ das. Claro, mudanças vêm ocorrendo 
nas periferias das cidades brasileiras, nas formas de circulação e distribuição da riqueza, na 
economia informal, no crescimento da violência, da droga “da vida matável” inserida na 
“expansiva trama de ilegalidades que se entrelaçam nas práticas urbanas”, nos programas 
sociais que se multiplicaram pelas periferias afora e nas formas de organização e lutas 
sociais que emergem nesse contexto. Sabemos que novos fios estão tecendo novas 
sociabilidades que precisam ser desvendadas, sabemos que a exclusão de bens materiais 
e culturais faz parte da reprodução do cotidiano de um grande contingente populacional na 
sociedade brasileira e que são atuais os profundos e vastos sofrimentos gerados por uma 
ordem societária assentada na exploração de poucos sobre muitos. 
2) Outra dimensão que interpela a profissão diz respeito aos processos de 
redefinição dos sistemas de proteção social e da política social em geral que emergem nesse 
contexto. Como sabemos, foi no âmbito do enfrentamento das consequências indesejáveis 
6 
 
 
do novo regime de acumulação e suas medidas de ajuste econômico que a política social 
“foi transformada total ou parcialmente em políticas focalizadas contra a pobreza, 
principalmente nos países da periferia do capitalismo”. 
3) Finalmente, a profissão é interpelada e desafiada pela necessidade de construir 
mediações políticas e ideológicas expressas sobretudo por ações de resistência e de 
alianças estratégicas no jogo da política em suas múltiplas dimensões, por dentro dos 
espaços institucionais e especialmente no contexto das lutas sociais. Isso porque, como 
sabemos, questão social é luta, é disputa pela riqueza socialmente construída. 
Nesses termos, situamos a questão em dois âmbitos: 
 Em práticas cotidianas de contestação e resistência, em que vamos encontrar 
experiências concretas de busca e fortalecimento dos interesses e projetos de superação da 
condição subalterna. Também por dentro dos espaços institucionais onde atuamos 
profissionalmente podemos desenvolver iniciativas de resistência, buscar as novas práticas 
que se esboçamcomo alternativa. Esse é outro caminho a ser procurado, considerando as 
variadas lutas e propostas de resistência, onde há espaços a ocupar, como fóruns, 
conselhos, movimentos. Aqui, mais uma vez cabe deixar claras as diferenças entre 
pluralismo e ecletismo como constituintes desse processo. Uma perspectiva plural supõe a 
diversidade, supõe o diálogo entre posições, correntes teóricos/metodológicos, mas não 
concilia o inconciliável e muito menos abre mão da direção hegemônica. É cada vez mais 
evidente que diferentes projetos sociopolíticos societários e da profissão se confrontam 
nesse processo. O projeto neoconservador valendo‑ se de novas roupagens, fragmentará 
cada vez mais as análises e ações do profissional. 
Eu não diria que essas dimensões não sejam importantes na ação profissional, mas 
no bojo do projeto conservador vêm isoladas, tecnificadas, sem história, sem contexto, sem 
referentes totalizantes, vêm em si mesmas. 
Outro aspecto de nosso trabalho é apoiar as resistências cotidianas das classes 
subalternas em nossa sociedade. Conforme Boaventura de Sousa Santos informa que as 
rebeldias tem que se encontrar a partir de baixo, da participação de todos, de todos os dias, 
substituindo relações de poder por relações e responsabilidades partilhadas. É quando nos 
referimos às relações de poder, não podemos excluir as relações dos profissionais com a 
população. É o poder das triagens das elegibilidades, das governabilidades, das concessões 
dos laudos, das visitas controladoras, das definições de quem fica e quem não fica, de quem 
pode participar de um programa etc. 
7 
 
 
Em diferentes situações precisamos expressar que caminhamos profissional‑ mente 
junto aos nossos usuários, “sem deixar de lado os que vão mais devagar”, levando em conta 
o papel estratégico da comunicação e da informação para mostrar que não se está só na 
luta. Nesse âmbito evidencia‑ se a relevância da dimensão cultural e política do exercício da 
profissão. 
A superação da condição de subalternidade requer, para Gramsci, a construção de 
novos modos de pensar, a elaboração de uma concepção de mundo crítica e coerente, 
necessária para suplantar o senso comum e tornar as classes subalternas capazes de 
produzir uma contra‑hegemonia. A cultura é apontada por Gramsci como um dos elementos 
fundamentais na organização das classes subalternas, capaz de romper com a sua 
desagregação e abrir caminhos para a construção de uma vontade coletiva, contrapondo‑ se 
às concepções de mundo oficiais. Entendida de forma crítica, a cultura é instrumento de 
emancipação política das classes subalternas, o amálgama, o elo de ligação entre os que se 
encontram nas mesmas condições e buscam construir uma contra‑hegemonia (Simionatto, 
2009, p. 45). 
A luta pela hegemonia nas sociedades de capitalismo avançado, não se trava, para 
Gramsci, apenas nas instâncias econômica e política (relações materiais de produção e 
poder estatal), mas também na esfera da cultura. Nesse processo, no entanto, aprofundar e 
aperfeiçoar o conhecimento da realidade impõe‑ se como condição essencial na luta por sua 
própria transformação, efetivando‑ se a “crítica real da racionalidade e historicidade dos 
modos de pensar” (Gramsci, 1999, p. 111), o que poderá ocorrer através da filosofia da 
práxis, ou seja, do marxismo (Simionatto, 2009, p. 43). 
[...] práticas de enfrentamento e busca de superação da subalternidade são 
observadas, nos movimentos sociais, nos partidos políticos, nas lutas sociais e políticas da 
maioria da população brasileira e em práticas cotidianas de contestação e resistência a 
dominação. 
[...] a coletividade criada pela consciência de que são ”iguais” na condição de classe 
coloca a questão das lutas dos subalternos em um novo patamar: na perspectiva de sua 
constituição como sujeitos políticos, portadores de um projeto de classe. Ao adquirir 
visibilidade, conquistar direitos e protagonismo social, as classes subalternas avançam no 
processo de ruptura com a condição subalterna e na produção de uma outra cultura em que 
prevaleçam seus interesses. (Yazbek, 2009, p. 27‑28). 
8 
 
