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Francisco Imbernón Q U A L I D A D E □ 0 EN S IN O E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO uma mudança necessária /2iCORT€Z *&€DITORfl Este livro tem como objetivo ajudar o leitor a refletir sobre questões relacionadas com a educação. Está dividido em duos partes. Na primeira, sáo analisadas a figura do professor, a escola e a qualidade do ensino. A segunda trata dos professores e sua formação como elemento essencial na qualidade da educação em todos os âmbitos, para ser conduzida até os novos aspectos, como a criação de redes de formação. Sâo intercaladas ideias, quadros, motérias da internet, citações, filmes, livros, rostos etc. com o intuito de refletir sobre as mudanças na educação. 0 leitor pode adi cionar aspectos que o ajudem a aprimorar e ampliar aquilo que o livro desenvolve. Porque já nâo servem conceitos antigos paro proble mas novos. Temos de buscar soluções para os problemas e desafios atuais da educação; te mos de amplior nossos conhecimentos sobre a educação. Por isso, oferecemos aqui pistas para que se encontrem instrumentos para poder mudar a educação, ou, pelo menos, que nos permitam refletir sobre como a educação pode nos levar a melhorar a humanidade. ISBN 978-85-249-2430-9 9 7 00oo 5 2 4 9 2 4 3 0 9 CORT€Z€DITORA OBRAS DO AUTOR FORMAÇÃO DOCENTE E PROFISSIONAL: fo rm ar-se para □ mudança e a incerteza Col, Questões da Nossa Época vol, 14 128 pags. ISBN 978-85-249-1630-4 INOVAR O ENSINO E A APRENDIZAGEM NA UNIVERSIDADE Col, Questões da Nossa Época vol, 40 128 págs, ISBN 978-85-249-1863-6 FORMAÇÃO PERMANENTE DO PROFESSORADO: novas tendências 120 págs, ISBN 978-85-249-1494-2 QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 'Q s s EDITORA AFILIADA Coordenador do Conselho Editorial de Educação Marcos Cezar de Freitas Conselho Editorial de Educação José Cerchi Fusari Marcos Antonio Lorieri Marli André Pedro Goergen Terezinha Azeredo Rios Valdemar Sguissardi Vitor Henrique Paro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Imbemón, Francisco Qualidade do ensino e formação do professorado: uma mudança necessária / Francisco Im bem ón; [tradução Silvana Cobucci Leite]. - São Paulo : Cortez, 2016. Título original: Calidad de la ensenanza y formación dei profesorado : Un cambio necesario. Bibliografia. ISBN 9978-85-249-2430-9 1. Ensino - Finalidades e objetivos 2. Ensino - Qualidade 3. Professores - Formação profissionais I. Título. 16-01028 CDD-370.71 índices para catálogo sistemático: 1. Docentes : Formação profissional: Educação 370.71 2. Professores : Formação profissional: Educação 370.71 Francisco Imbemón QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO uma mudança necessária Tradução Silvana Cobucci Leite 6DITORA Título original: Calidad de la ensenanza yformación dei profesorado. Un cambio necesario Francisco Imbernón Capa: de Sign Arte Visual Preparação de originais: Solange Martins Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Composição: Linea Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do autor e do editor. © 2013 Ediciones Octaedro, S. L., Barcelona, Espana Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 05014-001 - São Paulo - Brasil Tels.: (55 11) 3864 0111 / 3611 9616 Site: www.cortezeditora.com.br e-mail: cortez@cortezeditora.com.br Impresso no Brasil - maio de 2016 http://www.cortezeditora.com.br mailto:cortez@cortezeditora.com.br íDITORO 5 SUMÁRIO Introdução. O que significam a qualidade e a mudança no ensino? Dois conceitos multifacetados, para não dizer confusos................................................................................................ 11 A mudança na educação.................................................................. 13 PRIMEIRA PARTE O p r o f e s s o r a d o , a e s c o la , a c o m u n id a d e e a q u a lid a d e d a e d u c a ç ã o Capítulo 1. O início: a função e a imagem social do professor. Sem qualidade docente não existe qualidade educacional.... 25 1.1 O duro ofício de ensinar........................................................ 33 1.2 Diferentes professores, diferentes épocas.......................... 35 1.3 As mudanças nas funções do professor e da professora durante o século XX................................................................. 40 1.4 A tarefa e a imagem social. Muito trabalho a ser feito.... 46 1.5 Velhas e novas funções. Rumo ao futuro........................... 50 6 FRANCISCO IMBERNÓN Capítulo 2. Qualidade e fragmentação curricular na escola. Fragmentação ou globalização?..................................................... 54 2.1 Fragmentar ou não fragmentar? Eis a questão................. 57 2.2 Ensinar e aprender o saber para aumentar a qualidade da educação............................................................................... 59 2.3 Aprender a aprender, sim, mas também aprender a integrar (e a desfragmentar).............................. 62 Capítulo 3. Escola, qualidade, inclusão, multiculturalidade e interculturalidade.............................................................................. 67 3.1 Somos todos diferentes, não?................................................ 73 3.2 Algumas reflexões sobre a mudança na educação e a multiculturalidade................................................................... 78 3.3 A multiculturalidade se transforma nas escolas.............. 79 3.4 O espaço educativo multicultural ou intercultural......... 82 Capítulo 4. A qualidade da educação não está apenas na escola... 86 4.1 A necessária mudança na organização da escola............. 88 4.2 Alguns pontos de vista nas comunidades de aprendizagem........................................................................... 90 SEGUNDA PARTE O p r o f e s s o r a d o e s u a f o r m a ç ã o c o m o f e r r a m e n t a s i m p r e s c in d í v e i s d a q u a lid a d e d a e d u c a ç ã o . C a m in h a n d o r u m o a o f u t u r o Capítulo 5. A profissão docente do ponto de vista internacional. O caso da Europa............................................................................... 95 5.1 Aspectos gerais........................................................................ 98 5.1.1 A docência como carreira atrativa........................... 98 5.1.2 Políticas destinadas ao professorado....................... 98 5.1.3 Formação permanente do professorado................. 99 5.1.4 Selecionar para o exercício do professorado.......... 100 5.1.5 A eficiência do professorado...................................... 101 5.2 Aspectos de política específica.............................................. 102 Capítulo 6. A profissão docente no atual contexto da educação para além dos relatórios................................................................... 105 6.1 A profissão docente do presente para o futuro................. 107 6.2 A profissão docente em um contexto incerto.................... 117 6.3 Mesmo assim, não podemos cair em um ingenuísmo pedagógico................................................................................. 121 6.4 Possíveis alternativas.............................................................. 125 Capítulo 7. A formação que o professorado recebe na universidade....................................................................................... 128 7.1 A universidade e a formação inicial do professorado nas etapas de educação infantil e primária. A estrutura. 129 7.2 A formação inicial do professorado e a universidade na etapa do ensino médio. Por fim, um mestrado........... 132 7.3 A formação inicial do professorado e a universidade. A estrutura: de escolas universitárias a faculdades......... 135 7.4 A universidade e a formação permanente do professorado de níveis não universitários..........................137 7.5 A formação do professorado universitário na universidade. Uma utopia?................................................... 139 Capítulo 8. Qual formação permanente para o professorado?.... 141 8.1 O que aprendemos e o que temos que desaprender?..... 143 8.2 Que caminho poderíamos seguir a partir de agora?...... 146 QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 7 8 FRANCISCO IMBERNÓN Capítulo 9. A formação a partir de dentro. O que é a formação em escolas e não nas escolas?......................................................... 149 9.1 A escola como agente de formação e de mudança.......... 154 9.2 Condições e elementos práticos da formação em escolas.................................................................................. 156 Capítulo 10. Qualidade e metodologia na formação do professorado....................................................................................... 161 10.1 A metodologia formativa nas modalidades de formação.. 166 Capítulo 11. Ética e valores na formação docente.......................... 170 11.1 Quais valores? Qual ética?.................................................... 171 11.2 Aprender ética e aprender com ética.................................. 173 11.3 Da identidade à formação de atitudes e emoções............ 177 Capítulo 12. O professorado e sua formação na Europa e na América Latina. Iguais, parecidos, diferentes, ou um pouco de tudo?................................................................................... 180 12.1 Formação ou desenvolvimento profissional? Do que estamos falando?...................................................................... 184 12.2 O papel do professorado....................................................... 186 12.3 O que nos une e o que nos separa....................................... 190 Capítulo 13. A pesquisa-ação ou o modelo investigativo de formação como desenvolvimento da qualidade educacional nas escolas........................................................................................... 194 13.1 A pesquisa-ação como processo e ferramenta de formação do professorado..................................................... 