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Guilherme Rios – Módulo III – p6 1. COMPREENDER A LEISHMANIOSE VISCERAL (LV): DEFINIÇÃO: → As leishmanioses são consideradas primariamente como uma zoonose podendo acometer o homem, quando este entra em contato com o ciclo de transmissão do parasito, transformando-se em uma antropozoonose. → O termo “leishmaniose” refere-se às doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania. De modo geral, essas enfermidades se dividem em leishmaniose tegumentar americana (LTA), que ataca a pele e as mucosas, e leishmaniose visceral (ou calazar), que ataca órgãos internos. → O CALAZAR ou FEBRE NEGRA é uma síndrome clínica caracterizada por febre irregular de longa duração, acentuado emagrecimento (síndrome consumptiva) e intensa palidez cutaneomucosa, que confere um aspecto escurecido à pele de indivíduos caucasianos. → Associa-se à exuberante hepatoesplenomegalia, anemia, leucopenia e trombocitopenia (pancitopenia). → A desnutrição é comum, com acentuada hipoalbuminemia e com hipergamaglobulinemia comparável àquelas vistas no mieloma múltiplo. → Trata-se de uma antropozoonose típica das áreas tropicais, onde os insetos dos gêneros Lutzomyia (nas Américas) e Phlebotomus (no Velho Mundo) são os documentados vetores que transmitem a doença ao homem. EPIDEMIOLOGIA: → Atualmente, encontra-se entre as seis endemias consideradas prioritárias no mundo. → Tem ampla distribuição, ocorrendo na Ásia, na Europa, no Oriente Médio, na África e nas Américas, onde também é denominada leishmaniose visceral americana (LVA) ou calazar neo-tropical. OBJETIVOS: 1. Compreender a Leishmaniose Visceral (LV). 2. Entender os diagnósticos diferenciais do paciente do problema. 3. Caracterizar a anemia aplástica adquirida (quadro clínico). CURIOSIDADE!! ○ A palavra “calazar” tem origem hindu (Kala-azar) e significa “febre negra”. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → Na América, a doença já foi descrita em, pelo menos, 13 países, sendo que, na América Latina, 90% dos casos ocorrem no Brasil, especialmente na Região Nordeste (>70% dos casos). → Na América, foram registrados 67.922 novos casos de 2001 a 2020, com uma média de 3.400 casos por ano. ○ No Brasil, os estados com maiores prevalências de LV são MG, Bahia, Ceara, Piauí e Maranhão. → A doença tem apresentado mudanças importantes no padrão de transmissão, inicialmente predominado pelas características de ambientes rurais e periurbanas e, mais recentemente, em centros urbanos. → Está na lista das doenças negligenciadas. → É uma doença extremamente subnotificada. → Quando não tratada, 90% dos casos podem ter como desfecho a morte, devido ao envolvimento sistêmico causado pela presença de parasitas em órgãos como medula óssea, baço e fígado. → Afeta principalmente as pessoas mais vulneráveis. ○ Como crianças < 5 anos (imunidade celular imatura), idosos, pacientes com comorbidades e outras condições com imunossupressão (p. ex., infecção pelo HIV/AIDS), desnutrição, entre outras. → É endêmica em 13 países das Américas, → A doença predomina no meio periurbano. ○ É uma doença comumente identificada em áreas de clima seco, com precipitação pluviométrica anual < 800 mm, e de ambiente fisiográfico composto por vales e montanhas, onde se encontram os chamados “boqueirões” e “pés-de-serra”. ○ Contudo, com a urbanização da LV, principalmente, nas periferias dos grandes centros urbanos, há áreas conhecidas de terra firme nas diferentes regiões e em faixas litorâneas do Nordeste. ○ As transformações no ambiente, provocadas pelo intenso processo migratório, por pressões econômicas ou sociais, a pauperização consequente de distorções na distribuição de renda, o processo de urbanização crescente, o esvaziamento rural e as secas periódicas acarretam a expansão das áreas endêmicas e o aparecimento de novos focos. ○ Este fenômeno leva a uma redução do espaço ecológico da doença, facilitando a ocorrência de epidemias. → Em 2020, do total de casos, 97% (1.933) foram notificados pelo Brasil, e os demais casos pela Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Venezuela e Uruguai. → Em 2020, foi registrado o menor número de casos de LV do período, devido à redução de 25% (670) de casos no Brasil, bem como na Colômbia e Venezuela. ○ Não se sabe se essa redução se deve às consequências que a pandemia COVID-19 teve nas ações de vigilância e assistência, ou se é devido à tendência cíclica da doença, uma vez que para a LC observou-se um aumento no número de casos. → A doença é mais frequente em crianças < 10 anos (54,4%), sendo 41% dos casos registrados em < 5 anos. ○ A razão da maior susceptibilidade das crianças é explicada pelo estado de relativa imaturidade imunológica celular agravado pela desnutrição, tão comum nas áreas endêmicas, além de uma maior exposição ao vetor no peridomicílio. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → A variável sexo esteva presente na base de dados em 100% dos casos notificados, onde 68,4% eram do sexo masculino. ○ Cerca de 99,6% das informações estavam disponíveis para a faixa etária, onde o grupo mais afetado foi entre 20 e 50 anos (39,7%) com risco de ocorrência 3 a 4 vezes maior em indivíduos do sexo masculino, seguido pelos < 5 anos (24,3%), onde não houve diferença entre sexo e maiores de 50 anos (21%), com risco de ocorrência entre 3 a 4 vezes maior em indivíduos do sexo masculino. → Desde 2012, há uma tendência crescente de coinfecção por LV e HIV na Região; a maior proporção corresponde a 2020 (12,4%), com 247 casos. Destes, 242 (98%) foram notificados pelo Brasil. ○ Esse aumento pode ser devido ao teste rápido de HIV que está sendo indicado para pacientes com LV e está disponível nesses países. ETIOLOGIA: → O agente etiológico é um protozoário da família Trypanosomatidae, gênero Leishmania e espécie donovani. → As três subespécies mais importantes causadoras de doença no homem são: ○ L. (L.) donovani, L. (L.) infantum e L. (L) chagasi. CICLO DE VIDA: → A LV é uma doença antropozoonótica, ou seja, tanto o homem quando outros animais fazem parte do ciclo biológico da doença. → As leishmanias são parasitos intracelulares obrigatórios (protozoários) que se reproduzem dentro do sistema fagocítico mononuclear dos mamíferos suscetíveis. → A Leishmania pode apresentar-se de duas formas (dimorfismo) a depender da circunstância em que se encontram: ○ Promastigota → Flagelado. • Metacíclicos. • Não-metacíclicos. ○ Amastigota → Aflagelado. • Na coloração de Romanovsky, o citoplasma se cora em azul e o núcleo, em vermelho. • Multiplica-se, exclusivamente, dentro dos vacúolos de macrófagos por divisão simples. → As formas amastigotas ingeridas pelo flebótomo (Lutzomya) na picada nos animais infectados, depois de 4 a 7 dias, transformam-se em formas promastigotas, as quais se alojam na parede do intestino do inseto. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → No intestino dos insetos vetores, as formas promastigotas passam por um processo denominado METACICLOGÊNESE, que é o processo pelo qual estas formas deixam de se reproduzir e se tornam infectantes (promastigotas metacíclicas). → Durante a metaciclogênese, as promastigotas sofrem modificações bioquímicas em sua superfície, perdendo assim sua capacidade de adesão ao epitélio do intestino médio do flebótomo. Como resultado, as promastigotas metacíclicas destacam-se, migrando para a faringe e a cavidade bucal, de onde elas são transmitidas ao hospedeiro vertebrado, durante o próximo repasto sanguíneo. → Quando as promastigotas são introduzidas na pele, encontram, neste local, o sistema imune da pele, que é composto por: Linfócitos T e B, macrófagos residentes, células de Langerhans, mastócitos. ○ Ao entrar em contato com essas células, o parasito adere-se à superfície dos macrófagos e células de Langerhans passando para o meio intracelular por meio de um processo de fagocitosemediada por receptores (mecanismo ainda pouco elucidado). • Nos macrófagos in vitro, na ausência de soro, o acoplamento do promastigota é mediado pelo receptor de complemento tipo 3 (CR3), o qual é receptor de fibronectina, de frutose/manose e de produtos finais de glicolizações. • Na superfície do parasito, duas moléculas importantes foram identificadas como essenciais para o acoplamento dele ao macrófago: uma protease neutra à glicoproteína 63 (gp63) e uma lipofosfoglicose (LPG). ○ A partir desse ponto, a forma promastigota metacíclicas sofre alteração para a forma AMASTIGOTA (característica do parasitismo nos mamíferos) e dentro dos vacúolos parasitófaros, funde- se ao lisossomo e inicia a sua replicação. • Moléculas de superfície das leishmanias, como LPG e GP63, protegem as formas amastigotas da lise nos fagolisossomas, inibindo os mecanismos oxidativos e enzimas lisossomais. • Enzimas como a fosfatase ácida, presente na superfície do parasito, bloqueiam a produção de metabólitos oxidativos, favorecendo a permanência de amastigotas nos macrófagos. • As formas amastigotas se multiplicam, chegando a dezenas de parasitos em uma única célula, até destruí-la. OBS: Somente as formas promastigotas metacíclicas conseguem escapar da ação lítica do complemento, eosinófilos e neutrófilos (devido às mudanças bioquímicas ocorridas durante a metaciclogênese). OBS: No hospedeiro vertebrado, as Leishmanias apresentam-se sob a forma amastigota. OBS: Evidências revelam que a saliva dos flebótomos contém substâncias que aumentam ou facilitam a infecção das células mononucleares dos mamíferos. VETOR: → Os vetores da LV são insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito- palha, tatuquiras, birigui, entre outros. → No Brasil, duas espécies, até o momento, estão relacionadas com a transmissão da doença Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi. ○ A primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da L. (L.) chagasi no Brasil e, recentemente, L. cruzi foi incriminada como vetor no Estado de Mato Grosso do Sul. OBS: No Brasil, a distribuição geográfica de L. longipalpis é ampla e parece estar em expansão. Esta espécie é encontrada em quatro das cinco regiões geográficas: Nordeste, Norte, Sudeste e Centro-Oeste. Nas regiões Norte e Nordeste, a L. longipalpis era encontrada originalmente nas matas participando do ciclo primário de transmissão da doença. Atualmente é clara a adaptação deste vetor aos ambientes urbanos, Guilherme Rios – Módulo III – p6 em periferias de grandes centros, principalmente na Região Sudeste, podendo ser encontrados no peridomicílio, em galinheiros, chiqueiro, canil, paiol, entre outros ambientes e também no intradomicílio. → Esses insetos são pequenos, medindo de 1 a 3 mm de comprimento. Possuem o corpo revestido por pelos e são de coloração clara (castanho claro ou cor de palha). → São facilmente reconhecíveis pelo seu comportamento, ao voar em pequenos saltos e posar com as asas entreabertas. → Estes insetos, na fase adulta, estão adaptados a diversos ambientes, porém na fase larvária desenvolvem-se em ambientes terrestres úmidos e ricos em matéria orgânica e de baixa incidência luminosa. → A Lutzomyia longipalpis adapta-se facilmente ao peridomicílio e a variadas temperaturas, podendo ser encontrada no interior dos domicílios e em abrigos de animais domésticos. → Há indício de que o período de maior transmissão da LV, ocorra durante e logo após a estação chuvosa, quando há um ↑ da densidade populacional do inseto. → Mosquitos dos gêneros Lutzomyia (nas Américas) e Phlebotomus (no Velho Mundo). → Apenas as fêmeas são hematófagas. → Normalmente, esses mosquitos picam ao entardecer, no crepúsculo e noite. RESERVATÓRIOS: → Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção. → Raposas, lobos, marsupiais, cavalos (“silvestres”). MODO DE TRANSMISSÃO: → No Brasil, a forma de transmissão é através da picada dos vetores (L. longipalpis ou L. cruzi) infectados pela Leishmania (L.) chagasi. → Não ocorre transmissão direta da LV de pessoa a pessoa. OBS: Alguns autores admitem a hipótese da transmissão entre a população canina através da ingestão de carrapatos infectados e mesmo através de mordeduras, cópula, ingestão de vísceras contaminadas, porém não existem evidências sobre a importância epidemiológica destes mecanismos de transmissão para humanos ou na manutenção da enzootia. A transmissão nesses animais pode ocorrer também por via transplacentária. → A transmissão ocorre enquanto houver o parasitismo na pele ou no sangue periférico do hospedeiro. FISIOPATOLOGIA: → QUANTO À CONTAMINAÇÃO E APRESENTAÇÃO ANTIGÊNICA: ○ Os patógenos, que foram fagocitados pelas células de Langerhans, são levados aos linfonodos de drenagem, que, ao se infectarem, sofrem modificações que possibilitam sua migração. ○ No interior das células de drenagem, as partículas antigênicas do parasito serão apresentadas às células do sistema imune. Estas, uma vez estimuladas, dirigem-se ao sítio da infecção, auxiliando na formação do processo inflamatório. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Nos macrófagos, os parasitos localizados no fagolisossoma possuem habilidades para resistir às injúrias celulares e se multiplicam até romperem a célula parasitada, podendo, agora, contaminar outros macrófagos, propagando a infecção. ○ Este processo de liberação antigênica permite uma apresentação desses componentes ao sistema imune, gerando a RESPOSTA ESPECÍFICA. OBS: Aquelas formas promastigotas que não forem internalizadas (não-metacíclicas) serão destruídas no meio extracelular pela resposta inata, e as partículas antigênicas produzidas neste processo também poderão ser utilizadas pelas células apresentadoras de antígeno no processo de reconhecimento antigênico. → QUANTO À FORMAÇÃO DA RESPOSTA ESPECÍFICA: ○ A disfunção imunológica, com acentuada alteração na imunidade celular e humoral, é uma marca característica e peculiar da leishmaniose visceral. ○ É provavelmente neste momento que características como intensidade e qualidade da resposta imune são definidas, influenciando, assim, a evolução da doença para cura espontânea, formas autolimitadas ou formas progressivas. ○ A classificação da leishmaniose dependerá da espécie de Leishmania que infectou o paciente e da resposta imune à infecção. ○ Devido à forma infecciosa humana ser intracelular obrigatória (amastigota), para que seja destruída, há necessidade de uma RESPOSTA IMUNE MEDIADA POR CÉLULAS (boa contra patógenos intracelulares). ○ A principal célula efetora da eliminação das amastigotas é o próprio macrófago, após sua ativação por linfócitos T auxiliadores (helper). • Essa ativação se dá através da liberação da linfocina (citocina dos linfócitos) IFN-y. • Os mecanismos de eliminação das amastigotas pelos macrófagos ativados envolvem a síntese de intermediários tóxicos de oxigênio e nitrogênio, como o óxido nítrico. • A