 
A questão que se coloca é se isso pode ocorrer o âmbito da política social e 
particularmente no âmbito de uma profissão e aí eu diria que estamos diante de uma difícil 
equação. 
Cabe lembrar que, historicamente, em uma sociedade assentada na exploração de 
poucos sobre muitos, como é a sociedade brasileira, as políticas de corte social, ao 
regularem as relações sociais, não só favorecem a acumulação e oferecem bases para 
legitimação do Estado, como reproduzem a dominação... (mas) se a administração da 
desigualdade é a ótica da ação estatal, para as classes subalternizadas e excluídas dos 
serviços sociais em geral, as políticas sociais se colocam como modalidade de acesso a 
recursos sociais e é assim que se apresentam como reivindicação de movimentos dos 
subalternos em seu processo de luta por direitos sociais. O social torna‑ se campo de lutas 
e de manifestação dos espoliados, o que não significa ruptura com o padrão de dominação 
e clientelismo do estado brasileiro no trato com a questão social. (Yazbek, 2009, p. 29‑30) 
Em síntese, nos movemos em um espaço contraditório no qual o Estado e suas 
políticas não pode ser autonomizado em relação à sociedade, expressando relações e 
interesses vigentes nessa sociedade. Relações em que “estão sempre em disputa os 
sentidos da sociedade. Nessa disputa, há sempre um conjunto de determinações dentro das 
quais as opções operam” (Yazbek, 2009, p. 29‑30). É isso que Gramsci denomina luta pela 
hegemonia. 
Estou reafirmando pois a necessária construção de hegemonia das classes 
subalternas, na condução do processo de construção de seus direitos não apenas como 
questão técnica, mas como questão essencialmente política, lugar de contradições e 
resistência. 
A partir desse âmbito é possível modificar lugares de poder demarcados 
tradicionalmente, construir outros, e não apenas realizar “gestões bem‑ sucedidas de 
necessidades. Quando falamos em protagonismo tendo como referência o pensamento de 
Gramsci, é ao poder que nos referimos. 
Esse é um dos aspectos que devemos ter presente em nossa busca de construir 
parâmetros de negociação de interesses e direitos de nossos usuários. Parâmetros que 
devem trazer a marca do debate ampliado e da deliberação pública, ou seja, da cidadania e 
democracia. 
Se temos hoje, como assinalam Paoli e Oliveira “a vitória da concepção de vida, de 
visão de mundo, de valores, das classes dominantes, inclusive à escala mundial”, temos 
também iniciativas de “contradesmanche”, assim como o estabelecimento do dissenso em 
9 
 
 
múltiplas instâncias da vida social. Segundo Mota, não se trata aqui da cidadania construída 
“na ordem”, como resultado da conciliação de interesses inconciliáveis, em que usuários 
transformam‑ se em “cidadãos” como se a causa da desigualdade fosse a ausência de 
cidadania (Yazbek, 2009, p. 19). 
Essas atividades se constituem em mediações técnico‑políticas e se redefinem 
necessariamente a partir de condições concretas. E, à medida em que novas situações 
colocam novos desafios e exigências, a profissão busca atualizar‑ se, redefinindo seus 
procedimentos e estratégias de ação, adequando‑ se às novas demandas e redefinições do 
mercado de trabalho e da conjuntura social. Este movimento da profissão, que pode (ou não) 
realizar direitos de cidadania, não se faz sem referentes, mas segue uma direção social 
apoiada na força de um projeto profissional ético, político, teórico, metodológico e técnico 
operativo. 
Em um âmbito mais amplo e coletivo de luta e resistência, entendo que a inserção da 
profissão nas lutas sociais, seu protagonismo, conquistas e desafios, é uma construção 
coletiva e se realiza por meio dos organismos político‑organizativos dos assistentes sociais 
brasileiros. Se voltarmos o olhar e acompanharmos, nas trêsúltimas décadas, o trabalho de 
nossas entidades, é possível constatar que construímos coletivamente o que, conforme 
Iamamoto, constitui um patrimônio sociopolítico e profissional que atribui uma face peculiar 
ao Serviço Social brasileiro no cenário da América Latina e Caribe e no circuito mundial do 
Serviço Social. Nessa história encontramos entidades politicamente fortes, representativas 
e articuladas entre si, com legitimidade política e capilaridade organizativa inédita, como bem 
expressam os muitos eventos da categoria, sejam acadêmicos sejam aqueles resultantes da 
experiência associativa dos profissionais, como suas convenções, congressos, encontros e 
seminários. Gostaria de destacar os encontros CFESS/ Cress que reúnem delegados de 
todo o país e deliberam sobre propostas discutidas e indicadas inicialmente nos encontros 
descentralizados acerca de questões relativas à profissão em diferentes eixos temáticos. A 
título de exemplo trago o resultado do 42º Encontro Nacional CFESS/Cress realizado no 
Recife nos dias 5 a 8 de setembro último. Esse encontro revelou 135.545 assistentes sociais 
inscritos/ativos no país e deliberou sobre sete eixos temáticos: Fiscalização profissional, 
Ética e direitos humanos, Seguridade social, Formação profissional, Relações internacionais, 
Comunicação e administrativo‑ financeiro. Decisões que orientarão as ações do conjunto 
para 2014. 
É bom lembrar que essa legitimidade política está presente no nosso Código de Ética 
e nos marcos legais que regulamentam o exercício profissional e seu pro‑ cesso formativo, 
10 
 
 
assim como nas múltiplas decisões, deliberações que reafirmam o fortalecimento do projeto 
ético‑político profissional e a organização coletiva da categoria profissional. 
Em síntese, esta legitimidade política e capilaridade organizativa inédita nos permitem 
afirmar e atribuir às nossas organizações um caráter de intelectual coletivo, capaz de 
articular, organizar e pactuar a presença dos assistentes sociais nas lutas coletivas e em 
movimentos sociais mais amplos, na direção da construção de outra ordem societária. 
Se entendermos que, no contexto de crise e na nova ordem das coisas, está em 
disputa uma direção social para a sociedade brasileira, cabe interferir na construção dessa 
direção em que a medida seja os interesses e as necessidades das classes subalternas na 
sociedade, como tanto tenho afirmado. 
Cabe construir sua hegemonia, criar uma cultura que torne indeclináveis seus 
interesses. Para isso é preciso enfrentar desafios e nos desvencilhar de certas 
determinações e de certos condicionamentos impostos pela realidade socioinstitucional em 
que estamos inseridos e de algum modo limitados por ela. Nossa relativa autonomia 
profissional, como sabemos, está sempre no olho do furacão... E, embora saibamos que 
escapa às políticas sociais, às suas capacidades, desenhos e objetivos reverter níveis tão 
elevados de desigualdade, como os encontrados no Brasil, não podemos duvidar das 
virtualidades possíveis dessas políticas que podem ser possibilidade de construção de 
direitos e iniciativas de “contradesmanche” de uma ordem injusta e desigual. 
 
Os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social brasileiro 
na contemporaneidade 
 
Este texto coloca em questão os fundamentos históricos e teórico/metodológicos do 
Serviço Social brasileiro na contemporaneidade, particularizando as décadas de 80, 90 e os 
primeiros anos do século XXI. Algumas referências acerca do Serviço Social latino‐
americano também serão apresentadas. Parte do pressuposto de que a profissão e o 
conhecimento que a ilumina, se explicam no movimento histórico da sociedade. Sociedade 
que é produto de relações sociais, de ações recíprocas dos homens entre si, no complexo 
processo de reprodução social da vida. O mundo social é um mundo de relações. 
São múltiplas as mediações que constituem o tecido de relações sociais que envolvem 
esse processo de produção e reprodução social da vida em suas expressões materiais e 
espirituais. Essas relações que constituem a sociabilidade humana, implicam âmbitos 
diferenciados e uma trama que envolve o social, o político, o econômico, o cultural, o 
11 
 
 
religioso, as questões de gênero, a idade, a etnia etc. Dimensões com as quais se defronta 
cotidianamente o Serviço Social e em relação às quais se posiciona quer do ponto de vista 
explicativo quer do interventivo, considerados nesta abordagem como dimensões de uma 
mesma totalidade. 
A análise dos principais fundamentos que configuram o processo através do qual a 
profissão busca explicar e intervir sobre a realidade, definindo sua direção social, constitui o 
principal objetivo deste texto. É necessário assinalar que essa análise das principais 
tendências históricas e teórico metodológicas da profissão, sobretudo nas três últimas 
décadas não é tarefa fácil ou simples, pois exige o conhecimento do processo histórico de 
constituição das principais matrizes de conhecimento do social, do complexo movimento 
histórico da sociedade capitalista brasileira e do processo pelo qual o Serviço Social 
incorpora e elabora análises sobre a realidade em que se insere e explica sua própria 
intervenção. 
Assim sendo, este texto apresenta‐se organizado em três partes: em uma primeira 
introdutória, onde são apresentados alguns fundamentos relativos ao processo histórico de 
constituição das principais matrizes do conhecimento e da ação do Serviço Social brasileiro 
e em três outras, nas quais se busca uma aproximação às principais tendências históricas e 
teórico metodológicas do debate profissional nos anos 80, 90 e 2000. Encerram o texto 
algumas reflexões acerca das polêmicas atuais da profissão. 
 
