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Ronaldo Amorim Lima Beatriz dos Santos Feres Cláudia Franco Leandro Santos de Azevedo Monclar Guimarães Lopes Pâmella Alves Pereira Vanda Maria Cardozo de Menezes Volume 1 Português IV Apoio: Material Didático Referências bibliográfi cas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT. Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa. Copyright © 2014, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação. Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Rua da Ajuda, 5 – Centro – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20040-000 Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116 Presidente Carlos Eduardo Bielschowsky Vice-presidente Masako Oya Masuda Coordenação do Curso de Letras UFF - Livia Reis ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Ronaldo Amorim Lima Beatriz dos Santos Feres Cláudia Franco Leandro Santos de Azevedo Monclar Guimarães Lopes Pâmella Alves Pereira Vanda Maria Cardozo de Menezes DIREÇÃO DE DESIGN INSTRUCIONAL Cristine Costa Barreto COORDENAÇÃO DE DESIGN INSTRUCIONAL Bruno José Peixoto Flávia Busnardo da Cunha Paulo Vasques de Miranda DESIGN INSTRUCIONAL Anna Maria Osborne Mariana Pereira de Souza EDITOR Fábio Rapello Alencar REVISÃO LINGUÍSTICA E TIPOGRÁFICA Anna Maria Osborne Beatriz Fontes Flávia Saboya Mariana Caser Mariana Pereira de Souza Yana Gonzaga COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Bianca Giacomelli PROGRAMAÇÃO VISUAL Alessandra Nogueira Camille Moraes Larissa Averbug Ronaldo d'Aguiar Silva ILUSTRAÇÃO Clara Gomes CAPA Clara Gomes PRODUÇÃO GRÁFICA Patrícia Esteves Ulisses Schnaider P853 Português IV. v. 1 / Ronaldo Amorim Lima... [et al]. – Rio de Janeiro: CECIERJ, 2014. 190 p.; il. 19 x 26,5 cm ISBN: 978-85-7648-971-9 1. Português. 2. Morfologia. 3. Flexão verbal. 4. Flexão nominal. I. Feres, Beatriz dos Santos. II. Franco, Cláudia. III. Azevedo, Leandro Santos de. IV. Lopes, Monclar Guimarães. V. Pereira, Pâmella Alves. VI. Menezes, Vanda Maria Cardozo de. VII. Título. CDD: 469 Universidades Consorciadas Governo do Estado do Rio de Janeiro Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia Governador Alexandre Vieira Luiz Fernando de Souza Pezão UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO Reitor: Silvério de Paiva Freitas UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitora: Ana Maria Dantas Soares UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Carlos Levi UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles CEFET/RJ - CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA Diretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves IFF - INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSE Reitor: Luiz Augusto Caldas Pereira Aula 1 – O que é e o que interessa à Morfologia? ______________________7 Ronaldo Amorim Lima / Vanda Maria Cardozo de Menezes Aula 2 – O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo ____________________________________ 27 Ronaldo Amorim Lima / Pâmella Alves Pereira Aula 3 – Alguns princípios da análise mórfi ca _______________________ 41 Ronaldo Amorim Lima / Beatriz dos Santos Feres Aula 4 – Conceito de palavra ___________________________________ 55 Ronaldo Amorim Lima / Beatriz dos Santos Feres Aula 5 – Os morfemas na estrutura verbal e nominal __________________ 71 Leandro Santos de Azevedo / Ronaldo Amorim Lima Aula 6 – Flexões da língua portuguesa. O que é fl exão nominal? _________ 85 Beatriz dos Santos Feres / Ronaldo Amorim Lima Aula 7 – Flexões da língua portuguesa. A fl exão nominal de gênero _____ 103 Cláudia Franco / Ronaldo Amorim Lima Aula 8 – Categorias, fl exões e usos do verbo _______________________ 117 Leandro Santos de Azevedo / Ronaldo Amorim Lima Aula 9 – O Mecanismo da fl exão verbal I _________________________ 135 Monclar Guimarães Lopes / Ronaldo Amorim Lima Aula 10 – O Mecanismo da fl exão verbal II ________________________ 165 Monclar Guimarães Lopes / Ronaldo Amorim Lima Referências ______________________________________________ 185 Português IV SUMÁRIO Volume 1 ob jet ivo s Meta da aula Apresentar o conceito de Morfologia, suas subespecifi cações, bem como suas relações com outras disciplinas do campo linguístico. Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de: 1. proceder ao estudo do objeto da Morfologia: a palavra; 2. identifi car as interfaces da Morfologia com outras disciplinas do campo linguístico; 3. distinguir as subespecifi cações da Morfologia. O que é e o que interessa à Morfologia? Ronaldo Amorim Lima Vanda Maria Cardozo de Menezes 1AULA Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J8 Para dar início ao nosso curso e responder à pergunta efetuada no nosso título, vamos estabelecer que todo estudo científi co se defi ne de acordo com o seu objeto de estudo, bem como pelo foco sob o qual tal objeto é analisado. Por exemplo, a Psicologia tem o homem como objeto de estudo, tendo como foco a sua mente. Já a Antropologia utiliza-se do mesmo objeto (o homem) para estudar seu comportamento. Essa disciplina, por sua vez, apresenta duas subespecifi cações, a Antropologia Física (que se relaciona com a Biologia, considerando, portanto, os aspectos biológicos) e a Antropologia Social (que se relaciona com a Sociologia, tendo em vista os aspectos culturais). E a Morfologia? O que interessa a essa disciplina? Como ela se defi ne em relação a outras disciplinas linguísticas? Quais são suas subespecifi cações? Essas são as indagações que dão início ao nosso estudo de Morfologia da língua portuguesa. Estamos certos de que muitos de vocês farão interessantes descobertas sobre a estruturação e o signifi cado das palavras de nossa língua. INTRODUÇÃO 9C E D E R J MORFOLOGIA: CONCEITO E OBJETO Ao realizarmos a A N Á L I S E M Ó R F I C A da palavra morfologia, con- cluiremos que se trata do estudo da F O R M A . Essa defi nição é, entretanto, muito ampla, já que outras ciências, tais como a Botânica e a Biologia Humana, também têm uma disciplina chamada Morfologia que se ocupa do estudo da forma, tendo outros objetos como foco. Devemos entender, portanto, o que signifi ca forma para uma disciplina da Linguística. Observe a imagem a seguir. Temos ali a representação de um objeto de estudo da Morfologia, na área da Botânica, e a forma como este objeto é visto por essa disciplina. A Morfologia, na área da Botânica, estuda a estrutura dos vegetais, executando, assim, o que se chama de análise mórfi ca. Do mesmo modo que, no campo linguístico ou gramatical, a Morfologia executa análises mórfi cas das palavras. Vamos utilizar como exemplo a palavra relógio. Qualquer um de nós, que temos a língua portuguesa como língua materna, é capaz de reconhecer esse segmento como um nome que utilizamos para designar determinado aparelho, cuja função é marcar o tempo e indicar as horas. Esse reconhecimento instantâneo ocorre porque, ao segmento fônico, constituído por sete fonemas e aqui expresso pela escrita, se associa um dado signifi cado. Desse modo, o segmento “relógio” constitui uma forma da língua portuguesa. ANÁLISE MÓRFICA Consiste na descri- ção da estrutura do vocábulo mórfi co, depreendendo suas formas mínimas ou morfemas, de acordo com uma signifi ca- ção e uma função elementares que lhes são atribuídasdentro da signifi cação e da função do vocábulo (KOCH; SILVA, 2002, p. 20). FO R M A Designação geral para um fonema ou sequência fonêmica providos de signifi - cação; é assim que se estabelece numa língua dada entre a parte fônica, ou signifi cante, e a representação que a ela corresponde na linguagem, ou sig- nifi cado (CÂMARA JR., 1974, p. 184). A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J10 E se acrescentássemos um -s à palavra relógio, formando a palavra relógios? Adicionou-se, então, mais um segmento fônico que agrega à estrutura do vocábulo o valor plural. Sendo assim, esse fone- ma fi nal, representado na escrita pela letra s, constitui também uma forma da língua. O conceito de Morfologia como estudo das formas da língua impli- ca considerar uma das faces das unidades linguísticas – o signifi cante –, enquanto a outra face – o signifi cado – fi ca a cargo da Semântica, a contraparte da análise mórfi ca. Signifi cado e signifi cante são os componentes de uma mesma entidade: o signo linguístico. FE R D I N A N D D E SA U S S U R E (2008) enfatiza o caráter concreto do signifi cante, considerado como uma imagem acústica que manifesta algo que signifi ca, e o caráter abstrato do signifi cado, toma- do como parte conceitual do signo. As unidades da língua em todos os níveis (frase, palavra, morfema) são signos e, portanto, apresentam-se com signifi cante e signifi cado. O livro de Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral, encontra-se disponível no endereço: http://uepaingles1. fi les.wordpress.com/2011/03/curso-de-linguc3adstica-geral- saussure1.pdf. FE R D I N A N D D E SA U S S U R E (1857-1913) A obra póstuma do linguista suíço, Curso de Linguística Geral (1916), é tida como o marco inau- gural da Linguística Moderna – com a fase estruturalista dos estudos da linguagem. O livro traz os pressupostos teórico-metodoló- gicos dessa escola, que terminaram por infl uenciar outras ciências humana. 