198 Capítulo 14. Redes do professorado e de formação para uma educação de qualidade. O futuro já presente............................. 201 14.1 Comunidade de prática e de prática formativa do professorado?............................................................................ 202 14.2 Da comunidade às redes entre o professorado................ 207 QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 9 Conclusão .................................................................................................. 213 O que está acontecendo hoje em dia?........................................... 213 Falamos de professores e professoras, vítimas ou culpados?.............................................................................. 215 Falemos das consequências das políticas governamentais erráticas...................................................................................... 217 O que está acontecendo? Por que alguns políticos não dizem a verdade?..................................................................... 218 Quantidade e qualidade, duas faces da mesma moeda........... 221 A qualidade passa pelo compromisso com a transformação social e educacional................................................................. 223 Referências............................................................................................... 227 INTRODUÇÃO O que significam □ qualidade e a mudança no ensino? Dois conceitos multifacetados, para não dizer confusos Se os conceitos não são corretos, as palavras não são corretas; se as palavras não são corretas, os temas não se realizam; se os temas não se realizam, a moral e a arte não prosperam; se a moral e a arte não prosperam, a justiça não acerta; se a justiça não acerta, a nação não sabe como agir. Em consequência, nas palavras não deve haver nada incorreto. É isso que importa. C onfúcio, on de dá sua visão da linguagem , c itad o po r Karl Kraus' en Die Fackel [/A tocha] para d ize r que to d a fo rm a de go ve rno deve com eçar com o respe i to pelas palavras. Há na educação uma tendência a adotar uma linguagem comum ligada aos modismos do momento, e não apenas entre os atores do sistema educacional, mas também na administração deste. Isso certa mente acontece em todos os âmbitos profissionais, mas talvez em outras disciplinas não ocorra o mesmo que na educação: cada época 1. Karl Kraus (1874-1936). Escritor e jornalista austríaco de tendência satírica. Desde 1899 e durante trinta e sete anos, Karl Kraus criou, editou e escreveu quase sozinho uma revista, Die Fackel, na qual realizou uma crítica radical à cultura vienense de começos do século passado, denunciou a corrupção e a degradação de uma linguagem que via banalizar-se e mercantilizar-se. 12 FRANCISCO IMBERNÓN tem sua linguagem educacional que costuma estar unida às sucessivas reformas promovidas pelos governos que ganham as eleições naquele momento. Aconteceu nos anos 1990 com as reformas educacionais e tem ocorrido nas primeiras décadas do século XXI com as competências, com a qualidade (às vezes com o nome de gestão da qualidade e qua lidade total), com a excelência (empoderamento), com a mudança, com a gestão do conhecimento, com a incerteza, com a governabilidade ou governança etc. Tal terminologia transforma-se em moda e passa a se espalhar como uma mancha de óleo, servindo de curinga em discursos em que às vezes nem sequer se sabe o que realmente se está dizendo ao mencionar tais termos. Embora ao longo deste livro vários desses termos sejam analisados, queremos nos concentrar um pouco mais em dois: a qualidade e a mudança do ensino. Afirma-se que é preciso caminhar para a qualida de educacional (ou a excelência, como um dos sinônimos), e eu enten do o termo mais como a coerência entre o que pretendemos e o que obtemos. Ao se mencionar o conceito, passa-se a dizer que tudo deve mudar, já que o mundo circundante se move na mudança constante. E às vezes a linguagem, e não a ação que sua prática comporta, pro voca a percepção de determinada qualidade ou a percepção da própria mudança (às vezes, de tanto dizer as coisas, elas se convertem em verdade, embora sejam fictícias). Mas o que é a qualidade do ensino? Mais documentos, diretrizes e burocracia? Que diferença tem com a excelência, tão martelada nos discursos políticos, e ainda mais atual mente? E a mudança? Significa que tudo muda para que tudo fique como está, o chamado leopardismo ou efeito Lampedusa, ou é para inovar e tornar tudo melhor? Pode-se inovar para que tudo fique pior? Comecemos analisando a mudança, embora ao longo do livro conti nuem a aparecer o conceito e sua aplicação na educação prática, que é o que mais me interessa, assim como o de "qualidade". QUAL1DAD1 0 0 fcNSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 13 O leopardismo, o efeito Lampedusa, é um conceito político de acordo com o qual em determinados momentos históricos se torna necessário criar uma aparência de mudança revolucionária com a finalidade última de que a base, o núcleo do sistema, permaneça incólume e inalterado. Tudo muda para que tudo continue como está. Surge da obra de Giuseppe Tomasi di Lampedusa,2 11 Gattopardo [no Brasil, O Leopardo], publicada postumamente. Foi adaptada para o cinema pelo diretor Luchino Visconti. Cartaz de II Gattopardo (1963), de Luch ino V isconti Sinopse Filme baseado no romance homônimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957). É a época da uni ficação da Itália em tomo do Piemonte, cujo artífice foi Cavour. A ação se passa em Palermo e os protagonistas são Don Fabrizio, príncipe de Salina, e sua família, cuja vida é alterada após a invasão da Sicüia pelas tropas de Garibaldi (1860). Para se afastar dos distúrbios, a família se refugia na casa de campo que possui em Donnafugata.Para o lugar se deslocam, além da mu lher do príncipe e de seus três filhos, o jovem Tancredi, o sobrinho predileto de Don Fabrizio, que parece simpatizar com o movimento liberal de unificação. A mudança na educação Hoje, todos falam de mudança, a mudança inunda tudo, parece que tudo vai mudar, exceto a mudança. Sempre se teve a percepção de que tudo muda, e embora seja verdade que a vida passa rapida mente, essa passagem do tempo agora parece ser mais vertiginosa; parece que tudo corre ou que todos correm. Creio que o que dá a 2. Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), membro da alta aristocracia siciliana, viveu na Letônia, na França e na Grã-Bretanha, e participou ativamente nas duas guerras mundiais. Não chegou a ver publicada a obra que o imortalizou, II Gattopardo. 14 FRANCISCO IMBERNÓN impressão dessa vertiginosidade é a tecnologia; os aparelhos que o ser humano utiliza para se deslocar, para se informar, se comunicar ou se divertir mudam constantemente não apenas a cultura, mas também a educação ou os temas e relações sociais (embora estes também tenham mudado com o tempo).3 Sua rápida obsolescência (a dos aparelhos) leva-nos a uma percepção da mudança vertiginosa. Há algumas déca das, essa percepção era menor, já que os utensílios e os processos co tidianos que utilizávamos duravam muito mais tempo. E, assim, sem mais nem menos, a mudança é incorporada ao pa pel escrito e às declarações públicas e políticas como um lugar-comum, mas que dificilmente se vê transferido para a realidade da prática da educação.4 E por que estou dizendo isso? Em minha opinião, não se pode mudar a educação sem propor seriamente um novo conceito e uma nova mentalidade para analisá-la, e isso já é mais difícil e requer opções políticas que muitas vezes não se verificam. São necessárias muitas mudanças para mudar a educação, com perdão da obviedade. Isso significa perguntar-se como estabelecer relações com a comuni dade e com os docentes; a modificação de estruturas, as políticas educacionais, o currículo, o papel dos alunos, a nova forma de apren der para além da escolarização etc. E, sobretudo, implica romper certas inércias e ideologias institucionais e políticas que levam a de terminadas políticas conservadoras, neoconservadoras ou à moderni zação conservadora — como diria Apple (2002)5 —, que perduraram e que em alguns países se acentuam nos últimos anos com o aumento de políticas neoliberais e neoconservadoras, ainda que parcialmente (também em políticas de governos autodenominados de esquerda). Apple (2002, p. 53) diz com razão: 3. Pode-se ler La tercera ola, de Alvin Toffler, publicado em 1979 por Editorial Plaza & Janés, de Barcelona. [Ed. bras.: Toffler , A. A terceira onda. 8. ed. Trad. João Távora. Rio de Janeiro: Record, 1980.] 4. Ver, por exemplo, López-Arancuren , Eduardo; G ómez Rodríguez, Carlos. La retórica dei cambio en las organizaciones: un análisis aplicado. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2004. 