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Tutoria Infectologia - Dengue, zika, chikungunya - SP 2.2

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Lucas Ferraz
Medicina – 5ºP
2
Tutoria – sp 2.1
1- Entender a epidemiologia (sorotipos), sinais de alarme, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico (achados laboratoriais), tratamento e prevenção da dengue e dengue grave.
2- Abordar os diagnósticos diferenciais das febres exantemáticas. (zika e chikungunya) - epidemio, quadro clínico, diagnóstico e tratamento.
3- Abordar os diagnósticos diferenciais das doenças que cursam com febre hemorrágica (bacteriana-leptospira e meningococcemia - e viral -febre amarela e hantavirose)
1- Entender a epidemiologia (sorotipos), sinais de alarme, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico (achados laboratoriais), tratamento e prevenção da dengue e dengue grave.
DENGUE
Definição 
A dengue é uma enfermidade febril aguda caracterizada por dor muscular e articular severas, exantema, mal-estar e linfadenopatia. A gravidade das queixas musculoesqueléticas deu origem ao apelido febre quebra-ossos. A dengue ocorre nos climas tropicais e subtropicais do Caribe, Américas Central e do Sul, Ásia e África. A distribuição do mosquito estende-se ao sudeste dos Estados Unidos, onde a dengue ressurgiu nos anos 1980. Após a Segunda Guerra Mundial, uma pandemia de extensão global foi associada à erosão dos programas de controle do mosquito, a populações humanas que se espalharam para lugares rurais, a viagens de avião que aceleraram os deslocamentos das populações e a grandes áreas que sofreram deterioração da infraestrutura de saúde pública. Aproximadamente 40% da população mundial vive em áreas endêmicas; dezenas de milhões de pessoas são infectadas por ano.
O Patógeno 
O vírus da dengue é um membro da família Flaviviridae, que consiste em um vírus de RNA de fita simples com envelope lipídico de aproximadamente 50 nm de diâmetro. Existem quatro sorotipos de dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Não é observada proteção cruzada entre os sorotipos; portanto, a dengue pode se desenvolver após a infecção por outro sorotipo. A infecção por um segundo sorotipo coloca o indivíduo em risco de desenvolver febre hemorrágica (Capítulo 389).
Epidemiologia 
A dengue é transmitida aos humanos pela picada das fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. A. albopictus tornou-se o mosquito-praga dominante em muitos centros urbanos. Membros das duas espécies de mosquitos adquirem vírus de dengue picando humanos, tipicamente durante o dia. Ciclos vitais zoonóticos que envolvem primatas não humanos (p. ex., chimpanzés, gibões e macacos) e espécies de Aedes que habitam florestas foram demonstrados na África Ocidental e Malásia. Os mosquitos criam-se na água estagnada em torno das habitações humanas; eles não são tipicamente encontrados na floresta. O vírus da dengue pode alcançar um título acima de 10 8 de dose infectante média por mililitro no hospedeiro humano. O mosquito torna-se infectado ao fazer o repasto sanguíneo durante a viremia. O vírus mantém a replicação no epitélio do tubo digestivo médio e nas glândulas salivares do mosquito fêmea, que permanece infectante durante toda a vida. Dentro de oito a 12 dias da infecção inicial, as glândulas salivares do mosquito tornam-se infectadas e o vírus é eliminado com a saliva durante o repasto sanguíneo seguinte. Um mosquito pode infectar muitos indivíduos, especialmente em virtude da sua inquietação durante a alimentação: interrompendo sua refeição a cada leve movimento do hospedeiro e a seguir retornando ao hospedeiro original ou a outro. 
O período de incubação é tipicamente de quatro a sete dias, mas pode variar de três a 14 dias. Durante surtos no sudeste dos Estados Unidos e Porto Rico, o risco de infecção chegou a 79% nos indivíduos sem imunidade anterior, com taxas de ataque clínico de até 20%. A imunidade contra o sorotipo infectante permanece provavelmente por toda a vida, mas os indivíduos permanecem suscetíveis aos sorotipos restantes. O pico de transmissão ocorre após grandes chuvas, quando a água da chuva colhida em receptáculos domiciliares permite a expansão das populações de mosquitos. Epidemias tendem a ocorrer em ciclos de três a cinco anos, mas casos interepidêmicos ocorrem regularmente. 
A dengue é um risco particular para os visitantes de regiões tropicais e é uma das principais causas de morbidade e mortalidade infantil em áreas endêmicas. A globalização e as mudanças climáticas têm contribuído para a expansão da distribuição geográfica. A dengue representa aproximadamente 2% das doenças febris em viajantes que retornam aos Estados Unidos.
Fisiopatologia 
A febre hemorrágica da dengue (Capítulo 389) e a síndrome do choque da dengue são formas hemorrágicas de reinfecção da dengue caracterizadas por aumento da permeabilidade capilar. A infecção prévia com um sorotipo alternativo permite que os anticorpos ao sorotipo da infecção anterior se combinem com o sorotipo recéminfectante. Embora os anticorpos da primeira exposição não sejam neutralizantes, exacerbam a captação mediada por anticorpos pelos macrófagos, levando à ativação dos macrófagos e aumentando a replicação viral e a carga viral. A excreção de mediadores inflamatórios vasoativos pelos macrófagos resulta em extravazamento vascular, que pode resultar em choque quando grave. Pode ocorrer tumefação das células endoteliais e edema perivascular. Raramente, a síndrome do choque da dengue pode ocorrer com a infecção primária. A variação na capacidade da cepa de gerar anticorpos exarcebadores bem como diferenças de virulência pode ser responsável por diferenças no comportamento clínico.
Manifestações clínicas 
A infecção por dengue muitas vezes é subclínica. Quando sintomática, a dengue pode manifestar-se sob a forma de dengue clássica, febre hemorrágica da dengue ou síndrome do choque da dengue. Os pacientes também podem apresentar uma enfermidade branda caracterizada por febre, anorexia e cefaleia inespecíficas. 
A dengue clássica ocorre usualmente em adultos e crianças mais velhas não autóctones, sendo caracterizada por febre de início súbito, cefaleia frontal grave, dor retro-orbitária, mialgia e em muitos casos, náusea, vômito, exantema, linfadenopatia e artralgia. Podem ocorrer fraqueza generalizada, paladar alterado, calafrios e hiperestesia cutânea. A dengue clássica é autolimitada, porém alguns pacientes evoluem para a febre hemorrágica da dengue ou síndrome de choque da dengue, que é caracterizada por extravasamento capilar, hipotensão, estreitamento da pressão de pulso e choque. A dengue na gravidez pode ser grave. 
Ao exame físico observa-se febre, bradicardia relativa, hiperemia escleral, dor à compressão ocular e congestão faríngea. Um exantema macular aparece transitoriamente no primeiro ou no segundo dia da doença. No segundo ou terceiro dia, a febre e outros sintomas podem melhorar. A febre é tipicamente, mas não constantemente, bifásica. Depois de um hiato típico de dois dias, a febre e outros sintomas recrudescem, embora menos intensamente. Pode ocorrer linfadenopatia generalizada não dolorosa nas regiões cervical posterior, epitroclear e inguinal. O exantema também recidiva e assume o aspecto de manchas de 2 a 5 mm de palidez, rodeadas por eritema e, ocasionalmente, acompanhadas de disestesia em ardência das palmas e plantas. O exantema pode descamar.
Diagnóstico 
Um histórico de viagem adequado e o conhecimento da ocorrência da doença na comunidade podem possibilitar a consideração da dengue no diagnóstico diferencial. A viremia é de intensidade adequada com DEN-1, DEN-2 e DEN-3 para permitir isolamento viral. A viremia nas infecções DEN-4 é muitas vezes menos intensa e mais difícil de detectar através da inoculação de células de mosquito in vitro. O anticorpo IgMespecífico aparece três a cinco dias após a infecção. O anticorpo IgG aparece nove a 10 dias após a infecção. A reatividade cruzada com outros flavivírus impede o diagnóstico específico do sorotipo. A reação de neutralização é mais específica com inibição da hemaglutinação, e o teste de fixação de complemento para imunoglobulina G (IgG) em soros pareados é útil. Ensaios baseados em PCRestão disponíveis. 
A leucopenia se inicia no segundo dia de febre, chegando a 2.000 a 4.000 células/mL pelo quarto ou quinto dia associada à granulocitopenia. Na febre hemorrágica da dengue, são característicos trombocitopenia de menos de 100.000 células/mL e um tempo de protrombina prolongado. Podem ser detectados proteinúria branda a moderada e poucos cilindros. Os níveis de aspartato transaminase podem estar elevados.
Tratamento e prognóstico 
A dengue se resolve abruptamente em cinco a sete dias, porém a fadiga e a depressão podem se prolongar por semanas; a sobrevida é uniforme. O prognóstico de pacientes com febre hemorrágica da dengue (Capítulo 404) e síndrome do choque da dengue depende do diagnóstico precoce e da introdução de medidas de suporte. O tratamento é de suporte e consiste em antipiréticos e analgésicos. A ressuscitação inicial de pacientes com síndrome do choque (Capítulo 108) com soluções cristaloides e coloidais é indicada em pacientes com síndrome do choque da dengue moderadamente grave. Plasma fresco congelado e sangue são utilizados conforme necessário.
2- Abordar os diagnósticos diferenciais das febres exantemáticas. (zika e chikungunya) - epidemio, quadro clínico, diagnóstico e tratamento.
3- Abordar os diagnósticos diferenciais das doenças que cursam com febre hemorrágica (bacteriana-leptospira e meningococcemia - e viral -febre amarela e hantavirose).