 O processo de constituição das principais matrizes do conhecimento e da 
ação do Serviço Social brasileiro 
 
A questão inicial que se coloca é explicitar como se constituem e se desenvolvem no 
Serviço Social brasileiro as tendências de análise e as interpretações acerca de sua própria 
intervenção e sobre a realidade social na qual se move. É claro que estas tendências, 
derivadas das transformações sociais que vem particularizando o desenvolvimento do 
capitalismo em nossa sociedade, não se configuram como homogêneas, mas são 
permeadas por diversas clivagens, tensões e confrontos internos. Isso porque, a 
compreensão teórico/metodológica da realidade, fundada no acervo intelectual que se 
constituiu a partir das principais matrizes do pensamento social e de suas expressões nos 
diferentes campos do conhecimento humano, é processo que se constrói na interlocução 
com o próprio movimento da sociedade. 
12 
 
 
O ponto de partida consiste, pois, da análise ainda que sumária, do processo de 
incorporação pela profissão: 
• de ideias e conteúdos doutrinários do pensamento social da Igreja Católica, em 
seu processo de institucionalização no Brasil; 
• das principais matrizes teórico metodológicas acerca do conhecimento do 
social na sociedade burguesa; 
 
Tecer algumas considerações sobre este processo é buscar compreender diferentes 
posicionamentos, lógicas e estratégias que permearam o pensamento e a ação profissional 
do serviço social em sua trajetória e que persistem até os dias atuais com novas articulações, 
expressões e redefinições. 
Quanto ao primeiro aspecto, é por demais conhecida a relação entre a profissão e o 
ideário católico na gênese do Serviço Social brasileiro, no contexto de expansão e 
secularização do mundo capitalista. Relação que vai imprimir à profissão caráter de 
apostolado fundado em uma abordagem da "questão social" como problema moral e religioso 
e numa intervenção que prioriza a formação da família e do indivíduo para solução dos 
problemas e atendimento de suas necessidades materiais, morais e sociais. O contributo do 
Serviço Social, nesse momento, incidirá sobre valores e comportamentos de seus "clientes" 
naperspectiva de sua integração à sociedade, ou melhor, nas relações sociais vigentes. 
Os referenciais orientadores do pensamento e da ação do emergente Serviço Social 
tem sua fonte na Doutrina Social da Igreja, no ideário franco‐belga de ação social e no 
pensamento de São Tomás de Aquino (séc. XII): o tomismo e o neotomismo (retomada em 
fins do século XIX do pensamento tomista por Jacques Maritain na França e pelo Cardeal 
Mercier na Bélgica tendo em vista "aplicá‐lo" às necessidades de nosso tempo). 
É, pois, na relação com a Igreja Católica que o Serviço Social brasileiro vai 
fundamentar a formulação de seus primeiros objetivos político/sociais orientando‐se por 
posicionamentos de cunho humanista conservador contrários aos ideários liberal e marxista 
na busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja face à "questão 
social". Entre os postulados filosóficos tomistas que marcaram o emergente Serviço Social 
temos a noção de dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade, sua capacidade de 
desenvolver potencialidades; a natural sociabilidade do homem, ser social e político; a 
compreensão da sociedade como união dos homens para realizar o bem comum (como bem 
de todos) e a necessidade da autoridade para cuidar da justiça geral. 
13 
 
 
No que se refere à Doutrina Social da Igreja merecem destaque nesse contexto as 
encíclicas “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII de 1891, que vai iniciar o magistério social 
da Igreja no contexto de busca de restauração de seu papel social sociedade moderna e a 
“Quadragésimo Anno” de Pio XI de 1931 que, comemorando 40 anos da “Rerum Novarum”” 
vai tratar da questão social, apelando para a renovação moral da sociedade e a adesão à 
Ação Social da Igreja. 
É necessário assinalar que esta matriz encontra‐se na gênese da profissão em toda 
a América Latina, embora com particularidades diversas como, por exemplo, na Argentina e 
no Chile onde vai somar‐se ao racionalismo higienista. (ideário do movimento de médicos 
higienistas que exigiam a intervenção ativa do Estado sobre a questão social pela criação da 
assistência pública que deveria assumir um amplo programa preventivo na área sanitária, 
social e moral). 
O conservadorismo católico que caracterizou os anos iniciais do Serviço Social 
brasileiro começa, especialmente a partir dos anos 40, a ser tecnificado ao entrar em contato 
com o Serviço Social norte-americano e suas propostas de trabalho permeados pelo caráter 
conservador da teoria social positivista. 
Efetivamente, a reorientação da profissão, para atender às novas configurações do 
desenvolvimento capitalista, exige a qualificação e sistematização de seu espaço sócio 
ocupacional tendo em vista atender às requisições de um Estado que começa a implementar 
políticas no campo social. 
Nesse contexto, a legitimação do profissional, expressa em seu assalariamento e 
ocupação de um espaço na divisão sócio técnica do trabalho, vai colocar o emergente 
Serviço Social brasileiro frente à matriz positivista, na perspectiva de ampliar seus 
referenciais técnicos para a profissão. Este processo, que vai constituir o que Iamamoto 
(1992, p. 21) denomina de "arranjo teórico doutrinário", caracterizado pela junção do discurso 
humanista cristão com o suporte técnico‐científico de inspiração na teoria social positivista, 
reitera para a profissão o caminho do pensamento conservador (agora, pela mediação das 
Ciências Sociais). 
Cabe aqui uma explicação: nem o doutrinarismo, nem o conservadorismo constituem 
teorias sociais. A doutrina caracteriza‐se por ser uma visão de mundo abrangente fundada 
na fé em dogmas. Constitui‐se de um conjunto de princípios e crenças que servem como 
suporte a um sistema religioso, filosófico, político, entre outros. O conservadorismo como 
forma de pensamento e experiência prática é resultado de um contramovimento aos avanços 
da modernidade, e nesse sentido, suas reações são restauradoras e preservadoras, 
14 
 