Leishmania é um parasito obrigatoriamente intracelular de macrófagos que escapa dos potentes mecanismos oxidativos dessas células destinados a destruir os microrganismos. OBS: Na fisiopatogenia das leishmanioses, os macrófagos são ao mesmo tempo células hospedeiras, apresentadoras de antígeno para o sistema imune e efetoras para a destruição do parasito. ○ As células T helper CD4+, as quais promovem respostas adaptativas adequadas a patógenos específicos, a depender dos estímulos que recebem das células apresentadoras de antígenos (APCs), podem se diferenciar em duas subpopulações: • Th1: Produzem IFN-γ e IL-2 e são associadas à proteção contra os patógenos intracelulares, como as Leishmanias. • Th2: Produzem IL-4, IL-5 e IL-10 e estão envolvidas nos processos alérgicos e na proteção contra agentes extracelulares. OBS: Essas duas subpopulações funcionamcomo uma “gangorra”, ou seja, quando um se encontra elevado, o outro tende a estar mais reduzido (“Paradigma Th1/Th2”). OBS: A ativação das células Th2, quando se trata de um patógeno intracelular, resulta no agravamento da condição. ○ Para o controle da infecção, é necessária a predominância da resposta imune celular com características de tipo 1, envolvendo linfócitos CD4 e CD8 e citocinas como IL-12, IFN-γ, TNF-α, linfotoxina e algumas quimiocinas produzidas por macrófagos. Guilherme Rios – Módulo III – p6 • Esta resposta tem como resultado a ativação de macrófagos, tornando-os capazes de eliminar o parasito, controlando a infecção. • A IL-12, por exemplo, interage com células NK (natural killer) e células T. → PATOGÊNESE DA LEISHMANIA VISCERAL: ○ Diversos estudos indicam que a incapacidade dos macrófagos de responder à infecção tem a participação dos diversos mecanismos de ativação da imunidade celular: apresentação de antígeno, diferenciação dos linfócitos T, produção de interleucinas e ativação dos macrófagos. ○ Os estudos iniciais da resposta imunológica em pacientes com LV revelam que os linfócitos de seu sangue periférico são incapazes de produzir interleucinas do padrão Th1 (IFN-, IL-γ2,) e produzem, em elevadas quantidades, interleucinas do padrão Th2 (IL-4 e IL-10), o que é reversível após a cura da doença. ○ A ativação Th2 resulta, também, no padrão eletroforético clássico das proteínas plasmáticas no calazar, podendo ser observada um ↑ na fração de γ-globulinas, em decorrência da presença de grande quantidade de anticorpos das classes IgG e IgM no soro desses pacientes. • Isso decorre da ativação policlonal dos linfócitos B, o que resulta em uma produção excessiva de anticorpos específicos e inespecíficos a vários tipos de epítopos diferentes. PATOLOGIA DA LEISHMANIOSE VISCERAL: → ASPECTOS GERAIS: ○ As reações teciduais decorrentes de infecção por cepas viscerotrópicas de Leishmania são a expressão patológica do inter-relacionamento entre o agente e o hospedeiro, podendo resultar em um amplo espectro de manifestações clínicas. ○ POLO HIPERÉRGICO: • O sistema micro e macrofágico do hospedeiro é capaz de destruir as leishmanias e resolver o processo inflamatório reacional. ○ POLO ANÉRGICO: • A doença se desenvolve com manifestações sistêmicas exuberantes (curso agudo ou crônico). ○ FORMAS OLIGOSSINTOMÁTICAS: • São as formas intermediárias de reação, dentro desses polos. OBS: Diversos fatores podem determinar para qual dos polos a doença vai tender a se manifestar, como o tipo de resposta imunológica ativada (p. ex., Th1 ou Th2), mecanismos genéticos que segregam indivíduos em sensíveis e resistentes, entre outros. ○ A LV se caracteriza pelo COMPROMETIMENTO DO SISTEMA RETICULOENDOTELIAL (SRE), onde os parasitas permanecem, multiplicam-se e disseminam-se. • Como forma de reagir a esse parasitismo, o SRE EXIBE HIPERTROFIA E HIPERPLASIA. OBS: Deve-se ressaltar que a infecção ou doença é debelada por meio de uma ativação efetiva de suas células. ○ Além da reatividade do SRE, o interstício dos diferentes órgãos também participa de maneira importante no processo, com modificações dos seus componentes celulares, fibrilares, da matriz extracelular, além do infiltrado inflamatório (p. ex., linfócitos e plasmócitos) e da reatividade vascular. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Os sinais e sintomas da doença plenamente manifestada são mais pronunciados nos órgãos cujo SRE é mais proeminente, como: • Fígado, baço e medula óssea. → PATOLOGIA DO FÍGADO: ○ Na LV ocorre um padrão típico de envolvimento hepático, habitualmente observado nos pacientes com a doença plenamente manifesta (forma aguda ou crônica), com o quadro clínico de hepatoesplenomegalia febril, pancitopenia e hipergamaglobulinemia. ○ Apesar da hepatomegalia, o fígado mantém suas consistência e bordas regulares, além da superfície externa lisa. ○ Pode ser identificada uma discreta esteatose na periferia e até uma superfície congesta com pontilhado avermelhado. ○ ASPECTOS HISTOLÓGICOS: • Observa-se hipertrofia e hiperplasia difusa das células de Kupffer, cujo volume, normalmente, se aproxima ou ultrapassa o dos hepatócitos. • Pode ser observado o citoplasma preenchido por formas amastigotas de Leishmania. • Identifica-se focos de infiltrado linfoplasmocitário intralobular, além de uma moderada expansão dos espaços-porta (de Disse) por infiltrado de linfócitos, plasmócitos e macrófagos, alguns parasitados. → PATOLOGIA DO PULMÃO: ○ PNEUMONITE INTERSTICIAL: • Apesar de pouco estudado, é frequente o comprometimento pulmonar, com quadro histopatológico típico de pneumonia intersticial, sobretudo com associação de HIV. • Estudos evidenciaram a TOSSE como um sintoma muito frequente na LV. Guilherme Rios – Módulo III – p6 • Tal tosse é seca, persistente e surge, em geral, com o início dos sintomas, prolongando-se durante o período de estado e desaparecendo com a cura da LV. • O exame macroscópico mostra os pulmões com ↑ de volume, congestos, com uma consistência mais elástica do que a habitual. • O exame histopatológico dos pulmões demonstra septos interalveolares espessados por infiltrado inflamatório constituído de macrófagos, linfócitos e plasmócitos, aumento de células intersticiais com vacúolos de gordura, congestão de capilares septais e leve grau de edema. ○ BRONCOPNEUMONIA: • É a manifestação secundária mais frequente observada nos pacientes com LV, representando a causa mais importante de óbito na doença. • Os agentes etiológicos bacterianos dessas broncopneumonias não diferem dos agentes que acometem os pacientes imunocompetentes. → PATOLOGIA DO RIM: ○ As anormalidades renais observadas em pacientes com LV são traduzidas por: • Proteinúria, hematúria macroscópica, ↑ da excreção de proteína urinária em 24 horas, bem como ↑ de ureia e creatinina no soro, com ↓ do clearance de creatinina. ○ Normalmente, os sintomas regrediram após o tratamento antiparasitário. ○ Macroscopicamente, os rins podem cursar com ↑ do volume e congestão. ○ Microscopicamente, é identificada uma nefrite intersticial com intensidade variada, representada por edema e infiltrado de plasmócitos, macrófagos e hepatócitos. ○ Os glomérulos, em casos de biópsia ou necrópsia, mostram-se normais ou moderadamente aumentados de volume, com hipertrofia e hiperplasia das células mesangiais, além de espessamento membranoso, fibrilar ou hialino da matriz mesangial. → PATOLOGIA DO BAÇO: ○ A reatividade de SRE e a congestão dos sinusoides são responsáveis pela esplenomegalia da LV. ○ Macroscopicamente, além do aumento, o baço apresenta consistência firme, cápsula tensa com espessamentos focais. ○ A polpa vermelha encontra-se bastante congesta, enquanto a polpa branca, um pouco proeminente. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Pode apresentar um aspecto friável quando há um processo infeccioso bacteriano septicêmico associado. ○ O aspecto histológico mais proeminente consiste em intensa hipertrofia e hiperplasia do SRE, com macrófagos, em geral, densamente parasitados por formas amastigotas. Ademais, observa-se significativa congestão dos sinusoides e os cordões de Bilroth evidenciam importante plasmocitose. ○ Ocasionalmente, notam-se focos de amiloide depositados na polpa branca e/ou nos sinusoides. → MEDULA ÓSSEA (observa-se, microscopicamente): ○ Hipercelularidade da série granulocítica e bloqueio de granulócitos na linhagem neutrofílica. • A NEUTROPENIA seria decorrente da ↓ da reserva medular, do sequestro esplênico ou de reações de autoimunidade. ○ Hipercelularidade relativa da série vermelha, com predominância de microeritroblastos. • A ANEMIA decorreria de bloqueio de produção na medula, sequestro esplênico ou hemólise imune. ○ A série megacariocíticarevela-se normo ou hipocelular, mas hipoplaquetopênica. • A PLAQUETOPENIA seria decorrente da ↓ da maturação medular e a destruição periférica imune. → TUBO DIGESTIVO: ○ A autólise da mucosa intestinal post mortem e as ulcerações decorrentes das infecções secundárias dificultam a interpretação dos achados. ○ Nos pacientes acometidos por LV é frequente o comprometimento da mucosa jejunal, representado por infiltrado inflamatório composto por proporção variável de macrófagos (muito densamente parasitados), plasmócitos e linfócitos. ○ Foi observada uma enteropatia perdedora de proteínas, o que contribui para a hipoalbuminemia encontrada na doença plenamente manifesta. QUADRO CLÍNICO: → ASPECTOS GERAIS: ○ A infecção pelo L. donovani pode resultar em três tipos de resposta do organismo: 1. Reação local com destruição do parasito fagocitado. 2. Fagocitose por histiócitos e interação parasito-hospedeiro, com persistência do parasito no organismo de forma latente e por tempo indeterminado. 3. Fagocitose e multiplicação dos parasitos dentro dos macrófagos, com disseminação para o SRE, determinando, na dependência de fatores de risco associados, um espectro de doença variável, desde formas oligossintomáticas (subclínicas) até a síndrome completa ou calazar propriamente dito. OBS: O período de incubação é variável, sendo – normalmente – de 2 a 4 meses, entretanto podem variar de 10 a 24 dias. → INFECÇÃO ASSINTOMÁTICA: ○ Estudos indicam que a maioria de indivíduos que vivem em áreas endêmicas apresentam evidências de infecção pelo L. donovani sp, sem história de doença clínica aparente. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Pelo menos 30% dos adultos que vivem nas áreas endêmicas têm teste intradérmico (IDRM) fortemente positivo sem história de doença prévia. → INFECÇÕES “SUBCLÍNICAS” OU OLIGOSSINTOMÁTICAS (PERÍODO INICIAL): ○ Forma mais frequente nas áreas endêmicas, acometendo pequena porção de indivíduos (geralmente crianças). ○ O quadro clínico é discreto, de curta duração (aproximadamente, 15 dias). ○ A Leishmania pode ser encontrada nos macrófagos teciduais, nos pulmões, no intestino, em linfonodos e, sobretudo, nos órgãos hematopoiéticos. • Dessa forma, manifestações podem ser decorrentes da presença da Leishmania nesses órgãos. ○ Nessa forma, estão presentes sintomas inespecíficos, como: • Febrícula, tosse seca, diarreia, sudorese, adinamia persistente e linfonodomegalia (em algumas regiões geográficas). • Visceromegalia (discreta). • Em geral, o baço é impalpável e o fígado está um pouco aumentado. → FORMA AGUDA (PERÍODO INICIAL): ○ Consiste em uma forma aguda disentérica de LV com grande semelhança no quadro séptico. ○ Manifesta-se com febre alta, tosse e diarreia acentuada (pode ser disenteria). ○ As alterações hematológicas são discretas e a hepatoesplenomegalia não é expressiva, tendo o fígado, muitas vezes, tamanho normal e o baço, não ultrapassando 5 cm. ○ Normalmente, é autolimitada, não ultrapassando 2 meses de evolução. ○ Uma característica marcante dessa forma consiste na ↑ de globulinas, especialmente, anticorpos específicos IgM e IgG anti-leishmania. ○ O encontro de parasito no mielograma não é tão habitual como nos casos de calazar clássico. Todavia, o parasitismo esplênico e hepático é intenso. → CALAZAR CLÁSSICO (PERÍODO DE ESTADO e PERÍODO FINAL): ○ Doença com início, normalmente, insidioso e de evolução prolongada (normalmente, mais de 2 meses). ○ Observa-se uma desnutrição proteico-calórica (cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca), edema dos MMII (pode evoluir para anasarca), abdome protuso (devido a volumosa hepatoesplenomegalia e ascite), além das alterações na coloração pele (pardacenta ou escurecida) e icterícia. FATORES DE RISCO PARA INFECÇÃO EM MORADORES DE ÁREAS ENDÊMICAS ○ Idade < 5 anos. ○ Coinfecção pelo HIV ou outra forma de imunodeficiência. ○ Desnutrição. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Os sintomas iniciais são bastante inespecíficos, o que dificultam estabelecer um período exato de início. São eles: • Tosse seca, adinamia, prostração, sonolência, dispneia aos esforços, cefaleia, zumbido, mialgia, artralgia, mal-estar e progressivo emagrecimento (leva o paciente a uma caquexia acentuada que contrasta com o apetite preservado). • Linfonodomegalia (não é um sintoma muito observado no Brasil). • Pode ocorrer retardo da puberdade e amenorreia. • Distúrbios de coagulação (p. ex., epistaxe, petéquias e sangramento gengival) – especialmente no início da doença. • Distúrbios gastrintestinais (p. ex., diarreia, disenteria, constipação, náuseas ou vômitos). • Sintomas respiratórios (lembram um resfriado comum) – “Um resfriado que não passa”. • Febre: ♦ Febre irregular (2 ou 3 picos ou, às vezes, intermitente, com 1 a 2 semanas de apirexia). ♦ Normalmente, variando de 37 e 38º – via de regra, reflete complicações bacterianas ou virais associadas. OBS: Caso não seja feito o diagnóstico e tratamento, a doença evolui progressivamente para o período final. ○ Os sintomas iniciais dão lugar aos achados mais graves da doença: • Palidez, cabelos secos e quebradiços, com o clássico sinal da bandeira (cabelos com 2 ou 3 colorações), cílios alongados, deambula vagarosamente e frequente edema de mãos e pés. • Hepatoesplenomegalia – conferem um abdome volumoso, que, algumas vezes formam um plastrão único, dando a impressão de uma única víscera no abdome. ♦ A sensação de desconforto abdominal, em muitos casos, é o motivo da consulta. • Esplenomegalia: ♦ Baço com consistência elástica ou levemente endurecido que pode chegar à cicatriz umbilical ou, em alguns casos, repousar na crista ilíaca do lado oposto. • Hepatomegalia: ♦ Apresenta tamanho variado, com crescimento de ambos os lobos. OBS: Com a progressão da doença, no período do final, os pacientes estão gravemente enfermos, embora, curiosamente, tolerem níveis críticos de hemoglobinas no sangue periférico (5 a 6 g/dL). • O paciente nessa forma pode apresentar, ainda, insuficiência cardíaca e sopro plurifocal. OBS: No período final, o óbito geralmente é determinado por infecções bacterianas e/ou sangramentos. → COMPLICAÇÕES NO CURSO EVOLUTIVO DA DOENÇA: ○ As mais frequentes