11C E D E R J A defi nição de Morfologia como estudo das formas da língua também requer que se indique em que níveis da estrutura da língua se encontram as formas a serem analisadas. Há formas em diferentes níveis de construção. O -s que indica o plural é uma forma que se encontra em um nível abaixo ao nível da palavra. Em outras palavras, se con- siderarmos a forma plural casas, é fácil percebermos que é possível, inicialmente, dividi-la em duas partes: casa + s. A primeira parte (casa) é reconhecidamente uma palavra, encontra-se no nível da palavra. Já a segunda parte da divisão proposta (s) não pode ser considerada nesse nível, pois ela sozinha não constitui uma palavra. Consideremos, em seguida, a expressão relógio de parede. Toda essa expressão também é uma forma da língua portuguesa, mas, agora, temos um elemento que ultrapassa o nível da palavra. Temos agora três palavras que, reunidas, constituem um signifi cado próprio. A palavra relógio remete ao vago signifi cado de algum objeto utilizado para marcar as horas. A forma relógio de parede, por outro lado, mais específi ca, remete-nos a um objeto utilizado para marcar as horas e que fi ca preso à parede e, preferencialmente, em algum lugar bem visível. Essa forma pode se contrapor a formas como relógio de pulso, relógio de praça, relógio de bolso etc. Em todas elas, ultrapassa-se do nível da palavra (relógio) para o nível do sintagma (relógio de parede etc.). Nada impede que tenhamos, portanto, uma Morfologia que atua em níveis acima do nível da palavra, em interface com a Sintaxe, como veremos na próxima seção. Mas, se quisermos realizar um estudo mor- fológico no sentido mais estrito, precisaremos trabalhar em um nível abaixo do sintagma, o nível da palavra. É nesse nível que se situam, tradicionalmente, os estudos em Morfologia. Sendo assim, vamos man- ter essa delimitação, pois a consideramos adequada para uma descrição mórfi ca básica de nossa língua. Como você já estudou em Sintaxe, o nível dos sintagmas situa-se entre o nível dos vocábulos e o da oração. Os sintagmas são grupos de vocábulos construídos para funcionar na estrutura da oração, ou vocábulos que, sozinhos, podem assumir função na oração. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J12 Azuaga (1996, p. 216), considerando apenas a palavra como obje- to de estudo da Morfologia, afi rma que essa disciplina “analisa, então, as formas das palavras, ou melhor, as alterações sistemáticas na forma destas unidades, alterações essas que estão relacionadas com mudanças no sentido das mesmas”. Você deve estar se perguntando então: O que se pode entender por alterações sistemáticas nas formas das palavras? Vamos tentar entender isso, utilizando os exemplos de palavras derivadas e fl exionadas, apresentados no seguinte quadro: 1a cerveja livro peixe sapato cervejeiro livreiro peixeiro sapateiro cervejaria livraria peixaria sapataria 1b cerveja livro peixe sapato cervejas livros peixes sapatos Antes de você continuar a leitura, tente fazer sua própria análise dos dois pequenos quadros expostos e verifi car o que ocorreu com as palavras das linhas inferiores às primeiras, criando, assim, suas pró- prias conclusões. Veja que, em 1a, identifi cam-se seis diferentes formas que cor- respondem a seis diferentes signifi cados. É possível constatar que, nesse grupo, as alterações produzidas na palavra cerveja também são possíveis em livro, em sapato e em peixe, obtendo-se resultados semelhantes, que se relacionam tanto do ponto de vista da forma, como do signifi cado (acréscimo da forma -eiro, para nomear profi ssional que trabalha ou lida com certo tipo de produto, e da forma -aria, para nomear o estabeleci- mento que comercializa determinada mercadoria). 13C E D E R J Já em 1b, é possível afi rmar que as palavras cerveja, livro, peixe e sapato passaram pelo mesmo processo de alteração formal, isto é, na sua forma, e semântica, isto é, no seu signifi cado: o acréscimo de um segmento fônico representado pelo -s para indicar a fl exão de plural. Acabamos de apresentar, então, alguns exemplos de como certas alterações na forma das palavras se relacionam a certas alterações no sentido delas. Essas alterações morfológicas são classifi cadas como sis- temáticas por serem recorrentes e regulares, isto é, são muito utilizadas na língua portuguesa. Deve-se ter em consideração, entretanto, que, embora sistemáticas, as alterações do quadro 1a não se aplicam a todas as palavras da língua portuguesa e, mesmo quando ocorrem, nem sempre levam aos mesmos signifi cados apresentados. Você deve estar agora questionando se as alterações do quadro 1b se aplicam a todas as palavras da língua. A resposta é não! O acréscimo do segmento fônico representado pelo -s ocorre na maior parte dos substantivos e adjetivos da língua, o que faz com que essa ocorrência seja considerada como regra geral. Entretanto, existem palavras cujo plural pode se formar pelo acréscimo de -es (por exemplo: repórter/repórteres, vez/vezes, mês/meses etc.), pela eliminação do -l fi nal e pelo acréscimo de -is, (por exemplo: anel/anéis, anzol/anzóis, azul/azuis etc.) ou ainda não ocorrer (tênis, tórax etc.). Veremos esse assunto mais tarde. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J14 Atende ao Objetivo 1 1. Analise o quadro a seguir, comparando com as modifi cações morfológicas e semânticas ocorridas no quadro 1a. 1c banco carta enfermo pizza porta banqueiro carteiro enfermeiro --- porteiro --- --- enfermaria pizzariaportaria 2. Se realizássemos a análise mórfi ca da palavra sorveteria, verifi caríamos que ela é formada a partir da palavra sorvete com a acréscimo da termi- nação -aria, do mesmo modo como ocorre com cerveja, peixe etc. A partir da palavra sorvete, obtemos também a palavra sorveteiro. Esse mesmo processo de formação de palavra acontece em cervejeiro, pedreiro etc. Observe, agora, as palavras a seguir e tente analisá-las da mesma forma como fi cou exposto. Será que os processos se repetem em todas elas? a) marceneiro b) carpinteiro c) pedreiro d) açúcar ATIVIDADE 15C E D E R J RESPOSTAS COMENTADAS 1. A forma -aria não se junta às formas banco e carta. Enfermeiro não comercializa enfermos, mas cuida de enfermos, do mesmo modo que enfermaria não é um local que comercializa enfermos. Embora a mercadoria pizza seja comercializada em uma pizzaria, o indivíduo que produz ou que comercializa esse alimento não é chamado de *pizzeiro. Porteiro não é aquele que vende portas, mas o trabalhador que cuida de uma portaria, do mesmo modo que portaria não é a loja em que se vendem portas, mas o local de entrada e saída de um condomínio ou de uma empresa. 2. a) Marceneiro é o indivíduo que faz trabalhos com madeira em uma marcenaria. As duas palavras, entretanto, não têm nenhuma relação com algum termo semelhante a *marcena. b) Carpinteiro é também um indivíduo que faz trabalhos com madeira em uma carpintaria. Do mesmo modo que as palavras da atividade 1, essas duas palavras não têm nenhuma correspon- dência com *carpinta. c) Pedreiro é o trabalhador que lida com obras, pedras; pedraria, entretanto, não é o lugar onde se comercializa ou se trabalha com pedras, ou ainda o lugar onde o pedreiro desempenha seu trabalho, mas sim uma porção de pedras preciosas. d) Açucareiro não é o indivíduo que trabalha com açúcar, mas sim o recipiente em que se coloca o açúcar para ser servido. A palavra *açucaria não faz parte do léxico da língua portuguesa. A MORFOLOGIA EM INTERFACE COM OUTRAS DISCIPLINAS Já vimos, no início desta aula, que as disciplinas se diferenciam pelo seu objeto específi co ou pelo ângulo por meio do qual se observa determinado objeto. Entretanto, ao mesmo tempo em que se delimita uma determinada disciplina, nota-se que ela se relaciona com outras de um mesmo campo, de tal modo que as fronteiras estabelecidas entre essas disciplinas se tornam tênues, frágeis, e apenas servem como marcações para que possamos ter certa noção de algumas especifi cações. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J16 O pesquisador Perini (1995, p. 49-50), com a fi nalidade de demonstrar o interrelacionamento entre quatro possibilidades do estudo dos fenômenos gramaticais, toma a frase “Ana desprezou Ricardo” e a analisa sob os pontos de vista que delimitam quatro disciplinas do campo da gramática: a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe e a Semântica. Você estudou os assuntos relacionados a essas disciplinas nos Ensinos Fundamental e Médio e, nos dois semestres anteriores a este, você aprofundou seus estudos sobre Sintaxe da língua portuguesa. Vamos relembrar, entretanto, do que trata cada uma dessas disciplinas que se relacionam com a Morfologia: Fonologia – parte da Linguística que estuda os sons da fala (fonemas) do ponto de vista de sua função na língua. Sintaxe – parte da Linguística que estuda as palavras enquanto elementos de uma oração, bem como suas relações de concordância, de subordi- nação e de ordem. Semântica – parte da Linguística que se ocupa do estudo da signifi cação como parte dos sistemas das línguas naturais. Menezes (2008), seguindo os passos de Perini, utiliza a frase destacada a seguir e a analisa: O menino ganhou um carrinho. a) Sob o ponto de vista da Fonologia, verifi cam-se as regras que nos obrigam a pronunciar de um certo modo cada segmento fônico, bem como as variações de pronúncia que os falantes da língua adotam e que podem caracterizar diferentes comunidades ou grupos sociais. Será possível observar, por exemplo, que a pronúncia do primeiro o (artigo defi nido masculino singular que inicia a frase) poderá ser [ô] – vogal média posterior fechada -ou [u] – vogal alta posterior. O mesmo ocorre com a pronúncia do segmento fônico representado pelo o fi nal das pala- vras menino e carrinho. Verifi cam-se também as variações na pronúncia da vogal da primeira sílaba de menino [é], [ê] ou [i], bem como o tipo de norma que direciona a preferência por uma ou outra pronúncia no portu- guês brasileiro (os falantes do Nordeste do Brasil optam pela realização aberta [é], enquanto os do Sudeste, pela realização fechada [ê] ou [i]). 