Definição
Febre hemorrágica viral é uma doença sistêmica aguda que envolve classicamente febre, uma constelação de sinais e sintomas inicialmente inespecíficos, e uma propensão para sangramento e choque. Pode ser causada por mais de 25 tipos diferentes de vírus de quatro famílias taxonômicas – Filoviridae, Arenaviridae, Bunyaviridae e Flaviviridae (Tabela 389-1) –, embora nem todos os vírus nessas famílias causem a síndrome. Os vírus da febre hemorrágica viral são muitas vezes nomeados após o local do primeiro caso reconhecido. Todos são vírus de RNA de cadeia simples com genomas pequenos (10 a 19 kilobases). Os vírus individuais têm polaridades negativas, positivas ou ambisense, dependendo do vírus específico. A patogenicidade varia amplamente de acordo com o vírus específico, às vezes, entre as cepas do mesmo vírus. Muitos dos vírus de febre hemorrágica foram incluídos, pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, na relação de agentes de patógenos que representam uma ameaça potencial de bioterrorismo (Capítulo 20).
BACTERIANA
leptospirose
A leptospirose, uma das zoonoses mais importantes do nosso meio, é uma doença generalizada, febril, causada por espiroquetas patogênicos do gênero Leptospira, podendo acometer o homem e os animais domésticos e selvagens, sendo caracterizada por uma vasculite generalizada. 
No homem, pode determinar manifestações clínicas variadas, desde infecções inaparentes até a forma íctero-hemorrágica, também conhecida como “doença de Weil”. É também conhecida como febre dos pântanos; febre outonal; febre hasani; febre dos sete dias; fegre dos arrozais; doença dos porqueiros; febre dos canaviais; febre dos nadadores; febre pré-tibial de Fort-Bragg; febre de Andaman; e tifo canino. Diversos sorotipos de leptospiras estão associados à doença, e ocorre uma correlação variável entre o sorotipo e a forma clínica apresentada; por exemplo, sorotipo icterohaemorrhagiae com a “doença de Weil”, sorotipo pomona com a “febre dos porqueiros”, sorotipo grippotyphosa com a febre dos pântanos. Embora essa correlação exista, sabe-se hoje que todas as formas clínicas podem ser causadas por um único sorotipo, e, por este motivo, prefere-se utilizar o termo leptospirose para designar a doença causada por todos os sorotipos de leptospiras.
ETIOLOGIA 
As leptospiras pertencem à ordem Spirochaetales, família Leptospiraceae e gênero Leptospira, que compreende duas espécies: L. interrogans e L. biflexa. A espécie patogênica para o homem é a L. interrogans, e a de vida saprofítica ou aquática, portanto não patogênica para o homem, é a L. biflexa. 
As leptospiras são individualizadas em sorotipos ou sorovares com base nas suas características antigênicas. Dois ou mais sorotipos antigenicamente relacionados formam um sorogrupo. A base taxonômica é o sorotipo ou sorovar, uma vez que as leptospiras possuem antígenos específicos relativamente estáveis que são reconhecidos pela sua capacidade de aglutinar antissoros homólogos específicos. Já foram identificados mais de 180 sorotipos dos 19 sorogrupos que constituem a L. interrogans. A L. biflexa é composta por 65 sorotipos agrupados em 38 sorogrupos. Com base no Manual Bergey de Taxonomia (1984), é apresentado, na Tabela 73.1, um resumo da atual taxonomia para melhor compreensão. 
EPIDEMIOLOGIA
As leptospiroses constituem verdadeiras zoonoses. As leptospiras patogênicas são capazes de afetar animais domésticos e selvagens, determinando quadro clínico variável, desde infecção inaparente até doença fatal, o que resulta, com frequência, em um estado de portador renal crônico e leptospirúria por meses a anos, sendo este o principal fator na transmissão da doença ao homem. 
O principal animal reservatório das leptospiroses é o rato, pois é capaz de permanecer eliminando o microrganismo pela urina por toda sua vida, constituindo-se um portador é universal. Ele é considerado um dos principais responsáveis pela transmissão ao homem, e sua ocorrência no mundo inteiro faz a leptospirose não ter limites geográficos, sendo, portanto, de distribuição universal. Esta mesma condição pode ser observada em outros roedores. Outros animais também estão envolvidos na cadeia epidemiológica. O cão, devido a seu hábito domiciliar, tem sido cada vez mais identificado como elemento de importância na transmissão ao homem. Durante muito tempo, apenas o cão e o rato foram considerados como reservatórios de leptospiras; diversos estudos, porém, evidenciaram a presença desses microrganismos nos bovinos, suínos, ovinos, caprinos e equinos. Em relação aos animais silvestres, é grande a variedade de espécies entre roedores e carnívoros, incluindo raposas, chacais, ouriços, guaxinins, gambás, doninhas e gatos selvagens.
Outros animais nos quais foi encontrada soropositividade para leptospira incluem: cascavéis, cães de rua, marsupiais, roedores, edentados (tatu), carnívoros e répteis. A importância epidemiológica desses achados com relação ao homem ainda permanece indeterminada. 
A transmissão ao homem pode ocorrer por contato direto com sangue, tecidos, órgãos ou urina de animais infectados, ou, por via indireta, através do contato com água ou solo contaminados com a urina dos animais portadores. A transmissão acidental em laboratório também pode ocorrer, e a mordedura de ratos pode, ocasionalmente, ser responsável pela transmissão. A via transplacentária pode ocorrer no homem e nos animais. 
Acredita-se que a leptospira atinja a circulação sanguínea através da pele ou da mucosa íntegra, sendo certa a passagem por abrasões na pele. O homem se contamina ao lidar com os animais infectados ou pelo contato com águas contaminadas, ao andar descalço no solo úmido e lamacento, nadar em lagoas ou pequenos rios. A água tem papel importante na transmissão das leptospiroses, já que a maior parte das contaminações ocorre através dela (Figura 73.1).
Certos grupos profissionais estão mais expostos ao contágio, como trabalhadores de abatedouros, estivadores, peixeiros, lavradores, criadores de animais, veterinários, mineiros de ouro e carvão, militares durante campanhas em regiões inundadas ou pantanosas, colhedores de arroz, escavadores de túneis, operários da construção civil, lixeiros e trabalhadores da rede de esgoto. Certas atividades recreacionais também podem se constituir em fontes de aquisição da doença, especialmente natação, pescarias e caçadas onde haja água ou solo contaminados. 
Animais domésticos, como os cães, gatos, hamsters e outros, podem ser contaminados com a urina do rato e transmitir leptospiras ao homem, atingindo preferencialmente donas de casa e crianças. As vacinas contra as leptospiras aplicadasrotineiramente nos cães domésticos são capazes de protegê-los contra a doença, mas não contra o estado de portador. 
As enchentes e chuvas fortes constituem, em nosso meio, grande fonte favorecedora do contato do homem com as águas contaminadas, quebrando, assim, a relação entre risco profissional e contato doméstico na leptospirose para atingir pessoas não incluídas nesses grupos. Na Figura 73.2, observa-se a distribuiçãao anual de casos e óbitos em série histórica e a distribuição anual do número de casos e óbitos no Brasil no período de 1985 a 2007. A Tabela 73.2 apresenta o número de casos notificados no Estado de São Paulo, devendo sempre ser considerada a subnotificação possível. A Figura 73.3 mostra a distribuição mensal dos casos nas diversas regiões do Brasil em série histórica, revelando a prevalência na época das chuvas (fim do verão e início do outono). 
Enquanto nos países desenvolvidos a leptospirose é considerada doença profissional, em nosso meio predominam relatos de casos durante períodos de enchentes.
Em todos os países ocorre uma variação sazonal na incidência da leptospirose. No Brasil, a incidência é maior no período de janeiro a abril, quando ocorreram 69% (1.802 casos) do total de 2.605 casos internados no período de 1980- 1994 (Figura 73.4).
Em relação à faixa etária, a doença atinge com maior frequência os adultos jovens dos 10 aos 39 anos, sendo ainda mais frequente entre os 20 e 29 anos (Figura 73.5), correspondendo a 70 e 28% dos casos, respectivamente.
Em relação ao sexo, não existe diferença de suscetibilidade quando ambos estão expostos de maneira igual às fontes de contágio, porém a doença ocorre predominantemente no sexo masculino, na proporção de 16 casos masculinos para um caso feminino. Fatores hormonais podem contribuir para a menor incidência da doença no sexo feminino.
A letalidade é variável na leptospirose de acordo com a região geográfica e o sorotipo nela predominante. Diversos outros autores citam cifras que variam de 0,8 a 40%, sendo maior a mortalidade entre aqueles com icterícia e com idade superior a 50 anos. No Brasil (Figura 73.2), o percentual de letalidade variou de 6,6 a 20,7%, com média de 11,6%, devendo-se ressaltar que a maioria dos casos apresentava a forma clínica ictérica descrita por Weil. 
O sorotipo predominante em São Paulo é a L. copenhageni (sorogrupo Icterohaemorrhagiae) que ocorre em cerca de 77,78% dos casos nos quais foram realizados cultura e isolamento das leptospiras. Os demais sorotipos encontrados e menos prevalentes foram canicola (Canicola), 11,11%; castellonis (Ballum), 5,55%; e outros não definidos, 5,55%. Considerando-se somente a reação de soroaglutinação microscópica, os sorotipos mais encontrados são icterohaemorrhagiae, copenhageni, gripothyphosa, panama, canicola, pomona, andamana, wolffi e outros. Portanto, para melhor conhecimento dos sorotipos predominantes, o isolamento e a identificação das leptospiras constituem os métodos de escolha.
PATOGENIA E PATOLOGIA
Após penetrarem através das mucosas ou da pele, as leptospiras atingem a corrente sanguínea e, rapidamente, alcançam todos os órgãos e tecidos do organismo, incluindo o liquor e os olhos, porém, com localização especial em determinados órgãos, particularmente fígado, rins, coração e músculo esquelético. O encontro de hialuronidase ou a motilidade do microrganismo têm sido sugeridos como mecanismos para penetração das leptospiras nesses órgãos, normalmente protegidos. Descrevemos como patologia padrão das leptospiroses humanas aquela produzida pelo sorogrupo Icterohaemorrhagiae que dá origem, clinicamente, à chamada síndrome de Weil, e que constitui a forma clínica mais comum no nosso meio. 