 
particularmente da ordem capitalista. A teoria social por sua vez constitui conjunto explicativo 
totalizante, ontológico, e, portanto organicamente vinculado ao pensamento filosófico, acerca 
do ser social na sociedade burguesa, e a seu processo de constituição e de reprodução. A 
teoria reproduz conceitualmente o real, é, portanto, construção intelectual que proporciona 
explicações aproximadas da realidade e, assim sendo, supõe uma forma de auto 
constituição, um padrão de elaboração: o método. Neste sentido, cada teoria social é um 
método de abordar o real. O método é, pois a trajetória teórica, o movimento teórico que se 
observa na explicação sobre o ser social. É o posicionamento do sujeito que investiga face 
ao investigado e desta forma é "questão da teoria social e não problema particular desta ou 
daquela 'disciplina' " (NETTO,1984, p. 14). 
No caso do Serviço Social, um primeiro suporte teórico‐metodológico necessário à 
qualificação técnica de sua prática e à sua modernização vai ser buscado na matriz 
positivista e em sua apreensão manipuladora, instrumental e imediata do ser social. Este 
horizonte analítico aborda as relações sociais dos indivíduos no plano de suas vivências 
imediatas, como fatos, como dados, que se apresentam em sua objetividade e 
imediaticidade. O método positivista trabalha com as relações aparentes dos fatos, evolui 
dentro do já contido e busca a regularidade, as abstrações e as relações invariáveis. 
É a perspectiva positivista que restringe a visão de teoria ao âmbito do verificável, da 
experimentação e da fragmentação. Não aponta para mudanças, senão dentro da ordem 
estabelecida, voltando‐se antes para ajustes e conservação. Particularmente em sua 
orientação funcionalista, esta perspectiva é absorvida pelo Serviço Social, configurando para 
a profissão propostas de trabalho ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o 
aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas para a intervenção, com as metodologias de 
ação, com a "busca de padrões de eficiência, sofisticação de modelos de análise, diagnóstico 
e planejamento; enfim, uma tecnificação da ação profissional que é acompanhada de uma 
crescente burocratização das atividades institucionais" (YAZBEK, 1984, p. 71). 
O questionamento a este referencial tem início no contexto de mudanças econômicas, 
políticas, sociais e culturais que expressam, nos anos 60, as novas configurações que 
caracterizam a expansão do capitalismo mundial, que impõem à América Latina um estilo de 
desenvolvimento excludente e subordinado. A profissão assume as inquietações e 
insatisfações deste momento histórico e direciona seus questionamentos ao Serviço Social 
tradicional através de um amplo movimento, de um processo de revisão global, em diferentes 
níveis: teórico, metodológico, operativo e político. Este movimento de renovação que surge 
no Serviço Social na sociedade latino‐americana impõe aos assistentes sociais a 
15 
 
 
necessidade de construção de um novo projeto comprometido com as demandas das classes 
subalternas, particularmente expressas em suas mobilizações. É no bojo deste movimento, 
de questionamentos à profissão, não homogêneos e em conformidade com as realidades de 
cada país, que a interlocução com o marxismo vai configurar para o Serviço Social 
latinoamericano a apropriação de outra matriz teórica: a teoria social de Marx. Embora esta 
apropriação se efetive em tortuoso processo. 
É importante assinalar que é no âmbito do movimento de Reconceituação e em seus 
desdobramentos, que se definem de forma mais clara e se confrontam, diversas tendências 
voltadas a fundamentação do exercício e dos posicionamentos teóricos do Serviço Social. 
Tendências que resultam de conjunturas sociais particulares dos países do Continente e que 
levam, por exemplo, no Brasil, o movimento em seus primeiros momentos, (em tempos de 
ditadura militar e de impossibilidade de contestação política) a priorizar um projetotecnocrático/modernizador, do qual Araxá e Teresópolis são as melhores expressões. 
Já o tronco latino americano do movimento, sobretudo no Cone Sul, assume 
claramente uma perspectiva crítica de contestação política e a proposta de transformação 
social. Posição que, dificilmente poderá levar à prática frente à explosão de governos 
militares ditatoriais e pela ausência de suportes teóricos claros. 
Sem dúvida, as ditaduras que tiveram vigência no Continente deixaram suas marcas 
nas ciências sociais e na profissão, que depois de avançar em uma produção crítica nos 
anos 60/70 (nos países onde isso foi permitido) é obrigada a longo silêncio. 
Até o final da década de 70, o pensamento de autores latino‐americanos ainda orienta 
ao lado da iniciante produção brasileira (particularmente divulgada pelo CBCISS), a 
formação e o exercício profissional no país. Situação que, aos poucos se vai modificando 
com o desenvolvimento do debate e da produção intelectual do Serviço Social brasileiro e 
que resulta de desdobramentos e da explicitação das seguintes vertentes de análise que 
emergiram no bojo do Movimento de Reconceituação: 
• a vertente modernizadora (NETTO,1994, p.164) caracterizada pela 
incorporação de abordagens funcionalistas, estruturalistas e mais tarde sistêmicas (matriz 
positivista), voltadas a uma modernização conservadora e à melhoria do sistema pela 
mediação do desenvolvimento social e do enfrentamento da marginalidade e da pobreza na 
perspectiva de integração da sociedade. Os recursos para alcançar estes objetivos são 
buscados na modernização tecnológica e em processos e relacionamentos interpessoais. 
Estas opções configuram um projeto renovador tecnocrático fundado na busca da eficiência 
e da eficácia que devem nortear a produção do conhecimento e a intervenção profissional; 
16 
 
 
• a vertente inspirada na fenomenologia, que emerge como metodologia 
dialógica, apropriando‐se também da visão de pessoa e comunidade de E. Mounier (1936) 
dirige‐se ao vivido humano, aos sujeitos em suas vivências, colocando para o Serviço Social 
a tarefa de "auxiliar na abertura desse sujeito existente, singular, em relação aos outros, ao 
mundo de pessoas" (ALMEIDA, 1980, p. 114). Esta tendência que no Serviço Social 
brasileiro vai priorizar as concepções de pessoa, diálogo e transformação social (dos 
sujeitos) é analisada por Netto (1994, p. 201 e ss) como uma forma de reatualização do 
conservadorismo presente no pensamento inicial da profissão; 
• a vertente marxista que remete a profissão à consciência de sua inserção na 
sociedade de classes e que no Brasil vai configurar‐se, em um primeiro momento, como uma 
aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx. 
Efetivamente, a apropriação da vertente marxista no Serviço Social (brasileiro e latino‐
americano) não se dá sem incontáveis problemas, que aqui não abordaremos, e que se 
caracterizam, quer pelas abordagens reducionistas dos marxismos de manual, quer pela 
influência do cientificismo e do formalismo metodólogico (estruturalista) presente no 
"marxismo" althusseriano (referência a Louis Althusser, filosofo francês cuja leitura da obra 
de Marx vai influenciar a proposta marxista do Serviço Social nos anos 60/70 e 
particularmente o Método de B.H. Um marxismo equivocado que recusou a via institucional 
e as determinações sócio históricas da profissão. 
No entanto, é com este referencial, precário em um primeiro momento, do ponto de 
vista teórico, mas posicionado do ponto de vista sócio‐político, que a profissão questiona sua 
prática institucional e seus objetivos de adaptação social ao mesmo tempo em que se 
aproxima dos movimentos sociais. Inicia‐se aqui a vertente comprometida com a ruptura 
(NETTO,1994, p. 247 e ss) com o Serviço Social tradicional. 
Estas tendências, que configuram para a profissão linhas diferenciadas de 
fundamentação teórico‐metodológica tenderão a acompanhar a trajetória do pensamento e 
da ação profissional nos anos subsequentes ao movimento de Reconceituação e se 
conservarão presentes até os anos recentes, apesar de seus movimentos, redefinições e da 
emergência de novos referenciais nesta transição de milênio. 
 
