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Teorias do conhecimento pedagógico Inge Renate Fröse Suhr Foi feito o depósito legal. Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora InterSaberes A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal. Esta obra é utilizada como material didático nos cursos oferecidos pelo Grupo Uninter. Apresentação A escola brasileira, tal como a conhecemos, não surgiu do nada − sua configuração atual é consequência de todo um processo histórico e reflete diversas concepções (teorias) de educação que se misturam no modo de agir e pensar dos educadores. Entendemos que todos os profissionais da educação precisam compreender de maneira ampliada a realidade da escola, indo além do que é possível constatar apenas por meio da prática. Não há dúvida de que a prática é essencial, até mesmo porque é dela que surge a necessidade de compreender o que se está fazendo, ou seja, a teoria. Mas, quando a ação humana fica presa somente a uma prática repetitiva e se perde a íntima relação que ela deve ter com a reflexão teórica, a práxis se torna alienada. Tendo isso em mente, apresentamos nesta obra um panorama geral das principais teorias que influenciaram a constituição da escola no Brasil tal como a conhecemos hoje. A abordagem dos conteúdos que você vai encontrar neste livro não é neutra, assumindo, em virtude disso, o compromisso com a luta pela construção de uma educação de qualidade para toda a população brasileira. Essa opção política pela educação para todos foi o fio condutor do raciocínio que perpassa a obra, auxiliando, inclusive, na escolha dos autores que a fundamentam. O primeiro capítulo desta obra apresenta um breve resgate histórico da pedagogia no contexto brasileiro até os dias atuais, no intuito de levar você à reflexão sobre essa profissão, com suas especificidades e seu objeto de estudo. O segundo capítulo tem o objetivo de preparar você para o estudo das diversas concepções de educação, demonstrando que a prática atual das escolas é o resultado, embora sempre ressignificado, de uma múltipla gama de elementos socioeconômicos e culturais, que dão origem a modos de fazer e pensar a escola. Apresentamos ainda nesta parte da obra a distinção entre concepções não críticas (ou liberais) e críticas (ou progressistas) de educação, temas que serão explorados nos capítulos seguintes. O terceiro capítulo traz as teorias não críticas de educação que influenciaram a constituição da escola no Brasil, demonstrando as semelhanças e as contradições entre essas perspectivas teóricas. São abordados o papel da escola, do professor, do aluno, dos conteúdos e da avaliação nas concepções que convencionamos chamar de tradicional, nova e tecnicista, bem como as manifestações destas na prática escolar atual. O quarto capítulo contempla um grupo de teorias que não se constituem em uma linha pedagógica, mas, sim, em uma crítica à educação submetida aos ditames do capitalismo, as quais receberam o título de crítico-reprodutivistas. Essas teorias contribuíram para mostrar a íntima relação entre a configuração da sociedade e a escola. O quinto capítulo procura estabelecer uma reflexão sobre as teorias críticas, ou progressistas, de educação. Estas também afirmam que há uma forte relação entre a educação e a sociedade que a criou, mas, em direção contrária às teorias crítico-reprodutivistas, percebem que a escola pode tanto contribuir para a manutenção quanto para a transformação da realidade. Com esse objetivo, exploramos os mesmos pontos abordados no terceiro capítulo: o papel da escola, do professor, do aluno, dos conteúdos e da avaliação, nas concepções que se convencionou chamar de libertadora, libertária e histórico-crítica. O sexto capítulo intenta defender a teoria de que vivemos em um período de recuo das propostas mais democratizantes de educação, ao passo que a ideia de formação das pessoas para se adaptarem à realidade tal como se apresenta ganha cada vez mais força. Para isso, exploramos os conceitos de neoprodutivismo, neoescolanovismo e recuo da teoria. Ainda nesse capítulo, propomos algumas reflexões sobre formas de enfrentar esse movimento retrógrado e continuar lutando para que a educação possa beneficiar a todos, para além da mera adaptação ao mercado de trabalho e às condições injustas (violência, drogas, pobreza, destruição do meio ambiente etc.) com as quais nos deparamos atualmente. Desejamos a você uma aprendizagem ao mesmo tempo prazerosa e profícua. Que os temas aqui tratados o instiguem à reflexão sobre a prática das escolas e o mobilize à ação, no sentido de lutarmos juntos pela educação de qualidade para todos os brasileiros. Introdução Muito se tem falado sobre a educação escolar, principalmente questionando uma efetividade em face das demandas da sociedade atual. Autores como Tedesco (2001) se referem a uma “crise da educação” distinta das que ocorreram até hoje, nas quais a escola não alcançou êxito em formar as pessoas que a sociedade demandava. Para esse autor, no atual momento histórico, a escola – instituição criada para transmitir aos mais jovens os conhecimentos necessários à vida em sociedade – vive um período de dificuldades sem precedentes, pois já não há clareza sobre o que dela se espera (seu papel). E, por isso mesmo, essa instituição age sem muita clareza, por vezes na direção oposta de uma educação de qualidade, atendendo a demandas conflitantes. No entanto, essa indefinição não é responsabilidade única e exclusiva da própria escola. Os fins da educação não são dados pelo sistema de ensino, e sim pela sociedade. Mas será que a sociedade deste início de século XXI apresenta, mais do que em outras épocas, dificuldades em definir o que espera da educação escolar? Na verdade, nossa sociedade – regida pelo capitalismo – não é homogênea, suas dividida em classes, entre as quais se estabelecem relações de poder. O que consta nos documentos legais que regem a educação não é, portanto, a expressão do desejo das necessidades da população como um todo, e sim de seus representantes legais. Poderíamos, então, afirmar que o papel de um representante é ser porta-voz do grupo representado, assim como poderíamos dizer que alguns grupos têm mais poder que outros, pressionando a aprovação de leis que favorecem os interesses das classes mais poderosas, por vezes, em detrimento das demais. Assim, não apenas recentemente, a legislação educacional, que tem um caráter indutor sobre as práticas pedagógicas, é reflexo de interesses contraditórios, conflitantes, expressão do consenso possível em uma determinada época em face da configuração das relações de poder nela presentes. Reflete, portanto, os interesses hegemônicos de determinado recorte temporal. Isso porque hegemonia é exatamente o resultado do conflito entre interesses antagônicos, sendo que o grupo de maior poder consegue colocar seu ponto de vista como se fosse o correto para toda a sociedade. Não é de hoje que a escola se encontra nesse território contestado1 por diversos interesses, o que demonstra que as expectativas que a sociedade impõe à educação são contraditórias e mudam no decorrer dos tempos. Mas é preciso admitir que as demandas atuais para a educação são mais diversas do que em outras épocas, pois a própria sociedade se encontra num momento de crise de valores e expectativas ante o futuro. As grandes ideologias que levavam as pessoas à ação no passado parecem ter sido superadas pela hegemonia do capitalismo; a globalização integra cada canto do mundo numa economia e numacultura que é, ao mesmo tempo, unificada em alguns aspectos e múltipla em outros. Vamos pensar em algumas situações que exemplifiquem esta última afirmação: o jeans é o uniforme dos jovens em inúmeras regiões do 1. Termo criado por Tomaz Tadeu da Silva (1995). Significa que o currículo das escolas não é somente um espaço de transmissão de conhecimentos, mas também de produção de conhecimentos no qual se identificam a negociação de diferentes poderes presentes na sociedade e as representações de cada um desses grupos acerca do social. mundo, tomando cada vez mais o espaço de roupas tradicionais, típicas de cada lugar; os meios de comunicação de massa ganham força e tendem a dirigir a opinião pública; fatos ocorridos nos pontos mais longínquos são informados imediatamente pelas redes de comunicação; todos os países estão interligados pelas negociações das bolsas de valores, de tal modo que o tsunami que ocorreu no Japão em 2011 afeta as economias ao redor de todo o mundo. Mesmo os lugares mais isolados estão envolvidos nessa grande aldeia global, o que modifica, em escala jamais vista, os valores, os modos de agir e pensar etc. Por outro lado, cada vez mais cresce o número de pessoas que buscam sua identidade por meio da formação de grupos com características em comum, os quais, em alguns casos, chegam ao ponto de negar o direito de outros grupos terem posições diferenciadas, tais como os skinheads e os neonazistas. Além disso, a integração econômica dos diversos países não se dá em “pé de igualdade”, mas, sim, pela exploração de muitos por alguns. Exemplifiquemos: países inteiros no continente africano padecem da falta de condições mínimas de sobrevivência para seus respectivos povos pelo fato de não serem “interessantes” ao capitalismo internacional: não produzem alimentos nem produtos industrializados para suprir as necessidades dos países mais ricos e, por isso mesmo, são