O que chama a atenção em um doente com leptospirose, além dos sinais de acentuada toxemia, é a presença da icterícia que, classicamente, assume tonalidade rubínica devido à combinação do fator vascular, proeminente na doença, com a impregnação biliar amarela dos tecidos. O exame macroscópio revela fígado grande, com intensa colestase, e as vias biliares extra-hepáticas mantêm-se permeáveis. A vesícula biliar está geralmente vazia ou com pouca bile em seu interior, e suas paredes são espessadas por edema. O exame histológico do fígado de um doente necropsiado várias horas após a morte (de regra, mais de 4 a 6 horas) revela quadro considerado clássico e caracterizado por células hepáticas soltas de seu arranjo trabecular, com certa variação de forma e tamanho, e apresentando um ou vários núcleos com nucléolos proeminentes. O citoplasma de hepatócitos individuais pode apresentar-se com aspecto hialino difuso. Na região centrolobular, essas células podem apresentar pigmento biliar retido no citoplasma. Como processos degenerativos associados, lembramos a esteatose de grandes gotas, que, entretanto, nunca é difusa e muito intensa; quando isso acontece, convém lembrar da concomitância de outras entidades, particularmente o alcoolismo. O mesmo se diz em relação a fenômenos de condensação e alteração hialina do citoplasma que podem ser devidos à lepstopirose; porém, quando essas ocorrências são difusas, sugerem fortemente hepatite alcóolica simultânea. Figuras de mitose das células hepáticas são também frequentes. As células de Kupffer são proeminentes, hiperplásicas e hipertróficas, e exibem atividade fagocitária em relação a hemácias íntegras ou desintegradas. Outro achado que, embora não seja particularmente proeminente, teve exagerada ênfase no passado, é a presença de pigmento férrico sob a forma de pequeninos grânulos no citoplasma das células de Kupffer. Caracteristicamente, na leptospirose, os espaços portais não mostram grandes alterações, apresentando apenas moderado edema e infiltrado crônico, linfo-histiocitário e pouco proeminente. A luz dos sinusoides ora é vazia, ora congesta, sendo este achado mais evidente na região centrolobular. A detecção de antígenos por meio das técnicas de imuno-histoquímica revela sua presença nos espaços portais, particularmente em sua perifeira, tendendo a propagar-se pelos sinusoides da vizinhança. 
Quando examinamos, entretanto, biópsias de pacientes com leptospirose, o quadro hepático modifica-se substancialmente. À biópsia, o arranjo trabecular mostra-se preservado e as alterações são evidentes na região centrolobular, onde se observa intensa colestase, dada pela presença de trombos biliares e pequena retenção de pigmento no citoplasma de hepatócitos, os quais exibem variação de forma e tamanho e citoplasma abundante, vacuolizado, na periferia. Os núcleos ora são normais, ora grandes, com nucléolos proeminentes. Processos regressivos de hepatócitos individuais são visíveis aqui, e deve-se destacar, principalmente, o aparecimento ocasional de corpúsculos do tipo Councilman, semelhantes àqueles vistos na hepatite viral e hialinização difusa do citoplasma de células hepáticas individuais, que pode acompanhar-se de picnose e contração nuclear. Figuras de mitose de células hepáticas estão presentes, mas são menos frequentes do que as observadas em fígado de necrópsia. Os achados portais são semelhantes àqueles dos casos de necrópsia. Observa-se também certo grau de hiperplasia e hipertrofia das células de Kupffer e presença de pigmento férrico em seu citoplasma. A contração de células hepáticas individuais correlaciona bem com diminuição do seu conteúdo glicogênico. 
A comparação do material de necrópsia com o de biópsia mostra, na última, ausência de destrabeculação, colestase centrolobular com figuras ocasionais de fenômenos regressivos em hepatócitos individuais e antígenos fagocitados por células de Kupffer. Uma vez que os pacientes biopsiados o foram após a segunda semana da doença e todos eles se recuperaram, a disposição dos antígenos sugere um mecanismo de eliminação através de fagocitose pelo sistema monocítico fagocitário do fígado. 
Os achados de microscopia eletrônica revelam alargamento dos espaços intercelulares, com aparecimento de microvilos secundários. O processo, que sugere lesão de membrana, é visível também no polosinusoidal, onde se observa tumefação endotelial, hipertrofia de células de Kupffer, alargamento dos poros e alteração dos microvilos das células hepáticas. Todos esses achados são visíveis focalmente, sendo que, em certas áreas, o fígado mostra-se com alterações mínimas. A célula hepática também sofre, mostrando redução do conteúdo de glicogênio e alargamento do retículo endoplasmático (RE), com predominância em áreas do RE liso. As mitocôndrias apresentam edema de matriz e, por vezes, gigantismo acompanhado de disposição anômala das cristas. As alterações mitocondriais mantêm relação com a presença de succinodesidrogenase, que mostra atividade muito reduzida nos casos graves. 
De maneira geral, entretanto, as alterações das células hepáticas propriamente ditas são bem menos acentuadas que as vistas na hepatite a vírus e na febre amarela, o que se correlaciona bem com as alterações mais discretas nos níveis séricos das enzimas hepatocitárias. As alterações mais proeminentes são ao nível da membrana celular, o que faz pressupor a existência de fator(es) circulante(s) que age(m) primariamente nessa parte da célula. Desta maneira, os achados de destrabeculação de hepatócitos vistos pelos primeiros investigadores são o produto de lesão real da membrana celular e que se acentua amplamente durante o período agônico e as horas de morte. A doença experimental produzida em cobaias é um bom modelo da síndrome de Weil. Observa-se aqui que as leptospiras, microrganismos que usam ácidos graxos como fonte de energia, aderem à membrana celular, o que pode ser interpretado como um passo inicial importante no estabelecimento da infecção leptospirótica. Leptospiras e/ou seus antígenos podem ser detectados aderidos à membrana celular de hepatócitos íntegros e daqueles soltos das trabéculas. Estes últimos, de maneira semelhante à infecção humana, são visíveis nas fases avançadas da doença. 
É interessante ainda destacar que no homem a leptospira é demonstrada com dificuldade pelos métodos convencionais de impregnação pela prata, ao passo que no cobaio ela é vista com certa facilidade, principalmente na luz sinusoidal e entre os hepatócitos soltos da trabécula. 
Outro aspecto de interesse, e que não está esclarecido integralmente, é representado pelo mecanismo íntimo da icterícia na leptospirose. A microscopia de luz demonstrou colestase mais acentuada na região centrolobular. A microscopia eletrônica revela alterações dos microvilos dos colangíolos e dilatação de cisternas de Golgi e do retículo endoplasmático, ao lado do aumento de lisossomas da região. Na luz de alguns dúctulos, percebem-se lamelas de material eletrodenso, interpretado como fosfolipídeos da bile. Este material, com aparência espiculada, é visível no interior de vacúolos delimitados por membranas unitárias no citoplasma de hepatócitos e junto aos dúctulos biliares. 
Todo o conjunto sugere alterações no aparelho bile-excretor, que é extremamente sensível a agentes diversos, incluindo-se a desidratação e fenômenos toxêmicos, que são achados fundamentais na leptospirose. O aparecimento de lamelas eletrodensas nos espaços intercelulares alargados comporta dupla interpretação: uma delas é que essas lamelas seriam produtos de lesão da membrana celular; a outra é que seriam, também, produtos de bile que estavam sendo excretados através da membrana celular, agora com microvilos, para os espaços intercelulares. 
Esta possibilidade é encontrada, experimentalmente, nas ligaduras de ductos biliares extra-hepáticos. As alterações morfológicas da colestase são, ultraestruturalmente, semelhantes nas obstruções extra e intra-hepáticas, parecendo, em última análise, que a via final comum está representada pela alteração ao nível do aparelho bile-excretor. 
De qualquer maneira, o mecanismo da icterícia, muito embora não integralmente esclarecido, não comporta mais a interpretação de fenômeno hemolítico como elemento predominante. A hemólise está presente na leptospirose, porém deve ser considerada coadjuvante na lesão do aparelho bile- -excretor, que é o fundamental. 
Ainda de interesse, no fígado de uma pessoa com leptospirose, é a presença de lesão de ductos de junção. Esses ductos mostram alterações de microvilos e presença de estruturas eletrodensas arredondadas no citoplasma. Em casos mais graves, associam-se intensa vacuolização citoplasmática e desaparecimento em áreas da membrana basal. É possível que este tipo de lesão seja correlacionado com o aumento da fosfatase alcalina e do colesterol, que é ocasionalmente constatado em casos de leptospirose, simulando quadro obstrutivo. 
O quadro renal é proeminente na leptospirose e, até pouco tempo, o principal responsável pela morte dos pacientes.A necrópsia demonstra rins muito aumentados de volume, superfície externa lisa, e o corte põe em evidência uma cortical muito espessada, com intensa impregnação biliar, limites precisos, medula congesta, com estrias hemorrágicas. Em alguns casos é possível a observação de petéquias na pelve e no sangue na luz ureteral. A histologia revela o que pode ser definido como a combinação de nefrite interstical focal e necrose tubular aguda, também focal. Os glomérulos apresentam moderada hipercelularidade à custa de células axiais, e, em alguns espaços urinários, observam-se depósitos hialinos reticulados, interpretados como de proteína. A nefrite intersticial é representada por acúmulos de mononucleares, particularmente linfócitos e histiócitos assim como eosinófilos, acompanhados de intenso edema, vasodilatação com congestão e tumefação endotelial. A necrose tubular é representada por grupos de túbulos, principalmente distais, dilatados e revestidos por células epiteliais baixas e de citoplasma basofílico. Na luz, por vezes, observam-se cilindros hialinos. A biópsia renal na leptospirose humana demonstrou os mesmos achados, porém em menor intensidade. Da mesma maneira que no fígado, antígenos com aspecto de filamentos alongados podem ser demonstrados por técnicas imuno-histoquímicas no interstício renal, tanto na cortical como na medular, mas sobretudo no limite corticomedular, onde a dilatação de vasos e a nefrite intersticial são particularmente proeminentes. 