são de natureza infeciosa bacteriana. Dentre elas, destacam-se: É REGRA!! ○ A pancitopenia periférica com globulinas bastante elevadas está presente nos pacientes com essa forma de LV. Guilherme Rios – Módulo III – p6 • Otite média aguda, piodermite, infecções dos tratos urinários e respiratórios. • Casos não sejam tratadas, o paciente pode desenvolver um quadro séptico com evolução fatal. ○ As hemorragias mais comuns são a epistaxe e a gengivorragia. Entretanto, a hemorragia digestiva e a icterícia, quando presentes, indicam gravidade do caso. ○ Alterações renais (devido à proteinúria), redução da taxa de filtração glomerular. → CALAZAR EM PACIENTES PORTADORES DE HIV: ○ A leishmania é um gênero de protozoário que pode ter um comportamento oportunista no hospedeiro imunocomprometido. ○ Existem relatos na literatura de reativação de infecção por L. donovani em virtude de uma imunossupressão induzida por drogas, transplantes ou HIV. ○ Muitas vezes, os sintomas manifestados são os de pneumonite grave ou outras manifestações exóticas para infecção leishmaniótica. ○ Em uma pesquisa realizada na Espanha, os principais sintomas encontrados na coinfecção foram: • Febre (95%), hepatoesplenomegalia (80%), hepatomegalia ou esplenomegalia isolada (92%), linfadenomegalia (57%) e alterações da pele (10%). Laboratorialmente, pancitopenia foi vista em 82% e todos apresentaram inversão de taxa CD4+/CD8+ com absoluta queda no número de linfócitos CD4+, o qual foi menor que 400 células/mm3 em 90% deles. DIAGNÓSTICO: → ASPECTOSGERAIS: ○ O diagnóstico e tratamento dos pacientes deve ser realizado precocemente e sempre que possível a confirmação parasitológica da doença deve preceder o tratamento. ○ Em situações onde o diagnóstico sorológico e/ou parasitológico não estiver disponível ou na demora da liberação dos mesmos, o início do tratamento não deve ser postergado. → DIAGNÓSTICO CLÍNICO E LABORATORIAL: ○ A ANAMNESE e o EXAME FÍSICO podem evidenciar um amplo espectro clínico, que pode variar de pacientes assintomáticos, indivíduos que apresentam manifestações clínicas discretas (oligossintomáticas), moderadas e graves, as quais, casos não sejam tratadas, podem levar o paciente à morte. ○ INFECÇÃO: • O paciente não apresenta evidências de manifestações clínicas. • As formas assintomáticas são aquelas vistas em pacientes provenientes de áreas endêmicas, onde há evidência epidemiológica e imunológica da infecção. • O diagnóstico é feito através de coleta de sangue para exames sorológicos (p. ex., imunofluorescência indireta/IFI ou ELISA) ou através da intradermorreação de Montenegro (IDRM) reativa. • Em geral, os títulos de anticorpos são baixos e podem permanecer positivos por um longo período. OBS: Pacientes que apresentam cura clínica ou aqueles com LTA podem apresentar exames sorológicos e IDRM reativos. Guilherme Rios – Módulo III – p6 OBS: Indivíduos com infecção inaparente não são notificados e não devem ser tratados. → DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO: ○ A imunofluorescência indireta (RIFI) e os ensaios imunoenzimáticos são os exames imunológicos mais utilizados no Brasil. ○ IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA (RIFI): • Diluições a partir de 1:80 são consideradas positivas. • Para os títulos iguais a 1:40, recomenda-se avaliação de nova amostra em 30 dias. ○ ENSAIOS IMUNOENZIMÁTICOS: • Normalmente, a amostra é avaliada como reagente ou não-reagente. OBS: Na presença de dados clínicos e laboratoriais, um teste sorológico reagente, reforça o diagnóstico de leishmaniose visceral. Entretanto, um teste reagente, na ausência de manifestações clínicas sugestivas de leishmaniose visceral, não autoriza o início do tratamento. ACHADOS ESPECÍFICOS POR FASE DA DOENÇA: ○ FORMA AGUDA: • DIAGNÓSTICO LABORATORIAL COMPLEMENTAR: ♦ Hemograma: Anemia (> 9 g/dL - pouco expressiva); Leucócitos sem alterações significativas; Contagem de plaquetas ainda pode estar normal; ♦ VHS ↑ e proteínas totais efrações podem estar discretamente alteradas. OBS: Na forma oligossintomática é observado apenas hiperglobulinemia e VHS ↑. • DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO E PARASITOLÓGICO: ♦ Os exames sorológicos, Imunofluorescência Indireta (IFI) e Ensaio Imunoenzimático (ELISA) são reativos. ♦ A IDRM é negativa. ♦ O aspirado de medula óssea e baço revela as formas amastigotas do parasita OBS: Na forma oligossintomática, a punção aspirativa de medula óssea pode ou não revelar a presença da leishmania (inicialmente, essa técnica não é recomendada). E a IDRM é sempre reagente. ○ PERÍODO DE ESTADO: • DIAGNÓSTICO LABORATORIAL COMPLEMENTAR: ♦ Anemia, trombocitopenia, leucopenia (predominância de células linfomonocitárias). ♦ Observa-se inversão da relação albumina/globulina. ♦ Pode haver ↑ aminotransferases (2 a 3x o valor normal), ↑ bilirrubinas e ↑ discreto de ureia e creatinina. • DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO E PARASITOLÓGICO: ♦ Possuem ↑ títulos de anticorpos específicos anti-Leishmania e IDRM negativa. ♦ O esfregaço de aspirado de medula óssea, baço, fígado e linfonodos evidencia a forma amastigota do parasita. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ INTRADERMORREAÇÃO DE MONTENEGRO (IDRM): • Sinônimo: Teste de leishmanina. • Ao contrário do que ocorre na LTA, a IDRM é sempre negativa durante o período de estado da doença. • Nesse sentido, ela NÃO deve ser utilizada para o diagnóstico. • A IDRM torna-se positiva após a cura clínica na maioria dos pacientes em um período de 6 meses a 3 anos após o término do tratamento. ○ TESTE RÁPIDO LEISHMANIA: • Antígeno rK39. • Sensibilidade de 90-92% e especificidade de 95-100%. → DIAGNÓSTICO PARASITOLÓGICO: ○ A PUNÇÃO ASPIRATIVA ESPLÊNICA é o método que oferece maior sensibilidade (90-95%) para demonstração do parasita – entretanto apresenta restrições quanto ao procedimento. ○ As outras opções locais para identificação do parasita, em ordem decrescente de sensibilidade, são: Aspirado de medula óssea (50-90%), biópsia hepática e aspiração de linfonodos. ○ EXAME DIRETO: • Técnica: Uma gota do material aspirado é colocada em uma das extremidades da lâmina previamente limpa, e o material firmemente dispersado na outra direção. Após secagem, o esfregaço deverá ser fixado em álcool metílico e corado. • Recomenda-se pelo menos 4 lâminas. • As formas amastigotas do parasita podem ser visualizadas pelas colorações de Giemsa ou Wright, Leishman, Panóptico. • O encontro de parasitas no material examinado depende do número de campos observados (200 campos devem ser examinados antes de se considerar uma lâmina como negativa). ○ ISOLAMENTO EM MEIO DE CULTURA (in vivo): • As formas amastigotas do parasita, inoculadas em meios de cultura especiais, contendo ágar e sangue de coelho, transformam-se em formas promastigotas. O clássico meio de NNN é o mais comumente empregado. • As culturas devem ser mantidas entre 24-26°C e observadas em microscopia óptica comum ou invertida, semanalmente, até quatro semanas. Os tubos positivos devem ser encaminhados para laboratórios de referência para identificação da espécie. ○ REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE EM TEMPO REAL (rt-PCR): REQUISITOS PARA REALIZAR O ASPIRADO ESPLÊNICO: → Esplenomegalia > 3 cm → TP > 60% → Plaquetopenia > 40 mil Guilherme Rios – Módulo III – p6 • O método do PCR (amplificação do DNA do parasita) constitui-se