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APG 5 – O INIMIGO MORA AO LADO Descrever as classes de protozoários. Compreender o ciclo da doença de chagas(fisiopalotologia) Elucidar como é feito o diagnóstico e tratamento da doença de chagas. Compreender estratégias de prevenção da doença de chagas. Elucidar as características da saúde indígena (atual). Classes de protozoários Os protozoários são seres vivos que pertencem ao reino Protista, um dos 5 reinos utilizados para classificar os organismos vivos. Dessa forma, eles, obrigatoriamente, possuem as 8 características essenciais comuns a todos os seres vivos: celularidade, metabolismo, capacidade de reprodução, composição química, evolução, resposta a estímulos, irritabilidade, crescimento e material genético. Além disso, os protozoários são eucariontes, unicelulares e, normalmente, microscópicos. Vale ressaltar que a maioria deles não são organismos autotróficos, uma característica importante que contribui para o parasitismo. Dentro da medicina, a principal classificação utilizada para os protozoários, refere-se à presença e ao tipo das estruturas que eles utilizam para locomoção. Os principais tipos são: Ciliados (CILIOPHORA) Nesse grupo, a principal característica é a locomoção por meio dos cílios, que são estruturas presentes em grande quantidade, porém são mais curtos se comparados aos flagelos. O principal representante desse grupo é o paramécio, um organismo de vida livre. Os ciliados apresentam poucos representantes patogênicos para o humano. O principal deles é a espécie causadora da balantidiose, o Balantidium coli, que parasita o intestino grosso e é transmitido pela ingestão de alimentos e água contaminados com cistos do protozoário. Esporozoários Os esporozoários são protozoários capazes de se reproduzirem por meio de esporos. Esse filo é considerado parasita obrigatório, já que não possui estrutura adaptada para a locomoção. Os principais representantes desse grupo são os plasmódios, relacionados à malária, e o Toxoplasma gondii, esporozoário causador da toxoplasmose. Flagelados (ZOOMASTIGOPHORA) Os protozoários flagelados, ou mastigóforos, são aqueles que utilizam o flagelo para locomoção. Tal estrutura possui forma de chicote e pode estar presente em mais de um, no mesmo protozoário. Esse grupo possui grande relevância médica e algumas de suas espécies são: Giardia lamblia ou Giardia intestinalis, causadores da giardíase; Trichomonas vaginalis, causador da tricomoníase; Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas; Leishmania tropica e Leishmania donovani, protozoários causadores da leishmaniose. Rizópodes Os protozoários classificados como rizópodes ou ameboides pois locomovem-se utilizando os pseudópodes. Esses ‘falsos pés’ são estruturas formadas pelo prolongamento citoplasmático da célula e também apresentam função relevante para o processo de endocitose. As amebas são os organismos clássicos na representação desse grupo e são as agentes causadoras da amebíase. Em relação a reprodução, pode ser: ✓ Assexuada: bipartição ou cissiparidade (divisão binária). NÃO CONFERE VARIABILIDADE GENÉTICA. ✓Sexuada: ocorre por conjugação = ponte citoplasmática. CONFERE VARIABILIDADE GENÉTICA. Doença de chagas Definição A doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, é causada pelo parasita protozoário Trypanosoma cruzi. Os termos doença de Chagas, tripanossomíase americana e infecção por T. cruzi são sinônimos. O Patógeno Várias espécies estão inclusas no gênero Trypanosoma, mas somente o tripanossoma africano Trypanosoma brucei [com as subespécies T.b. gambiense (Oeste Africano) e T.b. rhodesiense (Leste Africano)] e o tripanossoma americano T. cruzi causam doenças em seres humanos. Muitas espécies de insetos triatomíneos, também chamados de barbeiros, agem como vetores para o T. cruzi e muitas espécies de mamíferos domésticos e selvagens, assim como os seres humanos, estão envolvidos no ciclo de vida complexo deste organismo fascinante. Os vetores são infectados ao ingerir o sangue de mamíferos que possuem o parasita em sua corrente sanguínea. Os parasitas então se multiplicam no intestino dos insetos e são finalmente liberados nas fezes do vetor. A transmissão para um novo hospedeiro mamífero ocorre quando as fezes do vetor carregando parasitas entra em contato com as superfícies vulneráveis, como