A microscopia eletrônica confirma as alterações tubulares, mostrando agora que elas atingem o néfron como um todo. Mais uma vez as alterações de membrana estão presentes, representadas por ausência e/ou distorções de microvilos dos túbulos proximais, que se expressam, à microscopia de luz, pelo desaparecimento do material PAS-positivo que os reveste e, experimentalmente, no cobaio, também pelo desaparecimento da atividade de fosfatase alcalina em grandes áreas de cortical. Os espaços intercelulares são largos, e a célula proximal mostra aumento de lisossomas, tumefação de mitocôndria e dilatação do RE. Essas mesmas alterações mitocondriais são visíveis nas células de revestimento dos túbulos distais. Depósitos antigênicos podem ser detectados na membrana tubular, correspondendo a espaços intercelulares alargados. Na doença experimental, no cobaio, os depósitos antigênicos intersticiais crescem à medida que o processo progride, fazendo-se acompanhar de depósitos focais de gamaglobulina e complemento. 
Duas outras constatações no rim devem ser enfatizadas. Uma delas diz respeito à alteração glomerular, que, ultraestruturalmente, está representada por tumefação e irregularidade da membrana basal com proliferação discreta axial e focos de lesão de pés de células epiteliais. Não se observam depósitos na membrana glomerular e/ou matriz mesangial. A outra é dada pelos capilares do interstício, que mostram células endoteliais tumefeitas, edematosas, porém, no homem, não separadas entre si. Entretanto, no animal experimental, leptospiras são demonstráveis passando entre as células endoteliais. Além disso, tanto nos capilares do rim como nos ramos menores portais do fígado, as técnicas imuno-histoquímicas revelam depósitos antigênicos sobre as células endoteliais, raramente impregnando-as como um todo.
Arriaga e colaboradores (1982)submeteram cobaias infectadas experimentalmente com L. icterohaemorrhagiae a estudos da função renal por meio do teste de concentração urinária máxima e níveis de ureia e correlacionaram os achados com estudo anatomopatológico dos rins por microscopia óptica e eletrônica. Por meio dos achados funcionais, dois grupos de lesões tubulointersticiais puderam ser visualizados: o primeiro em animais sem insuficiência renal, cujas lesões eram manifestadas principalmente por edema celular com dilatação do retículo endoplásmatico; e o outro em animais com insuficiência renal nos quais se demonstraram diminuição da capacidade de concentração urinária e aumento dos níveis de ureia e que se caracterizou por acentuado edema celular e alterações mitocondriais, assim como por aspectos regenerativos do túbulo proximal sem necrose tubular patente. O edema intersticial e a nefrite focal foram proeminentes em ambos os grupos. Deste modo, as alterações clínicas observadas em casos de leptospirose podem ser atribuídas às alterações funcionais que predominam no túbulo proximal, provocadas por um agente tóxico liberado pelas leptospiras sobre as células tubulares e vasculares que pode acentuar as alterações funcionais verificadas. 
Esses achados correspondem àqueles por nós observados em 30 pacientes com insuficiência renal por leptospirose. Nesses casos, a fração de excreção de sódio e potássio estava elevada no primeiro dia da internação, demonstrando uma diminuição na capacidade de concentração urinária e, também, justificando a hipopotassemia verificada nos pacientes. Uma nova avaliação, realizada no oitavo dia da internação, demonstrou que a normalização da fração de excreção de sódio se acompanhava de queda concomitante da fração de excreção de potássio, sugerindo que, na leptospirose, a insuficiência renal aguda se deve à uma maior lesão funcional das porções proximais dos túbulos e à relativa integridade funcional das células dos túbulos distais.
A possibilidade de redução da resposta das células dos ductos coletores ao hormônio antidiurético foi avaliada experimentalmente por Magaldi e Rocha, que, por meio da técnica de microperfusão de néfron isolado in vitro, demonstraram a incapacidade do hormônio em aumentar a permeabilidade à água nos ductos coletores papilares de cobaias, com diminuição da capacidade de concentração urinária devido à leptospirose. 
Convém notar que, tanto no homem como nos animais, as lesões são focais, havendo grupos de néfrons relativamente íntegros alternando-se com outros que têm lesão acentuada, o que talvez explique algumas peculiaridades clínicas do quadro renal. 
O fenômeno de lesão vascular não é limitado aos rins, mas é visível em outros setores, particularmente pele, pulmão e trato digestivo. Na pele, ele contribui para o aspecto rubínico da icterícia e, em alguns casos, acompanha-se de depósitos plaquetários sobre o endotélio lesado. No pulmão há acentuado aumento de permeabilidade capilar, e plasma e hemácias extravasam-se para a luz alveolar, dando origem a opacificações, ao exame radiológico, que são fugazes pela posterior e rápida reabsorção do material extravasado. 
Essas pneumopatias hemorrágicas explicam também as hemoptises vistas clinicamente em pessoas com leptospirose. 
No trato digestivo, o fenômeno de lesão capilar exterioriza-se pelo aparecimento de sufusões hemorrágicas e edema na mucosa gástrica, dando origem, com frequência, a extensas hemorragias em superfície. O mesmo fenômeno é visível, às vezes, no intestino delgado, e o conjunto é responsável por hemorragia gastrointestinal e extensa desidratação do paciente, um dos mecanismos de morte, seja diretamente, seja contribuindo para a lesão renal. 
A introdução da diálise no tratamento do quadro renal da leptospirose levou a acentuado declínio de mortalidade nesta doença. Na experiência dos autores, os pacientes morrem agora dos fenômenos hemorrágicos agudos, sobretudo digestivos e pulmonares, ou, então, de miocardite, geralmente focal, que foi vista em 50% dos casos de necrópsia por nós examinados; Arean observou miocardite em 61,5% de seus casos. A miocardite tem exsudato de mononucleares, particularmente linfócitos, plasmócitos e histiócitos, e faz-se acompanhar de acentuado edema do interstício. O processo inflamatório propaga-se para o sistema de condução. Na maior parte dos casos, essa complicação não se reflete clinicamente, mas, ocasionalmente, são relatados casos de irritabilidade cardíaca e descompensação miocárdica que podem ser responsáveis pela morte do paciente. 
Em 15% dos corações por nós examinados, o infiltrado inflamatório fez-se à custa, sobretudo, de células histiocitárias grandes que se dispunham em grupos bem definidos junto às ramificaçoes coronarianas intramiocárdicas, simulando nódulo de Aschoff. Este achado, na ausência de sinais de febre reumática, é sugestivo de miocardite por leptospira. 
A ramificação coronariana também sofre, apresentando edema da média e endotélio tumefeito para a luz. Experimentalmente, no cão, observam-se trombos hialinos, provavelmente determinados por acúmulos plaquetários. O endotélio, sob o ponto de vista ultraestrutural, é tumefeito, porém sem separação das células entre si. A miocardite exterioriza-se clinicamente por modificações no traçado eletrocardiográfico, vistas na doença humana e na experimental. 
Recentemente foi possível observar, em 70% dos corações humanos examinados, coronarites que afetaram, de maneira segmentar, os grandes ramos da artéria coronária. Em grande parte dos casos, caracterizou-se por edema intimal com infiltrado focal linfoplasmo-histiocitário e tumefação endotelial. Em casos raros, o processo inflamatório foi visto dissociando a média. A complicação trombótica foi, de modo surpreendente, rara.
Ainda, em 57,8% dos casos, foi constatada aortite, observada pela primeira vez por Arean, com intenso infiltrado crônico na adventícia e vascularização da média. Essa aortite é muito próxima daquela vista na sífilis, porém, geralmente não se acompanha de proliferação da íntima dos vasa vasorum. Depósitos antigênicos foram detectados em alguns casos, em particular na média vascularizada da aorta. 
Outros setores também são afetados no decurso de septicemia leptospirótica: um deles é representado pelas leptomeninges, que são sede de processo inflamatório focal, à custa de grandes células mononucleares. O outro é a musculatura esquelética, onde se observam extensas áreas de necrose hialina de fibras individuais, cercadas de proliferação histiocitária. O quadro muscular exterioriza-se clinicamente pelas dores musculares que são comuns na doença. Depósito de material fluorescente, provavelmente dado por antígenos da leptospira ou seus produtos, foram demonstrados em torno dos músculos afetados. 
Concluindo, pode-se dizer que as leptospiras, após penetrarem as barreiras representadas por pele e mucosas do hospedeiro, invadem a corrente sanguínea e se difundem através do organismo, afetando múltiplos órgãos e produzindo as manifestações da doença. 
Muitos aspectos da leptospirose humana ou experimental permanecem não explicados. O principal é o pequeno número de alterações patológicas em determinados órgãos, a despeito de profundos distúrbios funcionais. Isto levou à sugestão de que muitos dos aspectos da doença são resultantes de produtos tóxicos liberados pelas leptospiras, já tendo demonstrado fator citotóxico no sangue e no plasma de animais com leptospirose. 
A lesão vascular, responsável pelo edema e pela diátese hemorrágica, é um fator proeminente na leptospirose, particularmente na causada pela L. icterohaemorrhagiae. Já foram demonstrados depósitos antigênicos no endotélio, indicando provável absorção de antígeno circulante de leptospira, o que poderia, eventualmente, contribuir para dano vascular. 