deixados à sua própria sorte. Por outro lado, se um país é produtor de petróleo, os governos das grandes potências econômicas estabelecem relações comerciais com o governo daquele e, em muitos casos, até interfere na política interna dessa nação. Haverá muito mais chance de este segundo país se desenvolver economicamente do que o primeiro. Mas esse desenvolvimento provavelmente será direcionado pelos interesses dos países centrais. Ao mesmo tempo, o acelerado desenvolvimento da ciência e da tecnologia traz novos desafios e, com eles, questionamentos tais como: Em que momento inicia e acaba a vida? “Mães de aluguel” possuem direitos sobre as crianças que concebem? Em que medida a produção de órgãos a partir de embriões é um procedimento ético? O mundo do trabalho e suas relações também mudam: as empresas exigem cada vez mais profissionais polivalentes, capazes de se adaptarem às mudanças e de apresentarem soluções inovadoras, que tragam mais produtividade às empresas. Os exemplos anteriormente citados configuram uma realidade multifacetada, na qual nem todas as pessoas têm seus direitos respeitados, emanando mensagens variadas no que se refere aos objetivos da educação. Devido a esse movimento contraditório, que é característico da sociedade em que vivemos, o modo como a educação é organizada pode tanto contribuir para reforçar e manter os interesses hegemônicos quanto favorecer os interesses dos grupos subjugados. Por isso, antes de continuarmos, vamos explicitar o que compreendemos como sendo o objetivo da educação nesta obra. Acreditamos que a educação pode – e deve – contribuir para a transformação da sociedade rumo à maior justiça social, à democracia real e não apenas formal. Um dos elementos que contribuem para que as relações de poder sejam mais horizontais, isto é, mais democráticas, é o acesso de todos os cidadãos aos saberes considerados necessários à vida em sociedade. Portanto, a aquisição do conhecimento é um dos caminhos para uma sociedade mais justa; porém, não se trata de qualquer conhecimento: referimo-nos aqui à cultura letrada, historicamente acumulada pela sociedade. Saviani (1989) afirma que a escola foi criada para propiciar às novas gerações o acesso a um “complexo de conhecimentos sistematizados (que) não é acessível por vias assistemáticas, espontâneas”. O papel da escola é, assim, trabalhar com o saber sistematizado (já que este, por natureza, não é passível de ser assimilado por vias assistemáticas, no dia a dia), promovendo a humanização, ou seja, possibilitar que todos os seres humanos tenham condições de ser partícipes e desfrutadores dos avanços da civilização historicamente construída e compromissados com a solução dos problemas que essa mesma civilização gerou. (Pimenta; Anastasiou, 2005, p. 162) Exatamente por poder se constituir em ferramenta em prol da humanização é que a educação escolar é tão importante, principalmente para as crianças oriundas das classes que vivem do trabalho. Para estas, a escola é muitas vezes o único espaço de acesso ao conhecimento sistematizado, necessário não apenas para que se adaptem ao que a sociedade espera delas, como também para torná-la mais justa, igualitária e preocupada com a solução dos problemas que põem em risco, a médio prazo, a própria sobrevivência do ser humano (podemos citar, por exemplo, a questão ecológica, a lenta destruição das condições de vida humana sobre a Terra e a necessidade de reverter esse processo coletivamente). Por isso, é preciso que haja um trabalho de “tradução” e “dosagem” dos conhecimentos descritos nas diversas ciências e na filosofia no ambiente escolar de modo que estes possam ser compreendidos pelos estudantes de acordo com sua faixa etária, por exemplo. É preciso também estabelecer um processo sistemático e organizado de ensino, adequado às características do alunado e do conhecimento de que eles necessitam. Não basta existir a escola: ela precisa ser efetiva, capaz de realmente promover a aprendizagem de todos. A educação formal, diferentemente daquela que acontece nos demais espaços da sociedade, precisa de clareza em relação ao tipo de pessoa que pretende ajudar a formar, pois essa definição é que dirige todas as demais decisões sobre o que, quando e como ensinar. Exatamente por ser sistemática e intencional, a educação escolar precisa ter, como base, um sólido referencial teórico, que advém das diversas áreas de conhecimento, tais como a psicologia, a sociologia, a filosofia, mas, principalmente, as teorias da educação. Elas se constituem num aporte teórico necessário para que os profissionais da educação possam compreender de maneira mais crítica as orientações legais destinadas a essa área, as concepções e ideologias que subsidiam a ação da escola e os desafios trazidos à educação pelas demandas da sociedade atual. Embora a organização do trabalho pedagógico seja tarefa de todos os profissionais que atuam na escola, aquela é geralmente coordenada pelo pedagogo. Segundo Almeida e Soares (2010), o pedagogo é, hoje, concebido como o profissional responsável pela organização e articulação do trabalho pedagógico na escola, mas nem sempre foi assim. A história da pedagogia no Brasil passou por várias fases, relacionadas com as necessidades e concepções hegemônicas de cada época, como veremos a seguir. 1. Pedagogia: natureza, objeto e especificidade Este primeiro capítulo tem o objetivo de propor uma reflexão sobre o que é a pedagogia, qual é a sua especificidade e o seu objeto de estudo. Para isso, é necessário contextualizarmos, mesmo que brevemente, a escola e os desafios que a ela são impostos na atualidade, além de fazermos um rápido percurso pela história da formação dos profissionais da educação em nosso país. Isso porque a formação e a atuação dos pedagogos estão relacionadas com a formação e a atuação dos professores e com o modo como os papéis desses profissionaisforam concebidos no decorrer da história. Inicialmente, traçaremos um breve panorama da história da educação no Brasil, demonstrando como surgiram os cursos de formação de professores e de Pedagogia e as mudanças que foram ocorrendo nestes. Em seguida, abordaremos os principais elementos da legislação atual sobre a formação de pedagogos, expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Finalmente, defenderemos a teoria de que a pedagogia é uma ciência teórico-prática que toma a educação como seu objeto de estudo. 1.1 Apontamentos sobre a história da pedagogia no Brasil O termo pedagogia tem origem grega. Ele foi criado a partir das palavras paidós (criança) e agogé (condução) e se referia, num primeiro momento, ao ato de conduzir a criança a seu preceptor. Como os escravos do período referente à Antiguidade Clássica – obtidos por meio de guerras – demonstravam, muitas vezes, grande erudição, passavam, com o tempo, a ser eles mesmos os preceptores, os professores, mas não havia um direcionamento único. Cada um seguia uma determinada corrente filosófica e seus pupilos estavam conscientes de que seriam educados segundo aquela concepção. Com o passar do tempo, principalmente com o estabelecimento do capitalismo (no decorrer dos séculos XVII e XVIII), passou a ser necessário organizar a educação para as massas, já que, para se trabalhar nas fábricas, eram exigidos alguns saberes desconhecidos pela população da época, acostumada ao trabalho com a terra. Como nessa época o foco da educação não era a totalidade da população, e sim os filhos das camadas mais abastadas, não havia ainda uma preocupação com um direcionamento socialmente amplo do ensino. Somente a partir do século XIX é que foram criados os sistemas nacionais de ensino e, com eles, a necessidade de se organizar a educação de acordo com as expectativas da sociedade. Segundo Saviani (1989, p. 17), quando os sistemas de ensino foram criados, estes se inspiraram no “princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado”. Isso porque a Europa vivia a consolidação da burguesia no poder, a qual defendia ideais da democracia e se contrapunha ao regime anterior, a monarquia. Silva (1999) apresenta as implicações do estabelecimento, à época, de um currículo voltado a formar um novo tipo de ser humano, adequado a uma sociedade industrial, democrática, livre2.Ele afirma que foram surgindo nas burocracias estatais setores especializados na organização da educação e, a partir daí, passou a haver definições oficiais relacionadas à organização da escola. Embora pudéssemos percorrer toda a história da educação no mundo, vamos analisar alguns dados marcantes desse processo no Brasil, que consiste em nosso objeto de estudo, e, a partir daí, estabelecer relações com seu entorno. Em nosso país, embora já houvesse educação no sentido amplo do termo, o processo de constituição da educação formal teve seu início oficial com a vinda dos jesuítas, em 1549, que tinham a intenção de catequizar os índios. Ao mesmo tempo que se dedicaram à cristianização dos indígenas, os jesuítas também instituíram as primeiras escolas destinadas aos filhos dos portugueses que aqui viviam. As aulas nesses colégios seguiam um currículo que continha procedimentos de ensino determinados pela congregação religiosa, denominado Ratio Studiorum. Os jesuítas tiveram o monopólio da educação no Brasil até serem expulsos do território português em 1759 pelo Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. Inspirado no Iluminismo, pretendia acelerar o desenvolvimento econômico daquele país e entendia que a educação de base católica oferecida pelos jesuítas precisava ser substituída por outra, de cunho mais científico, para que tal desenvolvimento pudesse ocorrer. Segundo Seco e Amaral (2011): A educação jesuítica não mais convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal, com seus conhecidos motivos e atos na tentativa de modernização de Portugal, que chegariam também as suas colônias. Assim sendo, as escolas da Companhia de Jesus, que tinham por objetivo servir aos interesses da fé, não atendiam aos anseios de Pombal em organizar a escola para servir aos interesses do Estado. No lugar do sistema de ensino jesuítico, Pombal implantou as aulas régias, que se constituíam como aulas avulsas de latim, grego, filosofia e retórica, e não mais como um sistema articulado de ensino. Ainda segundo Seco e Amaral (2011): Enquanto na Metrópole buscava-se construir um sistema público de ensino, mais moderno e popular, na colônia, apesar das várias tentativas, através de sucessivos alvarás e cartas régias, as Reformas Pombalinas no campo da educação, só lograram desarranjar a sólida estrutura educacional construída pelos jesuítas, confiscando-lhes os bens e fechando todos os seus colégios. Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, por interesse e necessidade da corte – e não necessariamente da população brasileira –, houve a criação de uma “série de cursos, tanto profissionalizantes em nível médio como em nível superior, bem como militares” (Ghiraldelli Júnior, 2006, p. 28). 2. Trata-se aqui, da democracia e da liberdade na acepção burguesa Segundo o mesmo autor, após o retorno da corte para Portugal, D. Pedro I proclamou a Independência e, como “novo império”, o país precisava de uma constituição própria, promulgada em 1824, que continha um tópico específico sobre educação. A Carta Magna determinava que o império deveria possuir escolas primárias, ginásios e universidades, ou seja, um sistema educacional. Mesmo assim, a situação em que se encontrava a educação brasileira, no plano prático, pouco mudou, pois a escola, dirigida mais aos jovens do que às crianças, tinha pouca ou nenhuma relação com o mundo prático e tomava por pressuposto o método lancasteriano, que consistia na ajuda mútua entre os alunos mais adiantados e os atrasados. Segundo Saviani (2006, p. 3): Durante todo o período colonial, desde os colégios jesuítas passando pelas aulas régias implantadas pelas reformas pombalinas até os cursos superiores criados a partir da vinda de D. João VI em 1808, não se manifesta uma preocupação explícita com a questão da formação de professores É na Lei das escolas de primeiras letras, promulgada em 15 de outubro de 1827, que essa preocupação aparecerá pela primeira vez. Ao determinar que o ensino, nessas escolas, deveria ser desenvolvido pelo método mútuo, a referida lei estipula, no artigo 4º, que os professores deverão ser treinados nesse método, às próprias custas, nas capitais das respectivas províncias. Ainda segundo Saviani (2006), a responsabilidade pela formação dos professores passou a ser, portanto, das províncias, sendo custeada pelos próprios estudantes. A partir dessa determinação, teve início a oferta do curso normal, que tinha o objetivo de formar professores para o ensino primário. Esse curso era oferecido em nível secundário, o que hoje corresponde ao ensino médio. A primeira escola normal foi criada em 1835, na Província do Rio de Janeiro. Até esse momento histórico, não havia nenhum registro que se referisse ao pedagogo. Com a Proclamação da República em 1889, o governo presidencialista assumiu a filosofia positivista3 como princípio para a educação e propôs a liberdade e a laicidade do ensino, ressaltando o papel do Estado na oferta do ensino primário gratuito. Os intelectuais da época acreditavam que os problemas do país só poderiam ser resolvidos por meio da extensão da escola elementar ao povo, movimento que ficou conhecido como entusiasmo pela educação. Saviani (2006) retirou de um trecho do texto da reforma da instrução pública do Estado de São Paulo de 1890 a seguinte citação: “sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos processos pedagógicose com cabedal científico adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz” (São Paulo, 1890, citado por Saviani, 2006, p. 4). Esse trecho demonstra o entusiasmo gerado pela possibilidade de a educação promover as mudanças consideradas necessárias na sociedade: professores bem formados seriam capazes de propiciar aos alunos um ensino capaz de regenerar a população inculta de modo eficaz. Esse fragmento indica também a preocupação com a formação de professores que pudessem realmente colaborar nesse processo. 3. O positivismo é uma teoria divulgada por Augusto Comte (1798-1857), que sustentava que o único conhecimento válido é aquele gerado com base na descrição de fenômenos perceptíveis pelos sentidos, que pudessem ser comprovados empiricamente. O modelo da escola normal permaneceu, mas sofreu uma reforma que buscou adequá-lo à perspectiva da época. Para isso, foi proposto o enriquecimento dos conteúdos curriculares anteriores e a ênfase em exercícios práticos de ensino. A partir do final da década de 1920, desenvolveu-se em nosso país uma fase de otimismo pedagógico, que também colocava a educação como instituição central para a solução dos problemas do país. Mas, em direção contrária ao entusiasmo pela educação, o otimismo pedagógico defendia “a melhoria das condições didáticas e pedagógicas da rede escolar” (Ghiraldelli Júnior, 1990, p. 15). O cenário hegemônico em termos de concepção de educação nessa época foi o escolanovismo, que também será abordado no Capítulo 3 desta obra. Mesmo o Estado assumindo para si o papel de mantenedor do ensino público, na realidade o único fato marcante da época foi a expansão do número de escolas, sem que houvesse, naquele momento, nenhum movimento em prol dos encaminhamentos pedagógicos a serem adotados. A concepção de educação hegemônica naquele período foi mais tarde denominada tradicional, a qual também será abordada no Capítulo 3 deste livro. Nesse período, o Brasil deu início a um processo de industrialização e, para isso, fez-se necessário investir na formação da mão de obra. Consequentemente, foi necessária a criação de uma equipe de profissionais que pensassem e definissem os rumos da educação nacional. No que se refere à formação de professores, ganhou força a ideia de que ela deveria ser ministrada em institutos de educação, “concebidos como espaços de cultivo da educação encarada não apenas como objeto do ensino, mas também da pesquisa” (Saviani, 2006, p. 5). Ainda segundo Saviani (2006, p. 6): os Institutos de Educação foram pensados e organizados de maneira a incorporar as exigências da pedagogia que buscava se firmar como um conhecimento de caráter científico. Caminhava-se, pois, decisivamente, rumo à consolidação do modelo pedagógico-didático de formação docente que permitiria corrigir as insuficiências e distorções das velhas escolas normais. Os poucos institutos de educação criados à época logo foram transformados em instituições de ensino superior e a formação de professores continuou sendo feita, marcadamente, no curso normal. Foi nesse panorama que surgiu o curso de Pedagogia em nosso país: temos, de um lado, o campo da educação buscando se firmar com caráter científico e, de outro, assumindo, mesmo que indiretamente, falhas na formação dos professores. Saviani (2008) relata que o curso de Pedagogia foi criado oficialmente pelo Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939, com o objetivo de atender à demanda governamental por especialistas educacionais para atuarem no Ministério da Educação. O curso funcionava num esquema que ficou conhecido como 3 + 1: nos 3 primeiros anos, o estudante cursava o bacharelado (técnico em educação) e, mediante a complementação dessa formação por meio do curso de Didática (1 ano), o formando estaria também apto para a docência. No caso do curso de Pedagogia, o egresso poderia lecionar no curso de formação de professores em nível médio – normal. A demanda por técnicos para atuarem no Ministério da Educação não foi suficiente para absorver todos os egressos do curso de Pedagogia e não lhes eram oferecidas muitas opções de campo de trabalho, até porque havia grande indefinição sobre a caracterização desse profissional. Mesmo a legislação posterior manteve essa indefinição e, segundo Silva (2003, p. 17), fixou-se o currículo mínimo para o curso “visando à formação de um profissional ao qual se referem vagamente e sem considerar a existência ou não de um campo de trabalho que o demandasse”. No final da década de 1950 e no decorrer dos anos 1960, ocorreram mudanças significativas no cenário educacional brasileiro: por um lado, houve uma efervescência de movimentos políticos e educacionais direcionados à democratização da sociedade brasileira; por outro, em 1964, iniciou-se a ditadura militar, que, em termos educacionais, pautou-se, segundo Ghiraldelli Júnior (1990, p. 163), pela repressão, privatização do ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação educacional. Em 1968, ocorreu a reforma universitária, baseada na Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968 (Brasil, 1968), que deu origem a uma nova legislação para o curso de Pedagogia, definida pelo Parecer nº 252, de 2 de abril de 1969 (Brasil, 