17C E D E R J b) Pela ótica da Morfologia, é possível observar que muitos vocá- bulos são passíveis de uma análise em unidades signifi cativas menores. Por exemplo, no vocábulo ganhou, reconhece-se o elemento ganh- (tam- bém presente em ganhei, ganhar, ganhador) e o elemento -ou (presente em cantou, falou, dançou). Os dois elementos identifi cados, ganh- e -ou, se associam para indicar um dado acontecimento no passado. Essa combinação desses dois elementos ocorre segundo regras que impedem formações, como *meninou e *carrou, mas que permitem outras for- mações, como menininho e carrinho. c) Pelo ponto de vista da Sintaxe, o interesse se volta para o modo como as palavras se associam para construir a frase. Essas associações ocorrem em diferentes níveis. O primeiro elemento da frase, o artigo defi nido o, se associa, de imediato, ao segundo, o nome menino, do mesmo modo que o artigo indefi nido um está primeiramente associado ao nome carrinho. Verifi ca-se, em seguida, que a construção o menino se associa à forma verbal ganhou e, nessa relação com o verbo, assume a função de sujeito; também a unidade constituída por um carrinho se associa ao verbo para constituir seu complemento. Desse modo, o resul- tado das associações do sujeito, o verbo e o complemento, é um exemplo, digamos, perfeito do que normalmente se chama oração. d) Pela Semântica, observaremos o signifi cado transmitido pela frase. É possível identifi carmos o sentido do verbo ganhar em um con- texto com um sujeito benefi ciário (aquele que recebeu algum benefício ou ganho) e com um complemento que expressa o objeto recebido (aquilo que se ganhou). Agora você já deve estar imaginando de que forma essas quatro disciplinas encontram-se interrelacionadas. Vamos observar alguns pontos de interface com a Morfologia. Em Linguística, utiliza-se o asterisco (*) para indicar formações agramaticais, ou seja, formações inaceitáveis. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J18 São frequentes as alterações fonológicas nos elementos (R A D I C A L e A F I X O S ) que fazem parte da estrutura das palavras. Na formação da palavra livreiro, por exemplo, identifi ca-se a perda da vogal fi nal o da base livro. Já na forma fl exionada amamos, verifi ca-se que a pronúncia do segundo a é nasalada, por ser ele tônico e estar logo antes da conso- ante nasal que inicia a forma -mos. Fica-se, assim, diante de contextos de interface Morfologia/Fonologia. Observa-se ainda que, dentre as alterações nas formas das pala- vras, muitas decorrem de suas associações com outras palavras na estrutura da frase. As relações de concordância são exemplos de fatos sintáticos com repercussão morfológica. Na frase “As meninas chega- ram”, o -s fi nal em as e em meninas, assim como a terminação -ram em chegaram, são elementos mórfi cos que expressam a relação de concor- dância, caracterizando a interface Morfologia/Sintaxe. Ao analisarem-seassociações de morfemas sufi xais diferentes a determinado radical (como, por exemplo, associando-se o radical pedr- aos sufi xos -eiro, -aria, -inha, -ada, obtêm-se as palavras pedreiro, pedraria, pedrinha, pedrada), observa-se que essas combinações provocam alterações de sentido, o que comprova a interface Morfologia/Semântica. RA D I C A L O U BA S E É, considerando-se apenas a sincronia atual, o elemento comum destacado através da compara- ção de uma série de palavras com base idêntica. Por exem- plo, na série triste, tristeza, tristemente e tristonho, o elemen- to comum é trist-, portanto, o radical (HENRIQUES, 2011, p. 17). AF I X O S São morfemas (ele- mentos mórfi cos) não autônomos. Dividem-se em prefi xos, sufi xos e infi xos e são usados no processo de deri- vação de palavras (por exemplo: alegre – alegria – alegrar, feliz – infeliz – infe- lizmente etc.), ou para fl exioná-las em número, gênero, tempo, modo etc. Atende ao Objetivo 2 3. Procure realizar essas atividades logo após a leitura da seção anterior, evitando, inicialmente, consultar o texto. Caso você tenha difi culdade em lembrar, retorne ao texto, faça uma releitura mais cuidadosa e tente novamente. Identifi que a disciplina linguística a que pertencem os seguintes trechos: a) “Falar uma língua é, basicamente, produzir sequências de sons dotadas de signifi cado” (AZEREDO, 2010, p. 23). ATIVIDADE 19C E D E R J b) “Apesar de já haver no início do século [XX] [...] a consciência de que as regras de colocação pronominal brasileiras divergem das portuguesas, as gramáticas prescritivas atuais ainda estabelecem normas que, aparen- temente, se aplicariam tanto no Brasil quanto em Portugal“ (VIEIRA apud VIEIRA; BRANDÃO, 2009, p. 124). c) “De acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), as vogais são classifi cadas de acordo com quatro critérios: quanto à zona de articu- lação, à intensidade, ao timbre e ao papel das cavidades bucal e nasal“ (BECHARA, 2009, p. 60). d) “A derivação prefi xal é um processo de criação lexical que consiste na formação de uma nova palavra através do acréscimo de um prefi xo a uma base já existente” (ROCHA, 2008, p. 147). e) Conotação é o uso da palavra com um signifi cado criado pelo contexto e diferente do original, criado pelo contexto. Por exemplo, na frase “Você tem um coração de pedra”, a palavra “pedra” não signifi ca “matéria mineral sólida, dura, encontrada na natureza etc.” f) “Consideremos agora o verbo ‘descontar’. Poderíamos analisá-lo como uma palavra derivada por prefi xação, como ‘desmontar’ e ‘descarregar’? Se pensarmos assim, estaremos dizendo que ‘descontar’ é o oposto de ‘contar’, o que é discutível [...]” (AZEREDO, 2010, p. 95). RESPOSTA COMENTADA 3. a) Sons dotados de signifi cados em uma língua constituem o objeto de estudo da Fonologia. b) Regras de colocação são um dos temas de interesse da Sintaxe. c) As características das vogais de uma língua são estudadas pela Fonologia. d) A formação de palavras é estudada pela Morfologia. e) O signifi cado das palavras faz parte dos estudos de Semântica. f) A formação de palavras é estudada pela Morfologia. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J20 SUBESPECIFICAÇÕES DA MORFOLOGIA Conforme dissemos anteriormente, são frágeis as fronteiras entre as disciplinas linguísticas. Assim também são as fronteiras entre as sub- divisões dessas disciplinas. Com base em algumas distinções teóricas, pode-se falar em Mor- fologia Sincrônica e Morfologia Diacrônica, assim como também em Morfologia Derivacional e Morfologia Flexional. Vejamos o que afi rma Dubois (1978, p. 181) sobre a primeira divisão, que tem como base a concepção de sincronia e diacronia: “A língua pode ser analisada como um sistema que funciona num determinado momento do tempo (sincronia) ou então analisada em sua evolução (diacronia)”. A distinção entre sincronia e diacronia foi explicitada na primeira edição da obra Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, em 1916. O link para acessar essa obra de indispensável valor para quem se interessa pelos estudos linguísticos encontra-se disponível no início desta aula. Um exemplo de olhar diacrônico sobre a língua portuguesa pode ser dado pela observação da ampliação do sistema de pronomes pessoais em relação ao latim. Nesta língua, de acordo com Câmara Jr. (1979, p. 92), não havia os pronomes pessoais retos de terceira pessoa – ele/ela; eles/elas. Assim como a Morfologia, as outras disciplinas da Linguística (a Fono- logia, a Sintaxe e a Semântica) também possuem estudos sincrônicos e diacrônicos. 21C E D E R J Temos, por outro lado, um olhar sincrônico ao fi xarmos, por exemplo, no quadro dos pronomes pessoas em determinado momento da língua, sem nos preocuparmos com as modifi cações por que tenha passado esse quadro anteriormente ou posteriormente àquele momento. São esses, portanto, dois olhares diferentes que na prática descri- tiva se complementam. Os atuais estudos sobre gramaticalização vêm reforçar a importância da visão diacrônica ou histórica da língua para a explicação de muitos itens e fenômenos gramaticais. Se você quiser saber mais sobre gramati- calização, procure e consulte a obra Linguística: fundamentos (WILSON; MARTELOTTA; CEZÁRIO, 2006). A segunda divisão da Morfologia baseia-se na distinção entre fl exão e derivação. A fl exão é uma operação de caráter mais gramatical, é mais sistemática, regular. É fácil observar fl exão de número (singular – plural), em que o acréscimo do -s é marca geral (casas, estudantes, meninos etc.). A fl exão dos verbos também apresenta um paradigma (modelo) bastante regular de sufi xos para indicar as noções de modo/tempo (sufi xos modo- -temporais) e de número/pessoa (sufi xos número-pessoais). Quando presentes nas formas verbais, os sufi xos sempre se apresentam na ordem: sufi xo modo-temporal e sufi xo número-pessoal. A derivação é uma operação de caráter menos gramatical e é menos regular e menos sistemática. Tomemos como exemplo a possibilidade da formação de nomes a partir de verbos. Para esse fi m, os sufi xos mais produtivos, isto é, mais utilizados, são -mento e -ção, não sendo possível explicar as razões da preferência por um ou por outro, como se verifi ca nas palavras: questionamento, aparecimento, comprometimento etc./ condenação, revelação, internação etc. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J22 Outros sufi xos derivacionais são também muito produtivos, como, por exemplo: a) -mente, na formação de advérbios de modo a partir de adjetivos (constante/constantemente, feliz/felizmente, possível/possivel- mente etc.); b) -dade, na formação de substantivos a partir de adjetivos (bom/bondade, fácil/facilidade, leal/lealdade etc.); c) -ência, na formação de substantivos a partir de verbos (conferir/conferência, gerir/gerência, depender/dependência, transigir/transigência etc.); d) -vel, na formação de adjetivos a partir de verbos (realizar/realizável, amar/amável, adorar/ adorável, perder/perdível, resumir/resumível etc.). Estudaremos esses e outros sufi xos, um pouco mais a fundo, em uma de nossas próximas aulas. CONCLUSÃO Por ser esta disciplina aquela que descreve e analisa a estrutura e a formação das palavras, tendo o morfema (a unidade mínima de sig- nifi cação de uma língua) como seu objeto principal, é de fundamental importância o conhecimento desse estudo para aqueles que objetivam trabalhar no ensino de uma língua e compreender os mecanismos gra- maticais e de formações lexicais dessa língua. 23C E D E R J ATIVIDADE FINAL Atendeaos Objetivos 1, 2 e 3 Vamos agora realizar alguns exercícios para relembrarmos os conceitos aqui apresentados e as distinções estabelecidas. 1. Pode-se segmentar (separar) uma palavra de diversas formas, de modo a se realizarem diferentes análises. Tomando-se a palavra infelizmente como exemplo, é possível dividi-la em: (a) i-n-f-e-l-i-z-m-e-n-t-e, de modo a identifi car e contar quantas letras a formam (divisão ortográfi ca); (b) in-fe-liz-men-te, para identifi car e contar suas sílabas (separação de sílabas); (c) in-feliz-mente, com o objetivo de distinguir seus elementos mórfi cos (separação de elementos mórfi cos). Observe as segmentações realizadas nas palavras a seguir, identifi cando o tipo de objetivo que se teve. a) tapeçaria (ta-pe-ça-ri-a) b) imoral (i-moral) c) menino (m-e-n-i-n-o) d) maldade (mal-dade) e) renovar (re-no-var) f) reter (r-e-t-e-r) 2. Vamos realizar as mesmas alterações morfológicas nos vocábulos de cada grupo, conforme exemplo dado, de modo a comprovar que elas são alterações sistemáticas. a) administrar – internar – apelar – orar R.: administração – _______________ – ______________ – ______________ A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J24 b) pato – gato – moço – menino R.: patinho – ______________ – ______________ – ______________ ou patos – ______________ – ______________ – ______________ c) vender – plantar – descobrir – marcar R.: vendedor – ______________ – ______________ – ______________ ou revender – ______________ – ______________ – ______________ d) fi el – feliz – comum – correto R.: infi el – ______________ – ______________ – ______________ ou fi elmente – ______________ – ______________ – ______________ 3. Apresentamos, a seguir, cinco comentários de diferentes autores para que você identifi que os pontos de vista adotados, considerando as distinções entre as disciplinas gramaticais (Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica) e as noções de sincronia e diacronia. a) “Um exemplo de gramaticalização é o nosso tempo futuro, que foi formado pela junção de um verbo mais o auxiliar haver. Assim, cantar hei, cantar hás, por exemplo, com a repetição de uso, se tornaram cantarei e cantarás“ (CEZÁRIO, 2006, p. 142). b) “O subjuntivo, incluindo o imperativo, assinala uma tomada de posição subjetiva do falante em relação ao processo verbal comunicado“ (CÂMARA JR., 1979, p. 89). c) “Assim, no Rio de Janeiro, pronuncia-se /t/ e /d/ diante de /i/ tônico de uma maneira “soprada“ (dita “africada“), em contraste com a dental fi rme que aparece em São Paulo“ (CÂMARA JR., 1979, p. 25). d) “Na palavra reconsideração, temos o acréscimo de -ção ao verbo reconsiderar, o qual já é formado pelo acréscimo do prefi xo re- ao verbo considerar“ (BASÍLIO, 1987, p. 44). 25C E D E R J e) “No quadro tônico, as dez vogais latinas evoluíram para um quadro triangular de sete vogais: houve confl uências e diferenciações que modifi caram todo o sistema de oposições latinas“ (CÂMARA JR., 1979, p. 92). RESPOSTAS COMENTADAS 1. a) ta-pe-ça-ri-a – separação de sílabas b) imoral (i-moral) – separação de elementos mórfi cos c) menino (m-e-n-i-n-o) – separação de letras d) maldade (mal-dade) – separação de elementos mórfi cos e) renovar (re-no-var) – separação de sílabas f) reter (r-e-t-e-r) – separação de letras 2. a) Ao acrescentarem-se os sufi xos -ção (administração – lavação – apelação – oração) àquelas formas verbais, formam-se substantivos. b) O acréscimo dos sufi xos -inho (patinho – gatinho – mocinho – menininho) ou -s (patos – gatos – moços – meninos), aos substantivos apresentados, produz, respectivamente, o grau diminutivo ou o número plural. c) Acrescentando-se o sufi xo -dor (vendedor – plantador – descobridor – marca- dor) ou o prefi xo re- (revender – replantar – redescobrir – remarcador), obtêm-se, respectivamente, formas substantivas ou novas formas verbais. d) Pelo acréscimo do prefi xo in- (infeliz – infi el – incomum – incorreto) ou do sufi xo -mente (felizmente – fi elmente – comumente – corretamente), chega-se à formação, respectivamente, de novas formas adjetivos ou de formas adverbiais. Observação: Outras respostas são possíveis. Por exemplo, a fl exão verbal é possível nos itens (a) e (c). Uma dessas fl exões seria o acréscimo do sufi xo -mos para pro- duzir a forma verbal correspondente à primeira pessoa do plural. Assim, teríamos: administramos, lavamos, perdemos, vendemos, plantamos e descobrimos. 3. a) A história das alterações das palavras é assunto tratado pela Morfologia Diacrônica. b) O comentário se refere ao sentido atual de um modo verbal (o subjuntivo). Por- tanto, trata-se de Semântica Sincrônica. c) O texto apresenta comparações entre as realizações atuais da fala do Rio de Janeiro e a de São Paulo. Trata-se, então, de Fonologia Sincrônica. d) O comentário se refere a uma possível alteração morfológica da língua portuguesa atual. Esse assunto é da competência da Morfologia Sincrônica. e) Esse texto apresenta comentários sobre a evolução do quadro de vogais tônicas latinas. Trata-se, assim, de assunto da área da Fonologia Diacrônica. Observação: Uma possível resposta para o item (a) seria considerar como caso de Sintaxe Diacrônica. A U LA 1 Português IV | O que é e o que interessa à Morfologia? C E D E R J26 INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, abordaremos o conceito de morfema, apresentaremos o método de comutação como forma de depreensão dessa unidade, além das noções de morfe e de morfema zero. R E S U M O A Morfologia é um estudo que se ocupa da descrição e da análise da estrutura e da formação das palavras. Essa disciplina tem relações muito próximas com outras do campo gramatical, tais como a Fonologia, a Sintaxe e a Semântica, sendo esta última – a que se ocupa do campo das signifi cações –, a mais próxima, uma vez que as formas estudadas pela Morfologia são aquelas pertencentes à primeira articulação da linguagem, isto é, as formas dotadas de valor semântico indivisível. A Morfologia pode observar a evolução das palavras e elaborar comparações entre o comportamento delas em diferentes épocas, procedendo assim a um estudo diacrônico (Morfologia Diacrônica), como também observar as palavras em deter- minadas épocas, confi gurando-se em um estudo sincrônico (Morfologia Sincrônica). A Morfologia pode ser dividida em Morfologia Derivacional e Morfologia Flexional: a primeira se ocupa do estudo da formação de palavras (derivadas) pelo acréscimo de afi xos (prefi xos e sufi xos) a palavras já existentes (primitivas); a segunda estuda as fl exões de gênero e número nos substantivos e adjetivos (fl exão nominal) e as fl exões de tempo/modo e número/pessoa dos verbos (fl exão verbal). ob jet ivo s Meta da aula Apresentar o conceito de morfema e uma das maneiras de depreendê-lo – método da comutação –, além das noções de morfe e morfema zero. Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de: 1. reconhecer o morfema; 2. aplicar o método da comutação para depreensão dos morfemas; 3. relacionar e diferenciar morfema e morfe. O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo Ronaldo Amorim Lima Pâmella Alves Pereira 2AULA Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J28 Figura 2.1: O morfema. Tendo em vista o quadro anterior, é possível perceber que algumas das pala- vras estão ainda tão ligadas à palavra primitiva (fumo) que nos fazem lembrar imediatamente dela, enquanto outras requerem um pouco de esforço mental para que procedamos à ligação. Ao analisarmos palavrascomo recontar, reabrir, reapresentar, repintar, recordar e repetir, concluiremos, facilmente, que a parte inicial de cada uma delas, o prefi xo re-, indica repetição de alguma ação, voltar a fazer algo. Desse modo, teríamos, respectivamente, “voltar a contar” ou “contar outra vez”, “voltar a abrir” ou “abrir outra vez”, “voltar a apresentar” ou “apresentar outra vez”, “voltar a pintar” ou “pintar outra vez”. Mas o que fazer para explicar recordar e repetir? Enquanto para as quatro primeiras palavras faz-se uma análise sincrônica, um recorte em um mesmo período da língua, para compreender as formas (morfes) nelas presentes, para as duas últimas o recorte deve ter em conta períodos diversos da história da língua, de modo a depreender suas formas, fazendo-se uma análise diacrônica. Esse parece ser um dos grandes problemas das gramáticas escolares e dos livros didáticos: utilizar ora explicações sincrônicas, ora diacrônicas. Uma descrição exclusivamente sincrônica, no entanto, nem sempre apresen- ta uma boa precisão. Por exemplo, pode-se depreender o S U F I X O -ada da palavra boiada (boi + -ada), mas essa mesma análise não parece ser tão fácil quando se estar diante do nome manada. Se bananeira deriva de banana e mangueira de manga, o que dizer de macaxeira? Veja que a resposta não é exatamente *macaxa. Para entendermos melhor a análise mórfi ca, veremos a seguir o método da comutação para a depreensão do morfema. Antes, porém, é importante que saibamos o que é, exatamente, um morfema. SU F I X O Afi xo que se junta ao fi nal das palavras, fl exionando-as em gênero ou em núme- ro (Exemplos: gato – gata, novo – nova; rosa – rosas, amor – amores) ou tempo, modo, número e pessoa (pelo proces- so chamado de sufi - xação ou derivação sufi xal), formando novas palavras da mesma classe grama- tical ou não. INTRODUÇÃO 29C E D E R J O CONCEITO DE MORFEMA Vamos ler, primeiramente, esta passagem da obra A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães: Entre estas últimas distinguia-se uma rapariguinha, a mais faceira e gentil que se pode imaginar nesse gênero. Esbelta e fl exível de corpo, tinha o rostinho mimoso, lábios um tanto grossos, mas bem modelados, voluptuosos, úmidos, e vermelhos como boninas que acabam de desabrochar em manhã de abril. Os olhos negros não eram muito grandes, mas tinham uma viveza e travessura encantadoras. Os cabelos negros e anelados podiam estar bem na cabeça da mais branca fi dalga de além-mar. Ela porém os trazia curtos e mui bem frisados à maneira dos homens. Isto longe de tirar-lhe a graça, dava à sua fi sionomia zombeteira e espevitada um chispe original e encantador. Se não fossem os brinquinhos de ouro, que lhe tremiam nas pequenas e bem molduradas orelhas, e os túrgidos e ofegantes seios que como dois trêfegos cabritinhos lhe pulavam por baixo de transparente camisa, tomá-la-íeis por um rapazote maroto e petulante. Veremos em breve de que ralé era esta criança, que tinha o bonito nome de Rosa. Fonte: GUIMARÃES, B. A escrava Isaura. Disponível em: http://www.portal- saofrancisco.com.br/alfa/bernardo-guimares/escrava-isaura-3.php. Acesso em: 30 dez. 2012. O parágrafo transcrito é composto por oito frases. Cada uma possui um conteúdo e, todas juntas, compõem o sentido total do frag- mento destacado. Considere, agora, apenas a última frase do parágrafo: “Veremos em breve de que ralé era esta criança, que tinha o bonito nome de Rosa”. Essa frase pode também ser dividida em unidades menores – as palavras. Veja que cada uma tem seu papel na signifi cação total do período. As palavras também podem ser fragmentadas em unidades meno- res. Observe a divisão da forma verbal veremos: ve- + -re- + -mos (veremos) Há nesse verbo três unidades menores, cujos sons e signifi cados determinam o verbo ver fl exionado na primeira pessoa do plural do futuro do presente do indicativo. O sentido lexical do verbo encontra-se na unida- A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J30 de ve-, a noção gramatical de futuro do presente do indicativo encontra-se na unidade -re-, e a ideia gramatical de primeira pessoa do plural está na unidade -mos. A cada uma dessas unidades chamamos morfemas. Há que se ressaltar que, na forma verbal veremos, os morfemas coincidem com as sílabas, mas nem sempre isso ocorre. Por exemplo, a palavra bonito é formada por dois morfemas (bonit- + -o), mas possui três sílabas (bo-ni-to). Não se deve, então, confundir morfema com sílaba. A partir de uma defi nição clássica, morfema é a forma linguística mínima com signifi cado que não apresenta semelhanças fonético-semân- ticas com qualquer outra forma (BLOOMFIELD, 1933, p. 161). Nesse sentido, a palavra fumar, por exemplo, é formada pela concatenação dos seguintes elementos mínimos: o radical fum-, a vogal temática a e o sufi xo -r. Cada um desses elementos são morfemas que contribuem com o seu signifi cado para a palavra na sua totalidade. As palavras têm tipicamente uma estrutura interna e, em particular, são constituídas por unidades menores chamadas morfemas. Por exemplo, a forma verbal tomando comporta dois morfemas: o radical verbal tom- e a terminação gramatical -ando. Analogicamente, o substantivo catavento comporta os morfemas cata e vento, e o advérbio felizmente, os morfemas feliz- e -mente (TRASK, 2004, p. 199-200). Os morfemas podem ser distinguidos quanto à sua forma e quanto à natureza de sua signifi cação. Quanto à forma, podemos classifi cá-los como morfemas livres ou como morfemas presos. Essa distinção está relacionada à defi nição de palavra do linguista Bloomfi eld (op. cit.). Segundo esse autor, são formas livres aquelas que constituem um enunciado, isto é, aquelas que, sozinhas, são vocábulos existentes na língua. Assim, a forma vento, por exemplo, é uma forma livre no português, pois constitui por si só uma palavra na língua. Já as formas presas são aquelas que não são sufi cientes para constituírem um enunciado, ou seja, elas precisam estar associadas a outra forma para integrar, assim, uma palavra existente na língua. No vocábulo ventos, por exemplo, o morfema -s é um segmento que, isolado, não tem autonomia como palavra, mas associado à forma livre vento, passa a marcar a noção de plural. 31C E D E R J Quanto à natureza da signifi cação, o morfema pode ser classifi cado como lexical ou gramatical. É lexical o morfema que têm signifi cação externa, porque faz referência ao universo biopsiquicossocial, designando entidades, ações, processos, estados e qualidades. O morfema vento, por exemplo, apresenta um signifi cado que se relaciona ao mundo extralin- guístico, isto é, refere-se ao ar mecanicamente agitado em uma realidade objetiva. O morfema gramatical, por sua vez, é aquele que apresenta signifi cação interna, pois deriva das relações e categorias existentes na língua. Assim, a marcação de plural, por exemplo, é um valor gramatical, por isso o morfema -s de ventos é um morfema gramatical. Atende ao Objetivo 1 1. Observe o quadro a seguir. A partir dos exemplos apresentados, tente completar as lacunas com formas utilizadas na nossa língua, utilizando os mesmos afi xos destacados em negrito. Você perceberá que haverá mudan- ças em várias palavras, sendo algumas apenas no nível ortográfi co, isto é, mudanças que ocorrem apenas como adaptação às regras ortográfi cas da língua portuguesa. Algumas lacunas não poderão ser preenchidas, tendo em vista que as formas simplesmente não são utilizadas na nossa língua. ADJETIVO ADVÉRBIO SUBSTANTIVO ADJETIVO MORAL MORAL + MENTE MORAL + IDADE I + MORAL FELIZ FELIZ+ MENTE SIMPLES SAGAZ TENAZ REAL LEAL FÁCIL LEGAL POSSÍVEL PROVÁVEL COERENTE SUAVE REGULAR Apresente suas conclusões. ATIVIDADE A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J32 RESPOSTA COMENTADA 1. Em felicidade, simplicidade, sagacidade e tenacidade, ocorre substituição de “z” ou “s” pela consoante “c”, um caso de aco- modação ortográfi ca. O acréscimo do prefi xo i- não é possível nas palavras simples, sagaz, tenaz, leal, fácil e suave. O prefi xo i- sofre alteração em infeliz, incoerente, impossível, improvável, irreal e irregular, sendo os quatro primeiros casos decorrentes do processo de nasalização e os dois últimos por razões de acomodação ortográfi ca. O acréscimo do sufi xo -idade à palavra simples provoca a subs- tituição da terminação -es por -ic, daí simplicidade. O acréscimo do sufi xo -idade às palavras possível e provável provoca, em ambas, alteração na sílaba fi nal de vel para bil, e, apenas na segunda, a alteração na segunda sílaba de va para ba. O sufi xo -idade não se ajusta à forma coerente. O MÉTODO DA COMUTAÇÃO PARA DEPREENSÃO DOS MORFEMAS Para realizar a análise dos elementos constituintes da palavra, faz- -se necessário comprovar se determinado segmento fônico é uma forma mínima, isto é, se esse segmento possui signifi cado e se não pode mais ser dividido morfologicamente (MENEZES, 2008, p. 19). Para se depreender os morfemas de uma palavra, realiza-se o que se chama análise mórfi ca. De acordo com Mattoso Câmara Jr. (1970, p. 72), “o método dessa análise consiste na técnica da ‘comutação’. Por esse nome se entende a substituição de uma I N VA R I A N T E por outra, de que resulta um novo vocábulo formal”. A técnica será explicada logo adiante. Trata-se, portanto, de uma operação contrastiva por meio de permuta de elementos, ou seja, divide-se a palavra em subconjuntos e IN VA R I A N T E “... diz-se de ou qual- quer elemento