mucosas da boca ou nariz, conjuntiva ou feridas da pele. Uma vez em contato com tecidos do novo hospedeiro, os parasitas entram nas células locais, se multiplicam intracelularmente e conforme as células parasitadas se rompem, os parasitas são liberados no sistema linfático e na corrente sanguínea. Os organismos que circulam introduzem novas células em locais distantes e dessa forma mantêm um processo infinito de multiplicação assíncrona. O ciclo de vida se completa quando os parasitas são levados pelo sangue sugado pelos vetores. Além da transmissão vetorial, o T. cruzi pode ser transmitido pelo sangue ou órgãos doados por pessoas infectadas, da mãe para feto, pela ingestão de alimentos ou bebidas contaminados e em acidentes de laboratório. As principais vias de infecção são as vias vetorial clássica e oral. No caso da vetorial o indivíduo é picado pelo barbeiro onde o mesmo defeca e em suas fezes está a forma infectante (tripomastigota metacíclica) do Trypanosoma cruzi, ao se coçar, cria-se uma solução de continuidade que permite os parasitos invadirem as células da região da picada. Em caso de transmissão oral, que é menos frequente, ao ingerir alimentos contaminados, o Trypanosoma cruzi infecta células da boca e do estômago. Existem outros meios de transmissão, não comuns, como a sexual, a congênita e mesmo por transfusão sanguínea. - FORMAS DE TRANSMISSÃO Via vetorial: pelas fezes do barbeiro e podem infectar pela picada, coceira ou até mesmo pela boca. A infecção acontece pela penetração de tripomastigotas que estão nas fezes do barbeiro. Via transfucional: doadores infectados para doadores sadios. Via congênita: passagem do parasita da mãe para o feto que pode ocorrer durante o parto ou na gestação. (transmissão vertical) Via oral: ingestão de alimentos contaminados, em alimentos variados como açaí, bacaba, suco de cana e outros. O ciclo Esse ciclo se inicia com o Trypanosoma cruzi no barbeiro, triatomíneo. O barbeiro, hematófago, alimenta-se de sangue humano ou animal, contendo as formas infectantes tripomastigotas sanguíneas, no estômago do barbeiro as formas tripomastigotas se diferenciam em epimastigotas e se multiplicam por divisão binária, quando na porção final do intestino do inseto, essas formas epimastigotas se diferenciam em formas infectantes tripomastigotas metacíclicas que serão liberadas juntamente com as fezes na próxima alimentação. Esse ciclo continua no homem ou outro animal mamífero, no qual os triatomíneos infectados se alimentam e liberam em suas fezes formas tripomastigotas metacíclicas. Ao se coçar, o indivíduo leva o parasita presente nas fezes do barbeiro até o local da picada, por onde o parasita pode penetrar, invadindo células. No interior das células, a forma tripomastigota, flagelada, perde o seu flagelo e se multiplica sob a forma amastigota. Após multiplicar-se, a forma amastigota se diferencia em tripomastigota, novamente flagelada, rompe a célula infectada e vai para a circulação sanguínea, até infectar outra célula. Alimentos contaminados (carne mal passada de animais silvestres, suco de frutos) com fezes de barbeiro infectadas com o Trypanosoma cruzi também podem iniciar uma infecção no homem, pois os parasitos são capazes de infectar células da boca e do estômago, se transformam em amastigotas e posteriormente vão para corrente sanguínea como formas tripomastigotasinfectantes. O período de incubação é diferente dependendo das formas de transmissão. No caso da transmissão vetorial clássica varia de 4 a 15 dias, transmissão oral de 3 a 21 dias, transmissão congênita, qualquer período da gestação ou durante o parto, transmissão por transfusão ou transplante de 30 a 40 dias ou mais, transmissão por acidente em laboratório aproximadamente 20 dias. FORMAS DO PARASITO Epimastigotas (estágios capazes de dividir-se, mas não de infectar células). Localização: diferentes porções do tubo digestório do vetor. Tripomastigotas metacíclicos (estágios infectantes, mas sem capacidade de dividir-se). Localização: diferentes porções do tubo digestório do vetor, porém em maior parte no intestino posterior. Amastigotas (estágios capazes de dividir-se, mas pouco infectantes para células). Localização: hospedeiro mamífero no interior de células nucleadas. Tripomastigotas (que não se reproduzem, mas são muito infectantes). Localização: hospedeiro mamífero