1969), do Conselho Federal de Educação (CFE). Com base nesse parecer, embalado pela concepção tecnicista de educação, o curso passou a formar o técnico em educação baseado em uma estrutura que comportava uma base comum (a ser cursada por todos os estudantes do curso) e, posterior a ela, uma série de habilitações específicas, cabendo ao estudante escolher uma delas. Segundo Saviani (2008), as habilitações permitidas eram as seguintes: orientação educacional; administração escolar; supervisão escolar; inspeção escolar. Ao final do curso, o licenciado em Pedagogia recebia um diploma que o habilitaria a lecionar nas disciplinas específicas dos cursos normais e a desempenhar a função que lhe é inerente. Entre as habilitações possíveis, as que mais se desenvolveram foram as de Orientação Educacional e Supervisão Escolar, até mesmo porque a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (Brasil, 1971), que fixava as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, instituiu a obrigatoriedade da existência do orientador educacional em todas as escolas por meio do seu art. 10: “Será instituída obrigatoriamente a Orientação Educacional, incluindo aconselhamento vocacional, em cooperação com os professores, a família e a comunidade”. Essa mesma lei se refere aos especialistas em educação, definindo que a “formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas de educação será feita em curso superior de graduação, com duração plena ou curta, ou de pós- graduação” (art. 33, Lei nº 5.692/1971). Com essa legislação, amplia-se a divisão do trabalho no interior das escolas, já que a cada especialista – assim como também aos professores – cabia uma tarefa específica a ser desempenhada, segundo o modelo da indústria da época4. A supervisão escolar, em seu início, desempenhava um papel semelhante ao encarregado de setor na indústria, cabendo-lhe a função de transmitir as determinações emanadas dos níveis superiores de decisão para os professores (trabalhadores) e supervisionar seu cumprimento. O papel daquele profissional era o de fiscalização e essa estrutura hierárquica traz implícita a ideia da incompetência do professor para participar das decisões, restando-lhe apenas a execução. A orientação educacional surgiu da necessidade de adequar a escola ao momento de industrialização vivido pelo país, que buscava atrair indústrias multinacionaise, para isso, precisava de mão de obra capacitada. Como é possível ler no art. 10 da Lei nº 5.692/1971, a tarefa primordial da orientação educacional era a orientação vocacional. Ao mesmo tempo, o ensino de 2º grau se tornou compulsoriamente profissionalizante e, com base numa orientação vocacional adequada, os alunos poderiam escolher o curso para o qual tivessem vocação e, com isso, a adaptação posterior ao trabalho seria facilitada. Nesse período, a formação de professores para o ensino primário deixou de ser feita no curso normal e foi criada, em nível de 2º grau, a habilitação para o Magistério. Com a profissionalização obrigatória, esse curso passou a ser “mais um” entre os vários existentes, perdendo parte de sua especificidade. A ditadura militar foi perdendo força no início dos anos 1980 e, com isso, vários movimentos passaram a lutar pela redemocratização da sociedade brasileira. Na área da educação, isso trouxe à baila, conforme Almeida e Soares (2010), a discussão sobre a função da escola e a busca de seu comprometimento com os interesses da maioria da população. Para as autoras: A preocupação com uma escola que se volte aos interesses da maioria da população traz significativas alterações para o entendimento da função social da escola e do papel dos profissionais que nela atuam, redimensionando o compromisso político-pedagógico com a qualidade do ensino na perspectiva de contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Neste sentido, o repensar da função do pedagogo não se faz de forma isolada, mas é parte do processo de busca de reformulação da escola como um todo (suas finalidades, estratégias, metodologias de ensino, definição de conteúdos, formas e instrumentos de avaliação, organização da gestão escolar). (Almeida; Soares, 2010, p. 39) Tomando como referência essa reflexão, ocorreu um amplo movimento de reformulação dos cursos de Pedagogia, que adotou o princípio da “docência como a base da identidade profissional de todos os profissionais da educação” (Silva, 2003, p. 68-79). Buscava-se retomar a unidade do trabalho na escola, compreendendo que todos os que nela atuam são profissionais da educação e que uma possível divisão de tarefas não deveria basear-se numa hierarquia predefinida que tomasse alguns como executores e outros como fiscalizadores de um processo planejado externamente à instituição escolar. 4. Para saber mais sobre a organização do trabalho fabril nesta época, busque informações sobre o taylorismo-fordismo na obra A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo (Pinto, 2010). Almeida e Soares (2010, p. 40) afirmam que, segundo essa concepção: não cabe mais [...] o pedagogo supervisor escolar ou orientador educacional como um profissional que se sobrepõe aos demais (professores e alunos) numa condição hierárquica superior baseada na ideia de que é ele quem comanda, define e determina o trabalho a ser realizado de acordo seus próprios princípios e interesses. Isso não significa que não haja necessidade de refletir, planejar e dividir as ações e tarefas dentro da escola, mas, sim, que é preciso vencer o autoritarismo implícito na hierarquia e na definição estanque de tarefas. E foi esse o direcionamento de muitas instituições de formação, tanto de pedagogos quanto de professores, como também de alguns sistemas de ensino no decorrer da década de 1980. Passou-se a compreender professores, pedagogos e demais profissionais da escola como uma equipe que, com base numa gestão democrática – e não hierarquizada –, organiza-se para buscar concretizar os fins da educação: favorecer o sucesso do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos considerados essenciais para uma vida socialmente digna. O papel do pedagogo passa a ser, principalmente, o de articulação, de coordenação do trabalho pedagógico da escola, tornando-o muito mais um cúmplice do que um fiscal do professor. A escola precisa ter claro o direcionamento a seguir, sob o risco de perder sua especificidade. Esse direcionamento é dado pelo projeto político-pedagógico, documento que deve ser fruto de estudos e discussões coletivas no interior da escola e que contém as concepções, as intenções e os encaminhamentos assumidos pelo grupo. Almeida e Soares (2010, p. 47) afirmam que, nessa configuração: Cabe ao pedagogo [...] organizar os espaços e momentos em que o projeto político-pedagógico possa ser discutido, tanto para sua elaboração, quanto para a avaliação contínua e redimensionamento do trabalho realizado na escola com vistas à garantia da aprendizagem dos alunos. Muitas das funções desempenhadas pelos orientadores educacionais e pelos supervisores escolares continuam tendo sua razão de ser, desde que se revistam de um caráter democrático e que contribuam explicitamente para o objetivo da escola: promover a aprendizagem de qualidade para todos. Assim, o acompanhamento do planejamento e de sua execução, a formação continuada dos docentes, a orientação às famílias e aos professores no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, a organização de conselhos de classe, o acompanhamento dos resultados das avaliações, entre outras iniciativas, continuam sendo ações importantes na escola e que devem ser assumidas pelo pedagogo. Vale ressaltarmos que as ações do pedagogo, assim como dos demais profissionais da escola, devem ser dirigidas pelo projeto político-pedagógico e a articulação das discussões para a produção e a implementação desse projeto é uma das tarefas principais desse profissional. Em vez de fiscal do trabalho dos professores (supervisor escolar) ou responsável por promover a adequação do aluno à escola e à sociedade (orientador educacional), a concepção que defendemos em relação ao trabalho do pedagogo é a de coordenação das atividades que ocorrem na escola. Se desmontarmos a palavra coordenação em suas partes constituintes, o papel do pedagogo fica bem claro: esse vocábulo contém a partícula ação, ou seja, algo a ser realizado com um objetivo claro. Podemos também encontrar a partícula ordenação, que nos remete à ideia de que essa ação precisa ser organizada intencionalmente de modo a cumprir o objetivo proposto. Finalmente, o prefixo co nos traz o sentido de “junto com”, ou seja, o pedagogo é aquele que promove a ação intencional e organizada na escola com o objetivo de garantir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, mas o faz sempre com os professores, discutindo e refletindo junto com eles e jamais decidindo por eles. Essa concepção acerca do papel do pedagogo como profissional que busca a unidade e não a fragmentação do trabalho pedagógico, com o claro objetivo de favorecer a melhoria da qualidade da escola para todos (compromisso político), ficou conhecida em vários lugares do Brasil como pedagogo unitário. 