A leptospirose pode ser considerada uma doença generalizada e sistêmica traduzida fundamentalmente por vasculite infecciosa em lugar de doença de um determinado órgão ou tecido. Durante a fase septicêmica, a migração bacteriana, toxinas,enzimas e/ou produtos antigênicos liberados através da lise bacteriana levam a uma permeabilidade vascular aumentada, que deve ser vista como a manifestação mais precoce e constante da doença. A lesão de células dos diversos órgãos tem como base patogenética esses mesmos fatores, que agem, inicialmente, sobre a membrana celular adicionada a eventual hipoxemia dependente do dano vascular. A coagulação intravascular disseminada não ocorre na leptospirose, e tem sido descrita esporadicamente em casos isolados. 
A lesão tecidual observada na leptospirose caracteriza- -se pela presença de grande dano celular na presença de poucos microrganismos, sugerindo que haja mediação de fatores tóxicos do espiroqueta e/ou do hospedeiro.
Sobrenadantes filtrados de culturas de Leptospira interrogans, injetados em hamsters, produziram leucopenia à custa da redução do número de linfócitos circulantes, tanto do tipo T como B, fenômeno este atribuído à provável toxina. 
Uma glicolipoproteína (GLP) extraída de L. interrogans, sorotipo copenhageni, foi capaz de demonstrar atividade citopática em culturas de células, produzindo hemaglutinação e hemáceas crenadas. Anticorpos anti-GLP foram capazes de neutralizar seus efeitos tóxicos em doses baixas ou moderadas, porém, em doses maiores exarcebaram a toxicidade. O teste do Limulus foi positivo tanto com a GLP como com o lipopolissacarídeo, mas este não produziu efeito citotóxico importante. O efeito tóxico parece ocorrer sobre a membrana celular, mas seu mecanismo íntimo não está esclarecido. Essa citotoxicidade da GLP parece estar relacionada à presença de ácidos graxos, como por exemplo o ácido hexadecanoico, que, na sua forma livre, ou ligado a um fosfolipídeo, produziria lesões na membrana celular. A possibilidade de que a GLP seja a toxina comum às L. interrogans e a via comum das lesões vasculares, renais e de outros órgãos, agindo de maneira similar à endotoxina dos bacilos gram-negativos. O fato de os anticorpos exacerbarem os efeitos tóxicos sugere a participação de imunocomplexos na fisiopatogenia da doença. A GLP foi demonstrada nas células de Kupffer do fígado e no citoplasma de macrófagos no interstício renal, sugerindo que a GLP, se não for a desencadeadora primária das lesões, deve ser um fator importante de agravamento da doença. Recentemente demonstramos que a GLP extraída de leptospiras patogênicas é capaz de ativar a resposta inflamatória por meio da estimulação de monócitos, levando-os a secretar citocinas pró-inflamatórias, o que em parte explica a vasculite e o quadro similar à sepse bacteriana. 
A presença de um lipopolissacarídeo (LPS), ou seja, de uma endotoxina na parede celular da leptospira, tem sido demonstrada em diversos estudos. Entretanto, sua atividade biológica foi cerca de 12 vezes menor que a da endotoxina da E. coli. O LPS da leptospira teve efeitos tóxicos mais intensos que o de E. coli somente no fígado. Há semelhança entre o LPS de leptospira com o de bactérias gram-negativas, porém, ele não possui o ácido 2-ceto-3-deoxioctônico nem o ácido hidroximirístico, e tem conteúdo proteico maior que o LPS de gram-negativos. Recentemente, em nosso meio, demonstrou-se aumento dos níveis de fator de necrose tumoral alfa no plasma de pacientes com leptospirose ictero-hemorrágica. O papel do LPS e da GLP relacionado ao aumento dessa citocina e dos mecanismos fisiopatogênicos envolvendo essas substâncias permanece ainda a ser determinado.
QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas das leptospiroses são variáveis de acordo com a região geográfica e com o sorotipo predominante. Muito embora qualquer sorotipo possa determinar quadro clínico característico, há predominância de formas clínicas mais graves para determinados sorotipos, como, por exemplo, as L. copenhageni e icterohaemorrhagiae, ou mais benignas, como ocorre com a L. hebdomadis. Os sintomas podem ser de pequena intensidade ou inespecíficos, semelhantes aos da gripe, e verificados geralmente por meio de inquéritos sorológicos e períodos epidêmicos, ou muito intensos, como ocorre na forma íctero-hemorrágica, descrita pela primeira vez por Weil, em 1886, com comprometimento de múltiplos órgãos e que se constitui na forma grave e mais frequentemente diagnosticada em nosso meio. Cerca de 90% dos casos descritos na literatura internacional constituem formas anictéricas da doença, e somente em 5 a 10% dos casos se apresentam com a síndrome de Weil; porém, em nosso meio, os casos ictéricos são prevalentes nos hospitais, onde cerca de 80% dos casos internados e diagnosticados apresentam essa forma da doença. 
O período de incubação é variável, em geral de 3 a 13 dias com extremos de 1 a 24 dias. 
A leptospirose segue geralmente uma evolução bifásica, sendo o primeiro período o de leptospirosemia, com duração de quatro a sete dias. Segue-se um período de defervescência em lise, que dura de um a dois dias, seguido de período de recrudescência da febre e dos sintomas, que pode durar de 4 a 30 dias correspondendo ao chamado segundo período ou fase imune da leptospirose. Este modelo bifásico da doença, frequentemente observado na forma anictérica, pode, com frequência, não ocorrer na forma ictérica.
FORMA ANICTÉRICA
Fase de leptospirosemia 
Os sintomas se iniciam abruptamente após o período de incubação. A febre é alta e remitente, acompanhada de calafrios, cefaleia intensa e mialgia. Os grupos musculares acometidos com mais frequência são os da panturrilha, podendo afetar os músculos paravertebrais e abdominais, resultando em palpação dolorosa que pode ser bastante grave, assemelhando-se à rigidez de nuca das meningites ou abdome agudo cirúgico. Anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, prostação e, ocasionalmente, transtornos mentais, dores articulares e injeção conjuntival são observados com frequência nesses pacientes. A injeção conjuntival pode vir acompanhada de sintomas oculares, como fotofobia, dor ocular e hemorrágica conjuntival. As manifestações gastrointestinais podem ser agravadas pela presença de melena ou enterorragia, podendo-se observar também dilatação tóxica não obstrutiva da vesícula biliar, hemorragias subperitoniais, hepatomegalia, esplenomegalia com menor frequência e, mais raramente, pancreatite. 
Os sintomas respiratórios em geral se manifestam por tosse seca ou produtiva, com ou sem escarros hemoptoicos, podendo ocorrer hemoptise franca, dor torácica, desconforto respiratório com cianose, atrito pleural e ausculta pulmonar compatível com consolidação. O estudo radiológico demonstra lesões compatíveis com pneumonite intersticial hemorrágica, com infiltrados localizados ou difusos. Derrames pleurais pequenos são raramente encontrados, assim como adenopatia hilar. Essa forma grave pode cursar com insuficiência respiratória aguda e levar ao óbito por hemoptise maciça. 
As lesões cutâneas são variadas, podendo ocorrer exantemas maculares, meculopapulares, eritematosos, urticariformes, petequiais ou hemorrágicos. Eritema pré-tibial é comumente associado ao sorotipo autumnalis, agente etiológico da chamada “febre de Fort-Bragg”. As lesões cutâneas urticariformes podem ocorrer transitoriamente após a resolução dos sintomas. 
Sintomas menos frequentes associados à leptospirose anictérica podem ocorrer, como fariginte, adenopatia cervical e, em outras localizações, parodite, orquite, epididimite, prostatite, edema e outros ainda mais raros.
Fase imune 
Seguindo-se à desfervescência da febre e dos sintomas, pode ocorrer eventualmente, após um a dois dias, uma fase imune, quando pode haver recrudescimento da febre, porém com menos intensidade, e aparecimento de sinais e sintomas de localização em diversos órgãos. É nesta fase que os anticorpos específicos começam a ser detectados no soro.
A principal manifestação clínica na fase imune das formas anictéricas é a meningite, caracterizada por cefaleia intensa, vômitos e sinais de irritação meníngea. Cerca de 80 a 92% dos casos apresentam alterações liquóricas, porém somente em 50% são observadas alterações clínicas. As manifestações clínicas, semelhantesàquelas que ocorrem nas meningites virais, aparecem geralmente na segunda semana da doença e costumam desaparecer em uma a três semanas, havendo raros casos em que essas alterações persistem por 60 a 80 dias. Diversas outras manifestações neurológicas foram relatadas, como encefalite, paralisias focais, espaticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barré e mielite. Hemorragia cerebral ou meníngea pode ocorrer. 
Outra ocorrência clínica importante na fase imune diz respeito ao acometimento ocular, caracterizado por uveíte, que pode surgir da terceira semana até um ano após o desaparecimento dos sintomas, variando, em média, de quatro a oito meses. Caracteriza-se clinicamente por irite, iridociclite e, ocasionalmente, coriorretinite, podendo ser uni ou bilateral, autolimitada, com ou sem episódios recurrentes ou, ainda, como processo crônico, podendo, muito raramente, levar à cegueira. 
Nesta fase, a leptospira dificilmente é encontrada no sangue periférico, porém a leptospirúria é frequente, durando de seis semanas até três meses.
FORMA ICTÉRICA OU SÍNDROME DE WEIL
Esta forma grave de leptospirose, que foi originalmente descrita como uma doença ictérica associada ao sorogrupo Icterohaemorrhagiae, pode ser observada com qualquer outro sorotipo. O termo “síndrome de Weil” deve ser utilizado para descrever o quadro clínico anteriormente descrito associado a grave disfunção hepática, onde a icterícia é o sinal proeminente, e essa síndrome é acompanhada de disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e da consciência, associada a taxa de mortalidade. Constitui a forma clínica mais comumente observada em nosso meio, e a icterícia ocorre em cerca de 82% dos pacientes internados (Tabela 73.3) (Figuras 73.6 e 73.7). 
Na forma ictérica, as fases de leptospirosemia e imune não apresentam o curso bifásico que pode ser bem observado na forma anictérica, e a febre geralmente persiste sem desfervescência entre os dois estágios. Os sintomas anteriormente descritos são mais intensos e têm maior duração.