na corrente sanguínea. Fisiopatologia Na doença de Chagas aguda, pode aparecer uma lesão inflamatória (chagoma) no local de entrada dos parasitas. As alterações histológicas locais incluem parasitismo intracelular de músculos e outros tecidos subcutâneos, infiltração linfocitária, edema intersticial e hiperplasia dos gânglios linfáticos que drenam a área. Os parasitas se espalham sistemicamente através dos vasos linfáticos e da corrente sanguínea, podendo invadir qualquer tecido, mas os músculos, incluindo o miocárdio, são os tecidos mais fortemente parasitados. A miocardite pode desenvolver-se em associação com áreas focais de cardiomiócitos infectados, inflamação e necrose. Os pseudocistos característicos observados em cortes de tecidos infectados por T. cruzi são na verdade células hospedeiras cheias de formas multiplicadoras do parasita. Em alguns pacientes, os parasitas podem ser vistos no líquido cefalorraquidiano. Na doença de Chagas crônica, o coração é o órgão mais comumente afetado. Corações obtidos de necrópsias de pacientes que morreram de miocardiopatia chagásica geralmente têm uma aparência global refletindo o aumento biventricular e o afinamento das paredes ventriculares. A trombose mural está frequentemente presente e um aneurisma apical do ventrículo esquerdo é típico na doença avançada. No nível celular, o processo subjacente a estas anormalidades macroscópicas patológicas é uma inflamação crônica com infiltração de células mononucleares, fibrose intersticial difusa e atrofia das células miocárdicas. A inflamação crônica afeta o sistema de condução e causa uma variedade de distúrbios do ritmo, incluindo bradiarritmias e fibrilação atrial; contrações ventriculares prematuras, bloqueio de ramo (muitas vezes do direito), taquicardia ventricular e bloqueio atrioventricular de terceiro grau. Os parasitas são raramente vistos em tecidos infectados por métodos histológicos convencionais, mas vários estudos usando a reação em cadeia da polimerase (PCR) encontraram uma correlação entre a intensidade da inflamação e a presença de parasitas. A evidência acumulada até a data implica uma persistência de parasitas e da inflamação crônica resultante nos tecidos afetados – em vez de mecanismos autoimunes – como a base para a patogênese em pacientes com infecção crônica por T. cruzi. A dilatação e hipertrofia observadas no exame macroscópico do esôfago ou cólon de um paciente com a doença de Chagas crônica do trato digestivo (doença megálica) foram notáveis. Lesões inflamatórias focais com infiltração linfocítica foram observadas no exame microscópico de tecidos afetados. Além disso, o número de neurônios no plexo mioentérico é reduzido e a fibrose periganglionar e a intraganglionar com a proliferação de células de Schwann e linfocitose estão presentes. Na maioria dos pacientes as consequências clínicas da denervação parassimpática são limitadas ao esôfago ou ao cólon (ou ambos), mas os ureteres, a árvore biliar e outras vísceras ocas também podem ser afetados. Manifestações clínicas Doença de Chagas Aguda A doença de Chagas aguda é geralmente uma doença infantil, mas pode ocorrer em qualquer idade. Os sintomas são normalmente leves e inespecíficos. Quando o parasita entra por um corte na pele ou no local da picada do vetor, como observado, um chagoma pode aparecer com uma linfadenopatia local. O sinal de Romaña, o achado clássico da doença de Chagas aguda, consiste de um edema indolor dos tecidos palpebral e periocular e pode aparecer quando a conjuntiva é a porta de entrada. Estes sinais locais iniciais podem ser seguidos de febre, mal-estar, anorexia e edema da face e das extremidades inferiores. A linfadenopatia generalizada e a hepatoesplenomegalia também podem estar presentes. A miocardite aguda pode então desenvolver-se e a maioria das mortes deve-se à insuficiência cardíaca congestiva resultante. A meningoencefalite é uma complicação rara. Em pacientes não tratados a doença aguda resolve-se espontaneamente ao longo de um período de 6 a 8 semanas, conforme o paciente entra no estágio indeterminado da doença de Chagas, que é caracterizada por uma parasitemia subpatente, a ausência de sinais e sintomas associados e anticorpos facilmente detectáveis para o T. cruzi. A patogênese da fase aguda da doença de Chagas, que segue após a infecção inicial, leva ao acometimento