1.2 Caracterização do pedagogo na legislação atual Vimos rapidamente a história da constituição da profissão de pedagogo no Brasil e, a esta altura, você deve estar se perguntando como isso se configura na atualidade, seja no dia a dia das escolas, seja na legislação relativa à formação desse profissional da educação. Como funciona atualmente a profissão de pedagogo? Em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDBN) – Lei nº 9.394/, de 20 de dezembro de 1996, (Brasil, 1996). Por um lado, ela pressupõe que todos os profissionais da educação deverão ter ensino superior, o que pode ser interpretado como reconhecimento da necessidade de professores capazes de refletirem autonomamente sobre o processo de ensino-aprendizagem. Isso se efetiva no art. 62 da referida lei: Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Por outro lado, a LDBEN/1996 mantém – ou reedita – a fragmentação do trabalho ao separar a formação dos profissionais que atuarão em funções de administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, como podemos ler no art. 64 do referido diploma: Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. Como a LDBEN/1996 não deixou claro se a formação do professor se daria num curso específico ou se seria atribuição do curso de Pedagogia, iniciou-se um longo período de debates (e embates). Surgiram, então, propostas variadas, oferecendo habilitações para a docência na educação infantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental no curso de Pedagogia, bem como um curso específico para formação de professores, intitulado Normal Superior. Durante praticamente dez anos, houve uma clara indefinição sobre o papel do curso de Pedagogia e debates envolveram diversas entidades do meio educacional sobre a especificidade de cada um desses cursos. Isso não significa que não havia um amplo movimento de reflexão e discussão sobre quais deveriam ser os direcionamentos para as novas diretrizes curriculares para a formação dos educadores. Diferentes representações dos educadores, tais como a Anfope − Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, a Anped − Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, o Cedes − Centro de Estudos Educação e Sociedade, a Anpae − Associação Nacional de Política e Administração da Educação, o Forumdir − Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, os centros de educação ou equivalentes das universidades públicas brasileiras e o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, reuniram-se várias vezes para discutir o tema. Obviamente, houve concordâncias e discordâncias entre as posições apresentadas, como é adequado numa discussão de cunho democrático. No entanto, em documento de 2004, os representantes dessas agremiações afirmam que: a luta pela formação do educador de caráter sócio-histórico e a concepção da docência como base da formação dos profissionais da educação [...] indicam a necessidade de superação tanto da fragmentação na formação – formar, portanto, o especialista no professor – quanto para a superação da dicotomia – formar o professor e o especialista no educador. (Anfope; Anped; Cedes, 2004, grifo do original) A posição dessas entidades reunidas é que a docência é a base da formação dos educadores, mas considerada em seu sentido amplo, enquanto trabalho e processo pedagógico construído no conjunto das relações sociais e produtivas, e, em sentindo estrito, como expressão multideterminada de procedimentos didático-pedagógicos intencionais, passíveis de uma abordagem transdisciplinar. Assume-se, assim, a docência no interior de um projeto formativo e não numa visão reducionista de um conjunto de métodos e técnicas neutros descolado de uma dada realidade histórica. (Anfope; Anped; Cedes, 2004) Assumir a docência como base não significa, no entanto, colocá-la como sinônimo de todas as possíveis atuações do pedagogo. Significa, isto sim, demonstrar que a compreensão do fenômeno educativo é que deve direcionar as ações dos educadores. A indefinição e os debates acerca da formação dos profissionais da educação tiveram seu ponto final com elaboração das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia – Resolução CNE/CP nº 1/2006 (Brasil, 2006) –, que extinguem as habilitações e propõem que o egresso desse curso seja capaz de desempenhar as atividades pedagógicas de maneira integrada, tanto na função de professor quanto na função de pedagogo. A extinção das habilitações está indicando uma concepção mais unitária do trabalho docente, buscando a superação da divisão estanque de tarefas na escola. Mas o fato de terem sido publicadas as diretrizes não significa que há concordância de todas as entidades e pesquisadores sobre seu texto. Há vários autores, entre os quais podemos citar Libâneo (2006), Saviani (2008), Kuenzer e Rodrigues (2007), que apontam vários problemas no referido documento. A principal crítica desses autores é a ênfase na docência, colocando a gestão e a pesquisa como elementos secundários, subordinados. Realmente, a Resolução CNE/CP nº 1/2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, define nos arts. 2º e 4º que esse curso é da modalidade de licenciatura, ou seja, habilita o egresso para atuar como professor na educação infantil (0 a 5 anos), nos anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º ano)5, nos cursos de formação de professores em nível médio e em cursos de “Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos” (Brasil, 2006). Para Kuenzer e Rodrigues (2007, p. 41), a diretriz: amplia demasiadamente a concepção de ação docente provavelmente para rebater as críticas que vinham sendo feitas à redução do campo epistemológico da Pedagogia que a centralidade nesta categoria determinava e, ao mesmo tempo, produzir uma formulação que, pela abrangência, fosse mais consensual. Como resultado deste esforço, a concepção de ação docente passou a abranger também a participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino e a produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional em contextos escolares e não escolares, assumindo tal amplitude que resultou descaracterizada. Nesse sentido, Libâneo (2006) nos lembra que todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. Ainda segundo esses mesmos autores, a gestão e a pesquisa não podem ser reduzidas à docência, ou seja, assim como ensinar exige saberes específicos, isso também ocorre com as ações de pesquisa e gestão, embora essas atividades estejam relacionadas. Nesse sentido, Libâneo (2006) nos lembra que todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. Embora a ênfase na docência possa ser entendida como busca da superação da fragmentação do trabalho docente, o autor questiona se, na atual configuração, ela se constitui num risco para a perda da especificidade do trabalho do pedagogo, que é diferente do trabalho do professor. Além disso, subordina a pesquisa à docência, limitando a compreensão da pedagogia como ciência da educação, ou seja, como campo específico do conhecimento que estuda o processo de ensino-aprendizagem em sua complexidade. A Resolução CNE/CP nº 1/2006 também amplia significativamente o campo de ação do pedagogo, incluindo toda a gama de espaços não escolares, desde que neles ocorra “ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional” (Brasil, 2006). Poderíamos nos perguntar: Em que medida, ao delinearmos um curso com tal amplitude de perfil profissional, levando em conta os saberes necessários para atuações tão diversas, não estaríamos promovendo um esvaziamento de uma formação mais sólida dos pedagogos, embasada na compreensão do fenômeno educativo em suas implicações? Nesse sentido, concordamos com Kunzer e Rodrigues (2007, p. 42), que afirmam: o perfil e as competências são de tal modo abrangentes que lembram as de um “novo salvador da pátria”, para cuja formação o currículo proposto é insuficiente, principalmente ao se considerar que as competências elencadas, além de muito ampliadas, dizem respeito predominantemente a dimensões práticasda ação educativa, evidenciando-se o caráter instrumental da formação. 5d. Até pouco tempo atrás, utilizava-se o termo série. A etapa de 1º a 5º ano compreende o que antes era o pré-escolar – hoje 1º ano – até a antiga 4ª série. As definições legais influenciam fortemente o que ocorre na realidade das escolas, mas cada uma delas se configura como um espaço único, síntese de múltiplas determinações. Cada escola é parte de um sistema de educação, que emana orientações específicas, sendo composta por pessoas diferentes, cujas história de vida, formação profissional e experiência encaminham uma determinada concepção de educação. A instituição escolar atende a uma comunidade específica, lidando com limites e possibilidades únicas. Assim, o modo como hoje se organiza o trabalho pedagógico no interior das escolas varia muito. Existem desde escolas (e sistemas de ensino) que ainda seguem uma prática baseada na divisão de tarefas e na hierarquização de papeis, até outras que buscam a unidade do trabalho pedagógico por meio de uma gestão democrática, na qual há tarefas diferentes, mas as decisões são coletivas, negociadas. A articulação dos diferentes profissionais da educação que atuam na escola com o objetivo de implementar um processo de ensino-aprendizagem significativo é necessária, essencial, mas não capaz de resolver todos os desafios que a educação enfrenta numa sociedade dividida em classes. É necessário, como afirma Kuenzer (2002b), buscar a unitariedade possível, para a qual é preciso contar com pedagogos que tenham uma sólida formação técnica e clareza das funções da escola na atualidade. 