que permanece constante (ou que se considera como tal) quando se põem em relação duas séries de fatos diferentes, por opo- sição às variáveis estudadas em seus diferentes valores; constante”. Fonte: http://houaiss. uol.com.br/ 33C E D E R J trocam-se esses subconjuntos de forma que a palavra resultante dessa troca tenha um signifi cado diferente da palavra original. Tomemos como exemplo a forma verbal olharemos: olha- + -re- + -mos Veja que a forma foi segmentada em partes menores. Se o seg- mento -mos, por exemplo, for substituído pelo segmento -i, o resultado será o verbo olharei: olha- + -re- + -mos (olharemos) olha- + -re- + -i (olharei) → -mos -i Enquanto olharemos indica a primeira pessoa do plural do futuro do presente do indicativo do verbo olhar, olharei indica a primeira pessoa do singular do mesmo verbo, no mesmo tempo e modo. Observa-se, então, que os segmentos -mos e -i, ao serem permutados em olharemos/ olharei, determinam classifi cações distintas para as palavras. Os segmen- tos -mos e -i são, portanto, morfemas. O mesmo pode ser verifi cado quando se permutam outros seg- mentos do verbo olharemos: olha- + -re- + -mos (olharemos) olha- + -ria- + -mos (olharíamos) → -re- -ria- olha- + -re- + -mos (olharemos) estuda- + -re- + -mos (estudaremos) olh- estud- Conforme pode ser visto na esquematização anterior, o morfema -re- marca o futuro do presente do indicativo, já o morfema -ria- marca o futuro do pretérito do indicativo, e os morfemas olha- e estuda- deter- minam os valores lexicais distintos de cada verbo. A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J34 Veja, agora, outra comutação: novíssimo + Ø (novíssimo) novíssimo + s (novíssimos) → Ø -s novíssimo + Ø (novíssimo) novíssimo + a (novíssima) → Ø -a nov- + íssimo (novíssimo) nov- + -inho (novinho) → -íssimo -inho nov- + íssimo (novíssimo) nov- + -idade (novidade) → -íssimo -idade nov- + íssimo (novíssimo) bel- + -íssimo (belíssimo) → nov- bel- As primeiras comutações feitas no esquema anterior são do mor- fema zero – Ø – pelo morfema que marca o plural do vocábulo, o -s (novíssimos) e, em seguida, pelo morfema que marca o feminino, o -a (novíssima). Observa-se, ainda, que são morfemas as seguintes unidades mínimas: -íssimo, -inho, -idade, nov- e bel-. No que concerne à morfologia, os morfemas da língua portuguesa podem ser: a) aditivos, que são segmentos que se ligam a um radical (repor, transatlântico, fl ores, infelizmente etc.); b) subtrativos, que são aqueles que resultam da supressão de um fonema do radical para exprimir alguma diferença de sentido (anão/anã, órfão/ órfã etc.); c) alternativos, que se caracterizam por apresentar, em seu interior, fonemas alternantes (ovo/ovos, este/esta, avô/avó etc.); d) zero, quando se dá a ausência de qualquer morfema aditivo, criando-se uma oposição entre uma forma linguística só com o semantema (morfema lexical) e outra em que esse semantema é acompanhado de morfema aditivo (singular: menino + Ø / plural: menino + s; cantava + Ø / cantava + s / cantava + m; etc.) . Os linguistas reconhecem ainda outros dois tipos de morfemas, o redupli- cativo e o de posição. O primeiro não é encontrado na língua portuguesa e o segundo é da área de estudo da Sintaxe. 35C E D E R J Atende ao Objetivo 2 2. Observe o segundo elemento dos pares de palavras da coluna da direita e numere-o de acordo com o tipo de morfema apresentado na coluna da esquerda. I. Morfema aditivo ( ) dependente / independente II. Morfema subtrativo ( ) forno / fornos III. Morfema alternativo ( ) sonhos / sonho IV. Morfema zero ( ) cidadão / cidadã ( ) órfã / órfãs ( ) repórteres / repórter ( ) torto / torta ( ) leal / desleal RESPOSTA COMENTADA 2. A sequência correta de números I, III, IV, II, I, IV, III e I, pelos seguintes motivos: a) independente recebe o prefi xo de negação in-; b) o par forno/fornos apresenta alternância vocálica; c) sonho está no número singular, cujo morfema é Ø; d) cidadã sofre a redução de um fonema; e) órfãs recebe o sufi xo ou morfema de número -s; f) repórter está no número singular, cujo morfema é Ø; g) o par torto/torta apresenta alternância vocálica; h) desleal recebe o prefi xo de negação des-. ATIVIDADE A RELAÇÃO E A DIFERENÇA ENTRE MORFEMA E MORFE Conforme vimos, o morfema é uma unidade abstrata de sentido que, na prática, pode ser representada por uma ou mais de uma forma. Em olharemos, por exemplo, o morfema olh- é uma unidade mínima abstrata que carrega o sentido lexical do verbo e apresenta-se apenas de uma maneira, isto é, em todas as conjugações de tempo e modo, pessoa e número, o verbo olhar terá sempre o morfema olh- como radical. Já em relação ao verbo dizer, por exemplo, há as seguintes formas: dizer, disse, digo e direi. O morfema que carrega o valor lexical do verbo apresenta-se ora como diz-, ora como diss-, ora como dig-, ora como di-. Trata-se de formas variantes de um mesmo morfema, já que elas constituem unidades mínimas e carregam todas elas o mesmo sentido lexical do verbo dizer. A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J36 O morfema é, portanto, uma unidade abstrata, a realização con- creta de um morfema é chamada morfe. Entenda melhor em exemplos: O morfema diz-, do verbo dizer, é uma unidade abstrata: não signifi ca que todo o paradigma do verbo dizer tenha exatamente esse morfema. A realização concreta do morfema diz- do verbo dizer com- preende as formas diz-, diss-, dig- e di-. Em novíssimos,o segmento -s marca o plural do vocábulo, mas nem todo plural no português é marcado a partir desse segmento. O plural de cruz, por exemplo, é cruzes, ou seja, nesse caso, o segmento -es é o que marca o plural da palavra. Conclui-se, daí, que a marcação de plural em nossa língua manifesta-se, pelo menos, por meio de dois morfes, o -s e o -es. Assim, pode-se falar em morfema marcador de plural (noção abstrata) que se realiza de maneira concreta no português através dos morfes -s ou -es. Atende ao Objetivo 3 3. Para demonstrar que fi cou clara a relação entre morfe e morfema, faça as atividades a seguir. a) Como você deve saber, as palavras peruano, francês, israelense, hondu- renho, chinês, português, seichelense, mexicano, canadense, panamenho, salvadorenho e colombiano, dentre muitas outras, são chamadas de adje- tivos pátrios ou gentílicos, isto é, são palavras que indicam a origem das pessoas (país, região etc.). Separe-as em grupos, considerando os morfes que formam esse tipo de palavra. Por exemplo, em italiano, temos italia + -ano, em que italia- é o morfe (radical) que remete à região de origem pro- priamente dita, e -ano, que um tipo de morfe (sufi xo) que forma gentílicos. b) No que se refere à relação entre morfe e morfema, o que você pode concluir a partir do resultado do item anterior? ATIVIDADE 37C E D E R J RESPOSTA COMENTADA 3. a) Há quatro grupos com morfes diferentes. São eles: peruano: peru- + -ano francês: franc- + -ês mexicano: mexic- + -ano chinês: chin- + -ês colombiano: colombi- + -ano português: portugu- + -ês israelense: israel- + -ense hondurenho: hondur- + -enho seichelense: seichel- + -ense panamenho: panam- + -enho canadense: canad- + -ense salvadorenho: salvador- + -enho b) Os morfes que representam o morfema formador de gentílicos, no grupo de adjetivos apresentados, são quatro: -ano, -ês, -ense e -enho. CONCLUSÃO Os morfemas são as unidades abstratas mínimas formadoras das palavras de uma língua e são representados pelos morfes. O estudo des- sas unidades decorre da importância de o professor ou de o estudante de uma língua compreender o processo de formação das palavras em uso, da criação de novas palavras pelas mais diversas razões e ainda da possibilidade de criação de outras palavras. A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J38 ATIVIDADE FINAL Atende aos Objetivos 1 e 2 1. No texto adiante, você encontrará três palavras que contêm o mesmo morfema lexical, ou seja, um morfema que remete a uma mesma ideia: duas delas são substantivos e a outra é uma forma verbal. Destaque-as e separe-as em morfemas. O Verde Estranha é a c abeça das pessoas. Uma vez, em São Paulo, morei numa rua que era dominada por uma árvore incrível. Na época da fl oração, ela enchia a calçada de cores. Para usar um lugar- comum, fi cava sobre o passeio um verdadeiro tapete de fl ores; esquecíamos o cinza que nos envolvia e vinha do asfalto, do concreto, do cimento, os elementos característicos da cidade. Percebi certo dia que a árvore começava a morrer. Secava lentamente, até que amanheceu imóvel, sem uma folha. É um ciclo, ela renascerá, comentávamos no bar ou na padaria. Não voltou. Pedi ao Instituto Botânico que analisasse a árvore, e o técnico concluiu: fora envenenada. Surpresos, nós, os moradores da rua, que tínhamos na árvore um verdadeiro símbolo, começamos a nos lembrar de uma vizinha de meia- idade que todas as manhãs estava ao pé da árvore com um regador. Cheios de suspeitas, fomos até ela, indagamos, e ela respondeu com calma, os olhos brilhando, inquietos e agressivos: – Matei mesmo essa árvore infeliz. – Por quê? – Porque quando fl orescia ela sujava minha calçada, eu vivia varrendo essas fl ores desgraçadas. Fonte: BRANDÃO, Inácio de Loyola. Manifesto verde. São Paulo: Círculo do Livro, 1985. p. 16-17. Disponível em: http://lerinterpretar.blogspot.com.br/2006/08/o-verde.html. Acesso em: 10 jan. 2013. 