 
 
17 
 
 
O Serviço Social nos anos 80: as tendências históricas e teórico metodológicas 
do debate profissional 
 
É, sobretudo com Iamamoto (1982) no início dos anos 80 que a teoria social de Marx 
inicia sua efetiva interlocução com a profissão. Como matriz teórico‐ metodológica esta teoria 
apreende o ser social a partir de mediações. Ou seja, parte da posição de que a natureza 
relacional do ser social não é percebida em sua imediaticidade. "Isso porque, a estrutura de 
nossa sociedade, ao mesmo tempo em que põe o ser social como ser de relações, no mesmo 
instante e pelo mesmo processo, oculta a natureza dessas relações ao observador" (NETTO, 
1995) Ou seja, as relações sociais são sempre mediatizadas por situações, instituições etc, 
que ao mesmo tempo revelam/ocultam as relações sociais imediatas. Por isso nesta matriz 
o ponto de partida é aceitar fatos, dados como indicadores, como sinais, mas não como 
fundamentos últimos do horizonte analítico. Trata‐se, portanto de um conhecimento que não 
é manipulador e que apreende dialeticamente a realidade em seu movimento contraditório. 
Movimento no qual e através do qual se engendram, como totalidade, as relações sociais 
que configuram a sociedade capitalista. 
É no âmbito da adoção do marxismo como referência analítica, que se torna 
hegemônica no Serviço Social no país, a abordagem da profissão como componente da 
organização da sociedade inserida na dinâmica das relações sociais participando do 
processo de reprodução dessas relações (cf. IAMAMOTO, 1982). 
Este referencial, a partir dos anos 80 e avançando nos anos 90, vai imprimir direção 
ao pensamento e à ação do Serviço Social no país. Vai permear as ações voltadas à 
formação de assistentes sociais na sociedade brasileira (o currículo de 1982 e as atuais 
diretrizes curriculares); os eventos acadêmicos e aqueles resultantes da experiência 
associativa dos profissionais, como suas Convenções, Congressos, Encontros e Seminários; 
está presente na regulamentação legal do exercício profissional e em seu Código de Ética. 
Sob sua influência ganha visibilidade um novo momento e uma nova qualidade no processo 
de recriação da profissão na busca de sua ruptura com seu histórico conservadorismo (cf. 
NETTO, 1996, p. 111) e no avanço da produção de conhecimentos, nos quais a tradição 
marxista aparece hegemonicamente como uma das referências básicas. Nesta tradição o 
Serviço Social vai apropriar‐se a partir dos anos 80 do pensamento de Antonio Gramsci e 
particularmente de suas abordagens acerca do Estado, da sociedade civil, do mundo dos 
valores, da ideologia, da hegemonia, da subjetividade e da cultura das classes subalternas. 
Vai chegar a Agnes Heller e à sua problematização do cotidiano, à Georg Lukács e à sua 
18 
 
 
ontologia do ser social fundada no trabalho, à E.P. Thompson e à sua concepção acerca das 
"experiências humanas", à Eric Hobsbawm um dos mais importantes historiadores marxistas 
da contemporaneidade e a tantos outros cujos pensamentos começam a permear nossas 
produções teóricas, nossas reflexões e posicionamentos ideopolíticos. 
Obviamente, este processo de construção da hegemonia de novos referenciais 
teórico‐metodológicos e interventivos, a partir da tradição marxista, para a profissão ocorre 
em um amplo debate em diferentes fóruns de natureza acadêmica e/ou organizativa, além 
de permear a produção intelectual da área. Trata‐se de um debate plural, que implica na 
convivência e no diálogo de diferentes tendências, mas que supõe uma direção hegemonica. 
A questão do pluralismo, sem dúvida uma das questões do tempo presente, desde aos anos 
80 vem‐se constituindo objeto de polêmicas e reflexões do Serviço Social. Temática 
complexa queconstitui como afirma Coutinho (1991, p. 5 ‐15) um fenômeno do mundo 
moderno e da visão individualista do homem. É o autor em questão que problematiza a 
proposta de hegemonia com pluralismo, no necessário diálogo e no debate de ideias, 
apontando os riscos de posicionamentos ecléticos (que conciliam o inconciliável ao 
apoiarem‐se em pensamentos divergentes). 
Assim, em diferentes espaços, o conjunto de tendências teórico‐metodológicas e 
posições ideopolíticas se confrontam, sendo inegável a centralidade assumida pela tradição 
marxista nesse processo. 
É importante lembrar que a pós‐graduação configura‐se, por definição, como espaço 
privilegiado de interlocução e diálogo entre as áreas do saber e entre diversos paradigmas 
teórico‐metodológicos. Neste espaço o Serviço Social brasileiro vem dialogando e se 
apropriando do debate intelectual contemporâneo no âmbito das ciências sociais do país e 
do exterior. Também neste espaço, o Serviço Social brasileiro desenvolveu‐se na pesquisa 
acerca da natureza de sua intervenção, de seus procedimentos, de sua formação, de sua 
história e, sobretudo acerca da realidade social, política, econômica e cultural onde se insere 
como profissão na divisão social e técnica do trabalho. Avançou na compreensão do Estado 
capitalista, das políticas sociais, dos movimentos sociais, do poder local, dos direitos sociais, 
da cidadania, da democracia, do processo de trabalho, da realidade institucional e de outros 
tantos temas. Enfrentou o desafio de repensar a assistência social colocando‐a como objeto 
de suas investigações. Obteve o respeito de seus pares no âmbito interdisciplinar e alcançou 
visibilidade na interlocução com as ciências sociais, apesar das dificuldades decorrentes da 
falta de experiência em pesquisa, do fato de defrontar com restrições por se constituir em 
19 
 