5. Ver A pple , M. W. Educar "como Dios manda": mercados, niveles, religion y desigualdad. Barcelona: Paidós, 2002. QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 15 A guinada à direita foi o resultado do sucesso que as direitas tiveram na form ação de um a aliança de base mais ampla. E, em parte, esse sucesso se deveu ao fato de terem conseguido ganhar a batalha pelo senso co m um . Ou seja, elas reuniram de um a forma criativa diferentes com pro missos e tendências sociais e os integraram em sua agenda geral para a proteção social, a cultura, a econom ia e a educação. Seu objetivo na política educacional e social é o que antes denominei "m odernização conservadora". E citar a mudança ou introduzi-la em um discurso político não é suficiente para mudar as coisas (alguns políticos nos dão um enorme exemplo disso ao falar de mudança antes das eleições: podemos ver quais mudanças são efetuadas depois, além daquelas em benefício próprio ou de seus militantes). Às vezes são linguagens vazias, mas parecem discursos progressistas. Diversos estudos sobre o discurso político (muitos dos quais em âmbitos teórico-metodológicos tão amplos como a linguística, as teorias da comuni cação e até os modelos matemáticos) trouxeram diversas conclusões e inter pretações sobre as "m olas" que impelem o ator político a estruturar um discurso, para influenciar, manipular, distorcer, confundir, persuadir, conven cer, animar, motivar, e daí gerar conclusões sobre a intenção, a ideologia e o interesse implícito ou explícito de diversos atores: líderes políticos, partidos políticos, estruturas de governo, entre outros. G asparín, Á lvaro de. RazónyPalabra, M éxico, n. 39 ,2004 . D ispon íve l em : <w w w .razonypa lab ra .o rg . m x /a n te rio re s /n 39 /ag aspa rin .h tm l>. Acesso em : 20 ou t. 2015. Sobre o discurso político Nos últimos anos, juntamente com a mudança, aparece a quali dade como conceito multifacetado (ou melhor, seria um construto genérico, isto é, algo que se sabe que existe, mas cuja definição é difícil ou controversa) ou, como alguns o chamam, conceito multidimensio nal e relativo, para não se atrever a dizer confuso ou ambíguo. "Não temos qualidade, é preciso trabalhar para a qualidade, a qualidade é prioritária...", dizem, e se atribui a esse multifacetado conceito um http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n39/agasparin.html http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n39/agasparin.html 16 FRANCISCO 1MBERNÓN enfoque vago, técnico, baseado na eficiência e na efetividade, de pa drões e burocratizante, de qualidade tão em moda nos últimos anos em aplicações a determinados modelos de qualidade provenientes do mundo empresarial, de onde surgiu, como se as crianças fossem objetos de uma fábrica e os professores, suas máquinas (um exemplo ilustrado é o famoso desenho de Frato, Francesco Tonucci, reproduzi do na página seguinte). E passa-se a elaborar protocolos, pesquisas, roteiros, a criar escolas de elite, a aumentar o número de horas de aula, a propor a excelência baseada no sucesso e a estabelecer níveis dife renciados de alunos etc. Surgem os questionários ou pesquisas (sempre de papel e lápis) que tentam mensurar como deveria ser a escola, partindo, é claro, de determinada visão da realidade social, da escola e da educação. A visão própria de quem elabora o questionário ou do grupo ao qual pertence. Daí à classificação é só um passo e à segrega ção, dois. E, por fim, um objetivo subliminar: que os pais optem por quem tem melhor classificação. Uma qualidade produtiva baseada na obtenção dos objetivos e que pode provocar segregação dos que não se enquadram na norma estabelecida no processo. Às vezes há soluções que tentam melhorar o ensino e que procuram e criam problemas, e não o contrário, como deveria ser. Mas se a qualidade é um construto genérico, poliédrico, relativo, confuso, podemos imaginar que o conceito de qualidade não é estáti co, não existe consenso sobre ele nem existe um único modelo de qualidade, já que depende da concepção da escola, do professorado e da educação e do ensino. Durante muito tempo e com a chegada do mundo produtivo empresarial, a qualidade foi interpretada como conceito absoluto, próximo das dimensões de inato e atributo de um produto. No entanto, a educação que trabalha com sujeitos é um pro duto? Pensamos que não. E existe o perigo de fazer algumas análises simples e lineares, devido aos condicionantes de intencionalidade, contexto, interesses e valores que configuram o significado da quali dade e as expectativas que suscitam. Para comprovar esse conceito poliédrico, ambíguo ou multidimen sional das diferentes abordagens da qualidade, vemos que, como nos dizem Garvin (1984) e Harvey e Green (1993) (adaptado para a educação): QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 17 Desenho "A máquina da escola" (2007), de Francesco Tonucci (Frato). Ver o livro do autor 40 anos com olhos de criança (Porto Alegre: Artmed, 2008).Francesco Tonucci é um psicopedagogo italiano. Propõe que se adote o ponto de vista da criança e que ela seja deixada mais livre, tanto na escola como em casa. Suas vinhetas são conhecidas internacionalmente como uma análise da infância e da escola. 1. Qualidade como exceção A. Qualidade como algo especial, distingue algumas escolas de outras, embora seja difícil defini-la de maneira precisa. B. Visão clássica: distinção, classe alta, exclusividade. C. Visão atual: a excelência. a) Excelência em relação a padrões: reputação das escolas em função de seus meios e recursos. b) Excelência baseada no controle científico sobre os pro dutos segundo alguns critérios: "escolas que obtêm bons resultados". 18 FRANCISCO IMBERNÓN 2. Qualidade como perfeição ou mérito A. Qualidade como consistência das coisas bem feitas, ou seja, que atendem aos requisitos exigidos: "escolas onde as coi sas são bem feitas". B. Escolas que promovem a "cultura da qualidade" para que seus resultados sejam cada vez mais bem avaliados de acordo com critérios de controle de qualidade. 3. Qualidade como adequação a propósitos A. Parte-se de uma definição funcional da qualidade, o que é bom ou adequado para algo ou alguém. a) Escolas onde existe uma adequação entre os resultados e os fins ou objetivos propostos. b) Escolas onde os programas e serviços atendem às ne cessidades dos clientes. B. Escolas que cumprem satisfatoriamente os objetivos esta belecidos no âmbito legal. 4. Qualidade como produto econômico A. Abordagem do conceito de qualidade da perspectiva do preço que sua obtenção supõe. a) Escolas eficientes ao relacionar custos e resultados. b) Escolas orientadas para a prestação de contas. 5. Qualidade como transformação e mudança A. Definição da qualidade centrada na avaliação e na melhoria no âmbito institucional. a) Escolas preocupadas em melhorar o rendimento dos alunos e incrementar o valor acrescentado. b) Escolas orientadas para o desenvolvimento qualitativo da organização (desenvolvimento organizacional). Contudo, fugindo das classificações, acreditamos que a qualida de não é unicamente a melhoria do funcionamento da escola, mas a QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 19 definida pela perspectiva do grau de satisfação da comunidade edu cacional e não apenas como resposta à demanda social ou do mercado. A qualidade no campo educacional deveria ser analisada a partir da consciência do quê e como os alunos aprendem no processo de ensino- -aprendizagem mediado por um professorado e por seu contexto. No entanto, diferentemente das posturas conservadoras disfarçadas em visões progressistas do ensino, que introduzem indicadores de rendi mento, padrões ou protocolos de diagnósticos fechados para compro var a qualidade de um processo (e, repito, com uma forma determina da de ver a educação "para todos"), vejo a qualidade como uma tendência, uma trajetória, um processo democrático e de construção de um projeto contínuo e compartilhado na educação, baseado na igualdade de oportunidades e na equidade, onde todos os que parti cipam na aprendizagem de crianças buscam um processo de melhoria educativa em seu conjunto e de melhoria das aprendizagens dos alu nos em particular. Não a vejo como um processo ao qual se concede uma nota ou uma escala que se regulará intervindo neles (e às vezes contra eles) e culpabilizando alguém, c sim como um processo parti cipativo de responsabilidade e autorregulação coletiva. Portanto, gostaria de me aproximar de um conceito de qualidade de caráter mais colaborativo, mais coletivo, que tem a possibilidade de se desenvolver, no âmbito educacional, em determinada comuni dade de prática entre professores e contexto, comunidade de prática formativa, mediante processos de investigação coletiva entre o profes sorado; projetos de inovação dos quais falaremos ao longo deste livro. Uma comunidade na qual o conjunto de professores analise o que não funciona em sua prática diária para conseguir formar cidadãos demo cráticos (e, evidentemente, cultos) e na qual se proponham projetos de mudança partindo das necessidades reais do professorado, do contex to e do alunado em uma ecologia educativa. Um processo que ajude a transformar as consciências dos que intervêm no trabalho nas escolas. Partir deles e de seus problemas. Sugerimos que se fale da escola não tanto como "um lugar" passível de diagnosticar friamente com proto colos de qualidades, mas como um processo de vida que, em toda sua 2 0 FRANCISCO IMBERNÓN complexidade, em toda rede de relações e dispositivos com uma co munidade educacional que a envolve, pretende educar todos para melhorar e melhorar-se. E, analisando tudo isso, apresentar propostas com a finalidade de melhorar a aprendizagem dos alunos, consciente de seus limites. A meta da qualidade é a cidadania democrática. Para tanto, é preciso desenvolver saberes, procedimentos e atitudes que permitam dar sentido à vida dos estudantes para participar na criação de um mundo melhor. Mas, como fazer tudo isso? Em primeiro lugar, do meu ponto de vista, e embora seja repeti tivo e como aspecto básico, deve-se considerar, por um lado, a expe riência profissional do professorado e dos alunos, seus conhecimentos, motivações, emoções, sua identidade como docentes e alunos, assim como o meio de trabalho — em suma, sua situação de trabalhadores do conhecimento em uma instituição educacional. Por outro lado, deve-se levar em conta a participação do professorado na educação e na tomada de decisões (curriculares, organizacionais, didáticas...) que os afetam diretamente, e não tanto o que dizem outros de fora com um conceito de qualidade determinada. Os que participam na educação devem beneficiar-se de um processo que se adapte a suas necessidades profissionais em contextos sociais e profissionais concretos, na capa cidade de gerar inovações a partir do conhecimento prático de todos os componentes da escola. E preciso acreditar neles e em sua autono mia e, em contrapartida, é necessário que