39C E D E R J 2. Ainda no mesmo texto, no fi nal da primeira frase, encontra- se a palavra incrível. Essa palavra é formada pelo acréscimo do morfema in- (prefi xo que indica negação) à palavra CRÍVEL. Dependendo da palavra a que esse morfema se junta, ele pode assumir a forma im- ou i-. Assim, encontre e destaque do texto outras palavras que sejam iniciadas por uma das formas desse morfema, apresentando seus respectivos signifi cados. 3. Leia o texto e execute as atividades em seguida. Caso pluvioso A chuva me irritava. Até que um dia descobri que maria é que chovia. A chuva era maria. E cada pingo de maria ensopava o meu domingo. E meus ossos molhando, me deixava como terra que a chuva lavra e lava. Eu era todo barro, sem verdura... maria, chuvosíssima criatura! Ela chovia em mim, em cada gesto, pensamento, desejo, sono, e o resto. Era chuvinha fi na e chuvarada grossa, matinal e noturna, ativa... Nossa! Não me chovas, maria, mais que o justo chuvisco de um momento, apenas susto (...) Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Caso pluvioso. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980 (fragmento adaptado). a) Explore os casos de palavras que se formam a partir do chuv- presentes no texto, explicando sua formação. CR Í V E L Em que se pode crer, verossímil, provável; o oposto de incrível. A U LA 2 Português IV | O conceito de morfema e o modo pelo qual se pode depreendê-lo C E D E R J40 b) Tendo em vista o radical chuv- (morfema que remete à ideia de chuva), que outras palavras formadas por ele você conhece? RESPOSTAS COMENTADAS 1. Os dois substantivos: fl oração (fl or- + -ação) e fl ores (fl or- + -es); a forma verbal é fl orescia (fl or- + -escia). Todos têm o mesmo morfema lexical (fl or-). 2. “imóvel” (que não se move), “inquietos” (que não fi cam quietos) e “infeliz” (que não é feliz) 3. a) chuva: formada pelo radical chuv- + -a chuvosíssima: formada pelo radical chuv- + -osíssima chuvinha: formada pelo radical chuv- + -inha chuvarada formada pelo radical chuv- + -ada chuvisco formada pelo radical chuv- + -isco b) chuveiro, chuvão, chuvada, chuvaceira R E S U M O Morfemas são as unidades mínimas de signifi cação, sendo elementos constituin- tes dos vocábulos. Esses elementos compõem a estrutura lexical e gramatical dos vocábulos, podendo, portanto, ser classifi cados em morfemas lexicais e morfemas gramaticais. É possível depreenderem-se os morfemas de uma palavra por meio da realização de uma análise mórfi ca chamada de comutação, que consiste na substituição de uma invariante por outra. Dessa substituição, resulta um novo vocábulo formal. Morfemas são unidades abstratas que são representadas por uma ou mais unidades concretas chamadas morfes. ob jet ivo s Meta da aula Apresentar os conceitos de alomorfi a, de neutralização e de cumulação. Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de: 1. reconhecer o conceito de alomorfi a; 2. reconhecer o conceito de neutralização; 3. reconhecer o conceito de cumulação. Alguns princípios da análise mórfi ca Ronaldo Amorim Lima Beatriz dos Santos Feres 3AULA Português IV | Alguns princípios da análise mórfi ca C E D E R J42 As línguas são sistemas e, por isso, apresentam sempre uma organização por meio da qual é possível entendermos e explicarmos seu funcionamento. Em outras palavras, Monteiro (2002) afi rma que, sendo um sistema, a língua se constitui de partes interdependentes, isto é, um elemento necessita da existência dos outros e vice-versa. Em continuidade, o pesquisador declara que “o perfeito funcionamento de um sistemase caracteriza pela organização, mantida por leis próprias. As partes devem estar intimamente relacionadas, de tal modo que o todo seja harmônico”. Leis e regras linguísticas É relevante atentar que as leis e regras da língua às quais nos referimos ao longo das aulas são aquelas observadas por todo e qualquer falante desde o primeiro contato estabelecido com sua língua materna. Aprendemos, por exemplo, a noção de plural, obtida com o emprego do segmento -s, ou de passado, representado pelas terminações verbais -va, ou -ra, sem que seja preciso ir à escola, ou estudar em livros didáticos. O falante absorve as regras de funcionamento da língua no contato diário com outros falantes, desde sua infância, naturalmente. Há, entretanto, uma prescrição gramatical, aprendida na escola (sobre- tudo), que impõe “regras do uso correto da língua”, segundo padrões específi cos. Em geral, o “uso correto da língua” é visto como um dado que confere prestígio ao falante. Não empregar a “norma linguística de prestígio” em situações formais de comunicação, ou na escrita, por exem- plo, é visto pela sociedade como algo reprovável. Por isso, confunde-se “regra linguística” – natural, própria do funcionamento de uma dada língua para fi ns comunicativos – com “prescrição linguística”, exigível em algumas circunstâncias mais formais, ou mais “monitoradas”. Para compreendermos o que é um sistema, Monteiro (2002) faz uso do exem- plo de um motor, que se constitui de várias peças, sendo todas interdepen- dentes. O mau funcionamento ou a retirada de uma dessas peças provocará o mau funcionamento ou mesmo a parada de todo o sistema. Entretanto, para que se estude e se aprenda a fazer e/ou consertar um motor, é necessário que se desmonte o motor, separando todas as suas peças. É algo semelhante a isso o que se faz numa análise mórfi ca. No módulo anterior, abordamos as noções de morfe e de morfema, as quais, conforme observamos, encontram-se baseadas em um princípio linguístico INTRODUÇÃO C E D E R J 43 Vejamos esses princípios. ALOMORFIA Figura 3.1 Exemplos de alomorfes. Conforme vimos na aula anterior, morfe é a realização concreta de um morfema. Em novíssimos, por exemplo, o segmento -s marca o plural do vocábulo, mas nem todo plural no português é marcado a partir desse segmento. O plural de cruz, por exemplo, é cruzes, ou seja, nesse caso, o segmento -es é o que marca o plural da palavra. Observa-se que a marcação de plural em nossa língua manifesta-se, pelo menos, por meio de dois morfes, o -s e o -es. Assim, pode-se falar em morfema marcador de plural (noção abstrata) que se realiza de maneira concreta no português através dos morfes -s ou -es. E, pelo fato desses dois morfes remeterem ao mesmo morfema, eles são chamados A L O M O R F E S . Representação dos morfes Os morfes são depreendidos a partir da realização oral dos signos lin- guísticos. Desse modo, quando dizemos que o morfe -s indica plural, na verdade, estamos nos referindo à sua pronúncia, representada, fonolo- gicamente, por /S/. Aqui, por razões didáticas, optamos pela referência ao morfe a partir de sua representação gráfi ca, ou seja, pela(s) letra(s) correspondente(s) ao morfe. AL O M O R F E S Signifi cam “outra forma”. Na Morfo- logia, dá-se o nome de alomorfes às dife- rentes formas que um mesmo morfema pode adquirir, tendo em vista o dinamis- mo da língua. Ao processo de variação de forma, dá-se o nome de alomorfi a. geral, que aponta a relação entre signifi cante e signifi cado. Desse princípio geral, derivam outros princípios (MENEZES, op. cit.), tais como aqueles da alomorfi a, da neutralização e da cumulação. A U LA 3 Português IV | Alguns princípios da análise mórfi ca C E D E R J44 Devemos lembrar que estamos analisando a morfologia da língua por- tuguesa sob o ponto de vista sincrônico. Você poderá encontrar outra explicação para as formas de plural com terminação em -es na obra História e estrutura da língua portuguesa, de Mattoso Câmara Jr., sob o ponto de vista diacrônico, ou seja, considerando-se a evolução da língua ao longo do tempo. Quando há mais de um morfe para o mesmo morfema, ocorre a alomorfi a. Alomorfes são, nesse sentido, as diversas realizações de um único morfema. Os segmentos -s, -es e -is são morfes do morfema de plural no português, portanto, dizemos que eles são alomorfes. Exemplos: casa – casas mar – mares anel – anéis A vogal temática dos verbos da primeira conjugação (-a) é encontrada na maior parte das fl exões do modo indicativo. No pretérito perfeito, ela se apresenta assim, na segunda pessoa do singular (ama- vas) e nas três pessoas do plural, (amávamos, amáveis, amavam). Na primeira e na terceira pessoa do singular, ela se materializa por meio de outros morfes, -e e -o (amei, amou), respectivamente, confi gurando-se estes como alomorfes. E ainda, ao analisarmos as formas ilógico/ilegal e infeliz/incapaz, verifi caremos que elas têm em comum um morfema, na posição de PREF IXO que indica negação, representado pelos morfes i- e in-. O verbo dizer, conforme vimos na aula anterior, apresenta um morfema lexical que se realiza concretamente nos alomorfes diz- (dizer), diss- (disse), di- (direi) e dig- (digo). Se considerarmos as formas verbais de terceira pessoa do plural do verbo dizer, por exemplo, veremos que predominam as formas que terminam em -m, como em dizem, diriam, dissessem, digam, etc. Mas, no futuro do presente do indicativo, há a forma dirão. Observa-se, assim, que a noção de terceira pessoa do plural do verbo dizer, e também da maioria dos verbos em português, realiza-se concretamente por meio dos alomorfes -m (átono) e -ão (tônico). PR E F I X O Afi xo que se junta ao início das palavras, dando-lhes nova sig- nifi cação (Exemplo: armar – desarmar) em um processo de formação conhecido como prefi