 
disciplina interventiva (de "aplicação") e das dificuldades na apropriação das teorias sociais. 
Nesta década o serviço Social ganha espaço no CNPq como área de pesquisa. 
Cabe também assinalar que nos anos 80 começam a se colocar para o Serviço Social 
brasileiro demandas, em nível de pós‐graduação, de instituições portuguesas, e latino 
americanas (Argentina, Uruguai, Chile), o que vem permitindo ampliar a influência do 
pensamento profissional brasileiro nestes países. 
Também no âmbito da organização e representação profissional o quadro que se 
observa no Serviço Social brasileiro é de maturação (NETTO, 1996, p. 108 ‐111). Maturação 
que expressa na passagem dos anos 80 para os anos 90 rupturas com o seu tradicional 
conservadorismo, embora como bem lembre o autor “essa ruptura não signifique que o 
conservadorismo (e com ele, o reacionarismo) foi superado no interior da categoria 
profissional" (p. 111). Pois, a herança conservadora e antimoderna, constitutiva da gênese 
da profissão atualiza‐se e permanece presente nos tempos de hoje. Essa maturidade 
profissional que avança no início do novo milênio, se expressa pela democratização da 
convivência de diferentes posicionamentos teórico‐metodológicos e ideopolíticos desde o 
final da década de 1980. Maturação que ganhou visibilidade na sociedade brasileira, entre 
outros aspectos, pela intervenção dos assistentes sociais, através de seus organismos 
representativos, nos processos de elaboração e implementação da Lei Orgânica da 
Assistência Social ‐ LOAS (dezembro de 1993). É também no âmbito da implementação da 
LOAS,e de outras políticas sociais públicas, com os processos descentralizadores que se 
instituem no país, no âmbito dessas políticas, que observa‐ se a diversificação das demandas 
ao profissional de serviço social. 
É nesse contexto histórico, pós Constituição de 1988 que os profissionais de serviço 
social, iniciam o processo de ultrapassagem da condição de executores de políticas sociais, 
para assumir posições de planejamento e gestão dessas políticas. 
A conjuntura econômica é dramática, dominada pela distância entre minorias 
abastadas e massas miseráveis. Não devemos esquecer que nos anos 80 (a “década 
perdida” do ponto de vista econômico para a CEPAL) a pobreza vai se converter em tema 
central na agenda social, quer por sua crescente visibilidade, pois a década deixou um 
aumento considerável do número absoluto de pobres, quer pelas pressões de 
democratização que caracterizaram a transição. A situação de endividamento (que cresce 
61% nos anos 80), a presença dos organismos de Washington (FMI, BANCO MUNDIAL), o 
consenso de Washington, as reformas neoliberais e a redução da autonomia nacional, a 
adoção de medidas econômicas e o ajuste fiscal vão se expressar no crescimento dos 
20 
 
 
índices de pobreza e indigência. É sempre oportuno lembrar que, nos anos 80 e 90 a 
somatória de extorsões que configurou um novo perfil para a questão social brasileira, 
particularmente pela via da vulnerabilização do trabalho, conviveu com a erosão do sistema 
público de proteção social, caracterizada por uma perspectiva de retração dos investimentos 
públicos no campo social, seu reordenamento e pela crescente subordinação das políticas 
sociais às políticas de ajuste da economia, com suas restrições aos gastos públicos e sua 
perspectiva privatizadora (cf. YAZBEK, 2004). É nesse contexto, e na “contra mão” das 
transformações que ocorrem na ordem econômica internacional mundializada que o Brasil 
vai instituir constitucionalmente em 1988, seu sistema de Seguridade Social. 
 
Serviço Social nos anos 90: as tendências históricas e teórico-metodológicas 
do debate profissional 
 
Inicialmente, não podemos esquecer que, nos marcos da reestruturação dos 
mecanismos de acumulação do capitalismo globalizado, os anos 80 e 90 foram anos 
adversos para as políticas sociais e se constituíram em terreno particularmente fértil para o 
avanço da regressão neoliberal que erodiu as bases dos sistemas de proteção social e 
redirecionou as intervenções do Estado em relação à questão social. Nestes anos, em que 
as políticas sociais vêm sendo objeto de um processo de reordenamento, subordinado às 
políticas de estabilização da economia, em que a opção neoliberal na área social passa pelo 
apelo à filantropia e à solidariedade da sociedade civil e por programas seletivos e 
focalizados de combate à pobreza no âmbito do Estado (apesar da Constituição de 1988), 
novas questões se colocam ao Serviço Social, quer do ponto de vista de sua intervenção, 
quer do ponto de vista da construção de seu corpo de conhecimentos. 
Assim, a profissão enfrenta o desafio de decifrar algumas lógicas do capitalismo 
contemporâneo particularmente em relação às mudanças no mundo do trabalho e sobre os 
processos desestruturadores dos sistemas de proteção social e da política social em geral. 
Lógicas que reiteram a desigualdade e constroem formas despolitizadas de abordagem da 
questão social, fora do mundo público e dos fóruns democráticos de representação e 
negociação dos interesses em jogo nas relações Estado / Sociedade. 
Efetivamente, a opção neoliberal por programas seletivos e focalizados de combate à 
pobreza e o avanço do ideário da "sociedade solidária" que implica no deslocamento para 
sociedade das tarefas de enfrentar a pobreza e a exclusão social, começa a parametrar 
diferentes modalidades de intervenção no campo social na sociedade capitalista 
21 
 
 
contemporânea Exemplos desta opção podem ser observados em diversos países do 
Continente latino‐americano como no Chile e na Argentina. 
Inserido neste processo contraditório o Serviço Social da década de 90, se vê 
confrontado com este conjunto de transformações societárias no qual é desafiado a 
compreender e intervir nas novas configurações e manifestações da "questão social", que 
expressam a precarização do trabalho e a penalização dos trabalhadores na sociedade 
capitalista contemporânea. 
Trata‐se de um contexto em que são apontadas alternativas privatistas e 
refilantropizadaspara questões relacionadas à pobreza e à exclusão social. Cresce o 
denominado terceiro setor, amplo conjunto de organizações e iniciativas privadas, não 
lucrativas, sem clara definição, criadas e mantidas com o apoio do voluntariado e que 
desenvolvem suas ações no campo social, no âmbito de um vastíssimo conjunto de 
questões, em espaços de desestruturação (não de eliminação) das políticas sociais, e de 
implementação de novas estratégias programáticas como, por exemplo, os programas de 
Transferência de Renda, em suas diferentes modalidades. 
Nessa conjuntura, emergem processos e dinâmicas que trazem para a profissão, 
novas temáticas, novos, e os de sempre, sujeitos sociais e questões como: o desemprego, 
o trabalho precário, os sem terra, o trabalho infantil, a moradia nas ruas ou em condições de 
insalubridade, a violência doméstica, as discriminações por questões de gênero e etnia, as 
drogas, a expansão da AIDS, as crianças e adolescentes de rua, os doentes mentais, os 
indivíduos com deficiências, o envelhecimento sem recursos, e outras tantas
 questões e temáticas relacionadas à pobreza, à subalternidade e à exclusão com suas 
múltiplas faces. 
Ao longo da década a profissão se coloca diante destas e de outras questões. 
Destacam‐se como alguns dos eixos articuladores do debate profissional e que tem 
rebatimentos em sua ação e produção: 
• a Seguridade Social, em construção no país, após a Carta Constitucional de 
1988, que afirma o direito dos cidadãos brasileiros a um conjunto de direitos no âmbito das 
políticas sociais (Saúde, Previdência e Assistência Social). A noção de Seguridade supõe 
que os cidadãos tenham acesso a um conjunto de certezas e seguranças que cubram, 
reduzam ou previnam situações de risco e de vulnerabilidades sociais. Essa cobertura é 
social e não depende do custeio individual direto. A inserção do Serviço Social brasileiro nos 
debates sobre essa cobertura social marcou a década; 
22 
 