eles acreditem também e prestem contas à comunidade. Vamos tentar explicar. A qualidade de uma escola dependerá da qualidade dos alunos através de suas contribuições para a sociedade, para a qualidade do que foi aprendido e para a forma de aprendê-lo. A qualidade não está unicamente no conteúdo de coisas que devem ser aprendidas, mas na interatividade do processo, na dinâmica do grupo, na solidariedade entre eles, no respeito pelos demais, no uso das atividades que pro porcionam aprendizagens relevantes, no estilo do professorado, no material que se utiliza e na capacidade de formar cidadãos e cidadãs que participam democraticamente no processo da humanidade. Por QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 2 1 isso, o conceito de qualidade é eminentemente ideológico, não técnico, como alguns pretendem. Eis aí o problema e a solução. Este livro pretende refletir um pouco sobre tudo isso. Inscrevi nele, ampliando, eliminando e matizando, minhas ideias expressas em ou tros textos, sobretudo artigos, e lhe dei um aspecto reflexivo e didático, dando voz e vez a muitos autores cujo pensamento tomei emprestado para ajudar a entender melhor o texto e me ajudar a dar-lhe a melhor forma para o que quero expressar e fazer chegar ao leitor. Textos soltos dos últimos tempos, que o pensamento mais recente e comedido or dena, amplia e atualiza, e que, relidos, pretendem ajudar a refletir sobre alguns aspectos da educação. Certo dia, comentei com uma colega a ideia deste livro: iria inter calando ideias, textos inseridos, matérias da internet, citações, filmes, livros, rostos etc. E ela me disse que isso representava um livro que jamais seria concluído, pois sempre seria possível acrescentar temas, definições, autores, ideias, verbetes... É verdade. Eu o terminei, mas a ideia é que seja um livro aberto para o leitor, onde possa acrescentar aspectos que o ajudem a aprimorar e a ampliar o que aquise comenta. Eu o dividi em duas partes. Na primeira parte, analisamos a figura do professor, a escola e como esta pode aumentar a qualidade de seu ensino para criar cidadãos e cidadãs felizes, livres e democráticos. Na segunda parte, falamos do professorado e de sua formação como elemento essencial na qualida de da educação (o professorado é o fator mais importante na qualida de, já que influenciará a aprendizagem dos alunos) em todos os seus âmbitos, até chegar a aspectos novos, como a criação de redes de for mação. A formação foi minha paixão nas últimas décadas e eu não poderia deixar de pensar sobre isso. Por esse motivo, quem ler o texto verá que esta segunda parte é bem mais ampla. É lógico, pois é a te mática na qual refleti mais, e esse "mais" me leva a permanecer um ignorante dos processos de formação do professorado e a continuar pensando no tema. Gostaria que todo este livro fosse lido com a ideia de que já não servem conceitos antigos para problemas novos (ou, ao menos, muitos 2 2 FRANCISCO IMBERNÓN conceitos). Temos de procurar soluções novas para problemas novos. É preciso desconstruir muito conhecimento sobre o ensino. Esperemos que este livro ajude a fazê-lo, ou pelo menos a refletir sobre isso. Mes mo assim, fico com a dúvida de sua validade. Talvez minha ignorância (ou minha ingenuidade) me levou a pensar que não temos de continuar a procurar respostas para o que acontece com o objetivo de encontrar instrumentos que nos ajudem a entender a qualidade como uma clas sificação, e sim entender o que acontece (dentro e fora) para mudar a educação, ou pelo menos para refletir sobre a educação. E aí está e sempre esteve o desafio em educação dos que se comprometem a mudar as coisas. Mudam os que se comprometem com a mudança. Uma mudança para melhorar a humanidade. As pessoas m udam quando se dão conta do potencial que têm para m udar as coisas. Onde está o limite do poder? Simplesmente, não exis te um limite estabelecido. As limitações são fruto de nosso pensam ento, de pensar que não podem os consegui-lo. Muitas coisas seriam diferen tes se, ao nos propor um objetivo, realmente pensássem os em com o atingi-lo, que podem os alcançá-lo, que podem os ter sucesso. N ão existe nada impossível. Mateo, Sergi. Sotamente túpuedes cambiar las cosas. D isponível em : < http://serg im ateo. com /so lam en te-tu -p uedes-cam biar-las-co sas/>. Acesso em : 20 out. 2015. http://sergimateo.com/solamente-tu-puedes-cambiar-las-cosas/ http://sergimateo.com/solamente-tu-puedes-cambiar-las-cosas/ 23 P R I M E I R A P A R T E 0 professorado, a escola, a comunidade e a qualidade da educação O objeto da educação é formar seres capazes de governar a si mesmos, e não a ser governados pelos demais. H erbert Spencer (1 8 2 0 -1 9 0 3 ) TH l MAN VíTSi/s TH E STATE WITH MK ESSAYS ON C.OVI KN.MIN). socirrv, an o n u t ix iM Herbert Spencer H e r b e r t S p e n c e r , filósofo inglês, figura de destaque do evolucionis- mo filosófico. Seu livro The Man versus the State [O homem contra o Estado ou O indivíduo contra o Esta do] foi publicado em 1884 e consi dera o Estado como um obstáculo à evolução natural do ser humano. 25 CAPÍTUL01 O início: a função e a imogem social do professor. Sem qualidade docente nâo existe qualidade educacional Os professores são os atores essenciais na promoção de uma educação de qualidade, quer nas escolas, quer em programas sociais mais flexíveis baseados na coletividade; defendem a mudança e atuam como catalisadores para produzir a mudança. Não se obterá uma reforma educacional com resultados positivos se os professores não participarem de forma ativa. Deve-se res peitar e remunerar adequadamente os professores em todos os níveis do sistema de ensino; eles devem ter acesso à formação, educação e apoio profissional (entre outros, a educação aberta e à distância) e devem ter a oportunidade de participar no plano local e nacional nas decisões relativas à sua vida profissional e ao seu ambiente educativo. Os professores têm de aceitar também suas obrigações profissionais e ser responsáveis perante os es tudantes e suas comunidades. Declaração de Dakar. Fórum Mundial sobre a Educação (item 69), dez. 2000. 26 FRANCISCO IMBERNÓN No ano de 1900, uma pedagoga sueca, Ellen Key,1 escreveu um livro em que dizia que o século XX seria o século das crianças (Barnets ârhundrade, v. I e II, 1900; em português, O século da criança). E a realidade confirmou sua profecia, embora ainda encontre mos no início do século XXI muitas crianças que morrem de fome, que são violentadas, maltratadas ou obri gadas a maltratar ou a matar outros. No século XX1 2 surgiram os direitos da criança que, ao menos oficial mente, estabelecem a proibição de trabalhar até determinada idade, a escolarização obrigatória, o direito à saúde etc. Embora muitas socie dades "não deem a mínima", como diríamos vulgar e metaforicamen te, e prefiram voltar o olhar para o outro lado, em muitos países. Também ao longo do século passado, definiu-se a criança como con sumidora e criou-se uma indústria que nos abasteceu de coisas úteis e inúteis como, por exemplo, brinquedos industrializados, lazer espe cífico, roupas específicas, quartos com móveis sob medida, literatura, produtos pseudoculturais etc. É verdade que, durante séculos, a hu manidade sofreu uma grave doença: não ter cuidado com os menores, com as novas gerações. Eram considerados homens e mulheres em miniatura e, portanto, inferiores à categoria adulta, embora com capa Crianças trabalhan do no século XXI (2012). 1. Em 1900, Ellen Karolina Sofia Key (Sundsholm, 11 de dezembro de 1849-Estocolmo, 25 de abril de 1926), escritora e feminista sueca, publicou um livro intitulado O século das crianças, onde apresenta uma proposta bem diferente da maneira anterior de educar as crianças. Propõe uma educação mais flexível e livre, incluindo o afeto nessa tarefa de educar as crianças. O título do livro seria tomado como estandarte ou lema para todo o século XX, século no qual se produzem muitos avanços no mundo da criança (embora os maus-tratos em crianças, tanto físicos, como psíquicos, como negar-lhes as necessidades básicas, tenham aumentado consideravelmente ao longo de todo o século XX). 2. Eduard Claparède também disse: "O século XX deverá ser o século da criança". Psicólogo e pedagogo suíço (Genebra, 1873-1940), catedrático na Faculdade de Psicologia da Universidade de Genebra, fundou o Instituto J.-J. Rousseau, hoje Instituto de Ciências da Educação. Sua obra contribuiu para que Genebra se convertesse no centro da pedagogia moderna europeia. QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 27 cidade de trabalhar como adultos. Em decorrência disso, a maioria das crianças (das classes trabalhadoras) eram maltratadas e analfabetas, privadas do dom da escrita e da leitura e de tudo o que isso comporta: a falta de cultura e de liberdade para discernir. Era a dominação e a exploração pela cultura que não se tinha. Apenas uma minoria privi legiada tinha acesso a ela e eram os futuros dominadores, já que a falta de cultura fazia com que a população se tornasse mais vulnerável a qualquer poder. Crianças pobres no início do século XX. Garotos m ineiros, ao sul de Pittston, Pennsylvania. Janeiro de 1911. Foto de Lewis Hine. * 1 Recomendações fundamentais Há cada vez mais crianças que crescem em áreas urbanas. É imprescindível proporcionar-lhes os serviços e as oportunidades de que necessitam para exercer seus direitos e desenvolver suas capacidades. Devem ser tomadas medidas urgentes para: 1. Compreender melhor a magnitude e a natureza da pobreza e da exclusão que afetam as crianças nas áreas urbanas. 2. Definir e eliminar os obstáculos que atentam contra a inclusão das pessoas menos favorecidas. 3. Garantir que o planejamento urbano, o desenvolvimento da infraestrutu- ra, a prestação dos serviços e as iniciativas de amplo alcancetendentes a reduzir a pobreza e as desigualdades atendam às necessidades particula res e às prioridades da infância. 