na derme ou mucosas que progride para o parasitismo dos tecidos. Logo após penetrar a célula, o Trypanosoma cruzi se prolifera em seu interior, esse processo culmina com a ruptura celular, liberação das formas amastigotas ou epimastigotas e antígenos. Esses antígenos são responsáveis pela estimulação do sistema imune e, associada às outras substâncias liberadas pela apoptose, estimulação do processo inflamatório. Ao penetrar no organismo é fagocitado por macrófagos e se multiplica ativamente; logo se estabelece uma resposta imunológica inata que estimula os linfócitos NK à produção de citocinas como o TFNy que estimula os mecanismos microbicidas dos macrófagos. Estes passam a produzir citocinas, como o TNFa, propiciando a destruição intracelular dos parasitos e necrose de células parasitadas e dos tecidos em torno. Morfologicamente encontramos alguns achados característicos, dentre eles uma miocardite que é caracterizada pela invasão de miofibras dispersas por tripanossomas acompanhada de infiltrado inflamatório de neutrófilos, linfócitos, macrófagos e esporádicos eosinófilos e edema. Além disso, é possível ver alterações em formas de ninhos, esses ninhos são aglomerados de amastigotas. Achados como epicardite também podem ser encontrados, bem como dilatação das câmaras cardíacas e derrame pericárdico. Manifestações clícicas fase crônica A forma crônica cardíaca da doença de Chagas representa uma cardiomiopatia inflamatória e fibrosante que leva a arritmias, cardiomegalia, insuficiência cardíaca e morte. A patogênese da fase crônica da doença de Chagas possui uma série de achados. Eles seguem a infecção inicial pelo parasita que se mantém no tecido levando a uma reação cruzada entre antígenos no parasita e do hospedeiro, no sistema imunológico tanto humoral quanto celular, levando a um aumento da produção de matriz extracelular. A ação conjunta da continuidade da presença do parasito no tecido associada a essa resposta cruzada levam à lesão do miocárdio. Em resumo as alterações morfológicas são: uma miocardite crônica fibrosante, degeneração hialina, edema, hipertrofia e miocitólise das fibras miocárdicas, infiltrado predominantemente linfomononuclear principalmente de células T CD8+ com ocasionais neutrófilos, eosinófilos, plasmócitos e fibrose intercelular. Além disso, o estado inflamatório contribuipara lesão endotelial culminando em lesão microvascular. Essa, por sua vez, é responsável por um processo de isquemia do miocárdio formando um ciclo de lesão que é propagada pelo próprio parasita. O parasita age lesionando os feixes nervosos, desnervando o miocárdio e contribuindo para o aumento da disfunção cardíaca. Cardiopatia Chagásica Crônica Apenas 10% a 30% das pessoas infectadas cronicamente pelo T. cruzi manifesta clinicamente a doença, o que muitas vezes envolve distúrbios do ritmo ou miocardiopatia. Os sintomas da forma cardíaca da doença de Chagas podem se desenvolver insidiosamente ao longo de anos, ou mesmo décadas, após a infecção inicial. Os achados clínicos incluem distúrbios do ritmo, insuficiência cardíaca congestiva e tromboembolismo que caracterizam a doença. Tonturas, síncope e até mesmo convulsões podem resultar de uma grande variedade de arritmias. A cardiomiopatia frequentemente leva à falência biventricular e a insuficiência cardíaca do lado direito pode predominar em pacientes com a doença avançada. Uma ferramenta válida para a avaliação do grau de risco foi desenvolvida para avaliar o prognóstico. A doença de Chagas crônica é um fator de risco independente para o acidente vascular encefálico. O envolvimento cardíaco na doença de Chagas é caracterizado por dilatação biventricular, adelgaçamento das paredes, lesão vorticilar ou aneurisma apical, presente em 50% dos casos, áreas de endocardite mural e trombos cavitários. Essa lesão corresponde a um afilamento da ponta cardíaca com desaparecimento total ou parcial do miocárdio que pode acometer outras regiões como a parede posterolateral do ventrículo esquerdo. Após um período indeterminado da doença, que varia de paciente para paciente, indivíduo poderá apresentar sintomas de insuficiência cardíaca, episódios sincopais, alterações eletrocardiográficas e alterações de contratilidade, de graus variáveis e com potencial evolutivo, é importante salientar que muitas vezes a primeira manifestação da miocardiopatia