A icterícia, que constitui a característica principal nessa forma clínica, ocorre de três a sete dias após o início da doença. Tem um início abrupto e apresenta coloração amarelo-avermelhada, dando ao paciente o aspecto da chamada icterícia rubínica. Entretanto, essa característica nem sempre está presente. A icterícia é intensa e, frequentemente, os níveis de bilirrubinas atingem cifras superiores a 15 mg/dL no soro, podendo atingir níveis de 60 mg/dL ou mais, com predomínio das bilirrubinas diretas. A urina é escura, porém as fezes acólicas não são geralmente observadas, mesmo quando a icterícia é muito intensa. A hepatomegalia ocorreu em 70% dos casos por nós observados, porém outros autores citam cifras de 25% ou menos. Muito embora a disfunção hepática não constitua importante causa de morte, ela é associada a maior percentual de mortalidade, e o óbito em pacientes sem icterícia é menos frequente. A insuficiência renal, fenômenos hemorrágicos e complicações cardiovasculares são mais comuns em pacientes com icterícia. 
O comprometimento renal na leptospirose é frequente nessa forma da doença, podendo ocorrer mais raramente na forma anictérica. Caracteriza-se por elevação nos níves de ureia e creatinina, aumento da fração de excreção de sódio e alterações variáveis observadas no exame rotineiro da urina, como leucocitúria, hematúria, proteinúria e cristalúria. A diurese não constitui bom sinal de envolvimento renal, e a insuficiência renal pode ser do tipo oligúrica ou anúrica, associada a um pior prognóstico, e não oligúrica. Uma característica importante da insuficiência renal aguda (IRA), na leptospirose, é a associação de alterações hemodinâmicas, em geral desidratação intensa ou hipotensão, que podem agravar a insuficiência renal se não corrigidas adequadamente, podendo resultar em necrose tubular aguda de grande intensidade. É interessante observar que a acidose metabólica e a hiperpotassemia, verificadas na IRA isquêmica, não ocorrem com frequência na leptospirose. As alterações do equilíbrio acidobásico são discretas, sendo comum a alcalose respiratória compensada ou descompensada, ao passo que a acidose metabólica é mais frequente nos casos com oligúria. Os níveis de potássio estão geralmente normais ou diminuídos e, com menos frequência, elevados. Esse fenômeno é explicado pelo encontro de uma alta fração de excreção de potássio que acompanha a fração de excreção de sódio observada nos pacientes. Durante muitos anos, a IRA foi a principal causa de morte na leptospirose, porém, com o advento dos métodos dialíticos, complicações cardíacas e hemorrágicas têm hoje se constituído nos principais fatores que desencadeiam o óbito. 
O envolvimento cardíaco, que pode ser visto em qualquer forma clínica de leptospirose, é mais proeminente na síndrome de Weil, como decorrência da miocardite que se instala. Colapso cardiocirculatório e insuficiência cardíaca podem ser encontrados, porém, são menos frequentes que as alterações eletrocardiográficas e do rítmo cardíaco. Alterações da repolarização ventricular, bloqueios atrioventriculares, ritmo juncional, bloqueios de ramo, sobrecargas ventriculares e atriais podem ser encontrados. Clinicamente, hipofonese de bulhas é observada com frequência, seguida de ausculta compatível com fibrilação atrial. Essas alterações podem ser agravadas pelas alterações metabólicas, em especial a hipopotassemia. Cerca de 33% dos pacientes apresentam algum tipo de manifestação cardíaca. 
Os fenômenos hemorrágicos são relativamente frequentes na síndrome de Weil. Cerca de 43% dos pacientes apresentam algum tipo de sangramento de pele e mucosas, como petéquias e equimoses. Hemorragias pulmonares podem variar desde simples escarros hemoptoicos até hemorragia pulmonar maciça. Sangramentos gastrointestinais traduzidos por hematêmese, melena ou enterorragia podem ocorrer, variando também na sua intensidade. A hemorragia pulmonar e/ou a gastrointestinal constituem os principais fenômenos responsáveis pela morte dos pacientes. 
Embora a coagulação intravascular tenha sido descrita na leptospirose experimental e em raros casos humanos, estudo realizado em nosso meio não constatou a ocorrência desse fenômeno. O estudo do coagulograma realizado na fase aguda demonstrou elevação no tempo de protrombina, no tempo de trombina, na dosagem do fibrinogênio e dos fatores de degradação dos produtos de degradação fibrinogênio/fibrina. O alongamento do tempo de protrombina responde favoravelmente à administração da vitamina K, sugerindo que as alterações do aparelho bile-excretor sejam suficientes para explicar este fato. O aumento do tempo de protrombina pode ser explicado pelo aumento dos produtos de degradação do fibrinogênio/fibrina que estão elevados, por sua vez, devido ao aumento do metabolismo do fibrinogênio. O fibrinogênio eleva-se como consequência da reação inflamatória que ocorre na leptospirsose. O tempo de tromboplastina parcial ativada não se altera, sugerindo que os fatores intrínsecos da coagulação (fatores VIIIc, IX, X, XI e XII) não se alteram de modo significativo na leptospirose. Do mesmo modo, não foi observada elevação do fator V, essencialmente produzido no hepatócito, demonstrando que as lesões hepatocelulares não são suficientes para alterar, de modo significativo, este fator. Alteração importante é a trombocitopenia, que verificamos em 80% dos casos. A medula óssea na leptospirose apresenta série megacariocítica normal. A coagulação intravascular disseminada não ocorre habitualmente na leptospirose, podendo-se supor que as alterações vasculares observadas exercem o papel mais importante na gênese dos fenômenos hemorrágicos frequentemente verificados nessa doença. 
O comprometimento pulmonar caracteriza-se clinicamente pelas mesmas alterações referidas na forma anictérica. Na síndrome de Weil, devemos salientar a maior intensidadeda pneumonite intersticial hemorrágica, observada ao exame radiológico pelo infiltrado pulmonar difuso ou localizado (Figura 73.8).
Insuficiência respiratória é frequente nos casos mais graves, atribuída a alterações da difusão do oxigênio através da membrana alveolocapilar decorrentes de edema e extravasamento de sangue no interstício pulmonar, como também pelo aumento do shunt arteriovenoso no pulmão.
As demais manifestações de outros órgãos descritas na forma anictérica são também encontradas em pacientes com a síndrome de Weil. 
Os sinais e sintomas começam a decair a partir da terceira ou quarta semana de doença, havendo normalização gradativa, que pode durar 30 dias ou mais.
DIAGNÓSTICO 
O diagnóstico deverá se basear nos elementos positivos de ordem epidemiológica e clínica. Entre estes estão o contato com animais, em especial o rato, ou com águas contaminadas, sobretudo após os períodos de enchentes ou por necessidade profissional, além do relato de sintomas como febre, cefaleia intensa, mialgia (especialmente nos músculos da panturrilha) e icterícia, acompanhados ou não de oligúria. 
Considera-se como caso confirmado de leptospirose aquele que preencher qualquer um dos seguintes critérios: 
1. Paciente no qual se tenha isolado a leptospira de qualquer espécime clínico. 
2. Paciente com sintomas clínicos sugestivos associados a uma conversão sorológica com aumento de quatro vezes ou mais no título obtido pela reação de soroaglutinação microscópica, entre a fase aguda e a de convalescença. 
3. Detecção de imunoglobulina M (IgM) específica pela reação de enzimaimunoensaio (ELISA). Considera-se diagnóstico provável de leptospirose um paciente que apresenta dados epidemiológicos e clínicos sugestivos e cuja reação de soroaglutinação microscópica revele um título igual ou superior a 1:800 em uma única amostra de soro.
COMPLICAÇÕES E SEQUELAS 
Poucas são as sequelas das leptospiroses. A uveíte em geral resolve completamente, embora haja casos raros de cegueira e formação de catarata. 
As alterações neurológicas decorrentes de mielites e neuropatias periféricas, costumam curar por completo, porém, podem, raramente, deixar alguma sequela. A meningite se resolve em todos os casos. 
As complicações pulmonares, renais e hepáticas desaparecem com a cura da doença. As alterações funcionais retornam aos valores normais, e, excepcionalmente, pode haver casos que persistem com pequenas alterações permanentes de função renal. Essas alterações podem levar meses para uma resolução completa.
TRATAMENTO 
Apesar de existirem comprovações de que diversos antimicrobianos, como penicilina, tetraciclinas, ampicilina, estreptomicina, cefalotina e outros, são ativos in vitro e em infecções experimentais, até hoje permanece controversa a indicação da terapêutica antibiótica na leptospirose. Isso se deve à dificuldade encontrada para a realização de estudos terapêuticos bem controlados comparando o antibiótico com placebo, uma vez que a leptospirose é uma doença autolimitada e com curso clínico muito variável. 
O uso da penicilina, ampicilina, tetraciclinas e outros poderia ser benéfico aos pacientes, encurtando o tempo de duração da doença e reduzindo a frequência de complicações, porém não reduzindo a mortalidade quando administrados após o quarto ou quinto dia do início dos sintomas. 
Para o tratamento específico da leptospirose sugere-se a administração de quatro milhões de unidades por dia de penicilina G cristalina divididas em quadro doses, ou 200 mg de doxiciclina por dia para os adultos por sete dias. A administração desses antibióticos após o quinto dia de doença parece não alterar o curso clínico da leptospirose.
Como a forma grave da leptospirose é de difícil diferenciação diagnóstica de quadros de sepse devido a outras etiologias e acompanhadas ou não de icterícia, sugere-se a administração empírica de esquemas antimicrobianos mais amplos, como o uso de ceftriaxona ou cefotaxima nas doses usualmente recomendadas. 