28 FRANCISCO IMBERNÓN 4. Promover a criação de associações entre os níveis do governo e os habi tantes pobres das áreas urbanas, especialmente as crianças e os jovens. 5. Reunir os recursos e as energias de atores internacionais, nacionais, muni cipais e comunitários, de modo a garantir que as crianças pobres e margi nalizadas desfrutem plenamente de seus direitos. Estes não são objetivos, mas meios para atingir um fim: fazer com que as cidades e as sociedades sejam mais justas e acolhedoras para todos, a come çar pelas crianças. Situação mundial da infância 2012. Crianças em um mundo urbano. D ispon íve l em : < w w w .un ice f. o rg /b ra z il/p t/re so u rce s_ 2 2 7 1 3 .h tm >. Acesso em : 1 7 ju n . 2015. (Texto adaptado.) M edidas para m elhorar a infância Ellen Karolina Sofia Key (1849-1926) e a capa da edição em inglês de seu livro The century o f the child [O século das crianças]. Para amenizar essa situação de desamparo, durante o século XX (há alguns antecedentes nos séculos anteriores), muitos professores, associações, instituições, congregações etc. puseram mãos à obra para http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_22713.htm http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_22713.htm QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 29 remediar essa perversa enfermidade que deixava grande parte da humanidade indefesa perante os poderes políticos, econômicos e sociais e impedia que os povos, presos na miséria intelectual (acrescentada à material), avançassem, opinassem e participassem. Só em 20 de novembro de 1959 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre os Direitos das Crianças, embora haja antecedentes na Declaração de Genebra de 1924 e na de 1948 sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que implicitamente incluía os direitos da criança. A declaração foi atualizada em 1989, quando se assinou na ONU a Convenção sobre os Direitos da Criança. D e c la ra çã o d o s D ire ito s d a C rian ça Artigo 1 Esta Convenção se ocupa dos direitos de todos aqueles que ainda não com pletaram 18 anos de idade. Artigo 2 Todos os Estados devem respeitar os direitos da criança, sem distinção de etnia, cor, sexo, língua, religião, opinião política da criança ou de sua família. Artigo 3 Os interesses da criança devem ser considerados em primeiro lugar em todas as decisões que as afetem. A criança tem o direito de receber a proteção e as atenções necessárias para seu bem-estar. Artigo 4 Todos os governos que assinam uma lei para fazer valer os direitos das crian ças devem tomar as medidas necessárias para garantir que ela seja cumprida. Artigo 5 A criança deve ficar a cargo dos pais ou dos que os substituem. Artigo 6 1. A criança tem direito à vida. 2. A criança tem o direito de desenvolver de modo completo sua própria personalidade. Artigos 7 e 8 Todas as crianças devem ser registradas imediatamente após seu nascimento. Também têm direito a ter um nome e uma nacionalidade, assim como a conhe cer seus pais e ser cuidadas por eles. Artigo 9 A criança tem o direito de manter contato com seus pais, mesmo que estes estejam separados ou divorciados. Artigo 10 A criança tem o direito de se juntar a seus pais ou de permanecer em contato com eles quando estes moram no exterior. Artigo 11 As crianças não devem ser tiradas de seu país de maneira ilegal. Artigo 12 A criança deve ser ouvida todas as vezes que se tomam decisões que a afetam diretamente. Artigo 13 A criança tem o direito de poder dizer o que pensa, com os meios que preferir. 30 FRANCISCO IMBERNÓN Artigo 14 Artigo 15 Artigo 16 Artigo 17 Artigo 18 Artigo 19 Artigo 20 Artigo 21 Artigo 22 Artigo 23 Artigos 24 e 25 Artigo 26 Artigo 27 Artigo 28 Artigo 29 Artigo 30 Artigo 31 Artigo 32 1. A criança tem o direito de liberdade de pensamento, de consciência, de religião. 2. Os pais têm o direito e o dever de orientar seus filhos, e para tanto devem ter a liberdade de adotar as ideias nas quais acreditam. As crianças têm o direito de ficar junto com os outros. As crianças têm o direito de que se respeite sua vida privada. Os jornais, os programas de rádio e de televisão são importantes para a crian ça; por esse motivo, é conveniente que sejam adaptados para ela. Se uma criança não tem pais, deve ter alguém que cuide dela. Se os pais de uma criança trabalham, alguém deve cuidar dela enquanto seus pais estão trabalhando. Ninguém pode negligenciar, abandonar, maltratar ou explorar uma criança, nem exercer violência sobre ela. Se uma criança não pode permanecer com sua família, deve morar com alguém que cuide dela. A criança tem o direito de ser adotada se sua família não pode cuidar dela. As adoções não podem ser objeto de comércio. 1. A criança refugiada tem o direito de ser protegida. 2. A criança refugiada deve receber ajuda para se reunir com sua família. 1. Acriança que tem problemas mentais ou físicos tem o direito a viver como as outras crianças e de ficar junto com elas. 2. A criança que tem problemas mentais ou físicos tem o direito a ser atendida. 3. A criança que tem problemas mentais ou físicos tem o direito de ir à escola, de se preparar para o trabalho, de se divertir. A criança tem o direito de alcançar o máximo de saúde física e mental e de ser bem atendida ou internada quando tiver necessidade. Todas as crianças têm direito a se beneficiar do serviço de seguridade social de seu país. A criança tem o direito de crescer física, mental, espiritual e socialmente. A criança tem o direito à educação. A escola deve ser obrigatória e gratuita para todos. A criança tem o direito de receber uma educação que desenvolva suas capa cidades e na qual se ensine sobre a paz, a amizade, a igualdade e o respeito pelo ambiente natural. A criança que pertence a uma minoria tem o direito de usar sua língua e de viver de acordo com sua cultura e com sua religião. A criança tem o direito à brincadeira, ao descanso, à diversão e a se dedicar a suas atividades preferidas. Nenhuma criança deve ser explorada. Nenhuma criança deve realizar trabalhos que possam ser perigosos ou que a impeçam de crescer bem ou de estudar. QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 31 Artigo 33 A criança deve ser protegida das drogas. Artigo 34 Nenhuma criança deve sofrer violência sexual ou ser explorada sexualmente. Artigos 35 e 36 Nenhuma criança pode ser comprada, vendida ou explorada de nenhuma forma. Artigo 37 Nenhuma criança pode ser torturada, condenada à morte ou à prisão. Nenhu ma criança pode ser privada de sua liberdade de maneira ilegal ou arbitrária. Artigo 38 Nenhuma criança menor de 15 anos deve ser inscrita em um exército nem deve combater em uma guerra. Artigo 39 A criança que foi abandonada, explorada e maltratada tem o direito de ser ajudada a recuperar sua saúde e sua tranquilidade. Artigo 40 A criança que é acusada de ter cometido um delito deve ser considerada inocente enquanto não se provar sua culpa em um processo justo. E, em caso de ser comprovar sua culpa, tem direito de receber um tratamento adequado à sua idade e que a ajude para poder voltar a viver com os outros. Artigo 41 A esses direitos cada Estado pode agregar outros que possam melhorar a si tuação das crianças. Artigo 42 É necessário levar ao conhecimento de todos, adultos e crianças, o que diz esta Convenção. Embora o relatório de Mãos Unidas de 2010 afirme que "existem países em que sua infância é protegida por leis e autoridades, mas em outras passa despercebido, porque não se pode celebrar o nascimento de alguns direitos que amparam a infância e que são sistematicamente descumpridos", naque le ano os dados eram os seguintes: • A cada ano, quase nove milhões de crianças morrem antes de completar cinco anos. • 101 milhões de crianças não dispõem de ensino básico. • Dois milhões de crianças estão infectadas como HIV. • 215 milhões de crianças precisam trabalhar para sobreviver. Alguns o fazem em condições extremas. • 18 milhões de crianças sofrem os efeitos dos deslocamentos forçados. • 14 milhões de meninas são mães antes de completar 19 anos. • Cerca de 300 mil crianças são utilizadas como soldados. Dessas, 120 mil são meninas que, além disso, devem servir como escravas sexuais. Dados ob tid os em : < w w w .m an su n ides .org /es /notic ia /de rechos-que-am paran-in fanc ia-se-incum - plen-sistem aticam ente?gclid=C LPe39r_ga8C FcYntAodzE743g>. Acesso em : 20 ou t. 2015. Situação da infância em 2010. http://www.mansunides.org/es/noticia/derechos-que-amparan-infancia-se-incum-plen-sistematicamente?gclid=CLPe39r_ga8CFcYntAodzE743g http://www.mansunides.org/es/noticia/derechos-que-amparan-infancia-se-incum-plen-sistematicamente?gclid=CLPe39r_ga8CFcYntAodzE743g 32 FRANCISCO IMBERNÓN O fato de cada vez mais meninos e meninas3 começarem a ir à escola para receber as primeiras letras e os primeiros números signifi cou um grande avanço social em relação a tempos passados, e ao longo do século XX foi essencial para configurar um novo modelo de sociedade. Também significou a proliferação de escolas e a consolida ção dos saberes e processos pedagógicos criados nos séculos XVIII e XIX. No entanto, atrás ou à frente — depende de como se olhe — des ses meninos e meninas havia uma pessoa a quem a sociedade delegou a educação da infância, uma pessoa que teve de se formar e se profis sionalizar para chegar a ser professor ou professora de escola. Édouard Claparède (1873-1940), autor de Experimental pedagogy and the psychology o f the child (1911), pode ser considerado um dos fundadores da pedagogia moderna europeia. Claparède também lutou para que o século XX fosse o século da criança. 