chagásica pode ser a morte súbita ou fenômenos tromboembólicos pulmonar ou sistêmico. A insuficiência cardíaca na doença de Chagas possui maior repercussão clínica decorrente de disfunção do lado direito. Seus sintomas predominantes são dispneia em repouso e fenômenos congestivos sistêmicos predominantes, pela grave disfunção ventricular direita. As manifestações de insuficiência cardíaca direita são estase jugular, hepatomegalia, ascite e edema, e são mais evidentes que a congestão pulmonar, ortopneia, dispneia paroxística noturna e estertores pulmonares, esses são infrequentes e, quando presentes, podem indicar comorbidades como hipertensão arterial ou insuficiência renal. Palpitações e quadros sincopais decorrentes de arritmia ventricular e ou distúrbios da condução atrioventriculares são frequentes e podem ser as primeiras manifestações clínicas da doença. Dor precordial atípica é frequente e reflete alterações da microcirculação coronariana presentes na miocardiopatia chagásica, ou mesmo decorrentes de fenômenos tromboembólicos pulmonares ou coronarianos na etapa mais avançada da doença. Os pacientes podem apresentar quadros de fadiga crônica, astenia, anorexia, hepatomegalia dolorosa, ascite, plenitude pós-prandial e emagrecimento acentuado, chamado de caquexia cardíaca. Quando em estágios avançados da doença o paciente chega ao serviço de emergência com síndrome de baixo débito cardíaco, caracterizado por sonolência, taquipneia, palidez cutânea, cianose de extremidades, pulso filiforme e alternante, hipoperfusão periférica, hipotensão arterial, pressão arterial convergente, dor no hipocôndrio direito e icterícia. O paciente chagásico se apresenta com quadro de insuficiência cardíaca severa de início recente ou com deterioração aguda precipitada por quadros infecciosos, tromboembolismo pulmonar, arritmia ventricular, bloqueios atrioventriculares, fibrilação atrial ou até mesmo a surtos de miocardite ativa. Há forte correlação entre o quadro clínico e as lesões cardíacas estruturais. Os principais elementos anatômicos responsáveis por insuficiência cardíaca e arritmias são: ■Diminuição da massa muscular, pela destruição progressiva de miocardiócitos por: (a) agressão direta de linfócitos, por autoimunidade; (b) isquemia por lesões vasculares, vasodilatação e fibrose endomisial (esta dificulta as trocas entre a microcirculação e as miocélulas), que reduzem a perfusão tecidual, sobretudo nas regiões distais; (c) em muito menor grau, pela multiplicação de parasitos nas miocélulas, quase sempre discreta. A redução da massa muscular é contínua, progressiva e, provavelmente, proporcional à intensidade da reação imunitária celular. ■Interrupção de miocélulas nos fascículos pelo infiltrado inflamatório e pela fibrose endomisial, que leva à fixação de fibras e fascículos entre si e aos septos conjuntivos interfasciculares. Além de promoverem desarranjo do sincício eletrofisiológico, tais lesões impedem os movimentos de fascículos e de miocélulas durante a contração cardíaca. ■Arritmias cardíacas também associam-se a miocardite. Fibrose extensa em meio a feixes de miocélulas remanescentes retarda a transmissão do estímulo elétrico, favorecendo o aparecimento de circuitos de reentrada e arritmias graves, como taquicardia ventricular sustentada e morte súbita. A fibrose parece contribuir também para fibrilação atrial. ■Acometimento do sistema excitocondutor por inflamação e/ou fibrose pode explicar os bloqueios de condução. Tais lesões podem ser causadas por inflamação e/ou por isquemia provocadas por baixa perfusão pela falta de controle vasomotor. ■Destruição da inervação intrínseca, parassimpática e simpática. Desnervação dificulta a hipertrofia do órgão e retira importante sistema regulador-adaptativo do coração (disautonomia). ■Além de insuficiência cardíaca e arritmias, fenômenos tromboembólicos são manifestações frequentes e importantes em chagásicos crônicos. Trombos intracardíacos em chagásicos falecidos em IC são encontrados em cerca de 75% dos casos. Tais trombos resultam de: (a) inflamação no endocárdio; (b) estase sanguínea dentro do órgão, pela IC; (c) arritmias, como fibrilação atrial; (d) lesão da ponta ou vorticilar. A partir desses trombos, formam-se êmbolos que podem causar infartos, sobretudo no encéfalo, nos pulmões, nos rins e no baço. Doença de Chagas