em uma nova perspectiva para o diagnóstico da LV, pois apresenta 94% de sensibilidade. • Entretanto, os seus resultados dependem de algumas variáveis envolvidas, entre elas temos: Área endêmica, o tipo de amostra, o alvo do DNA utilizado para amplificação, o método de extração do DNA, entre outros. OBS: Devido ao grande número de parasitos em macrófagos circulantes observados nos pacientes coinfectados (LV-HIV), os métodos de detecção do parasito têm se mostrado os mais sensíveis. TRATAMENTO: → ANTIMONIAIS (GLUCANTIME): ○ Os derivados pentavalentes (Sb+5), só foram introduzidos na década de 40 e, desde então, os mesmos têm sido considerados como drogas de primeira escolha no tratamento dessa protozoose. ○ No Brasil, a única formulação disponível é o ANTIMONIATO N-METIL GLUCAMINA, que vem sendo distribuída pelo Ministério da Saúde em ampolas de 5 ml, contendo 405mg de Sb+5 (1 ml = 81mg de Sb+5). • As ampolas devem ser armazenadas em local fresco e ao abrigo da luz, para evitar problemas na estabilidade do medicamento. ○ No Brasil, recomenda-se o tratamento da leishmaniose visceral com a dose de 20mg de Sb+5 kg/dia, com aplicação EV ou IM, por no mínimo 20 e no máximo 40 dias, utilizando-se o limite máximo de 2 a 3 ampolas/dia do produto com bons índices de cura. • As aplicações de injeções dos antimoniais pentavalentes por via IM, devem ser feitas em locais onde a massa muscular permita (p. ex., região glútea). • Deve-se dar preferência à via EV nos pacientes desnutridos, com pouca massa muscular, e naqueles com trombocitopenia. ♦ Nos casos de administração EV, a infusão deve ser feita de forma lenta ao longo de 5 a 7 minutos. A dose pode ser diluída em solução glicosada a 5% para facilitar a infusão. • Vale a pena ressaltar que não existe diferença nos níveis séricos da droga, em relação à sua via de administração. ○ Nos CASOS MAIS AVANÇADOS da doença, onde a resposta clínica nos primeiros 20 dias não é evidente, o tempo mínimo de tratamento deverá ser estendido para30 dias. Tal recomendação baseia- se no fato de que tratamentos por tempo mais prolongado têm sido necessários para lograr índices de cura satisfatórios. ○ Em situações onde existam condições de seguimento, o tratamento pode e deve ser feito a nível ambulatorial. OBS: Alguns cuidados devem ser observados antes de iniciar o tratamento dos pacientes, entre eles: • Avaliação e estabilização das condições clínicas e tratamento das infecções concomitantes. MECANISMO DE AÇÃO Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado, mas sabe-se que atua nas formas amastigotas do parasita, inibindo sua atividade glicolítica e a via oxidativa de ácidos graxos. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Nos casos de RECIDIVA DA DOENÇA, deve ser instituído um segundo tratamento com a mesma dose, porém por tempo mais prolongado (no máximo 40 dias), antes de se rotular o caso como refratário ao tratamento com os antimoniais pentavalentes. • Somente a partir de então, esquemas alternativos, com drogas ditas de segunda linha, deverão ser tentados. OBS: Devido ao arsenal de drogas atualmente disponíveis, NÃO existe mais indicação para a esplenectomia como medida terapêutica na leishmaniose visceral. OBS: No momento do diagnóstico, é indicada a realização do eletrocardiograma (ECG) em todos os casos de leishmaniose visceral, e obrigatório nos pacientes acima de 50 anos de idade, no início, durante e após o tratamento. ○ EFEITOS COLATERAIS E TOXICIDADE: • O principal efeito colateral do antimoniato-N-metil glucamina é decorrente de sua AÇÃO SOBRE O APARELHO CARDIOVASCULAR. ♦ Este efeito é dose e tempo dependentes e se traduz por DISTÚRBIOS DE REPOLARIZAÇÃO (inversão e achatamento da onda T e aumento do intervalo QTC). ♦ Após o 20º dia de tratamento, deve-se realizar ECG semanal e uma cuidadosa ausculta cardíaca, diariamente, até o término do mesmo, sempre antes de cada infusão, com o objetivo de se detectar arritmias. ♦ Em caso de ARRITMIAS o medicamento deve ser IMEDIATAMENTE SUSPENSO e o paciente tratado com drogas alternativas. • Outros efeitos colaterais incluem artralgias, adinamia, anorexia, dor no local da aplicação (IM) e aumento da diurese por perda transitória da capacidade de concentração urinária. • Em geral, observa-se alteração dos níveis de amilase sem repercussão clínica que não requer suspensão do tratamento. ♦ Deve ser interrompido se ocorrer um aumento, em relação aos níveis normais, superior a 4 vezes para amilase e 15 vezes para lipase. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ CONTRAINDICAÇÕES: • Pacientes que fazem uso de betabloqueadores e drogas antiarrítmicas. • Pacientes com insuficiência renal ou hepática. • Mulheres grávidas nos dois primeiros trimestres de gestação • Casos que se apresentam no ECG, intervalo QTC superior a 400ms (homens) e 450 ms (mulheres). ○ CRITÉRIOS DE CURA: • Os critérios de cura são essencialmente clínicos. • O desaparecimento da febre é precoce e acontece por volta do 5º dia de medicação, a redução da hepatoesplenomegalia ocorre logo nas primeiras semanas. • Ao final do tratamento o baço geralmente apresenta redução de 40% ou mais, em relação à medida inicial. • A melhora dos parâmetros hematológicos (hemoglobina e leucócitos) surge a partir da segunda semana. • As alterações vistas na eletroforese de proteínas se normalizam lentamente, podendo levar meses. • O ganho ponderal do paciente é visível, com retorno do apetite e melhora do estado geral. OBS: O seguimento do paciente tratado deve ser feito aos 3, 6 e 12 meses após o tratamento e na última avaliação se permanecer estável, o paciente é considerado curado. O aparecimento de eosinofilia ao final do tratamento ou ao longo dos seguimentos é sinal de bom prognóstico. As provas sorológicas são de pouca utilidade no seguimento do paciente porque se negativam tardiamente. → TRATAMENTOS ALTERNATIVOS: IMPORTANTE! → Todas as reações adversas graves ou potencialmente graves descritas a seguir, DEVEM SER NOTIFICADAS às Secretarias Municipais de Saúde → Secretaria Estadual de Saúde → Secretaria de Vigilância em Saúde → Agência Nacional de Vigilância Sanitária. • Arritmias cardíacas e/ou outras manifestações de cardiotoxicidade. • Insuficiência renal aguda ou elevação dos níveis séricos de ureia e creatinina e/ou outras manifestações de nefrotoxicidade. • Icterícia e/ou elevação de enzimas hepáticas e/ou outras manifestações de hepatotoxicidade. • Pancreatite aguda e/ou hiperamilasemia. • Outras não citadas acima e que não tenham sido descritas anteriormente. → Destaca-se ainda que os casos de reações adversas esperadas, também podem ser notificadas. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ○ Estão incluídos, nesta categoria, o desoxicolato sódico de anfotericina B e suas formulações lipossomais (anfotericina-B-lipossomal e anfotericina-B-dispersão coloidal), as pentamidinas (sulfato e mesilato), os imunomoduladores (interferon gama e GM-CSF). Com exceção das duas primeiras drogas, as demais encontram-se ainda em fase de investigação. Todas elas só devem ser administradas em hospitais de referência. → ANFOTERICINA B: ○ É a droga leishmanicida mais potente disponível comercialmente, atuando nas formas promastigotas e amastigotas do parasita, tanto in vitro quanto in vivo. ○ Nos casos de resposta insatisfatória aos antimoniais, a anfotericina B deve ser utilizada na dose de 1mg/kg/dia, em dias alternados (máximo de 3g de dose total). • Doses acima das recomendadas podem ser usadas em casos especiais. ○ Devido ao risco de precipitação, a anfotericina B NÃO deve ser misturada a outros medicamentos ou soluções que contenham eletrólitos. ○ A sua administração deve ser SEMPRE por via EV, com infusão lenta de 4-6 horas com limite máximo de 50mg/dose/dia. ○ Os EFEITOS COLATERAIS da anfotericina B são INÚMEROS e FREQUENTES, todos são DOSE- DEPENDENTES, e é altamente tóxica para as células do endotélio vascular, causando flebite, considerada um efeito colateral comum. • Durante a infusão poderá ocorrer cefaleia, febre, calafrios, astenia, dores musculares e articulares, vômitos e hipotensão. • A infusão rápida (< 1 hora) é responsável pela instalação de hiperpotassemia, determinando alterações cardiovasculares, às vezes com parada cardíaca. • Ao longo do tratamento, poderão surgir sobrecarga hídrica e hipopotasemia. • Algumas alterações pulmonares, como desconforto respiratório, dispneia e cianose também são descritas. OBS: Estes efeitos colaterais são secundários à ação direta da anfotericina B sobre células mononucleares e células do endotélio vascular com liberação de ácido araquidônico, cujos metabólitos (prostaciclinas e tromboxano A2) causariam vasoconstrição e hipertensão pulmonar. • As COMPLICAÇÕES RENAIS com o uso da anfotericina B são as MAIS IMPORTANTES – graus variados de comprometimento renal ocorrem em praticamente todos os pacientes ao longo do tratamento. ♦ Na maioria dos pacientes, a filtração glomerular diminui em, aproximadamente, 40%, estabilizando-se ao redor de 20-60% dos valores normais. ♦ Estas alterações seriam devido a uma vasoconstrição renal com consequente isquemia cortical e diminuição da filtração glomerular. MECANISMO DE AÇÃO Seu mecanismo de ação ocorre através da ligação preferencial com ésteres (ergosterol ou episterol) presentes na membrana plasmática da Leishmania. Guilherme Rios – Módulo III – p6 ♦ Ao longo do tratamento, pode ocorrer hipopotassemia devido à perda aumentada deste eletrólito no túbulo contornado distal, perda essa que pode ser agravada pela presença de acidose tubular renal em alguns pacientes. ♦ Entretanto, as alterações renais são TOTALMENTE REVERSÍVEIS, quando a droga é usada nas doses recomendadas. → OUTRAS DROGAS: PENTAMIDINAS ○ Diversos medicamentos têm sido usados no tratamentoda leishmaniose visceral, entre eles as PENTAMIDINAS (isotionato e mesilato) principalmente na Europa e África. Em relação aos outros medicamentos descritos, as pentamidinas apresentam menor eficácia e maiores efeitos adversos. ○ A dose utilizada é de 4mg/kg/dia em dias alternados no total de 15 doses, não devendo ultrapassar a 2g como dose total. ○ Seus EFEITOS COLATERAIS mais comumente encontrados são anorexia, astenia, náusea, dor abdominal, hipoglicemia prolongada, taquicardia e outras arritmias, insuficiência renal em 25% dos pacientes, geralmente reversível e pancreatite que pode levar ao aparecimento de diabetes mellitus, em 10 a 15% dos casos. EVOLUÇÃO E CRITÉRIOS DE CURA: → Normalmente, os pacientes que fazem uso de antimonial pentavalente apresentam melhora clínica já na primeira semana de tratamento. → Geralmente, a febre, se presente, desaparece, e o hemograma evidencia nítida resposta, com elevação da série vermelha e recuperação da série branca. → A redução da hepatoesplenomegalia é lenta, entretanto, ao final do tratamento, se o paciente apresentar boa resposta, pelo menos 50% da redução do tamanho inicial da visceromegalia é notada, sobretudo na esplenomegalia. → Apesar de não garantir que não haverá recidiva, a negativação do aspirado esplênico ou medular é um indicativo da resposta ao tratamento. ○ As recidivas geralmente ocorrem entre o 4º e o 6º mês após a terapêutica. → Os pacientes devem ser acompanhados mensalmente, durante seis meses. → A reação intradérmica ao antígeno de Leishmania (leishmanina) torna-se positiva, geralmente, após o primeiro ano de tratamento. ○ Depois de 3 anos, >70% dos pacientes apresentam forte reação, indicando a completa recuperação imunológica. OBS: Os exames sorológicos não são recomendados para o seguimento, devendo ser avaliada a clínica do paciente. PROFILAXIA: → DIRIGIDAS À POPULAÇÃO HUMANA: ○ MEDIDAS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL: • Para evitar os riscos de transmissão, algumas medidas de proteção individual devem ser estimuladas, tais como: Uso de mosquiteiro com malha fina, telagem de portas e janelas, uso de Guilherme Rios – Módulo III – p6 repelentes, não se expor nos horários de atividade do vetor (crepúsculo e noite) em ambientes onde este habitualmente pode ser encontrado. → DIRIGIDAS AO VETOR: ○ SANEAMENTO AMBIENTAL: • Aplicação de inseticida, através da limpeza de quintais, terrenos e praças públicas, a fim de alterar as condições do meio, que propiciem o estabelecimento de criadouros de formas imaturas do vetor. • Medidas como a limpeza urbana, eliminação dos resíduos sólidos orgânicos e destino adequado dos mesmos, eliminação de fonte de umidade, não permanência de animais domésticos dentro de casa, entre outras, certamente contribuirão para evitar ou reduzir a proliferação do vetor. → DIRIGIDAS À POPULAÇÃO CANINA: ○ Controle da população canina errante: • A rotina de captura de cães “de rua”, por parte dos órgãos competentes, é essencial, especialmente em áreas urbanas, por ser fonte disseminadora de diversas doenças de importância médico-sanitária, entre elas a LV. ○ Doação de cães: • Em áreas com transmissão de LV humana ou canina, é recomendado que seja realizado previamente o exame sorológico canino antes de proceder a doação de cães. • Caso o resultado seja sororreagente, o animal deve ser manejado de acordo com o quadro. ○ Vacina antileishmaniose visceral canina. ○ Uso de telas em canis ou coletivos: • Os canis de residências e, principalmente, os canis de pet shop, clínicas veterinárias, abrigo de animais, hospitais veterinários e os que estão sob a administração pública devem utilizar telas do tipo malha fina, com objetivo de evitar a entrada de flebotomíneos e consequentemente a redução do contato com os cães. ○ Coleiras impregnadas com Deltametrina a 4%: • Medida de proteção individual para os cães contra picadas de flebotomíneos. 2. ENTENDER OS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DO PACIENTE DO PROBLEMA: ASPECTOS GERAIS: → A LV pode confundir-se com diversas doenças febris agudas que cursam com hepatoesplenomegalia. MALÁRIA: → Essa protozoose, geralmente, evolui com hepatoesplenomegalia, anemia e, nas fases não imunes, a febre é contínua, mas a diarreia e os acessos palúdicos (i. e., manifestação cíclica de infecção aguda, caracterizada por aumento de temperatura e outros sintomas, como calafrio e sudorese), com febre intermitente, terçã ou quartã, não são verificados. → Todavia, diferentemente do calazar, o calafrio intenso e a sudorese profusa são marcantes na malária e, quando ocorrem no calazar, estão associados à presença de temperaturas elevadas em virtude da coinfecção bacteriana ou viral. Guilherme Rios – Módulo III – p6 FEBRE TIFOIDE: → Trata-se uma enfermidade comum em áreas endêmicas que, na fase septicêmica − com febre alta, prostração, adinamia, leucopenia e aumento de fígado e baço −, confunde-se com o calazar. → Todavia, a anemia do calazar é mais acentuada do que na febre tifoide, a esplenomegalia é mais discreta, as globulinas não estão elevadas e a sorologia é negativa. SALMONELOSE DE CURSO PROLONGADO: → É a condição que mais se confunde, do ponto de vista clínico, com o calazar. → Consiste em uma entidade clinicamente individualizada que ocorre em indivíduos esquistossomóticos coinfectados com salmonelas. → Essa doença cursa com febre, anemia, hepatoesplenomegalia, manifestações hemorrágicas e edema de membros inferiores, os quais se superpõem às manifestações do calazar. → No entanto, o lobo esquerdo do fígado está mais aumentado em razão da esquistossomose e, ao contrário do calazar, os leucócitos estão em número normal ou aumentados. → A reação de Widal é positiva, e a sorologia para calazar é negativa. ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA: → A esquistossomose aguda pode confundir-se com o calazar, pois a febre é alta, persistente, e a hepatoesplenomegalia que se desenvolve rapidamente confunde-se com a leishmaniose visceral aguda (LVA). → O leucograma, com leucocitose e acentuada eosinofilia característica da esquistossomose aguda, faz o diagnóstico diferencial em relação à LVA. OUTRAS ENFERMIDADES: → Outras doenças infecciosas, como brucelose, histoplasmose, doença de Chagas aguda, toxoplasmose, tuberculose miliar e mononucleose infecciosa, podem, em dado momento, confundir-se com o calazar, sobretudo se os sintomas e o quadro laboratorial são atípicos. → Em crianças, os linfomas e as leucemias agudas e mieloide crônica, inclusive as monocíticas e mieloblásticas, podem se confundir com o calazar. → Abscesso hepático. 3. CARACTERIZAR A ANEMIA APLÁSTICA ADQUIRIDA: DEFINIÇÃO: → A anemia aplástica é uma entidade rara e heterogênea. → Essa patologia se caracteriza por PANCITOPENIA no sangue periférico, associada à medula óssea HIPOCELULAR, e sem evidência de infiltração neoplásica, mieloproliferativa ou fibrose. → Por definição, a biópsia de medula será intensamente HIPOCELULAR, SUBSTITUÍDA POR GORDURA e no mielograma serão vistos escassos linfócitos, plasmócitos e fibroblastos. EPIDEMIOLOGIA: → Não há diferença significativa entre os sexos. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → Ocorre distribuição bifásica da faixa etária com picos entre 15-25 anos e > 60 anos de idade. ETIOLOGIA: → Dados de estudos epidemiológicos correlacionam o desenvolvimento da anemia aplástica com exposição a drogas, agentes químicos, radiação e a uma variedade de doenças. → Em 60 a 75% dos casos não há evidência de um agente causal sendo então denominada de ANEMIA APLÁSTICA IDIOPÁTICA. → AGENTE QUÍMICOS: ○ O mecanismo pelo qual certos agentes químicos causam anemia aplástica em poucos indivíduos não é conhecido. A hipótese mais razoável é que as células-tronco pluripotentes desses indivíduos tem grande vulnerabilidade específica adquirida ou genética.○ O BENZENO E SEUS DERIVADOS, largamente utilizados na indústria, são os agentes químicos que mais comumente induzem a pancitopenia. • Essas substâncias são transformadas em epóxido de benzeno reagindo com ácidos nucleicos e proteínas levando à lesão celular. ○ Doses maciças de CITOSTÁTICOS podem determinar anemia aplástica irreversível, porém não ocorrem nos esquemas convencionais de quimioterapia. → AGENTES VIRAIS: ○ Diferentes famílias de vírus podem infectar células da medula óssea induzindo dano, quer por lesão celular direta quer indiretamente por mecanismo imune. ○ A anemia aplástica associada a vírus ou drogas apresenta um período de latência de seis a oito semanas entre o “evento” inicial e o início da pancitopenia. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → GESTAÇÃO: ○ A associação da anemia aplástica com a gestação parece ser circunstancial, desconhecendo-se qualquer relação etiológica. → MEDICAMENTOS: ○ A agranulocitose e anemia aplástica são os distúrbios hematológicos secundários a medicamentos mais frequentes. ○ O Cloranfenicol é uma das drogas mais implicadas na etiologia da anemia aplástica. FISIOPATOLOGIA: → Os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da anemia aplástica adquirida não são totalmente conhecidos e incluem: ○ Lesão intrínseca da célula progenitora hematopoética. ○ Participação imune no desencadeamento e manutenção das citopenias. • A maior evidência da participação do sistema imune na fisiopatologia da anemia aplástica é a melhora da função hematopoética após tratamento imunossupressor e, na maioria dos transplantes singênicos, ○ Perturbações do microambiente da medula óssea. ○ Mutações no gene da telomerase e encurtamento telomérico. DIAGNÓSTICO: → O diagnóstico é confirmado apenas quando substanciado por achados laboratoriais, os quais também estabelecem a gravidade da aplasia medular. → HEMOGRAMA: ○ A PANCITOPENIA é o achado invariável na anemia aplástica podendo o número absoluto de linfócitos ser normal. ○ O diagnóstico deve ser questionado se as três séries hematopoéticas não estiverem diminuídas. ○ As HEMÁCIAS são normocrômicas e moderadamente macrocíticas com reticulocitopenia. ○ A NEUTROPENIA ABSOLUTA é de importância prognóstica pois quando a contagem é < 200 neutrófilos, é alto o risco de complicações infecciosas graves. ○ A MONOCITOPENIA é comum e a produção de linfócitos pode estar normal. ○ As PLAQUETAS estão, invariavelmente, diminuídas e são qualitativamente normais. ○ Durante as remissões espontâneas, a trombopoiese costuma ser a última a normalizar, e muitos pacientes persistem durante anos com trombocitopenia residual. ○ A FERRITINA PLASMÁTICA estará aumentada no início devido à baixa utilização do ferro e os pacientes maciçamente transfundidos terão níveis de ferritina muito elevados. ○ A PRODUÇÃO DE ERITROPOETINA também estará aumentada resultante do estímulo induzido pela anemia persistente. Guilherme Rios – Módulo III – p6 → ASPIRADO MEDULAR E BIÓPSIA: ○ O aspirado de medula irá revelar ESPÍCULAS ÓSSEAS substituídas por MATERIAL GORDUROSO e POUCAS CÉLULAS HEMATOPOÉTICAS. ○ A CELULARIDADE se concentra apenas em células do estroma, macrófagos contendo pigmento férrico, linfócitos, plasmócitos e raríssimos elementos das linhagens granulocítica, eritroide e megacariocítica. ○ Ocasionalmente, encontramos uma linhagem aparentemente preservada, como a série vermelha, porém este achado deve ser considerado como um problema de amostragem, pois habitualmente, não retrata a situação global desta linhagem. → ESTUDO CITOGENÉTICO: ○ É usualmente normal, salienta-se que o habitual baixo número de metáfases limita a melhor análise e encontro de eventuais anormalidades. ○ A avaliação de quebras cromossômicas, após a exposição a substâncias clastogênicas, deverá ser realizada em todos os pacientes com menos de trinta anos ou nos casos suspeitos, para se afastar a anemia de Fanconi. ○ A avaliação de CD55 e CD59 por citometria de fluxo deve ser realizada, pois sua baixa expressão ou ausência é observada na hemoglobinúria paroxística noturna. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA PANCITOPENIA: ○ Infiltração medular (p. ex., mielofibrose, mieloesclerose, leucemia, mieloma, linfomas, mielodisplasias). ○ Hemoglobinúria paroxística noturna. ○ Hiperesplenismo (esplenomegalia congestiva, sarcoidose, desordens de acúmulo de lipídeos). ○ Infecções (p. ex., tuberculose disseminada, infecções fúngicas disseminadas, septicemia). ○ Anemias megaloblásticas. ○ Coagulopatias de consumo.
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