3. Ainda há alguns países que deixam as meninas sem escola em pleno século XXL QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 33 1.1 0 duro ofício do ensinar Embora eu saiba que hoje se prefere falar de professor ou profes sora, neste capítulo vamos falar do mestre ou da mestra. A sociedade outorgou o título de mestre (magister)4 às pessoas que obtinham um grau supremo, uma sabedoria maior que a do restante do grupo e que eram capazes de transmiti-la aos demais (por isso se diz obra-mestra ou obra-prima). Ainda hoje, em muitos países, dirigir-se a alguém como mestre á uma honra destinada unicamente às pessoas às quais, por sua inteligência, sabedoria e humanidade, se atribui a origem de novos caminhos e novos conhecimentos. Daí provém o "mestre de escola". Durante o século XX, o conceito de mestre perdeu essa característica de sabedoria e não apenas continuou com um baixo prestígio social, mas perdeu o nome; assim, desde o último terço daquele século passou- -se a falar de professor e professora. Contudo, nunca se perdeu seu uso, nem sua necessidade e, assim como os rios sempre voltam a seu leito, hoje continuamos reivindicando o título de mestre de escola como um símbolo de uma profissão que tem a tarefa mais ambiciosa e difícil: educar os filhos dos outros, como diz a tradição, com a sabedoria e a paciência necessárias. Chego a dizer — embora possa parecer um truísmo — que, embora se chame professor ou professora, dentro há um mestre ou uma mestra de escola, ou ao menos deveria haver no sentido que lhe atribuo: compromisso, contexto e conhecimento; três elementos fundamentais do ofício de professor. Ser professor sempre foi uma tarefa trabalhosa e difícil. De fato, a dificuldade está em ser um bom professor ou uma boa professora e em ensinar bem. Embora no imaginário coletivo exista a ideia de que esse é um trabalho simples, que requer pouca habilidade porque se trabalha com crianças ou adolescentes, fáceis de tratar e de convencer, com muitas festas e férias e de trabalho tranquilo, a verdade é que a educação das crianças sempre foi uma tarefa complexa (e agora é 4. Na antiga Roma, magister designava uma pessoa que tinha poder ou autoridade sobre as outras. 34 FRANCISCO IMBERNÓN muito mais). Basta entrar numa sala de aula para comprovar que lidar com crianças não é o mesmo que costurar ou cantar, mas constitui uma tarefa trabalhosa e de uma complexidade crescente. E também um trabalho que exige paciência, para ser bem-feito. Ao longo do século XX e até o atual momento do século XXI, a sociedade tornou-se mais complexa; portanto, exercer a função de professor também assumiu grandes parcelas de complexidade (e às vezes de perplexidade pela falta de correspondência com a educação que se recebe na família ou no meio circundante). E essa complexidade da profissão se concretiza em uma sala de aula e em uma instituição impregnada de uma cotidianidade invisível, pois é preciso estabelecer uma difícil convivência entre viver a reali dade do que nos rodeia para introduzi-la nas aulas de cada dia; lembrar o passado para que as crianças reconstruam sua própria compreensão a partir do que foi criado por outros, e projetar-se para o futuro com o objetivo de levar as novas gerações a criarem um mundo melhor. E isso não é fácil, embora possa parecer. Essa difícil tarefa vale para todos os professores, desde os que lidam com crianças pequenas, com funções mais próximas da assistência bá sica, até os que trabalham com crianças maiores, com funções mais de preparação para a vida cotidiana ou profissional. Todos sofrem a angús tia de passar das antigas funções de trabalhar como mestre de escola para as novas funções que lhes pede a sociedade ao redor da instituição educacional. Durante o século XX, a mudança radical e vertiginosa das estruturas científicas, sociais e educativas, a evolução acelerada da so ciedade em suas estruturas materiais, institucionais e nas formas de organização da convivência, nos modelos de produção e distribuição, os paradoxos e contradições entre usos sociais e educativos etc. levaram a uma mudança no papel das escolas e nas funções dos professores. E preciso compreender que isso custou muito a alguns e ainda custa. No entanto, apesar dessa tarefa, que é crescente no tempo e não tem volta, continua sendo um trabalho que ainda atrai muitos jovens. Há uma grande porcentagem de jovens que, no momento de escolher a profissão, optam pelo magistério. Ao estudar essa profissão, é obrigatório QUALIDADE DO I NSINO I FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 35 lançar um olhar para trás, para o século XX, em busca das raízes sobre como "fazer escola" e "ser professor". Não é possível entender a edu cação, nem tampouco a cultura, sem este olhar para trás. Se perdermos o passado da educação, perderemos a cultura acumulada do magistério, que é muita. Apesar das grandes mudanças na educação e dos grandes avanços educacionais ocorridos no século XX e no início do século XXI, os professores jovens precisam conhecer a história passada, para ter acesso a uma cultura da qual não se pode prescindir, tanto para inter pretá-la como para conhecê-la ou para mudá-la. Esquecer a história é esquecer de si mesmos e, como se costuma dizer, voltar a repeti-la. 1.2 Diferentes professores, diferentes épocas Como todas as profissões dedicadas à difusão do conhecimento, da cultura e ao desenvolvimento da inteligência e, portanto, da liber dade, os professores não são um grupo uniforme onde todos fazem e pensam a mesma coisa, mas, como grupo, passaram por etapas muito difíceis em sua trajetória comum. O fato de educar gera uma forma determinada de ver a realidade social, de refletir e levar a refletir sobre o que acontece. Por esse motivo, muitos professores foram perseguidos durante o século XX, foram punidos, sofreram expulsões e até o exílio e a morte:5 por defender suas ideias ou por ensinar ou divulgar as ideias de outros que não pensavam da mesma maneira. E, como não podia deixar de acontecer, viram suas escolas fechadas6 ou queimadas. A esse respeito, lembramos que o século XX foi o mais cruel de toda a história da humanidade, o que teve maisguerras, grandes e pequenas, e no qual a tortura e o extermínio foram mais sofisticados. Um dos 5. Lembremos a morte por fuzilamento, em Barcelona, depois de um julgamento sumário, do professor e pedagogo Francesc Ferrer i Guardia em 13 de outubro de 1909. Francesc Ferrer i Guardia nasceu em 1859. Trabalhou no projeto educativo Escola Moderna, inaugurado em agosto de 1901. 6. Lembremos que o pedagogo Célestin Freinet abandonou em 1934 a escola Saint-Paul- de-Vence pela hostilidade de um conselho municipal conservador. 36 FRANCISCO IMBERNÓN grupos que mais sofreu essa crueldade foi o dos professores, como defensores da cultura e da liberdade, já que são profissionais do co nhecimento; e muitos não gostam disso se não coincide com o que eles querem que se ensine ou com sua concepção do que é conhecimento. Na história da humanidade sempre há grupos que têm pânico da pa lavra liberdade e mais ainda dos que tentam difundi-la. Francesc Ferrer i Guardia (1859-1909). O primeiro número do Boletín de la Escuela Moderna, publicado em 30 de outubro de 1901, trazia o seguinte: "A ciência já não é patrimônio de um grupo redu zido de privilegiados. Suas irradiações benéficas permeiam com maior ou menor consciência todas as camadas sociais. O propósito da Escola Moderna é auxiliar corretamente, sem ser complacente com os proce dimentos tradicionais, o ensino pedagógico baseado nas ciências na turais. Este novo método, mas unicamente real positivo, foi aceito em todos os âmbitos do mundo civilizado, e conta com inúmeros traba lhadores, de inteligência superior e vontade abnegada. O professor lança as sementes das ideias na criança; estas, quando com a idade o cérebro se fortalece, dão a flor e o fruto correspondentes em consonân cia com o grau de iniciativa e fisionomia característica da inteligência do educando". QUALIDADE üü ( NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 37 CÉLESTiN Freinet (1896-1966) e seu livro Para uma escola do povo. Como qualquer grupo, nem todos os professores de todas as épocas se comportaram da mesma maneira. A própria tarefa docente de pensar e de ensinar a pensar leva a aceitar a diversidade de ideias, porém, ao longo da história, muitos professores não o fizeram. Em cada momento e em cada época histórica houve uma forma de ver o trabalho do professor (tradicional, revolucionário, religioso, conserva dor, autoritário, artista, divulgador...). Os componentes da profissão docente foram sempre os mesmos (escola, crianças, cadernos, tarefas, aulas, lousa etc.), mas não a escala de valores usada para determinar as prioridades. Cada um é diferente e as épocas marcam os homens e as mulheres; também marcam a forma de ver a educação e o magisté rio. No entanto, isso não é culpa de uma profissão. O magistério é um reflexo dos momentos sociais e históricos em que se vive: professores tradicionais do início do século, que conviviam com professores que tentavam criar uma escola nova ou ativa; profes sores republicanos revolucionários; professores operários dos anos 1930, que dividiam a escola com monarquistas tradicionalistas; pro fessores defensores da democracia durante as ditaduras, obrigados a 38 FRANCISCO IMBERNÓN se esconder dos professores fascistas do regime; professores progres sistas do final do século XX, que lutavam contra professores tecnocrá- ticos etc. A história do século XX foi repleta de rupturas: políticas, bélicas, ideológicas, sociais, familiares e educacionais. E cada geração de crianças teve uma forma de ver seu professor ou professora. Todos, por sorte, tivemos professores e temos uma lembrança perene não tanto do que nos ensinaram em sala de aula, mas de como nos trataram e nos orientaram. De sua humanidade e de sua relação conosco. A humanidade do professor ou da professora, mais do que aquilo que nos ensinaram. O caro pedagogo José Manuel Esteve7 sempre falava da necessidade de ser mestre de humanidade. José Manuel Esteve e seu livro A terceira revolução educacional: a educação na sociedade do conhecimento (São Paulo: Moderna, 2004). 