Gastrointestinal Crônica (Doença Megálica) O esôfago e o cólon são os segmentos do trato gastrointestinal mais comumente afetados em pessoas com infecção crônica por T. cruzi. Em pacientes com megaesôfago, os sintomas são semelhantes aos da acalasia idiopática e podem incluir tosse, disfagia, odinofagia e regurgitação. A hipersalivação e a hipertrofia da glândula salivar consequente se desenvolvem em alguns pacientes com disfunção avançada do esôfago. A aspiração pode ocorrer especialmente durante o sono e em pacientes não tratados, episódios repetidos de pneumonia por aspiração são comuns. A perda de peso e mesmo a caquexia em pacientes com megaesôfago grave podem se combinar com a pneumonite para causar a morte. Os pacientes com megacólon chagásico sofrem de dor abdominal intermitente e constipação crônica e em casos avançados podem se passar várias semanas entre os movimentos intestinais. Em raros casos, a obstrução aguda ocasionalmente com volvo, pode levar à perfuração, septicemia e morte. Diagnóstico e tratamento da doença No exame clínico: os sinais podem ser de congestão sistêmica, estase jugular, refluxo hepatojugular, hepatomegalia, ascite e edema de membros inferiores, e os sinais de baixo débito cardíaco. Na propedêutica cardíaca se observa desdobramento amplo da segunda bulha, desvio doíctus cordis para baixo e para esquerda. Verificam- se bulhas hipofonéticas e arrítmicas e presença de terceira bulha. Sopros de insuficiência da valva tricúspide e mitral são comuns e decorrem da dilatação dos anéis atrioventriculares. Embora menos frequente, o paciente pode se apresentar com distúrbios de condução intraventricular bloqueio do ramo direito e hemibloqueio anterior esquerdo e atrioventricular total e com função ventricular preservada ou minimamente alterada, configurando o quadro denominado de forma arritmogênica da doença de Chagas. Quando é solicitado avaliação para a doença de Chagas? - Suspeita de infecção aguda (presença de chagomas ou sinal de Romaña positivo, febre e/ou hepatoesplenomegalia, história de hemotransfusão recente e paciente morador de área endêmica). - Gestante com histórico de hemotransfusão ou moradora de área endêmica; o Filho de mãe com diagnóstico de doença de Chagas. - Indivíduos com alterações cardíacas ou digestivas que evoquem a possibilidade de infecção por T. cruzi. O diagnóstico parasitológico direto baseia-se no encontro de tripomastigotas em amostras de sangue capilar ou venoso, e é particularmente útil na fase aguda da infecção. Na fase crônica, utilizam-se mais frequentemente os métodos diagnósticos indiretos, orientados a identificar componentes da resposta imune específica contra o parasito. - FASE AGUDA OU INFECÇÃO CONGÊNITA Exame parasitológico: detecção de tripomastigotas sanguíneos em exame a fresco em lâmina (pode-se usar coloração vital com azul de metileno), em gota espessa ou esfregaço corado com Giemsa ou Leishman, ou após centrifugação em tubos de micro-hematócrito. A técnica de Strout (centrifugação de amostras de soro) também é utilizada. Sorologia: Nos casos em que não se identifica o parasito na pesquisa direta, a verificação da presença de anticorpos anti-T. cruzi da classe IgM no sangue periférico é considerada sugestiva da fase aguda, particularmente quando associada a contexto epidemiológico e manifestações clínicas. Xenodiagnóstico e hemocultura: podem detectar baixas parasitemias, mas a leitura dos resultados só é feita depois de pelo menos 30 dias (O xenodiagnóstico consiste na alimentação de ninfas de triatomíneos livres de infecção com o sangue de pacientes. Os parasitos, se presentes, multiplicam- se no tubo digestório do vetor. As fezes das ninfas utilizadas no exame são examinadas 30, 60 e 120 dias após o repasto sanguíneo. A hemocultura baseia-se no mesmo princípio: os parasitos eventualmente presentes no sangue periférico dos pacientes podem ser encontrados com maior facilidade após uma etapa de multiplicação de epimastigotas em cultura in vitro.) Reação em cadeia da polimerase (PCR) e outros métodos moleculares: podem detectar e quantificar o DNA do parasito no sangue com alta sensibilidade. Possibilita também determinar o genótipo do parasito, uma informação potencialmente útil para a definição de prognóstico. - FASE CRÔNICA Exame parasitológico: Devido à parasitemia subpatente na fase crônica da doença de