xação ou derivação prefi xal. C E D E R J 45 Esse conceito de alomorfi a resolve grande parte dos problemas encontrados na segmentação de palavras em unidades mínimas sig- nifi cativas. Se considerarmos alguns cognatos da palavra vinho, por exemplo, teremos: GRUPO 1 GRUPO 2 Vinhateiro Vinícola Vinhaço Vinífero Vinháceo Vinicultor Vinhataria Vinagre Poderíamos falar, em um primeiro momento, de um problema relacionado à diferença dos radicais nas palavras cognatas: mesmo sendo todos os vocábulos, dos grupos 1 e 2, cognatos de vinho, os do grupo 1 apresentam como radical o morfema vinh-, enquanto os vocábulos do grupo 2 apresentam como radical o morfema vin-. No entanto, considerando o conceito de alomorfi a, pode-se dizer que vinh- e vin- são variações mórfi cas de um mesmo morfema, ou seja, são alomorfes. Não se trata, portanto, de morfemas distintos, mas sim de formas alternativas que apresentam o mesmo signifi cado. Essas formas alternativas são alomorfes. A alomorfi a, conforme aponta Ribeiro (2013), pode ser de natureza: a) mórfi ca, privativa da primeira articulação da linguagem, con- forme ocorre nos pares noite/noturno, fazer/feito, saber/soube, trazer/ trouxe, etc.; b) fonológica, como acontece com a vogal temática do pretérito perfeito do indicativo dos verbos regulares da primeira conjugação: andamos/andei/andou; c) gramatical, como no caso das formas de particípio dos ver- bos abundantes, para as quais a regra gramatical determina que sejam regulares, quando acompanhadas dos verbos auxiliares ter ou haver (Ele tem expressado suas ideias com muita convicção), e irregulares, quando acompanhadas dos auxiliares ser ou estar (Assim foram expressos todos os seus pensamentos). A U LA 3 Português IV | Alguns princípiosda análise mórfi ca C E D E R J46 Atende ao Objetivo 1 1. Leia o fragmento da letra a seguir: Tempestade e solidão Quase não dormia Quando te esperava E se amanhecia Eu fi cava na sacada Descerá um raio Haverá trovão Uma tempestade e a solidão... Fonte: PONCIANO, Rui. Tempestade e solidão. Disponível em: http://kdletras.com/ rui-ponciano/tempestade-e-solid%C3%A3o. Acesso em: 20 abr. 2013. No texto em referência, as formas verbais esperava e dormia se apresen- tam na primeira pessoa do singular, no pretérito imperfeito do indicativo. Experimente conjugar outros verbos de primeira e de terceira conjugações no mesmo tempo e pessoa. Você pode utilizar, por exemplo, os verbos de primeira conjugação comprar, estudar e falar, e os de terceira medir, sentir e subir. Em seguida, comente o que se deduz em termos de alomorfi a. RESPOSTA COMENTADA 1. Os verbos de primeira conjugação, na primeira pessoa do singular, no pretérito imperfeito do indicativo são: comprava, estudava e falava; os de terceira são: media, sentia e subia. Os verbos de primeira conjugação apresentam o morfe fi nal -va, enquanto os verbos de terceira apresentam na mesma posição o morfe -ia. Isso signifi ca que -va e -ia são alomorfes. ATIVIDADE Consulte uma gramática para relembrar o que são verbos abundantes e verbos auxiliares. C E D E R J 47 NEUTRALIZAÇÃO A neutralização morfológica é o processo que anula a diferença entre dois morfemas pelo aparecimento de um morfema único. Vejamos o que ocorre com o morfema destacado na forma verbal relataram. Observe a conjugação do pretérito perfeito e do pretérito mais que perfeito do verbo relatar e, mais precisamente, a terceira pessoa do plural: PRETÉRITO PERFEITO PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO Eu relatei relatara Tu relataste relataras Ele relatou relatara Nós relatamos relatáramos Vós relatastes relatáreis Eles relataram relataram Não é difícil constatar que ambas as formas de terceira pessoa do plural (eles) são idênticas externamente. Vejamos, agora, o uso dessas duas formas em oposição às formas de terceira pessoa do singular (ele). (1) Os suspeitos já relataram todos os detalhes do crime antes da nossa chegada. (2) O suspeito já relatara todos os detalhes do crime antes da nossa chegada. (3) Os suspeitos relataram todos os detalhes do crime ontem. (4) O suspeito relatou todos os detalhes do crime ontem. A neutralização do morfema de tempo e modo -ra ocorre, nesse caso, quando não se percebe a distinção entre relataram (terceira pessoa do plural do pretérito perfeito) e relataram (terceira pessoa do plural do pretérito mais que perfeito). Essa neutralização da forma relataram é compensada de duas maneiras: pelo contexto de comunicação e pelo paradigma verbal de que faz parte. Em outras palavras, é o contexto de comunicação que evidencia, em determinada frase, se o emprego de relataram está em terceira pessoa do plural do pretérito perfeito ou do mais que perfeito do indicativo, desfazendo-se a neutralização. Além disso, a forma relataram não ocorre isolada, mas sim atrelada a todo um paradigma verbal que apresenta outras formas que mostram a distinção anulada pela neutralização. A U LA 3 Português IV | Alguns princípios da análise mórfi ca C E D E R J48 Assim, se a oposição entre a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito e a terceira pessoa do plural do pretérito mais que perfeito se anulam em relataram, a oposição retorna se consideramos as formas falou e falara. Para deixar mais claro, Menezes (op. cit.) destaca a oposição existente entre a primeira e a terceira pessoas do singular na fl exão dos verbos no presente do indicativo (eu falo/ele fala), no pretérito perfeito (eu falei/ele falou) e no futuro do presente (eu falarei/ele falará). Essa oposição deixa de ser morfologicamente marcada no pretérito imperfeito (eu falava/ele falava), no pretérito mais que perfeito (eu falara/ele falara), no futuro do pretérito (eu falaria/ele falaria), nos tempos do subjuntivo: presente (eu fale/ele fale), imperfeito (eu falasse/ele falasse) e futuro (eu falar/ele falar). A Moderna gramática portuguesa, escrita pelo prof. Evanildo Bechara, apresenta, para esses casos aqui expostos, outra nomenclatura e outro conceito. Neste momento de nossos estudos, optamos por não entrar nessa discussão. Mas, caso você se interesse, leia, nas páginas 344-346 daquela obra, o tópico sobre neutralização e sincretismo. Essa oposição só será, portanto, depreendida tendo em vista o contexto sintático ou discursivo em que se apresentar. C E D E R J 49 Atende ao Objetivo 2 2. Observe as duas frases a seguir: • Maria e eu conversamos com as crianças todos os dias. • Maria e eu conversamos com as crianças ontem. Tendo em vista os princípios de análise mórfi ca, o que você sabe dizer a respeito das duas formas verbais apresentadas. RESPOSTA COMENTADA 2. As formas verbais são morfologicamente idênticas e encontram-se na primeira pessoa do plural. Entretanto, a primeira está no presen- te do indicativo e a outra, no pretérito perfeito do mesmo modo. Assim, pode-se dizer que entre as duas formas ocorre o fenômeno da neutralização. ATIVIDADE CUMULAÇÃO Figura 3.2: Exemplo de acúmulo de funções. A U LA 3 Português IV | Alguns princípios da análise mórfi ca C E D E R J50 A ilustração é apenas para fazer um paralelo entre o acúmulo de funções que a mulher tradicionalmente tem em nossa sociedade e o acúmulo de signifi cações que alguns morfes detêm. Em uma análise mórfi ca, espera-se que cada forma apresente um único signifi cado e vice-versa. No entanto, não é isso o que sempre se verifi ca. Em alguns casos, o morfema pode assumir uma signifi cação mais ampla ou cumulativa. Se considerarmos as formas verbais estudaremos, estudaríamos e estudássemos, por exemplo, podemos perceber que se trata de formas fl exionadas na primeira pessoa do plural, já que podemos identifi car em todas o morfe -mos marcando essa noção gramatical: estud- + -a- + -re- + -mos estud- + -a- + -ria- + -mos estud- + -a- + sse- + -mos Temos, dessa forma, um morfe cumulativo, já que um único segmento (-mos) marca duas noções, a de pessoa (primeira pessoa) e a de número (plural). Este morfe é chamado, por esse motivo, desinência número-pessoal. Observemos, agora, as seguintes formas verbais: PRETÉRITO IMPERFEITO (INDICATIVO) PRETÉRITO IMPERFEITO (SUBJUNTIVO) falava falasse falavas falasses falava falasse falávamos falássemos faláveis falásseis falavam falassem Em ambas as colunas, as formas verbais estão no pretérito imper- feito. Mas, na primeira coluna, temos o pretérito imperfeito do modo indicativo, e, na segunda, o pretérito imperfeito do modo subjuntivo. O que marca esta diferença são os morfes sublinhados (-va/-ve e -sse, respectivamente). Temos aqui mais dois exemplos de cumulação, uma vez que -va/- -ve indicam, ao mesmo tempo, o tempo pretérito imperfeito e o modo indicativo; e -sse indica o tempo pretérito imperfeito e o modo subjuntivo. C E D E R J 51 Por esse motivo, esses morfes são chamados desinências modo-temporal. Nestes exemplos, temos a desinência modo-temporal do pretérito imper- feito do indicativo (-va/-ve) e a desinência modo-temporal do pretérito imperfeito do subjuntivo (-sse). No que se refere ao processo de cumulação, não podemos deixar de falar sobre o aspecto verbal, que é encontrado tanto cumulativamente nas desinências modo-temporais quanto nos verbos auxiliares. Nas desinências verbais, o aspecto verbal, conforme defi nição de Mattoso Câmara Jr., é “a propriedade que tem uma forma verbal de designar a duração
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