7. José Manuel Esteve Zarazaga (1951-2010), amigo e catedrático de Teoria da Educação da Universidade de Málaga, dedicou parte de sua vida acadêmica ao estudo da profissão e da formação docente. QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 39 É verdade que os sistemas políticos desejam controlar ideologi camente a educação das pessoas porque ela é importante para ver e analisar a realidade social; portanto, veem os professores como um grupo fundamental para difundir determinada ideologia, com uma função de submissão e dependência aos poderes estabelecidos. Por isso, muitos governos desejaram um professor vulnerável que educas se crianças vulneráveis ao ambiente político. No século XX, em algumas nefastas ditaduras, os professores que morreram, foram mortos ou exilados por defender ideias diferentes foram substituídos por outros incumbidos de promover o sistema político vigente; por porta-vozes ideológicos sem critérios, pessoas sem formação para as quais ser professor era simplesmente uma recompensa por seus serviços a de terminada guerra, a uma ideologia ou ao ditador. Os partidários de "a letra com sangue entra", das músicas entoadas em fila, das formações e cantos à bandeira etc. também foram professores, mas atuaram de outra maneira. Foram professores por obrigação, pela necessidade de sobreviver em uma sociedade flagelada pelas revanches e pelos ódios. Foram professores relegados na memória de uma época que não deixou marcas agradáveis nem em nossa mente nem em nosso coração ou sentimento. Seja como for, se nos lembramos deles, não os considera mos professores, e sim transeuntes passageiros em nossa vida. E o pior castigo para um professor ou uma professora é o esquecimento de seus alunos. Passar sem deixar marcas ou deixar uma marca que alguém faz questão de esquecer. Foram professores esquecidos. Lembramo-nos, isso sim, de outros professores que nos amavam porque nos amavam e tinham compromisso com sua profissão (embo ra a maioria escondesse seus sentimentos), professores que em algumas regiões faziam um esforço para falar a língua reprimida, que encon travam um jeito de burlar as proibições, que organizavam passeios para mostrar a seus alunos o mundo existente fora das paredes da sala de aula, que faziam jornais com tiragens pequenas, que promoviam assembleias de classe para ouvir e ensinar a ouvir; ou simplesmente professores que tentavam tornar agradáveis as longas, frias e tediosas tardes de inverno; que sabiam que uma palavra dita no momento adequado valia mais que todo um tratado de pedagogia. 40 FRANCISCO IMBERNÓN É a lembrança do professor primário (de primeiras ou segundas letras, como se dizia), do educador ou educadora que possui uma sensibilidade educativa (e muitas vezes uma grande dose de idealismo e compromisso) e que busca novos caminhos para educar melhor as crianças. O melhor tributo que lhes podemos oferecer é nos lembrar deles. A memória é a raiz do futuro e ninguém pode roubá-la de nós. São professores lembrados. 1.3 As mudanças nas funções do professor e da professora durante o século XX A tarefa fundamental do professor é ensinar (considerado como conceito amplo) no âmbito de uma educação que ao longo do século XX é denominada "integral" (um termo praticamente esquecido agora); mas também é aprender. Não é um bom professor aquele que não aprende ensinando. Esta é uma das características do bom professor e da boa professora. A educação e as escolas não são feitas pelos Estados; quando muito, eles as constroem e as mantêm. São os professores e as crianças que as enchem de barulho, brincadeiras, choros, aulas e funções variadas. Uma escola é um ecossistema vivo e, como tal, repleto de vicissitudes. Escola un itária8de m eninas [1942], Escola unitária de m eninos [1942], 8. Escola normalmente da zona rural onde se educam grupos de crianças com idades e níveis diferentes em uma mesma classe.QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 41 Muitos de vocês que estão lendo este texto não o fariam nem se riam cultural e intelectualmente o que são sem a ajuda e o empurrão de um professor ou professora que soube ou percebeu que vocês pre cisavam do apoio dele ou dela para continuar caminhando e não ficar parados no meio do caminho. Muitos cidadãos escolheram sua profis são porque em algum momento de sua vida escolar surgiu em seu caminho um professor ou uma professora que, apaixonados por sua disciplina, lhes transmitiu essa paixão. No século XIX, as leis começavam a ampliar as escolas em todos os países e, embora se ficasse muito pouco nelas (o tempo de per manência na escola foi aumentando progressivamente ao longo do século XX, mas sobretudo no final, configurando a terceira revolução educacional, como diria o já citado J. M. Esteve), a maioria dos me ninos e das meninas passava por uma escola com uma única classe (escola unitária) ou por uma classe de uma escola maior. Nessas classes, os alunos estavam agrupados de acordo com o gênero, e apenas com o tempo elas passaram a ser classes mistas ou coeduca- tivas. Nas classes havia também o professor ou a professora (estas, tantas vezes esquecidas por seu gênero) que, com um trabalho cons tante e discreto, queriam ensinar uma realidade passada e construir uma realidade futura, diferente. Foi no século XX que, em vários países, foi estabelecida a esco larização obrigatória universal (embora ela ainda não exista em muitos países, infelizmente); ou seja, a permanência prolongada de todas as crianças nas escolas, que aumentou pouco a pouco e em coeducação (com exceções de caráter mais religioso que educacional). E isso foi feito com grande esforço por parte dos docentes. Ensinar uma minoria mais ou menos homogênea não é o mesmo que ensinar uma grande quantidade de meninos e meninas muito diferentes. No entanto, o que obrigou os professores a mudar a forma de educar não foi apenas a escolarização, mas foram também as reformas educacio nais, os vaivéns da organização escolar, as novas tecnologias, a mu dança social etc. Um esforço às vezes pouco reconhecido profissional e socialmente. 42 FRANCISCO IMBERNÓN Para observar o trabalho de um professor em uma escola unitária pode-se assistir ao filme Être et avoir [Ser e ter] (2002): Sinopse Inspirado no fenômeno francês da escola unitária, o filme mostra a vida de uma pequena classe de um povoado ao longo de todo um curso, lançando um caloroso e sereno olhar para a educação primária no coração do Landes francês. Um grupo de alunos entre quatro e dez anos, reunidos na mesma classe, se forma em todas as disciplinas sob a supervisão de um único professor de dedicação extraordinária. Professor de autoridade tranquila, Georges Lopez conduz as crianças até a adolescência, intermedian do seus conflitos e ouvindo seus problemas. Na França continuam a existir escolas com meninos e meninas de todas as idades reunidos em uma classe única, na qual o professor tenta adaptar a matéria aos diferentes tipos de necessidades. Nela as crianças menores divi dem com as maiores suas experiências e aprendizados. Esta é a realidade que nos mostra o filme Être et avoir (Ser e ter), um documentário dirigido por Nicolas Philibert. O filme foi rodado em um pequeno povoado da região de Auvergne, no norte da França. A literatura profissional sobre essa realidade não é muito abundante, mas nesse tipo de escolas se realizam práticas inovadoras nas quais outros tipos de escola podem se inspirar, sobretudo no que diz respeito à diversidade presente na escola unitária. As escolas unitárias destacam-se por sua diversidade e pelo envolvimento na vida da comunidade. A convivência caracteriza-se pelo escasso número de alunos e, graças a esse fato, o conhecimento que se tem deles e de suas famílias é muito profundo; isso facilita o trabalho em sala de aula. Outra consequência dessa realidade é que sua escola é integradora; aqui todos os meninos e meninas são aceitos e necessários para realizar aprendizados. Dentro da organização da sala de aula, o agrupamento dos alunos é flexível, primeiro por necessidade e segundo pelas vantagens que traz quanto a me todologias inovadoras. Os agrupamentos são efetuados por "níveis abertos", em função do tipo de atividade ou do aprendizado a ser adquirido. Assim, Être et avoir QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 43 um aluno pode incorporar-se durante certo período em um conteúdo em um nível inferior ou superior ao de sua idade sem que se produza uma ruptura da organização interna da classe. Com isso, cada aluno pode manter mais facilmente seu próprio ritmo de trabalho e aprendizado. É muito importante saber como programar, organizar e sequenciar os con teúdos. Para ter uma visão global, podem ser utilizados os "mapas de con teúdos" com o objetivo de identificar como se repetem nos diferentes níveis e com que profundidade. Depois, se faz a seleção de conteúdos, se estabele cem prioridades e se compatibiliza cada um deles à situação. Quando se trabalha um conteúdo, é proveitosa sua intervenção nos diferentes níveis e, para chegar ao conjunto dos alunos, tal conteúdo é adaptado às característi cas pessoais destes. Outra nota de identidade é como se aproveita o contexto social e natural, utilizado como eixo motivador de novas aprendizagens e também para per mitir que elas sejam acessíveis a todos. Qualquer pretexto serve para desper tar a curiosidade e o interesse dos alunos. M artInez-S alanova Sáncnez, Enrique. La escuela unitaria rural. D isponíve l em : <w w w .uhu .es /c ine . e d u ca c io n /c in e ye d u ca c io n /te m a sse ry te n e r.h tm x Acesso em : 20 ou t. 2015. Como eu dizia, as importantes mudanças sociais e científicas (avanços científicos e tecnológicos, sociedade do conhecimento, imi gração, contribuições culturais de todos os tipos, mudanças sociais e familiares, globalização etc.) ocorridas no século XX obrigaram os professores a buscar constantemente