Chagas, os métodos apresentam comprovadamente baixa sensibilidade, o que implica a ausência de valor diagnóstico quando o resultado for negativo. Sorologia: o diagnóstico é essencialmente sorológico, e deve ser realizado utilizando-se um teste com elevada sensibilidade em conjunto com outro de alta especificidade. Deve ser realizado utilizando-se um teste com elevada sensibilidade (ELISA com antígeno total ou IFI) em conjunto com outro método com elevada especificidade (HAI). Reação em cadeia da polimerase (PCR) e outros métodos moleculares: podem detectar DNA do parasito no sangue ou em tecidos com razoável sensibilidade (50 a 90%), mas não são amplamente disponíveis em áreas endêmicas. Os testes quantitativos possibilitam avaliar se houve redução na carga parasitária após o tratamento. Raio X de tórax: Nas fases avançadas da doença estará marcada pela cardiomegalia muitas vezes massiva, que pode incluir os sinais de aumento não só de VE como também de ventrículo direito e de ambos os átrios; porém, o grau de congestão pulmonar é muitas vezes discreto, desproporcionalmente ao grau de cardiomegalia. ECG: as alterações eletrocardiográficas mais prevalentes são os distúrbios de condução pelo ramo direito e o hemibloqueio anterior esquerdo, alcançando 50% nos pacientes desse grupo. Essas alterações nos sistemas d e condução podem ser evolutivas, como os retardos de condução AV. A disfunção do nó sinusal também pode ser causa de bradicardia; já as arritmias atriais tendem a ocorrer na evolução da cardiopatia com disfunção ventricular avançada IMPORTANTE: São necessários 2 testes positivos para concluir o diagnóstico de Doença de Chagas, na fase crônica. Considera-se indivíduo infectado na fase crônica aquele que apresenta anticorpos anti-T. cruzi da classe IgG detectados por meio de dois testes sorológicos com princípios/métodos distintos ou que possuam diferentes preparações antigênicas. Tratamento medicamentoso O medicamento usado para a quimioterapia específica da doença de Chagas é o Benznidazol, que é um antiparasitário. Esse medicamento é mais indicado para tratamento da fase aguda (alta parasitemia), uma vez que consegue eliminar apenas as formas Tripomastigotas sanguíneas, que ficam livres no tecido sanguíneo. - INDICAÇÕES Pacientes em fase aguda. Pacientes crônicos até 12 anos de idade. Paciente com forma crônica indeterminada, para estabilizar o quadro e não evoluir para forma cardíaca ou digestiva. - FASE CRÔNICA DIGESTIVA OU CARDÍACA Não é recomendado o antiparasitário, apenas o tratamento das manifestações clínicas. Compreender estratégias de prevenção da doença de chagas A prevenção da enfermidade está intimamente relacionada à forma de transmissão. Para a transmissão vetorial, é imprescindível instituir práticas de manejo sustentável do ambiente, de higiene, e medidas corretivas em locais com infestação e melhoria nas condições de moradia. Assim, deve- -se orientar a população para: • Manter quintais limpos, evitando acúmulo de materiais, e manter criações de animais afastadas da residência. • Não confeccionar coberturas para as casas com folhas de palmeira. • Vedar frestas e rachaduras nas paredes e usar telas em portas e janelas. • Adotar medidas de proteção individual, como o uso de repelentes e roupas de mangas longas durante a realização de atividades noturnas, bem como o uso de mosquiteiros ao dormir. • Realizar ações de educação em saúde às populações que vivem em áreas afetadas ou sob risco. Nesse sentido, o agente de saúde é parceiro fundamental para a realização de ações de educação continuada. • Resfriamento ou congelamento de alimentos não previnem a transmissão oral por T. cruzi, mas sim o cozimento acima de 45°C, a pasteurização e a liofilização. Os frutos devem ser lavados e desinfetados antes do preparo. No caso do açaí, é recomendável a aplicação de tratamento térmico, sendo a pasteurização para as agroindústrias, e o branqueamento para os batedores artesanais. NOTA: o branqueamento é um tratamento térmico comumente aplicado após a colheita, seleção e lavagem dos frutos, com o objetivo de inativar enzimas, fixar cor, remover gases dos tecidos, além de diminuir a carga microbiana. • Na transmissão vertical, o que de certo modo é uma situação particular de prevenção secundária, a gestante deve adotar as medidas para prevenir a infecção por outras formas