As medidas terapêuticas de suporte constituem aspecto da maior importância. Estas devem ser precoces e agressivas para se evitar complicações. A hidratação, de preferência por via endovenosa, é a terapêutica inicial mais importante, uma vez que os pacientes com as formas mais graves da doença chegam ao hospital muito desidratados como consequência de febre, anorexia intensa e provável poliúria que ocorreria na fase inicial da insuficiência renal. A hidratação deve ser rigorosa, com administração de solução fisiológica ou Ringer, e, dependendo da gravidade do caso, deve-se monitorizar a pressão venosa central. A administração de potássio deve ser feita quando se verificar hipopotassemia. Essas medidas visam corrigir os fatores pré-renais que contribuem para desencadear ou agravar a insuficiência renal. Associada a essas medidas, a utilização de diuréticos, como a furosemida, na tentativa de converter a insuficiência renal oligúrica em não oligúrica tende a melhorar o prognóstico. Quando se verifica que essas medidas não revertem a insuficiência renal, deve-se utilizar a instalação da diálise peritonial ou hemodiálise. 
Outro elemento importante na terapêutica de suporte da leptospirose diz respeito às alterações pulmonares observadas. A pressão de oxigênio deve ser mantida acima de 80 mmHg, seja por administração de oxigênio através de catéter ou máscara ou pelo uso de ventilação mecânica assistida ou controlada, nos mesmos moldes utilizados no tratamento da síndrome do desconforto respiratório. Nos casos graves de comprometimento respiratório, deve-se ter cuidado com a reposição hídrica em excesso para se evitar o agravamento da insuficiência respiratória. Nessa situação, é imperiosa a monitoração hemodinâmica com reposição controlada de líquidos. 
As alterações cardíacas devem ser tratadas com a correção das alterações metábolicas, como a hipopotassemia, e com o uso de drogas inotrópicas e antiarrítmicas, quando indicadas. 
Outros procedimentos, como nutrição parenteral ou enteral, transfusões de sangue, plaquetas e crioprecipitados, uso de antiácidos, uso de bloqueadores dos receptores H2 como a ranitidina ou inibidores de bombas de próton como o omeprazol, são recomendados e dependerão da avaliação e da necessidade da terapêutica do caso em questão.
menigococcemia
A doença meningocócica é, sem dúvida, muito antiga, porém foi reconhecida como entidade autônoma apenas no início do século XIX. Isso ocorreu em virtude da semelhança clínica e da dificuldade para diferenciá-la de outras meningites. Era designada “febre cerebral’’, “febre maculosa” ou “torpor profundo”
A doença meningocócica, por definição de caso, compreende: infecção de orofaringe; meningite; meningococcemia (sepse meningocócica); e, excepcionalmente, infecção em outros órgãos. 
O tratamento moderno da doença meningocócica iniciou-se em 1939, com a quimioterapia, pela utilização dos sulfamídicos. 
Apesar do progresso dos conhecimentos, das possibilidades terapêuticas e profiláticas, a doença continua ocorrendo como doença endêmica ou epidêmica em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
ETIOLOGIA
A N. meningitidis é um pequeno coco gram-negativo, imóvel, não esporulado e de forma redonda ou oval. As bactérias, em geral, apresentam-se aos pares, com as superfícies opostas achatadas, conferindo-lhes a forma de “biscoito”, e por isso são consideradas diplococos (Figura 42.1).
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Podem variar desde formas benignas, caracterizadas por febre e bacteremia, até quadros muito graves, que levam à morte em poucas horas. As várias formas clínicas são: 
■ Infecção da orofaringe com bacteremia, sem septicemia: quadro benigno que simula infecção respiratória superior. Quase sempre, o diagnóstico é estabelecido pela hemocultura e a remissão dos sintomas pode ocorrer até sem antibioticoterapia específica, porém esta acelera a cura e impede a evolução para outras formas clínicas. 
■ Meningococcemia, às vezes sem meningite: evolui, em poucas horas, para estado de choque. O paciente apresenta-se septicêmico, toxemiado, com febrealta, leucocitose, exantema maculopapular do tipo petequial ou sob forma de verdadeiras sufusões hemorrágicas, com mal-estar geral, cefaleia, fraqueza, hipotensão, coagulopatia de consumo com sangramentos, hiperpneia decorrente da acidose metabólica, hipovolemia em razão da retenção de líquidos na microcirculação, miocardite e comprometimento sistêmico geral. É a forma mais grave e letal. 
■ Meningite: caracteriza-se por cefaleia holocraniana, vômitos em jato, febre alta, alterações sensoriais (paciente sonolento, torporoso ou em coma superficial), sinais meníngeos e liquor turvo. Ocasionalmente, meningocefalite mais profunda em coma profundo (reflexos superficiais e osteotendinosos estão alterados, e reflexos patológicos estão presentes), às vezes parestesias, paralisias e outros sinais neurológicos. 
Embora haja diferentes apresentações clínicas, a meningite e, a seguir, a meningocefalite, são as formas mais frequentes com que se exterioriza a doença meningocócica. 
Os casos típicos de meningite (ver capítulo 60) incluem três síndromes ou três grupos de manifestações: síndrome infecciosa; síndrome de hipertensão intracraniana; e síndrome de compressão radicular. A síndrome infecciosa caracteriza-se por febre, mal-estar, cefaleia, anorexia e dores musculares. Essas manifestações não são específicas, ao contrário, estão presentes com frequência em estados infecciosos de diferentes etiologias e decorrem da ação de citoquinas no sistema nervoso (febre, cefaleia, anorexia) e na indução da proteólise (dores musculares). Comprometimento sensorial, cefaleia persistente e latejante, vômitos em jato ou necessidade imperiosa de vomitar e perturbações visuais, correspondem, em geral, à síndrome de hipertensão intracraniana. Rigidez de nuca e sinais de meningismo como Kernig, Brudzinski e variantes da manobra de Lasègue, caracterizam a síndrome da compressão radicular. 
O período de incubação varia entre 2 e 5 dias. O início das manifestações é, na maioria das vezes, súbito, ou seja, os sintomas e os sinais surgem de repente e atingem o acme em curto espaço de tempo, 24 horas em média. Na forma aguda, o início é brusco, com cefaleia holocraniana, febre alta, vômitos em jato (não relacionados com a alimentação), lesões petequiais características (Figuras 42.6 a 42.8) e alteração sensorial, manifestações que se exteriorizam dentro de 24 horas. A febre alta, a cefaleia holocraniana, os vômitos e a rigidez de nuca sempre sugerem o diagnóstico de meningite. Contudo, dependendo do grupo etário, pode haver variação das manifestações clínicas. Crianças, principalmente lactentes, e indivíduos idosos podem não apresentar todas as manifestações mencionadas. Em lactentes ou crianças pequenas, as queixas mais frequentes no início são hipotermia e vômitos. Nesses casos, muitas vezes, as crianças doentes são levadas para o socorro médico dias após o início dos sintomas, quando há piora do seu estado de consciência ou quando surgem convulsões. Rigidez de nuca pode estar ausente em mais da metade desses casos. Os idosos apresentam, com mais frequência, febre, confusão mental, torpor e desorientação. Menos da metade deles têm rigidez de nuca e cefaleia. 
O componente de encefalite, dos casos que evoluem com meningocefalite, corresponde à depressão sensorial mais profunda, à alteração dos reflexos superficiais e osteotendinosos, ao surgimento de reflexos patológicos, com ou sem a presença de sinais neurológicos focais como paresias ou paralisias e convulsões. Nesses casos, em geral, a manifestação que sugere essa forma da doença para o clínico é a depressão profunda do sensório. Na maioria das vezes, o paciente está em coma que não se superficializa rapidamente com o início da terapêutica adequada. Na doença meningocócica, é frequente o aparecimento súbito de exantema maculopapular petequial, purpúrico ou hemorrágico. A rápida disseminação das petéquias e/ou a evolução para sufusões hemorrágicas constituem um dos melhores parâmetros clínicos de gravidade (Figuras 42.6, 42.7, 42.8, 42.9). Por isso, é fundamental examinar o doente, cuidadosamente, sem as vestes. Essas lesões podem ser vistas também nas mucosas, sendo frequentes na conjuntiva palpebral ou ocular. Deve ser referido que, se a presença de petéquias sugere o diagnóstico, a sua ausência não o excluí. É recomendável, portanto, que se desenhem círculos em torno das petéquias e que, a cada hora, seja verificado se outras lesões surgiram no interior dos círculos. A contagem das novas lesões em algumas horas poderá dar ideia da gravidade do quadro e das medidas terapêuticas que podem ser adotadas. Contudo, o não surgimento de novas lesões pode indicar a estabilização do quadro.
As petéquias podem coalescer e atingir planos mais profundos, transformando-se em sufusões hemorrágicas ou equimoses, especialmente na presença de sepse meningocócica sem meningite. Já observou-se, em pacientes que evoluíram com meningococcemia fulminante, ausência de petéquias na admissão, com aparecimento das primeiras uma hora depois, seguidas por sufusões hemorrágicas e colapso vascular periférico. A Figura 42.8 mostra quadro inicial e complicações tardias das lesões hemorrágicas (injeção e perda de substância). 
A meningococcemia fulminante, que corresponde a cerca de 1% dos casos de doença meningocócica fora de períodos epidêmicos e 10% durante as epidemias, é a mais temida de todas as formas, pela velocidade com que se instala e pela elevada letalidade que a caracteriza. Geralmente, ao primeiro atendimento no pronto-socorro, o liquor é normal, porque não houve tempo para o desenvolvimento da meningite. Apesar da normalidade liquórica, deve-se realçar que o meningococo está presente no SNC. 