 
• a Assistência Social, qualificada como política pública, de Proteção Social, 
constitutiva da Seguridade Social, constituiu‐se em tema de estudos, pesquisas e campo de 
interlocução do Serviço Social com amplos movimentos da sociedade civil que envolveram 
fóruns políticos, entidades assistenciais e representativas dos usuários de serviços 
assistenciais; 
• a questão da municipalização e da descentralização das políticas sociais 
públicas e outros aspectos daí decorrentes, seja na ótica da racionalização de recursos, 
humanos e sociais com vistas a seus efetivos resultados, tanto na perspectiva de aproximar 
a gestão destas políticas dos cidadãos. Notável é desde os anos 1990, em todo o território 
nacional a presença e o protagonismo do assistente social em fóruns e conselhos vinculados 
às políticas de saúde, de assistência social, da criança e do adolescente, entre outras, 
participando ativamente na defesa de direitos e no controle social das políticas públicas. 
É importante observar que esta presença tem início em uma conjuntura contraditória 
e adversa, na qual os impactos devastadores sobre o processo de reprodução social da vida 
se fazem notar de múltiplas formas, mas, sobretudo pela precarização do trabalho e pela 
desmontagem de direitos. 
É fundamental assinalar que as transformações societárias que caracterizam esta 
década, vão encontrar um Serviço Social consolidado e maduro na sociedade brasileira, uma 
profissão com avanços e acúmulos, que, ao longo desta década construiu, com ativa 
participação da categoria profissional, através de suas entidades representativas um projeto 
ético político profissional para o Serviço Social brasileiro, que integra valores, escolhas 
teóricas e interventivas, ideológicas, políticas, éticas, normatizações acerca de direitos e 
deveres, recursos político‐organizativos, processos de debate, investigações e, sobretudo 
interlocução crítica com o movimento da sociedade na qual a profissão é parte e expressão 
(cf. NETTO, 1999). 
A direção social que orienta este projeto de profissão tem como referência a relação 
orgânica com o projeto das classes subalternas, reafirmado pelo Código de Ética de 1993, 
pelas Diretrizes Curriculares de 1996 e pela Legislação que regulamenta o exercício 
profissional (Lei n. 8662 de 07/06/93). 
Cabe ainda assinalar outra questão que vem permeou o debate dos assistentes 
sociais nesta conjuntura: trata‐se do movimento de precarização e de mudanças no mercado 
de trabalho dos profissionais brasileiros, localizado no quadro mais amplo de 
desregulamentação dos mercados de trabalho de modo geral, quadro em que se alteram as 
profissões, redefinem‐se suas demandas, monopólios de competência e as próprias relações 
23 
 
 
de trabalho. Aqui situamos processos como a terceirização, os contratos parciais, 
temporários, a redução de postos de trabalho, a emergência de novos espaços de trabalho 
como o Terceiro Setor, a exigência de novos conhecimentos técnico‐operativos, ao lado do 
declínio da ética do trabalho e do restabelecimento exacerbado dos valores da 
competitividade e do individualismo. Não podemos esquecer que a reestruturação dos 
mercados de trabalho no capitalismo contemporâneo vem se fazendo via rupturas, apartheid 
e degradação humana. 
Do ponto de vista das referências teórico‐metodológicas a questão primeira que se 
coloca para a profissão já no início da década é o confronto com a denominada "crise" dos 
modelos analíticos, explicativos nas ciências sociais, que buscam captar o que está 
acontecendo no fim de século e as grandes transformações que alcançam múltiplos aspectos 
da vida social. No mundo do conhecimento começam as interferências, não sem conflitos, 
do denominado pensamento pós moderno, "notadamente em sua versão neoconservadora" 
(NETTO, 1996, p. 114) que questiona e nivela os paradigmas marxista e positivista. Estes 
questionamentos se voltam contra os diferentes "modelos" explicativos por suas 
macroabordagens apontando que nestas macronarrativas são deixados de lado valores e 
sentimentos fundamentais dos homens, seu imaginário, suas crenças, afeições, a beleza, os 
saberes do cotidiano, os elementos étnicos, religiosos, culturais, os fragmentos da vida 
enfim. A abordagem pós‐moderna dirige sua crítica à razão afirmando‐a como instrumento 
de repressão e padronização, propõe a superação das utopias, denuncia a administração e 
o disciplinamento da vida, recusa a abrangência das teorias sociais com suas análises 
totalizadoras e ontológicas sustentadas pela razão e reitera a importância do fragmento, do 
intuitivo, do efêmero e do microssocial (em si mesmos) restaurando o pensamento 
conservador e antimoderno. Seus questionamentos são também dirigidos à ciência que 
esteve mais a serviço da dominação do que da felicidade dos homens. Assim ao afirmar a 
rejeição à ciência o pensamento pós‐moderno rejeita as categorias da razão (da 
Modernidade) que transformaram os modos de pensar da sociedade, mas não emanciparam 
o homem, não o fizeram mais feliz e não resolveram problemas de sociedades que se 
complexificam e se desagregam. O posicionamento pós‐moderno busca resgatar valores 
negados pela modernidade e cria um universo descentrado, fragmentado relativo e fugaz. 
Para Harvey (1992) as características da pós‐modernidade são produzidas historicamente e 
se relacionam com a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital. 
Observe‐se que a complexidade da questão não está na abordagem de questões 
micro sociais, locais ou que envolvam dimensões dos valores, afetos e da subjetividade 
24 
 
 
humana (questões de necessário enfrentamento), mas está na recusa da Razão e na 
descontextualização, na ausência de referentes históricos, estruturais no não 
reconhecimento de que os sujeitos históricos encarnam processos sociais, expressam visões 
de mundo e tem suas identidades sociais construídas na tessitura das relações sociais mais 
amplas. Relações quese explicam em teorias sociais abrangentes, que configuram visões 
de mundo onde o particular ganha sentido referido ao genérico. 
Cabe assinalar ainda que, todo este debate que é apresentado no âmbito das ciências 
sociais contemporâneas como crise de paradigmas, em termos da capacidade explicativa 
das teorias recoloca a polêmica Razão/Intuição que tem repercussões significativas na 
pesquisa, na construção de explicações sobre a realidade e na definição de caminhos para 
a ação. 
Especificamente no Serviço Social estas questões também se colocam, apesar da 
vitalidade do marxismo como paradigma de análise e compreensão da realidade e apesar 
da manutenção da hegemonia do projeto profissional caracterizado pela ruptura com o 
conservadorismo que caracterizou a trajetória do Serviço Social no país. Colocam‐se nos 
desdobramentos e nas polêmicas em torno dos paradigmas clássicos e na busca de 
construção de novos paradigmas; se colocam pela apropriação do pensamento de autores 
contemporâneos de diversas tendências teórico‐ metodológicas como Anthony Giddens, 
Hannah Arendt, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Juergen Habermas, Edgard Morin, 
Boaventura Souza Santos, Eric Hobsbawm, E.P. Thompson e tantos outros. Se colocam 
também nas formas de abordagem das temáticas relevantes para a profissão nesta transição 
de milênio, na busca de interligação entre sujeito e estrutura e entre concepções macro e 
micro da vida social, na retomada e valorização das questões concernentes à cultura das 
classes subalternas e em outras clivagens e questões relativas aos dominados tanto no plano 
das relações culturais como nas lutas pelo empowerment e contra a discriminação pelo 
gênero, pela etnia, pela idade. (FALLEIROS, 1996, p. 12). 
No âmbito da produção inspirada na tradição marxista, estas questões aparecem com 
o recurso à pensadores que abordam temáticas da cultura das classes subalternas, do 
sujeito e da experiência cotidiana da classe como Gramsci, Heller e Thompson. 
Efetivamente, os desdobramentos desta "crise" de referenciais analíticos, permeiam 
polêmica profissional dos dias atuais e se expressam pelos confrontos com o 
conservadorismo que atualiza‐se em tempos pós modernos. 
Assim, coloca‐se como desafio à profissão ao longo de toda a década de 90, e neste 
início de milênio a consolidação do projeto ético político, teórico metodológico e operativo 
25 
 
 
que vem construindo particularmente sob a influência da tradição marxista, "mas 
incorporando valores auridos noutras fontes e vertentes e, pois sem vincos estreitos ou 
sectários, aquelas matrizes estão diretamente conectadas ao ideal de socialidade posto pelo 
programa da modernidade ‐ neste sentido, tais matrizes não são 'marxistas' nem dizem 
respeito apenas aos marxistas, mas remetem a um largo rol de conquistas civilizatórias e, do 
ponto de vista profissional, concretizam um avanço que é pertinente a todos os profissionais 
que, na luta contra o conservadorismo, não abrem mão daquilo que o velho Lukács chamava 
de 'herança cultural'." (NETTO, 1996, p. 117). 
 