1.3 Pedagogia: ciência da educação Da rápida retomada histórica apresentada, é possível depreendermos que, para formar um profissional que tenha realmente competência técnica e compromisso político, o curso de Pedagogia precisa se apoiar num sólido referencial teórico acerca da educação. Dito de outro modo, a pedagogia precisa se constituir, cada vez mais, como uma ciência que busca a compreensão ampliada do fenômeno educativo, de suas finalidades e das relações com as condições históricas que o instituíram. Para entendermos a educação, precisamos nos apoiar nos estudos filosóficos das ciências humanas (psicologia, antropologia, economia, sociologia), mas é necessário também consolidarmos um campo específico de pesquisa. Vale ressaltarmos que a tentativa de recomposição, dentro da escola, do trabalho que antes era fragmentado não garante, por si só, uma educação unitária. A expressão compromisso político foi título de um livro publicado por Guiomar Namo de Mello, em 1982, que é símbolo das discussões da área de educação naquela década. Trata-se de compreender que ao educador e, no nosso caso, ao pedagogo não basta a competência técnica (saber fazer). É necessário o compromisso político com a possibilidade de a educação ser uma ferramenta em prol da democratização da sociedade. Para saber mais sobre essas ideias, leia a seguinte obra: MELLO, G. N. Magistério de 1° grau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1982. Por isso, não podemos encarar a pedagogia apenas como uma área que “ensina a ser profissional da educação”, mas, sim, aquela que possibilita a construção de novos conhecimentos sobre essa área. Para Franco (2003), a pedagogia precisa superar uma racionalidade meramente técnica e buscar uma racionalidade prática, reflexiva, formativa e emancipatória. Isso significa que apenas aprender técnicas de ensino ou de gestão, sem compreender suas relações mais amplas, não basta. Nesse caso, estaríamos supervalorizando uma competência técnica, repetitiva e não consciente, acrítica. A autora citada defende que a prática precisa ser fundamentada pela teoria, pensada, analisada, refletida. Só assim a prática deixa de ser mecânica e repetitiva para se tornar formativa, libertadora. Para favorecer uma prática educativa coerente, a pedagogia deve compreender a complexa pluralidade do âmbito educacional, bem como a necessidade de mediar um processo de aprendizagem voltado para a formação integral de um sujeito que é empurrado ao consumismo, à alienação e à não criticidade ante seu mundo. Para favorecer a formação de pessoas mais completas, conscientes, verdadeiramente cidadãs, a ênfase da pedagogia não pode ser nem na prática por si mesma nem numa teoria descolada dessa mesma prática. A ênfase na prática induz ao praticismo, a uma ação alienada, na qual se perde o objetivo pelo qual se realiza determinada ação. Como nos lembra Saviani (2008, p. 127): sem a teoria a prática resulta cega, tateante, perdendo sua característica específica de atividade humana. Com efeito, a ação humana é uma atividade adequada a finalidades, isto é, guiada por um objetivo que se procura atingir. A ação humana é sempre precedida por uma antecipação mental do que se pretende realizar, o que demonstra a importância da teoria, embora muitas vezes isso passe despercebido pela maioria das pessoas. Assim, “quanto mais sólida for a teoria que orienta a prática, tanto mais consistente e eficaz é a atividade prática” (Saviani, 2008, p. 127). Compreendemos, portanto, que a pedagogia é uma ciência teórico-prática que estuda o processo de “mediação que permite a passagem dos educandos de uma inserção acrítica e inintencional no âmbito da sociedade a uma inserção crítica e intencional” (Saviani, 2008, p. 130, grifo nosso). Por outro lado, uma teoria distanciada da prática não contribui para uma ação educativa consciente, orientada a uma finalidade clara: “produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2003, p. 13). A prática é o elemento central da construção do novo saber, pois é dela que parte a problematização que nos leva à busca de novos saberes, que precisa partir da teoria. Esta segunda tem o objetivo de ajudar a compreender a prática e apontar formas de enfrentamento para os problemas que dela surgem. Ambas (prática e teoria) são elementos constituintes do mesmo processo, não podendo ser separadas. Síntese Neste capítulo, mostramos que a preocupação com a formação de profissionais da educação adveio apenas a partir do momento em que surgiu a necessidade de se educar não só os filhos das classes abastadas, mas também os filhos dos trabalhadores – formando os profissionais do futuro. Vimos que, enquanto o Brasil era basicamente um espaço de exploração de riquezas naturais pela Coroa portuguesa, a educação das massas não era prioridade, bem como a formação de profissionais da educação. Abordamos a chegada da família real portuguesa, em 1808, como marco da preocupação com a educação e a cultura em nosso país, e ressaltamos tamb´´em o papel da Proclamação da República (1889), que fortaleceu a atenção à formação de professores, vistos como atores importantes para a constituição de uma nação moderna. Demonstramos ainda que o curso de Pedagogia, criado em 1939, propunha-se, inicialmente, a formar técnicos educacionais e não professores. Por um lado, isso demonstra que o campo da educação buscava se firmar como detentora de caráter científico. Por outro, assumia-se, mesmo que indiretamente, falhas na formação dos professores. Consolidava-se, assim, a formação de professores no nível médio (curso normal) e de pedagogos no nível superior, estabelecendo certa hierarquia entre esses profissionais, que mais tarde foi se acentuando, principalmente com o estabelecimento de habilitações no curso de Pedagogia (Parecer CFE n º 252/1969). Refletimos ainda sobre o final da Ditadura Militar e a redemocratização do país, que trouxeram novo impulso à discussão sobre a função da escola e à busca de seu comprometimento com os interesses da maioria da população. No bojodesse movimento, o papel controlador e burocrático do pedagogo também foi questionado. Em seu lugar, passou-se a defender a superação da fragmentação e compreender o pedagogo como aquele profissional que contribui para a articulação, a coordenação do trabalho pedagógico da escola, tornando-se muito mais um cúmplice do que um fiscal do professor. Institui-se, portanto, a compreensão democrática de gestão escolar. Finalmente, analisamos brevemente as determinações legais da atualidade para o curso de Pedagogia. Verificamos uma ampliação do seu campo de ação para outros espaços educativos além da escola, bem como a intenção dos legisladores em formar todos os profissionais da educação em nível superior, superando a hierarquização. Encerrando o capítulo, ressaltamos a afirmação de que a pedagogia deve se constituir, cada vez mais, como ciência teórico-prática que tome como objeto de estudo o fenômeno educativo. Indicações culturais Sites Você pode localizar na internet vários materiais sobre a constituição da pedagogia. Sugerimos os seguintes links: ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação; ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação; CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade. A definição das diretrizes para o curso de pedagogia. 2004. Disponível em: <http://www.anped.org.br/200904posicaodiretrizescursospedagogia.doc>. Acesso em: 24 mar. 2011. SCHEIBE, L.; AGUIAR, M. A. Formação de profissionais da educação no Brasil: o curso de Pedagogia em questão. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, p. 220-238, dez. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n68/a12v2068.pdf>. Acesso em: 3 maio 2011. SILVA, C. B. da. Diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia no Brasil: um tema vulnerável às investidas ideológicas. Disponível em: <http://www.ced.ufsc.br/pedagogia/Textos/CarmemBissoli.htm>. Acesso em: 24 mar. 2011. MARTELLI, A. C.; MANCHOPE, E. C. P. A história do curso de pedagogia no Brasil: da sua criação ao contexto após a LDB 9.394/96. Disponível em: <http://revistas.facecla.com.br/index.php/reped/article/viewFile/517/400>. Acesso em: 24 mar. 2011. CHAVES, E. O. de C. O curso de pedagogia: um breve histórico e um resumo da situação atual. Disponível em: <http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/MISC/pedagogia.htm>. Acesso em: 3 maio 2011. Livro SAVIANI, D. Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação: por uma outra política educacional. 