novas formas de ensino. Apesar de todas as dificuldades, a maioria continuou a trabalhar para analisar e compreender a realidade e para introduzir essas reflexões em sala de aula e na escola. Uma prova dessa preocupação e do desejo de com preender a mudança e a incerteza do mundo atual é a própria existên cia, no início do século XXI, de um grupo de professores e professoras altamente qualificados e da importância dada à formação permanente e às novas funções que têm surgido. Já dissemos que as funções têm mudado. Desde o ensino das primeiras regras, letras e números, em uma escolarização rudimentar, de poucos anos, no início e em meados do século XX, na qual a famí lia e outras instâncias socializadoras cumpriam funções complemen tares, até o último terço do século, com uma escolarização mais ampla, http://www.uhu.es/cine 44 FRANCISCO IMBERNÓN na qual as escolas tinham de assumir muitas funções de socialização não cumpridas pela sociedade circundante e mascarada pelas instân cias oficiais sob a denominação de temas transversais do currículo. De uma função principalmente de instrução passou-se a uma função de educação e agente social. Embora seja verdade que, em pleno século XXI, as políticas conservadoras pretendem voltar ao de bate da instrução e da educação manipulando a história, como explica muito bem Mariano Fernández Enguita em seu blog: A presidente de uma comunidade autônoma espanhola dizia que Con dorcet e a Revolução Francesa atribuíram ao Estado a instrução, mas não a educação. Com isso queria dizer que não atribuíram a este a formação moral das pessoas, que ficaria a cargo da família. Mas está equivocada: a distinção de Condorcet e do poder legislativo francês não era entre instrução e educação, mas entre instrução e ensino; diferença que cor respondia à divisão entre primário e secundário (como mestre e profes sor, aluno e estudante...), e que implicava também a dicotomia entre amera transmissão de conhecimentos rudimentares (leitura, escrita bási ca e cálculo na instrução) ou certa imersão profunda no conhecimento (literatura, história etc., além de um manejo muito mais sofisticado da língua — característico da dissertation — no ensino). Além disso, tanto a Revolução e, mais tarde, a III República, decidiram expulsar a Igreja da instrução e do ensino. O próprio Napoleão, que entregou a instrução (primária) à Igreja, manteve esta última afastada do ensino (secundário). Fernandez Enguita, M ariano. La instrucción, la educación y Esperanza Aguirre, 20 nov. 2011 . D isponível em : < h ttp ://e n g u ita .b lo g s p o t.c o m .e s /2 0 1 1 /1 1 /la -in s tru c c io n -la - educacion-y-esperanza.h tm l>. Acesso em : 18 out. 2015. Não obstante essas investidas neoconservadoras para justificar certas políticas em benefício de uma minoria, durante o século XX passou-se a assumir a relevância das questões socioculturais (por exemplo, a comunicação, o trabalho em equipe, os processos, a elabo ração conjunta de projetos, a tomada de decisões democrática etc.). Foi uma mudança fundamental da profissão docente. Estas são questões que devem continuar a ser debatidas durante o século XXI. http://enguita.blogspot.com.es/2011/11/la-instruccion-la-educacion-y-esperanza.html http://enguita.blogspot.com.es/2011/11/la-instruccion-la-educacion-y-esperanza.html QUALIDADE DO ENSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 45 O conceito da educação através da história Platão: A República. Dissemos, e com razão, que uma boa educação é a que pode dar ao corpo e à alma toda a beleza e toda a perfeição de que são capa zes. A educação é a arte de atrair e conduzir os jovens para o que a lei diz estar de acordo com a reta razão e o que foi declarado como tal pelos sábios e anciãos mais experientes. Rousseau: Emílio ou Da educação (1821). A educação é obra da natureza, dos homens ou das coisas. A educação é a arte de educar as crianças e formar os homens. A educação nada mais é que a formação de hábitos. J. Dewey: Democracia e educação. A educação é a reconstrução da experiência que se acrescenta ao significado da experiência e que aumenta a habilidade para dirigir o curso da experiência subsequente. G. Dilthey: Fundamentos de um sistema de pedagogia. Por educação entendemos a atividade planejada, através da qual os adultos procuram formar a vida dos seres em desenvolvimento. R. S. Peters: O conceito de educação. Ser educado implica o domínio de certas práticas, o conhecimento e a compreensão de princípios. Para que esse ideal se concretize é preciso aprender uma grande quantidade de coisas diferentes. Por conseguinte, é lógico que passemos a considerar a existência de mais de um processo educacional. Os processos educacionais são: o treinamento, a instrução e o aprendizado por meio da experiência, o ensino e a aprendizagem de princípios, a transmissão do pensamento crítico, o diálogo e o homem total. Tipologia E d u ca çã o In stru çã o Desenvolver, aperfeiçoar, formar, introduzir e sensibilizar, conhecimentos relevantes, valores... Ensinar, informar, doutrinar, atualizar, conhecimentos, padrões, capacitar, adestrar... Duração Alta duração. Trabalho personalizado Baixa duração ou intensivo. De massa Processo Exemplos... Diálogo. Processo conscientizador. Comunidade. Autonomia e liberdade Regras, normas... Indivíduo. Processo dependente Educação e instrução. (Elaboração própria.) 46 FRANCISCO IMBERNÓN 1.4 A tarefa e a imagem social. Muito trabalho a ser feito Ser professor não consiste apenas em ir fisicamente à escola, dar aulas, promover a leitura e ministrar exercícios e tarefas, como ainda pensam muitas pessoas. Quando éramos crianças pensávamos que o professor ou a professora era uma pessoa rígida, séria; não os imagi návamos como nossos pais (a não ser que eles também fossem profes sores); não percebíamos que podiam ter uma vida "normal", como a de nossas famílias. Um exemplo, Enrique Asensi, professor de Canillas de Albaida (Málaga) em meados do século XX. E é claro que eles tinham uma vida como todos os outros. À mar gem da sala de aula, do giz e da lousa, muitos professores trabalhavam pela cultura e pelas pessoas. Em muitos povoados e bairros, onde existe mais proximidade entre as pessoas, esses professores são lem brados muito bem. "Aquele que fazia de tudo", como ouvi um aluno QUALIDADE DO I NSINO E FORMAÇÃO DO PROFESSORADO 47 falando de um professor durante a guerra civil espanhola; chamava-o de "o professor operário", porque não apenas lecionava para meninos e meninas de todas as idades nas horas de aula, mas também para os adultos do bairro ou do povoado, ou ao anoitecer redigia as cartas de pessoas que não sabiam escrever. Houve épocas nas quais muitos professores exerceram sua profissão todo o dia e parte da noite para a população de seu entorno. Para estes, a profissão era sua vida. Houve épocas, no decorrer do século XX (ditaduras, guerras...), em que para muitos a consciência política e social se unia com o compromisso de ensinar. As pessoas que tiveram professores operários, ou seja, com prometidos com a mudança social, nunca se esquecerão deles, embo ra às vezes a história da educação os tenha esquecido e condenado ao anonimato. Durante o século XX, lutaram para mudar a escola; muitos deles anônimos ou pouco reconhecidos, embora o trabalho de todos tenha contribuído para manter a escola atual. Não é possível falar da escola atual sem olhar para a escola e os pedagogos que a tornaram possível durante o século XX. A escola do século XXI é produto das lutas sociais e educativas do século XX. E ainda resta muito por fazer. Não podemos nos esquecer também da longa e escura noite das ditaduras, em muitos países, que introduziu nas salas de aula um conceito de professor anódino, autoritário, conservador, com um in- tegrismo religioso e ideológico e onde a resignação e o castigo9 eram o pão de cada dia das escolas. Mas também muitos deles, sobretudo a partir dos anos 1960 (nos países em que as ditaduras já começavam a fraquejar, embora outras começassem a surgir), ofereceram uma resistência tanto no campo educacional, como no social e político. Que esta lembrança sirva de homenagem a sua resistência, pois, graças a eles, temos hoje as escolas que temos ou, pelo menos, escolas melho res que antes. Durante as ditaduras, muitos professores iam a colégios, a reuniões clandestinas e à universidade em busca de novas ideias de outros 9. Lembramos que atualmente o castigo físico de meninos e meninas é aceito em 87% dos países do mundo. 48 FRANCISCO IMBERNÓN professores; faziam parte de movimentos para recuperar as ideias da renovação pedagógica.10 Em suma, buscavam o tesouro mais precioso da educação: a liberdade. Pensavam que ser professor vai além de ensinar crianças, que tinham de se comprometer com o ambiente e com as pessoas, que tinham de realizar uma tarefa política e social com a população. Embora hoje as circunstâncias tenham mudado, a concepção do professor como agente educativo e social do território não apenas continua vigente, mas aumentou consideravelmente, apesar de tender mos a falar de comunidade, já que aprendemos de muitas formas. Uma das funções atuais mais importantes do professor é seu papel como dinamizador importante da cultura e da comunidade no território. Embora todos tenham consciência de que o professor não tem atualmente o monopólio do saber e que a sociedade atual divide sua função educadora com agentes muito poderosos (televisão, ambiente, família, redes sociais, internet etc.), muitos continuam, à margem de seu trabalho concreto, participando de algumas ONGs, realizando tarefas de cooperação, de colaboração em associações de bairro e de professores, e muitas outras atividades pedagógicas e culturais e de formação permanente. Um grupo profissional tem as características das pessoas que o constituem. A maneira de ter acesso ao magistério no
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