As polêmicas dos dias atuais 
 
No início do milênio o Serviço Social brasileiro enfrenta a difícil herança do final do 
século anterior, com seus processos de globalização em andamento, com sua valorização 
do capital financeiro, suas grandes corporações transnacionais, seus mercados, suas 
mídias, suas estruturas mundiais de poder e as graves consequências desta conjuntura para 
o tecido social em geral, configurando um novo perfil para a questão social; no qual 
destacamos a precarização, a insegurança e a vulnerabilidade do trabalho e das condições 
de vida dos trabalhadores que perdem suas proteções e enfrentam problemas como o 
desemprego, o crescimento do trabalho informal (hoje mais da metade da força de trabalho 
do país) e das formas de trabalho precarizado e sem proteção social. 
Trata‐se de um contexto que interpela a profissão sob vários aspectos: das novas 
manifestações e expressões da questão social, aos processos de redefinição dos sistemas 
de proteção social e da política social em geral, que emergem nesse contexto. 
Nesses anos, assim como na última década do século XX, tornaram‐se evidentes as 
inspirações neoliberais da política social brasileira, face às necessidades sociais da 
população. Uma retomada analítica dessas políticas sociais revela sua direção 
compensatória e seletiva, centrada em situações limites em termos de sobrevivência e seu 
direcionamento aos mais pobres dos pobres, incapazes de competir no mercado. Estas 
políticas focalizadas permaneceram e se expandiram no governo Lula, como é o caso dos 
programas de Transferência de Renda. 
Efetivamente, no país, apesar dos consideráveis avanços na Proteção Social, 
garantidos na Constituição Federal de 1988 e expressos, por exemplo, no ECA, na LOAS e 
no SUS, esses últimos anos não romperam com as características neoliberais que se 
expandiram desde os anos 90, face às necessidades sociais da população. 
26 
 
 
No caso da Assistência Social merece destaque a Política Nacional de Assistência 
Social – PNAS (2004) que propõe uma nova arquitetura institucional e política para essa 
política com a criação de um Sistema Único de Assistência Social ‐ SUAS. O SUAS é 
constituído pelo conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios no âmbito da 
assistência social. É um modo de gestão compartilhada que divide responsabilidades para 
instalar, regular, manter e expandir ações de assistência social. 
Desde então, são os assistentes sociais que estão implementando o SUAS, 
enfrentando inúmeros desafios entre os quais destacamos a reafirmação da Assistência 
Social como política de Seguridade Social, a consolidação e a democratização dos 
Conselhos e dos mecanismos de participação e controle social; a organização e apoio à 
representação dos usuários; a participação nos debates sobre o SUAS, a NOB, os CRAS e 
os CREAS; a elaboração de diagnósticos de vulnerabilidade dos municípios; o 
monitoramento e a avaliação da política; o estabelecimento de indicadores e padrões de 
qualidade e de custeio dos serviços; contribuindo para a construção de uma cultura 
democrática, do direito e da cidadania. 
Outro desafio colocado aos assistentes sociais brasileiros neste início dos anos 2000, 
refere‐se aos Programas de Transferência de Renda, sem dúvida uma das faces mais 
importantes da Política Social brasileira, conforme dados oficiais (PNAD 2006) chegam a 
quem precisam chegar (11milhões de famílias) Destas, 91% tem como renda mensal per 
capita até 1 salário mínimo e 75% delas tem menos de meio salário mensal de renda per 
capita. Essa PNAD também revela uma questão essencial: os PTR não retiram os 
beneficiários do trabalho (79.1% dos beneficiários trabalham). Ou seja o Bolsa Família não 
pretende substituir a renda do trabalho e apesar das polêmicas que cercam o Programa, seu 
impacto sobre as condições de vida das famílias mais pobres, sobretudo no Nordeste é 
incontestável. Ele significa basicamente mais comida na mesa dos miseráveis. 
É bom lembrar que se escapa às políticas sociais, às suas capacidades, desenhos e 
objetivos reverter níveis tão elevados de desigualdade, como os encontrados no Brasil, essas 
políticas também respondem a necessidades e direitos concretos de seus usuários. 
E os assistentes sociais vêm, em muito, contribuindo, nas últimas décadas, para a 
construção de uma cultura do direito e da cidadania, resistindo ao conservadorismo e 
considerando as políticas sociais como possibilidades concretas de construção de direitos e 
iniciativas de “contra‐desmanche” nessa ordem social injusta e desigual. 
No âmbito da pesquisa e da produção de conhecimentos o Serviço Social brasileiro 
chega a 2007 com uma maturidade expressa em seus 25 Programas de Pós‐ Graduação 
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direcionados à formação de recursos humanos com capacidade para atuar criticamente na 
realidade social. 
Doponto de vista dos referentes teórico metodológicos, permanecem as tensões e 
ambiguidades que caracterizaram o Serviço social brasileiro na década de 1990: apesar da 
ruptura com o histórico conservadorismo e da legitimidade alcançada pelo pensamento 
marxista ampliam‐se as interferências de outras correntes teórico metodológicas, 
particularmente no âmbito da influência do pensamento pós‐moderno e neoconservador e 
das teorias herdeiras da “perspectiva modernizadora” (Cf. NETTO, 1996), caracterizadas por 
seu caráter sistêmico e tecnocrático. 
Há pouco mais de uma década, Netto já apontava como hipóteses para o 
encaminhamento dessa tensão uma dupla perspectiva: de um lado a consolidação e o 
aprofundamento da hegemonia da atual direção social e de outro a possibilidade de sua 
reversão ou mudança. Afirmava o autor "[...] num ordenamento social com regras 
democráticas, uma profissão é sempre um campo de lutas, em que os diferentes segmentos 
da categoria, expressando a diferenciação ideopolítica existente na sociedade, procuram 
elaborar uma direção social estratégica para a sua profissão" (NETTO, 1996, p. 116). 
Para finalizar é necessário assinalar que a reafirmação das bases teóricas do projeto 
ético político, teórico metodológico e operativo, centrada na tradição marxista, não pode 
implicar na ausência de diálogo com outras matrizes de pensamento social, nem significa 
que as respostas profissionais aos desafios desse novo cenário de transformações possam 
ou devam ser homogêneas. Embora possam e devam ser criativas e competentes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
 
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