5. ed. São Paulo: Editores Associados, 2004. Essa obra tem o objetivo de elencar as providências da política educacional implementadas pelo Governo Federal no período entre a entrada em vigor da LDBEN/1996 e sua implementação em 1998. Atividades de autoavaliação Assinale a alternativa que descreve corretamente as áreas de atuação do formado em pedagogia, segundo a legislação vigente (Resolução CNE/CP nº 1/2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia): Pode atuar apenas como professor de ensino fundamental e educação infantil. Pode atuar apenas como gestor do trabalho pedagógico. A formação para a docência se dá no curso Normal Superior. Pode atuar como docente na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental, no curso normal e também como gestor do trabalho pedagógico em diversos espaços educativos. Seu campo de ação é imenso, pois ele atua apenas como professor em escolas, ONGs, hospitais, empresas etc., indiferentemente do nível de ensino. Para a atuação como gestor, deverá especializar- se em nível superior e contar com pós-graduação. Assinale a alternativa que explica corretamente o que a legislação vigente define em relação às habilitações específicas nos cursos de Pedagogia: Pedagogia é um curso de licenciatura; portanto, tem o objetivo de formar professores. Por isso, a formação para atuar como pedagogo, nas funções de orientação educacional e supervisão escolar, deverá se dar em cursos de pós-graduação. As habilitações deixam de existir e todos os formados em Pedagogia podem atuar em funções de docência. A lei compreende gestão escolar (orientação e supervisão) como parte da docência. O curso de Pedagogia terá três núcleos de estudos: núcleo de estudos básicos, núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos e núcleo de estudos integradores. No núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, a instituição de ensino superior pode oferecer habilitações. O curso de Pedagogia, além de formar professores, pode oferecer as habilitações de Orientação Educacional, Supervisão Escolar e Administração Escolar, desde que elas estejam previstas no projeto pedagógico da instituição. Assinale a resposta correta para a questão que se segue: A partir dos anos 1980, teve início um movimento que questionava a função controladora, fiscalizadora, individualista e burocratizada do pedagogo (no papel de gestão) na escola. O que esse movimento propõe em contrapartida? Concebe a figura do pedagogo escolar (em função de gestão) como a de um profissional que se sobrepõe aos demais (professores e alunos), numa condição hierárquica superior baseada na ideia de que é ele quem comanda, define e determina o trabalho a ser realizado. Vê a função do pedagogo (em função de gestão) como de acompanhamento, apoio e suporte pedagógico, fundada na organização coletiva do trabalho escolar. Propõe a extinção das habilitações e define o pedagogo (em função de gestão) como cientista da educação, cabendo a prática docente aos professores inseridos na escola. Propõe a manutenção das habilitações e amplia o campo de ação do pedagogo, incluindo hospitais, ONGs, empresas, enfim, todos os locais onde ocorra o processo educativo, indiferentemente se no papel de docente ou de gestor. Segundo Almeida e Soares (2010, p. 12), “o pedagogo é o profissional responsável pela organização e articulação do trabalho pedagógico na escola”. Leia as alternativas a seguir e assinale a que explica corretamente a frase anteriormente citada: Como a educação tem o poder de resolver todos os problemas sociais, é preciso que haja alguém fora de sala de aula em permanente contato com os anseios da população e que traga para os professores essas informações, de modo que estes orientem as atividades em sala de aula para os fins sugeridos pela comunidade. As ações desenvolvidas pelo pedagogo juntamente com a direção da escola ocorrem em momentos como a hora-atividade, as reuniões pedagógicas, o conselho de classe e o conselho de escola. Cabe à equipe diretiva (diretor e pedagogos) definir quando, como e por que acontecerão essas atividades, convocar os professores e exigir a participação destes. O trabalho na escola precisa ser intencional, organizado, ter objetivos claros, decididos coletivamente. É necessário que haja um profissional que possa articular todos os demais em torno da discussão do projeto político-pedagógico, e esse é o papel do pedagogo. Apenas o pedagogo supervisor é responsável pela organização do trabalho pedagógico, cabendo ao pedagogo no cargo de orientador o apoio aos alunos e às suas famílias nas questões relativas às dificuldades de aprendizagem. Neste capítulo, referimo-nos às diversas habilitações que teve o curso de Pedagogia a partir do Parecer CFE nº 252/1969. Em relação a essa proposta (habilitações), assinale a afirmação correta: As habilitações surgiram a partir da democratização da sociedade naquela época e visavam ao trabalho coletivo dentro da escola. As habilitações pretendiam tornar a escola mais moderna, adequada ao desenvolvimento da informática e da biotecnologia. As habilitações têm origem nas necessidades da escola. Com o crescimento do número de alunos, tornou-se necessária a existência de um profissional dedicado ao controle disciplinar (orientador educacional) e outro responsável pelo apoio aos professores (supervisor escolar). As habilitações surgiram a partir da ideia de quea escola deveria funcionar de modo semelhante a uma fábrica, na qual existe uma clara divisão de tarefas e cada trabalhador se responsabiliza pela execução do que lhe foi determinado. Atividades de aprendizagem Questões para reflexão Leia os dois trechos a seguir. O primeiro se refere à pedagogia como ciência da educação, e o segundo, ao papel do pedagogo na escola. De que modo esses dois trechos se relacionam? Ou seja, como, ao se constituir como ciência, a pedagogia pode contribuir para a melhoria do trabalho na escola? Registre suas conclusões em seu material de estudo. A pedagogia precisa se constituir, cada vez mais, como uma ciência que busca a compreensão ampliada do fenômeno educativo, suas finalidades e relações com as condições históricas que o constituíram. O papel do pedagogo na escola é o de coordenação, ou seja, é aquele que promove a ação intencional e organizada na escola com o objetivo de garantir a qualidade do processo ensino-aprendizagem, sempre num processo coletivo de reflexão e ação. Analise a situação a seguir e explique em que pontos fica claro que Cícera é uma supervisora escolar que atua numa concepção autoritária e hierárquica. Cícera é pedagoga numa escola de ensino fundamental há 5 anos. Todos os dias, assim que toca o sinal, ela organiza as filas de entrada dos alunos e ajuda as professoras a manterem a ordem enquanto as crianças entram nas salas. A seguir, passa nas salas recolhendo o caderno de planejamento das professoras, que deve ser feito de acordo com as determinações da Secretaria de Educação e seguindo exatamente o material didático usado na escola. Quando o planejamento não está de acordo, cabe-lhe a tarefa de chamar a professora e determinar as alterações que devem ser feitas. É também Cícera que elabora as provas para todas as turmas, de modo a garantir que os professores realmente tenham ensinado o que foi definido pela Secretaria de Educação. Depois que as provas são aplicadas, ela revisa algumas, para ver se os professores as corrigiram corretamente. Com base no mesmo caso, sugira para Cícera como ela poderia agir para se transformar numa pedagoga mais democrática, que atue numa concepção unitária. Atividades aplicadas: prática Imagine que na escola em que você trabalha ocorrerá uma reunião e você terá a tarefa de explicar aos demais professores a história da profissão do pedagogo no Brasil. Elabore um esquema com as ideias principais sobre o tema para orientar sua explicação. Imagine que nessa mesma reunião, após sua apresentação, surgiram as dúvidas registradas a seguir. Como você responderia a cada uma delas? Afinal, o que é docência? É dar aula ou é todo o trabalho na escola? Então hoje não pode mais haver orientador e supervisor em nenhum lugar do Brasil? Pedagogia hoje forma professores ou pedagogos? 2. A prática pedagógica nas escolas contemporâneas: reflexos das diversas concepções de educação Neste capítulo, analisaremos o fato de que a prática das escolas, apesar de demonstrar o modo de pensar a educação e a sociedade atualmente, é reflexo de sua constituição no decorrer dos tempos, ou seja, é resultado, embora sempre ressignificado, de uma múltipla gama de elementos socioeconômicos e culturais que a constituíram. 2.1 Educação escolar: uma prática relacionada às demandas de uma época O trabalho do pedagogo, como vimos no capítulo anterior, está estreitamente relacionado ao processo de ensino-aprendizagem. Sua especificidade se encontra exatamente no domínio das melhores formas de organizar o processo de ensinar para que a aprendizagem possa ocorrer. Embora na atualidade esteja ocorrendo uma ampliação dos espaços educativos (hospitais, organizações não governamentais, movimentos sociais etc.), a instituição criada para esse fim em nossa sociedade é, antes de todas as outras, a escola. Mas nem sempre foi assim. A educação tem o objetivo de transmitir às gerações mais novas os saberes necessários para a vida em sociedade e, por isso mesmo, não é um fenômeno único, que ocorre de forma igual em todos os lugares e em todas as épocas. Brandão (1991) nos mostra que elementos considerados essenciais numa determinada cultura podem ser insignificantes para outra. Portanto, a decisão do que deve ser ensinado está relacionada ao modo como determinada sociedade se organiza em um dado período. Em outras palavras, mesmo que tomemos uma determinada sociedade, no decorrer do tempo, com o desenvolvimento e as mudanças que ele traz, a questão do que e do como ensinar muda. As exigências de cada época tendem a definir como deve ser o processo educativo. Brandão (1991) demonstra de maneira muito interessante como as necessidades educativas de diferentes sociedades são diversas. O autor mencionou uma carta escrita pelos chefes de seis nações indígenas aos governos de Virgínia e Maryland (EUA), que, após a assinatura de um acordo de paz, ofereceram vagas para alguns jovens índios nas escolas dos brancos. Copiaremos na íntegra o trecho citado por Brandão por o considerarmos emblemático da afirmação que dirige este capítulo (Carta dos Chefes das Seis Nações, citada por Brandão, 1991, p. 8-9): Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. [...