de transmissão. Em casos de gestante sabidamente infectada, é preciso instituir o tratamento ao recém-nascido/ criança, imediatamente após a confirmação do diagnóstico, para aumentar a chance de cura. Além disso, o tratamentoantiparasitário em mulheres em idade fértil pode reduzir o risco de transmissão vertical. Características atuais da saúde indígena Em 2010, foi aprovada a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). O que sua criação traz de novo é, em última instância, a existência de um órgão responsável unicamente pela saúde indígena. A 5° Conferência nacional da saúde, em 2013, foi a primeira subsequente à criação da SESAI. Entre as principais reinvindicações expressas nessa ocasião estava a garantia da assistência integral, para além da atenção básica. Outra reivindicação era de que a atenção primária fosse fortalecida em associação e respeitando os saberes tradicionais indígenas, o que parecia não se consolidar mesmo após a criação da secretaria. A 5ᵃ Conferência foi objeto de críticas importantes, que indicavam limitações no controle social e na participação dos representantes indígenas e questionavam a aprovação de propostas vistas como contraditórias. Indicadores, como a mortalidade geral, materna, número de internações e óbitos por doenças respiratórias e doenças infecciosas e parasitárias na infância e doenças transmissíveis colocam a saúde indígena em franca desigualdade em relação ao restante da população brasileira. O quadro de precariedade se confirma no Inquérito Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, o único inquérito em saúde de abrangência nacional realizado entre esses povos. Esse inquérito registrou elevadas prevalências de anemia (atingindo, além das crianças, as gestantes) e desnutrição, principalmente entre menores de 5 anos, contrastando com a obesidade e o sobrepeso encontrados nas mulheres adultas. O perfil aponta para a importância crescente das doenças crônicas não transmissíveis para os povos indígenas. O inquérito registrou ainda precárias condições sanitárias e taxas elevadas de internação de crianças por diarreia e infecções respiratórias, o que indica a baixa resolutividade das ações na APS. Alguns autores têm descrito a presença de estruturas de saúde precárias e insumos e equipamentos escassos que, somados à alta rotatividade de profissionais e à complexidade logística encontrada em algumas regiões, têm reflexos negativos na qualidade da prestação de serviços dentro dos territórios indígenas. Cuidados paliativos e atenção emergencial têm sido priorizados, caracterizando o enfraquecimento da APS. Em relação à alta rotatividade dos profissionais, o não estabelecimento de vínculo tende a inviabilizar o reconhecimento das especificidades culturais que permeiam o cuidado em saúde desses povos. Consequentemente, Em relação à morbidade, verifica-se uma alta incidência de infecções respiratórias e gastrointestinais agudas, malária, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, desnutrição e doenças preveníveis por vacinas , evidenciando um quadro sanitário caracterizado pela alta ocorrência de agravos que poderiam ser significativamente reduzi dos com o estabelecimento de ações sistemáticas e continuadas de atenção básica à saúde no interior das áreas indígenas. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas possui o propósito de garantir a os indígenas acesso a saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, contemplando a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência entre os brasileiros, reconhecendo a eficácia de sua medicina e o direito desses povos à sua cultura. Para o alcance desse propósito são estabelecidas as seguintes diretrizes, que devem orientar a definição de instrumentos de planejamento, implementação, avaliação e controle das ações de atenção à saúde dos povos indígenas: - organização dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas na forma de Distritos Sanitários Especiais e Pólos-Base, no nível local, onde a atenção primária e os serviços de referência se situam; - Preparar cursos humanos para atuação em contexto intercultural; - Monitoramento das ações de saúde dirigidas aos povos indígenas; - Promoção do uso adequado e racional de medicamentos; - Promoção de ações específicas em situações especiais;
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