Na meningococcemia, o estado de choque domina o quadro, com vasoconstrição periférica fisiológica em resposta à vasodilatação e à hipovolemia que se instalam, de início, em decorrência de vasculite produzida por uma endotoxina bacteriana. A partir daí, estabelecem-se fenômenos intermediários de doença, como: intensa acidose metabólica; coagulação intravascular disseminada; choque tóxico e, às vezes, também cardiogênico decorrente de miocardite. Esses fenômenos estabelecem um círculo vicioso, um piorando o outro. Então, começam a surgir fortes sangramentos, cianose, baixa perfusão nas extremidades e hiperpneia, em virtude da acidose metabólica, e hipóxia tecidual envolvendo múltiplos órgãos. O paciente apresenta forte ansiedade e sensação de morte iminente. As petéquias continuam aumentando em número e tamanho e surgem sufusões hemorrágicas.
Sinal clínico de valor preditivo positivo constitui a parada do surgimento de novas petéquias. A sorte do paciente se decide em 24 horas. O quadro é dramático. A ausência de resposta terapêutica antibiótica e de resposta à reposição da volemia são indicadores preditivos de morte. Inicia-se, então falência funcional de múltiplos órgãos, sangramentos incontroláveis e óbito. Se o doente alcançar superação dessa fase inicial, o quadro clínico regride rapidamente e evolui para a cura em 5 a 7 dias. 
Pacientes que evoluíram para a cura, mas sofreram sufusões hemorrágicas profundas, podem apresentar sequelas importantes, como necroses teciduais com perda de substância e, às vezes, mumificação de tecidos, necessitando amputação de algumas extremidades ou até mesmo de membros (Figura 42.9). Com frequência, desenvolvem infecções secundárias de alta gravidade.
Tem sido descrita como raridade a meningococcemia crônica caracterizada por febre baixa, exantema e comprometimento articular. O exantema se assemelha ao que ocorre na infecção gonocócica disseminada e é caracterizado por pápulas e pústulas, frequentemente com componente hemorrágico.
Complicações neurológicas, como convulsões, surdez, paralisias e sinais focais, associadas à meningite meningocócica, são menos frequentes do que as que ocorrem nas meningites pelo pneumococo. Pneumonia por meningococo tem sido assinalada evoluindo com tosse, dores torácicas, calafrios, febre, sendo mais frequente o envolvimento dos lobos médiose inferior do pulmão direito. Nesses casos, é comum antecedente de infecção respiratória superior por vírus e o prognóstico, em geral, é bom. Abrahão e colaboradores descreveram maior prevalência de esquizofrenia nos pacientes que desenvolveram meningite meningocócica durante a epidemia de 1971 a 1975, em São Paulo, do que na população em geral. 
A doença meningocócica, em cerca de 10 a 20% dos casos, evolui com herpes labial (Figura 42.10).
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
A N. meningitidis utiliza os seus pili (fímbria) para proceder à aderência nos receptores específicos dessas células do hospedeiro. Para escapar da IgA secretória existente na mucosa, o meningococo utiliza protease, que desarma esse anticorpo. Em seguida, o meningococo necessita atingir a corrente sanguínea, o que consegue por mecanismo ainda desconhecido. No sangue, a bactéria precisa escapar dos mecanismos de imunidade, representados pelo sistema complemento e pela fagocitose leucocitária. O meningococo é protegido contra esses mecanismos pelo polissacarídeo capsular, atingindo, dessa forma, os capilares do SNC. O próximo passo será atravessar a barreira hematoliquórica para se estabelecer no espaço subaracnóideo. O meningococo atinge o liquor pelos capilares do plexo coroide dos ventrículos laterais, por mecanismo desconhecido. O liquor não possui complemento, anticorpo bactericida do soro e células fagocitárias, por isso o meningococo se multiplica livremente no espaço subaracnóideo. A meningite expressa, então, o processo inflamatório, que se desenvolve em resposta à presença da endotoxinas representadas por parte da parede bacteriana, o lipídeo A. As células endoteliais e da glia liberam citoquinas: TNF e IL-1.
A quebra da barreira hematoliquórica se dá, então, pela sucessão de eventos desencadeados pela ação de citoquinas e outros mediadores químicos, além da IL-1 e do TNF, como leucotrienos, IL-6 e fator de ativação de plaquetas. A quebra de barreira permitirá o acúmulo de leucócitos, complemento e de albumina no espaço subaracnóideo, contribuindo para o edema cerebral. O processo inflamatório intenso também inibe a reabsorção do liquor, contribuindo para o aumento da pressão intracraniana e do edema intersticial cerebral. Bactérias como o meningococo podem determinar processo inflamatório nos vasos superficiais do cérebro, caracterizando a vasculite, predispondo-os à trombose, com consequente dano isquêmico do SNC.
A síndrome de Waterhouse-Friderichsen, tem sido frequentemente incriminada na literatura médica como fator desencadeante da hipovolemia e do colapso periférico inicial. Porém, nem sempre está presente, fato constado pelas necropsias que não encontram a necrose das suprarrenais, característica dessa síndrome (Figura 42.11). O mecanismo mais importante de desencadeamento do quadro clínico inicial da meningococcemia decorre da liberação de uma potente endotoxina bacteriana durante a fase logarítmica de multiplicação da bactéria na corrente sanguínea, causando endotelite universal. Esta provoca vasodilatação, hipovolemia, queda da pressão arterial, que são respondidos pelo organismo com vasoconstrição periférica na microcirculação. O sangue fica retido nesses espaços. Logo se instala hipóxia tecidual com queda do pH em níveis inferiores a 7. Desencadeia-se coagulação intravascular disseminada e o estado de choque. Estabelece-se cadeia circular, um agravo piorando o outro. Junta-se ao quadro a falência de múltiplos órgãos agredidos pela hipóxia tecidual. Se a recomposição da volemia não ocorrer com máxima rapidez e sucesso, o paciente evolui para o óbito. 
Em relação ao envolvimento de outros órgãos na doença meningocócica, devem ser mencionadas a artrite, a miocardite, a pericardite e o comprometimento do trato respiratório. A artrite pode manifestar-se no início do quadro como pioartrite monoarticular e, tardiamente, como poliartrite. Na primeira punção articular, o meningococo pode ser isolado pela cultura do líquido sinovial, ao passo que na última, em geral, a cultura é negativa. A artrite tardia é causada por mecanismo imunopatológico, isto é, pela deposição de imunocomplexos. A miocardite foi descrita por Gore e Saphir pelos achados anatomopatológicos de casos fatais. Os autores estudaram as alterações eletrocardiográficas de 41 doentes, observados no período de outubro de 1974 a julho de 1995, em três momentos diferentes da evolução da doença meningocócica: na fase aguda, durante a convalescença e tardiamente após a alta. As alterações eletrocardiográficas foram mais frequentes nos dois primeiros períodos.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico etiológico da doença meningocócica é estabelecido pelo exame bacteriológico, com o isolamento da N. meningitidis no sangue, no liquor, no líquido sinovial, no derrame pleural ou no pericárdico. O liquor e o sangue constituem as principais fontes de isolamento do meningococo. Nos países desenvolvidos, as taxas de positividade do exame bacteriológico são bastante elevadas. Hoyne e Brown obtiveram, de 727 casos de doença meningocócica, hemoculturas positivas em 51,4%, e exame bacterioscópico ou cultura do liquor positivos em 94% destes procedimentos. 
No estado de São Paulo, de acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica, a proporção de casos diagnosticados pela cultura tem diminuído, girando em torno de apenas 50%, em grande parte devido à automedicação antibiótica prévia ao exame liquórico. 
O isolamento do meningococo é muito importante, pois permite a identificação do sorogrupo, do sorotipo e do subtipo. Esse conhecimento é fundamental para a epidemiologia e para a adoção das medidas profiláticas adequadas. 
A identificação do meningococo pode também ser obtida pela pesquisa de antígenos no liquor, pelo emprego da contraimunoeletroforese, pela fixação do látex, por ELISA ou por radioimunoensaio. A reação em cadeia da polimerase (PCR) tem sido, recentemente, usada no diagnóstico de meningite meningocócica com sensibilidade e especificidade superiores a 99%, porém não se constitui método rotineiro, pelo custo e pela dificuldade no preparo de primes. 
A coleta de sangue para exames bacteriológicos e cultura deve ser realizada, de preferência, antes da antibioticoterapia. 
Na meningite meningocócica, como acontece, de modo geral, nas outras meningites bacterianas, o liquor é turvo ou purulento, com pleiocitose, (centenas a milhares de células/mm3) com predomínio de polimorfonucleares neutrófilos; concentração de glicose baixa (menor do que 75% da glicemia, coletada simultaneamente ao liquor) e concentração elevada de proteínas (em geral, superior a 100 mg/dL). O hemograma, geralmente, apresenta leucocitose, neutrofilia e desvio para a esquerda. São indicativos de coagulação intravascular disseminada na meningococcemia: velocidade da hemossedimentação baixa, plaquetopenia e coagulograma alterado. Na meningococcemia com choque, a gasometria revela acidose e hipóxia.
TRATAMENTO
Deve ser instituído precocemente, visando evitar sequelas e reduzir a mortalidade. A utilização precoce de antibióticos eficazes reduz a produção de endotoxina, diminuindo o estímulo pró-inflamatório e, consequentemente, reduzindo a mortalidade. 
O tratamento específico deve ser prontamente instituído logo após a coleta de materiais para cultura. Os meningococos geralmente são suscetíveis a penicilinas, cefalosporinas, outros betalactâmicos, cloranfenicol e outros antibióticos. A penicilina G cristalina é o antibiótico tradicionalmente usado como primeira escolha. Ainda é eficaz, em nosso meio, mas traz o inconveniente de necessitar doses com intervalo de quatro horas. Além do mais, seu uso em vias periféricas resulta frequentemente em flebite e necessita de cateterismo venoso central para a sua administração. 
A ampicilina é uma alternativa à penicilina G cristalina, pois tem a mesma eficácia e requer doses menos frequentes (a cada seis horas). Recentemente, com a padronização do tratamento da meningite bacteriana em crianças, têm sido utilizadas as cefalosporinas de terceira geração, como a ceftriaxona e a

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