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens. O trecho citado expressa de maneira brilhante o fato de que cada sociedade cria a educação de que necessita em uma determinada época e, por isso mesmo, não há conteúdos nem modos de fazer universais, que sirvam para todos os lugares e em qualquer época. Durante muito tempo, nas sociedades mais simples (tribais) não havia escolas nem professores, todos ensinavam. As crianças iam aprendendo o modo de vida, os costumes, os valores e os saberes porque participavam das ações dos adultos, primeiro apenas acompanhando e, à medida que cresciam, ajudando. Não havia separação entre saber, vida e trabalho, nem instituições específicas para a transmissão do conhecimento. Com o tempo e a complexificação das sociedades, instauraram a divisão do trabalho e a hierarquização do poder e, com isso, alguns saberes passaram a ser especificamente de um ou outro grupo. É o caso, por exemplo, dos saberes de um pajé, os quais, em muitas tribos, são passados apenas aos seus descendentes, ou das corporações de ofícios (Idade Média), que ensinavam apenas aos que nelas ingressavam os modos de produzir determinados bens. Quando determinados saberes deixam de ser coletivos e apenas um grupo os detém, as relações de poder deixam de ser horizontais e surgem hierarquias e oposições. Surgem diferentes “categorias de sujeitos (rei, sacerdote, guerreiro, professor, lavrador), de acordo com a sua posição social no sistema político de relações do grupo” (Brandão, 1991, p. 28). E a cada um são destinados saberes específicos, assim como um lugar específico na sociedade. Com o crescimento da quantidadede conhecimentos a serem repassados a algumas categorias, amplia-se o tempo de preparação para que se considere o aprendiz “apto” e cresce, portanto, o tempo dedicado ao estudo. Até a Idade Média, as escolas praticamente não existiam, os saberes eram transmitidos por filósofos, preceptores, mas sempre a indivíduos ou grupos distintos. Quando a escola surgiu, esta ficou reservada à elite: pessoas cujos filhos tinham tempo disponível para se dedicar a aprender uma cultura livresca, distante do trabalho. Este era tarefa das camadas mais pobres, que nem sequer almejavam o acesso à escola. As crianças filhas dos trabalhadores aprendiam “na vida” o que era necessário para sua sobrevivência. Com o tempo, como para o trabalho nas fábricas era necessário determinado nível de conhecimento, passaram a surgir escolas dirigidas aos trabalhadores, diferentes daquelas dirigidas aos filhos da nobreza, com o objetivo de ensinar àqueles o mínimo de cultura necessária para se integrarem à sociedade. Essa estrutura que diferencia o acesso que as pessoas têm à escola de acordo com sua origem de classe foi sendo desmantelada aos poucos, embora ainda não esteja completamente vencida. A escola como hoje a conhecemos, destinada a todos, surgiu com a consolidação do capitalismo, modo de produção que se assenta na propriedade privada dos meios de produção e na exploração da mão de obra e que tem como classe dominante a burguesia. Esta tem suas origens na Idade Média, nos servos que não mais aceitavam o jugo dos senhores feudais e se refugiaram em vilas chamadas burgos, onde passaram a viver do comércio e logo depois da indústria. Durante muito tempo, a burguesia lutou para se consolidar como classe dominante, processo que teve seu apogeu nas diversas revoluções que derrubaram as monarquias europeias. No decorrer desse tempo, a burguesia se irmanava aos demais trabalhadores e suas lutas em prol da consolidação de direitos “iguais para todos” eram, na verdade, a busca da conquista de direitos a que a própria burguesia não tinha acesso na fase em que a nobreza detinha o poder. Mesmo sendo revolucionária em relação à época histórica anterior, a sociedade capitalista é desigual, constituída por classes sociais que, segundo Marx (1983), são, basicamente, duas: os donos dos meios de produção (máquinas, ferramentas, matéria-prima e capital) e os trabalhadores, que, por não terem os meios de produção, precisam vender seu trabalho para assegurarem sua própria sobrevivência. Essas duas classes têm interesses antagônicos e as relações de poder entre elas também não são horizontais, igualitárias. Portanto, o acesso à educação formal (escolar) também não é igual entre as diferentes classes sociais regidas pelo o capitalismo. E mesmo quando todas as crianças têm acesso à escola, o tipo de conhecimento ensinado tende a ser direcionado aos interesses do grupo dominante. Em virtude das relações desiguais de poder, a classe dos donos dos meios de produção geralmente consegue impor sua visão de mundo6 sobre o todo da população como se fosse a única e a melhor. Esse processo, por ser sutil e contínuo, muitas vezes passa despercebido pela maioria da população e a escola é um dos locais nos quais essa transmissão de valores acontece. Portanto, interessa à classe dominante definir o que e como ensinar. Libâneo (1990, p. 19) nos alerta: a prática escolar [...] tem atrás de si condicionantes sociopolíticos que configuram diferentes concepções de homem e de sociedade e, consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, aprendizagem, relações professor-aluno, técnicas pedagógicas, etc. Libâneo mostra que, mesmo de maneira inconsciente, a ação dos professores e das escolas reflete esses pressupostos, que, muitas vezes, já foram incorporados ao senso comum e não são mais questionados. Essas práticas, na maioria das vezes, refletem os interesses da classe dominante. Alguns exemplos muito simples disso são a organização dos momentos de entrada e saída de alunos em fila, a explicação oral dos conteúdos de um livro-texto por um professor, a aceitação do processo de reprovação como fenômeno “natural”, entre 6. A essa imposição da visão de mundo de um grupo sobre a totalidade da população chamamos de ideologia. Esse termo pode ser conceituado também como um conjunto de ideias, conceitos e comportamentos que prevalecem sobre uma sociedade, ou seja, que são de um grupo e não do todo. Por meio da mídia, da escola, do senso comum etc., o pensamento dominante se espalha e encobre as divisões (de visão de mundo, de direitos, de qualidade de vida etc.) existentes na sociedade e na política, mostrando uma realidade maquiada, mas que convence a maioria das pessoas (Marx, 1983). outros. Já não paramos para refletir sobre esses problemas, pois nos parece que sempre foi dessa maneira, que é “natural” que seja assim. Não se trata aqui de analisar esses elementos, mas apenas de apontar o quanto eles já fazem parte do dia a dia, o quanto eles não são mais questionados, mesmo que não saibamos por que foram criados e se ainda correspondem às necessidades de aprendizagem na atualidade. A educação não é feita apenas na prática. Em cada época histórica surgem pesquisadores que a estudam. Entre eles, podemos destacar dois grupos: aqueles que propõem como a educação deve ser e aqueles que se põem a tentar compreender o fenômeno educativo com base no momento histórico e suas relações com a organização social de modo amplo. Nesse segundo grupo, temos autores como Dermeval Saviani. Coerente com o período de redemocratização do país e da luta pela educação pública, gratuita e de qualidade para todos, na década de 1980, ele escreveu uma obra que hoje é considerada um clássico: Escola e democracia (1989). Nesse livro, o autor faz uma análise da educação, relacionando-a com os diferentes aspectos da sociedade, da história e dos momentos políticos, demonstrando o quanto aspectos aparentemente “pedagógicos” são fortemente influenciados pelos objetivos dos grupos de poder em nossa sociedade em cada momento histórico. Saviani explora o fato de que a educação está intimamente relacionada à sociedade em que ela se dá e que, por isso mesmo, não há como compreendê-la de maneira aprofundada sem tomarmos como referência a organização social que a gerou. Partindo dessa ideia central, o autor explica a constituição da escola tal como hoje a conhecemos, tomando por base a consolidação do capitalismo e dividindo as teorias da educação em dois grandes grupos: não críticas e críticas. As teorias (ou concepções) não críticas de educação compreendem a sociedade como “essencialmente harmoniosa, tendendo à integração dos seus membros” (Saviani, 1989, p. 16). Todos os problemas sociais seriam, dessa forma, desvios, distorções a serem corrigidas, e a educação, por sua vez, seria uma ferramenta poderosa para essa correção. São, portanto, teorias que defendem a manutenção do status quo e a adaptação das pessoas à sociedade, além de não perceberem a estreita relação existente entre educação e sociedade. A educação teria uma ampla margem de autonomia perante a sociedade e teria o papel de fomentar a equalização social. Libâneo denomina essas concepções de liberais e nos faz atentar para o fato de que o termo não se refere ao sentido que é usado no senso comum (democrático, avançado), e sim ao liberalismo, doutrina que justifica o capitalismo. Para Libâneo (1990, p. 22): a pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Para isso, os indivíduos precisam adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois, embora
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